Num futuro próximo, Lucy acorda sem recordar nada do seu passado e depressa descobre que foi imprimida (por uma impressora) numa empresa que imprime órgãos humanos para transplante. Lucy foge mas é perseguida por forças que não a querem à solta porque ela é o resultado de uma experiência ilegal e sem ética. Tentando perceber quem a persegue, Lucy encontra outras "impressões" como ela, pessoas que não sabem que foram manufacturadas numa impressora.
"Orphan Black: Echoes" é baseada na série original "Orphan Black" (2013-2017), que eu não vi mas que teve boas críticas. Basicamente, é uma história de clones à procura de identidade própria.
Não quero contar mais nada porque este é daqueles enredos que vivem do suspense, mas vou adiantar isto: tal como em "Pet Sematary", quem é que, podendo, não traria de volta os entes queridos que morreram, seja de que forma for? "Orphan Black: Echoes" é uma série mediana, nada de espectacular, mas tem momentos em que aborda grandes conceitos filosóficos como este. Por muitas réplicas que sejam feitas da mesma pessoa, nenhuma é igual.
Não fiquei maravilhada, mas gostei da maneira com que o enredo me surpreendeu. No início pensava que ia ver uma coisa e afinal vi algo de diferente. Se calhar este efeito não teria acontecido se tivesse visto a série original, mas não faço ideia.
Mesmo assim, "Orphan Black: Echoes" foi cancelada embora acabe num cliffhanger. Não posso dizer que não percebo porque é que foi cancelada sem revelar mais sobre o enredo, mas, em suma, já era esgravatar demais no esgravatado. Também me pareceu que houve plot holes demasiado óbvios para considerar a série bem escrita. Vou dar apenas o exemplo que me aborreceu mais. Este é um mundo em que é possível imprimir órgãos. Existe um génio milionário (o vilão) que até patrocina a clonagem de seres humanos. A certa altura os "bons da fita" decidem fingir a morte de uma pessoa num carro incendiado colocando lá uma mandíbula da "pessoa" em causa, e o vilão nem sequer desconfia de que é um órgão imprimido? Eu penso que por esta altura já nem a polícia deveria confiar em registos dentários para provar um óbito. Achei mal escrito, e foi pena porque de resto a série tem muitas qualidades. Nada de extraordinário, mas interessante.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez
PARA QUEM GOSTA DE: ficção científica, clones, thriller, suspense, filosofia
domingo, 8 de junho de 2025
Orphan Black: Echoes (2023)
terça-feira, 3 de junho de 2025
Methgator (2023)
A única justificação para um filme mau é que nos faça rir e, confesso, este fez-me rir mais do que eu esperava. “Methgator” é a história de um jacaré que comeu um saco de anfetaminas e ficou doidinho.
Nos pântanos da Flórida, um traficante teve o azar de ser comido por um jacaré, que engoliu também a mochila cheia de produto. Viciado, a partir daqui o jacaré só quer droga, o que não significa que não coma também quem apanha pelo caminho. Mas há uma razão porque se chama speeds às anfetaminas: o jacaré está completamente speedado e, em vez de andar na sua forma característica e pachorrenta, agora ele galopa a todo o vapor assim que lhe dá o cheiro da anfa. Mais engraçado ainda, o jacaré começa a perder os dentes, sintoma deste tipo de droga. Dante, um enviado especial da DEA com ligações à terrinha na ilha pantanosa, é enviado ao local para investigar os traficantes e é envolvido no caso do jacaré speedado.
O enredo começa com lógica. Dante salienta que se um animal comer tanta quantidade de anfetaminas tem uma overdose e morre, mas todos lhe dizem que este é um jacaré muito especial, uma besta de 9 metros de comprimento. Aqui a lógica desaparece e entra a fantasia. O jacaré fica cada vez maior e mais forte à medida que come mais anfetaminas, a ponto de já não parecer um jacaré mas um crocodilo, maior do que a vida, e mais tarde ainda quase um Croczilla imune a balas e explosões.
O grande perigo é que o crocodilo encontre o super-laboratório que a polícia procura há muito tempo, o grande supermercado da droga da ilha, que, semelhante a “Breaking Bad”, está construído num subterrâneo. E claro que o super-crocodilo descobre o super-laboratório.
Apesar do enredo estapafúrdio, o filme vê-se bem e, pelo menos a mim, provocou algumas gargalhadas (mas admito que possa ter sido por ter imaginado Walter White vs Croczilla, e pobre crocodilo nesse caso). Aliás, tive muita pena do crocodilo. O bichinho só queria droga prá cabeça, quem é que o pode censurar?
Apesar dos péssimos efeitos especiais há uma cena um pouco perturbadora, quando o crocodilo come um traficante que já se julgava safo. E ainda dá para aprender alguma coisa, uma espécie de luta à chapada que parece ser típica da zona. Não é boxe, é mesmo chapada, e ganha quem puser o outro KO. Onde mais é que se podia aprender uma coisa destas?
12 em 20 (pelas gargalhadas)
segunda-feira, 2 de junho de 2025
“Lethes”, novo livro de D. D. Maio – BREVEMENTE!
LETHES
Sinopse
Reena dá o último passo em direcção ao abismo. Etha faria tudo para conseguir segui-la, se lhe fosse permitido. Duas mulheres tão opostas, ambas anseiam por beber das águas do esquecimento.
Mil anos antes
Um rapaz órfão cria três águias que salvou de um penhasco. Alvo de admiração pelo feito improvável, a sua lenda não termina aqui. Já homem maduro e mercador experiente, decide expandir o comércio às tribos bravias a norte do Antigo Império. Todos o consideram insensato mas nada demove a ambição de quem escalou falésias. Em terras pagãs, conhece uma jovem sacerdotisa caída em desgraça. O novo reino que emerge dos escombros do passado nunca mais será igual.
“Lethes”, um drama em Low Fantasy com grande componente sobrenatural, continua a série iniciada em "Nepenthos", "Miasma", "Solstício" e "Elysion".
domingo, 1 de junho de 2025
The Outsider (2020)
O que parecia ser um crime de pedofilia... não é o que parece.
Como já disse aqui muitas vezes, gosto de ver filmes e séries sem saber nada sobre eles. Comecei a ver "The Outsider" e pensei: "Olha, parece uma história de Stephen King." Imaginem a minha surpresa quando, nos créditos, apareceu "baseado num romance de Stephen King". Estou a ficar uma perita em Stephen King.
Não posso dizer muito sobre a história por causa dos spoilers, mas é sobre o Papão. E também não revelei nada porque todas as histórias de terror são sobre o Papão, como o próprio autor nos ensinou. O enredo desenrola-se mais como um policial (muitas impressões digitais, muito ADN, muitas entrevistas a suspeitos) do que como um filme de terror. Não há aqui criaturas assustadoras nem grandes efeitos especiais, é tudo muito contido.
Às vezes foi difícil acompanhar a série porque tem demasiados personagens, o que é típico de Stephen King. Como estas personagens só lá estão para desempenhar um papel, sem serem desenvolvidas, ninguém quer saber delas para nada. Foi por isso que não percebi qual foi o atirador que matou um suspeito num momento crucial: não tive tempo de lhe conhecer a cara, muito menos o nome. Há outra passagem igualmente frustrante, quando morre a mãe da primeira vítima. Tive de fazer batota e ir à internet pesquisar o que é que aconteceu à mulher. Parece que teve um ataque cardíaco. O que eu vi foi a mulher a prantear e cair de joelhos no chão, como faz uma pessoa que pranteia, não vi ataque cardíaco nenhum. Esta perplexidade, e outras do género que se repetem durante a série, não me deixou apreciar o enredo sem voltar atrás e ver de novo. Aliás, só percebi tudo ao segundo visionamento.
Outro momento de grande perplexidade foi quando está um personagem na prisão e os outros reclusos querem fazer-lhe a folha porque é um "assassino de crianças", mas depois este personagem desaparece e voltamos à prisão com outro personagem que caiu ali de pára-quedas e que eu julguei um membro do gangue que queria fazer a folha ao primeiro, mas afinal não tinha nada a ver com a cena anterior e fiquei muito confusa.
Noutra passagem, e isto vai soar um bocadinho cómico, a entidade malévola faz um escravo que vai a uma loja de ferragens e electricidade comprar candeeiros. Este escravo também tem de ir caçar veados para a entidade e deixa os veados e os candeeiros no meio da floresta. Confesso que este foi o momento de maior perplexidade de todos. Candeeiros no meio da floresta, sem estarem ligados a nada?!.. Tive de ver segunda vez para perceber que o escravo também estava a comprar geradores e gasóleo. Mas que raio de monstro tem medo do escuro? Só entendi isto no último episódio, e mesmo assim estou convencida de que o monstro podia ter arranjado sítio melhor onde morar.
Não faço ideia se eles estavam a seguir a estrutura do livro, mas se estavam deviam ter adaptado melhor. Foi por isso que em "Pet Sematary" tiveram de eliminar a mulher de Judd, que não estava ali a fazer nada. Stephen King, às vezes, não se lembra que as personagens só interessam se causarem impacto, e esta adaptação esqueceu-se de nos dar tempo de chegar a conhecê-las. Se é do livro ou da série, não faço ideia, mas às vezes não percebi exactamente o que estava a acontecer e como é que as personagens tinham chegado do ponto A ao ponto B.
Apesar disto tudo, "The Outsider" é uma boa série, melhor do que "It", e devo dizer que o final me recordou muito de "It" na versão adulta (isto é, com adultos em vez de miúdos). Confesso que não gostei de "It", mas "The Outsider" pareceu-me a versão melhorada, mais realista, muito mais credível do que "It". Recomendo.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 2 vezes (quem perceber tudo à primeira tem os meus parabéns)
PARA QUEM GOSTA DE: Stephen King, terror, It, policial
terça-feira, 27 de maio de 2025
Escape Room (2017)
[contém alguns spoilers]
Para prevenir os mais sensíveis, “Escape Room” é um filme do tipo “Saw”. No entanto, a moda dos Escape Rooms é uma coisa real, em que um grupo de pessoas, por diversão, tem de descobrir pistas e resolver enigmas para “escapar” de um lugar fechado. (Sinceramente, acho que não ia gostar, especialmente se houvesse um deadline. Para stress já me chega o trabalho, obrigadinha.) Mas vamos lá ao filme.
Christen e Tyler são namorados a pensar em tornar a relação mais séria, mas não está tudo bem entre eles. Tyler tem um affair com Natasha, casada com Anderson, ambos amigos do casal. Nunca se sabe exactamente se Christen está a par do affair, mas tudo indica que sim, uma vez que no aniversário de Tyler é ela que oferece convites aos participantes no jantar para uma aventura num Escape Room. A irmã de Tyler e o namorado dela também são convidados, mas uma rapariga sem namorado não é incluída no convite… e safou-se.
Os três casais são levados numa limusine para parte incerta, onde são vendados e drogados e separados em três quartos diferentes. Num écran de televisão, vêem que Christen está presa numa jaula e deduzem que o objectivo final do jogo é “salvá-la”. Para isso têm uma hora para resolver as pistas e enigmas de modo a abrir as portas e chegar até ela. Por esta altura ainda estão todos convencidos de que é tudo um jogo e uma aventura, até que a irmã de Tyler e o namorado têm uma morte horrenda sem causa aparente. É então que as tensões dentro do grupo entram em ebulição. Natasha, que já tratava o marido abaixo de cão antes de tudo acontecer, torna-se verdadeiramente ofensiva, e Tyler, considerado por todos como arrogante e egoísta, começa igualmente a tratá-la com grande desprezo. É impossível que o pobre Anderson não se tenha apercebido também do affair.
Na verdade entram todos em pânico e decidem safar-se cada um por si, excepto o desgraçado Anderson que não tem melhor sorte. A aventura torna-se um pesadelo. Alguém desconhecido (?) controla o “jogo”, como em “Saw”, e nunca tencionou deixá-los escapar.
A grande questão é porquê, que nunca é respondida, tornando o fim bastante frustrante. Talvez o objectivo fosse uma sequela. Algo realmente a lamentar, especialmente porque o filme apostou tanto na dinâmica tensa e vingativa entre os casais, são as más interpretações de todos os actores (e eu raramente me queixo disto). Na vida real toda aquela gente saberia do affair, tal é a falta de subtileza dos olhares trocados entre Tyler e Natasha, e os diálogos (e outros grandes “pormenores”) no Escape Room propriamente dito nem parecem de pessoas naquela situação.
Existem mais filmes em torno desta premissa, talvez para a próxima me calhe melhor.
13 em 20
domingo, 25 de maio de 2025
A Travessia (2025)
Esta é uma série de grande qualidade sobre a primeira travessia aérea do Atlântico Sul por Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Demorei um bocadinho a "entrar" na história porque conheço muito pouco sobre o período histórico (1922) e quase zero sobre aviação (sobre a exactidão técnica da travessia têm de ir ler outra pessoa). Na minha ignorância, confesso, e também falta de interesse, sem desmerecimento dos aviadores, tinha a ideia de que Gago Coutinho e Sacadura Cabral tinham voado para o Brasil numa questão de horas, como hoje. A ignorância é minha, mas é mais uma grande razão para fazer e ver esta série.
Disse que conhecia muito pouco sobre o período histórico, mas mais correctamente devia ter dito que conheço muito pouco sobre este Portugal da alta sociedade dos anos 20, com jornalistas, ministros, aviadores, clubes de Charleston. O que me chegou do Portugal deste tempo, via família, foi miséria, analfabetismo, ignorância, pés descalços, fome e obscurantismo. Este é um Portugal que os meus avós nunca conheceram e nunca puderam transmitir-me.
Sacadura Cabral queria ir mais longe e empreender uma circum-navegação mas não teve financiamento do Governo porque se estava em crise e "o povo tinha fome". Este já é um Portugal que eu reconheço, com a puta da crise crónica e os concursos públicos feitos "à medida", os muito pobres que mal podiam comprar um burro e os muito ricos que queriam comprar hidroaviões. No fim das contas, não foi feita circum-navegação nenhuma e o povo continuou com fome. Há qualquer coisa de muito errado com este país.
Regressando à ficção, adorei a atenção aos pormenores nesta série, desde o guarda-roupa à mobília e à loiça. Muitas peças desta loiça, aliás, que não era loiça cara, era o equivalente da loiça do Continente hoje em dia, ainda me chegou como "antiguidade" a preservar porque ainda era da "mãe da avó". O guarda-roupa lembra-me as fotos de família, e respectivos amigos e colegas, em dias de "tirar fotografia", todos no melhor traje e nos uniformes bem aprumados. Ainda tive um professor de liceu que se vestia assim.
Vou só apontar uma criticazinha picuinhas. Pareceu-me que as cenas no avião precisavam de mais vento. Sei que em Hollywood têm umas máquinas de vento que fazem voar os cabelos, mas imagino que isso deva ser muito caro. Também presumo que a barulheira no avião devia obrigar os aviadores a gritar uns para os outros para serem ouvidos, o que deveria implicar legendas. Não sei, digo eu.
"A Travessia" é uma série imperdível para quem gosta de História recente e deixa-me muito optimista quanto ao futuro da produção portuguesa de ficção. Se calhar ainda vou ver uma série de terror de jeito feita por cá, falando muito a sério.
Última nota: então a festa do Neptuno, que eu vi em "Das Boot", existia mesmo! Será que ainda existe? Alguém me esclarece nos comentários, por favor?
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez
PARA QUEM GOSTA DE: História, aviação
terça-feira, 20 de maio de 2025
Megalodon: The Frenzy / Megalodonte: O Tormento (2023)
Quando se vê um filme chamado “Megalodonte: O Tormento”, o título não engana: vai ser um tormento. No meu caso foi mesmo uma tortura, porque demorei umas 4 ou 5 vezes até conseguir vê-lo até ao fim e só por uma questão de curiosidade mórbida em perceber até que ponto a qualidade podia descer. Este é, a todos os níveis, um dos piores filmes a que já assisti na vida: tão mau, mas tão mau, que merece que se escreva sobre ele.
Para “publicitar” este filme e outros do género, o SyFy tinha um anúncio hilariante que seguia mais ou menos assim: “Gostas dos melhores, dos maiores, dos mais épicos, dos mais espectaculares filmes de Hollywood? Não estavam disponíveis. Isto é o que sobrou.” Adorei a honestidade. Pelo menos o Syfy não quer vender gato por lebre, diz logo que os filmes não valem um chavo.
O “enredo” é mais ou menos este: ao mesmo tempo que um megalodonte (tubarão extinto que pode chegar aos 60 metros) anda a atacar o navio militar King (não há contexto anterior), uma instalação científica que pretende aproveitar a energia de vulcões submarinos, o Cratus, começa igualmente a ser abalroada por um megalodonte que mais tarde se descobre ser uma fêmea grávida. À medida que os cientistas se apercebem, pelas notícias, que andam uns cinco megalodontes à solta a causar carnificina, decidem prender a fêmea nas instalações submarinas e pedir ajuda ao King, que já está em más condições com falta de pessoal e sem munições. Por este motivo, o King recorre ao navio militar mais próximo, o Fragasso, que se dirige também em auxílio do Cratus.
Entretanto, a megalodonte presa no Cratus começa a ficar muito irritada e a atirar-se contra as instalações, ameaçando destruí-las, o que pode causar um tsunami no Havai porque (acho eu) isso rebentaria a ligação do Cratus ao vulcão. Deste modo, os cientistas decidem antes atrair os megalodontes à Cratus e fazer explodir as instalações, fugindo no submersível. Juro que os cientistas explicaram todas estas reviravoltas de planos umas 4 ou 5 vezes e mesmo assim não consegui acompanhar o que raio é que iam fazer.
Este é mais um filme feito com 10 euros e roupa emprestada. As actuações são piores do que más, do piorio mesmo. O comandante do King tem mais pinta de realizador de cinema do que de alguém que alguma vez tenha pertencido ao exército. Se quiser ser mazinha diria que o comandante do navio é o realizador do filme, a cientista é a mulher dele, a cientista-estagiária é a filha dos dois, e os muitos figurantes são colegas da faculdade que esta convenceu a aparecer no filme de graça, muitos deles com o sorriso estampado no rosto de quem diz “olá mãe, estou num filme” apesar de naquele momento correrem o risco de ser comidos por tubarões de 60 metros. É ver para crer. Logo na primeira cena estão uns marines deitados no chão a fingir que estão mortos e, palavra de honra, percebe-se logo que estão vivinhos da silva. Pelo menos espalhavam uns baldes de ketchup a fazer de sangue para mais realismo, mas nem isso. “Megalodon: The Frenzy” deve ser daqueles que andam a competir pelo título de Pior Filme de Sempre para destronar “Plan 9 From Outer Space”. Por falar nisso, os efeitos especiais são verdadeiramente… especiais. Tão especiais que parecem desenhos animados.
Há uma cena paradigmática de má representação, quando a cientista-chefe, num submersível, é perseguida pelo primeiro megalodonte que aparece no filme, e que conseguiria engolir o submersível e tudo. Quando ela se apercebe de que não consegue acelerar mais pede ajuda à central de comando: “O que é que eu faço?”, pergunta, como se nem fosse nada com ela. Sei lá filha, que tal gritar histericamente, desatar a transpirar, entrar em pânico como qualquer ser humano prestes a ser comido vivo?
Mas no meio desta desgraça toda encontrei dois actores que sabem o que é representar num filme. Sem ironia, são eles os ilustres desconhecidos:
Jeffery Daniels, como cientista Kurt Holt, que se manteve sempre no papel com toda a seriedade enquanto a cientista-chefe ia debitando barbaridades atrás de barbaridades sem tirar os olhos do monitor (se calhar estava a ler as deixas porque não teve tempo de as decorar);
Jordan Hubbard, como Kacey Keele, capitão do Fragasso, a única tentativa de inserir algum drama nisto tudo uma vez que Keele já não era o comandante do navio mas na ausência deste toma a responsabilidade de salvar os civis. Quando o actor olhava para a água fazia-nos acreditar que estava mesmo a ver os megalodontes.
Nesta tragédia de filme, ambos os actores podiam ter-se abandalhado, mas não, continuaram a representar estóica e profissionalmente como se estivessem a concorrer para os Óscares.
UMA GRANDE SALVA DE PALMAS PARA ELES!
“Megalodon: The Frenzy” podia ter recorrido ao humor (como a série de “Sharknados”) mas insistiu em levar-se muito a sério. Eis um filme que devia ser visto em todos os cursos de futuros profissionais de cinema como exemplo do que não fazer num filme.
Novamente sem ironia, salvam-se umas imagens subaquáticas de um recife que não têm nada a ver com o filme (que se passa nas profundezas): alguinhas, peixinhos coloridos, muito bonito.
5 em 20 (pelos peixinhos)
domingo, 18 de maio de 2025
Solum (2019)
Realizado por Diogo Morgado, “Solum” é um filme português que se aventura por um género pouco (ou nada?) explorado entre nós, a ficção científica. Os actores são portugueses mas o filme é falado em inglês (se não os consegues vencer junta-te a eles…), o que me leva a concluir que havia ambições de singrar no estrangeiro. Li algumas críticas de “cá” que não são muito favoráveis, mas eu não achei o filme assim tão mau, se calhar porque estou habituada a muito pior no canal Syfy e “Solum”, apesar do orçamento reduzido, até não se safa muito mal.
Mas vamos ao enredo, que é o que interessa. Oito concorrentes participam num reality show numa ilha deserta (as paisagens são dos Açores). O último a desistir é o vencedor do concurso. (Muita gente comparou esta premissa aos “Hunger Games”, mas eu ainda me lembro de um concurso semelhante chamado “Survivor” nos anos 90 e acho que os “Hunger Games” não são para aqui chamados.) Depressa os concorrentes percebem que de facto estão ali para sobreviver, e com mais gravidade do que pensavam. Entretanto, dois deles parecem saber mais do que os outros, e um deles decide mesmo eliminar a competição com um arco e flechas. Este pode parecer tresloucado, mas no fim acaba por dar uma explicação plausível, concorde-se ou não.
A parte que os concorrentes não sabem (e que nós também não compreendemos muito bem) é que o planeta Terra foi destruído (vemos muito ao de longe uma bomba nuclear (?) cair na Europa) e que o jogo está a ser organizado por extraterrestres que estão a “seleccionar” os melhores espécimes para… levar para o planeta deles?…
Aqui é que o filme se torna realmente confuso. Este “reality show” está mesmo a acontecer na realidade, numa ilha deserta, ou é completamente virtual e os concorrentes estão metidos em pods algures numa nave espacial e não sabem?
“Solum” acaba por resumir-se a uma “moral da história” muito batida, isto é, será que os seres humanos merecem uma segunda oportunidade depois de destruírem o seu próprio planeta? Nesse caso direi que o filme é demasiado optimista. Não vai haver nenhuns extraterrestres para nos salvar. Teria sido uma melhor premissa.
12 em 20
terça-feira, 13 de maio de 2025
Lights Out / Terror na Escuridão (2016)
Eis um filme excelente para quem tem medo do escuro. Estou a brincar. É mesmo um filme para NÃO ver por quem tem medo do escuro.
Martin é um miúdo que vive aterrorizado pelo escuro e com boa razão. Sophie, a mãe, para além de psicótica é perseguida pelo fantasma de uma amiga de infância que só se manifesta no escuro. Mas esta não é uma assombração vulgar. Sophie e Diana (o nome da amiga) estiveram internadas juntas num hospital psiquiátrico quando eram crianças. Diana sofria de uma sensibilidade extrema ao sol. Numa tentativa de “cura”, os médicos submeteram-na a intensa radiação solar… e a miúda morreu. Sophie conseguiu controlar a psicose com medicação e viver uma vida mais ou menos normal, mas sem os remédios começa imediatamente a receber a visita do fantasma da amiga. Na verdade, Sophie sente-se imensamente culpada por ter esquecido Diana, não quer mandá-la embora e está convencida de que a amiga jamais faria mal à sua família.
Martin sabe que não é verdade e desiste de dormir de noite, o que faz com que adormeça durante as aulas. A escola tenta contactar a mãe, que não está disponível devido ao surto de psicose mais recente, e tem de recorrer a Rebecca, meia-irmã de Martin, uma jovem adulta e independente que não quer compromissos nem com o namorado.
Martin não julga que a irmã acredite nele mas mesmo assim fala-lhe de Diana e, para sua grande surpresa, Rebecca não apenas acredita nele como se recorda de Diana da sua própria infância e foi mesmo por isso que se afastou da mãe e do irmão. Rebecca também sabe que Diana ataca toda a gente que considera uma ameaça que a afaste de Sophie e a partir daí decide fazer tudo para salvar Martin, nem que tenha de o retirar à mãe.
Como filme de terror, penso que “Lights Out” peca em relação à vilã. Afinal, a miúda foi assassinada na infância. É-nos dito que mesmo antes disso Diana era “agressiva” mas esta agressividade nunca é explicada. Todavia, uma miúda que sofre de uma doença rara, que certamente é ostracizada pelas outras crianças a ponto de só ter uma única amiga, e que foi enfiada num hospital psiquiátrico, não é apenas normal que tenha ataques de raiva? E não é normal, como fantasma, que permaneça agarrada a essa única amiga e que se considere ameaçada por toda a gente que as tente separar? Diana só existe ainda, afinal, porque Sophie se lembra dela, e Diana quer sobreviver. É impossível não simpatizar. Logo, para mim o filme perdeu muito do elemento de terror porque tive pena da vilã. Uma vilã mais malvada teria tido mais impacto, pelo menos para mim. Desta forma, acabei por focar-me mais no drama do que no terror propriamente dito.
Mesmo assim, é um filme interessante com alguns momentos de tensão, se bem que me pareça dirigido a um público muito jovem.
12 em 20
domingo, 11 de maio de 2025
The Last Kingdom (2015 - 2022) - Destiny is all!
Então, afinal Athelstan existiu mesmo! Eu sempre pensei que fosse uma personagem ficcional de "Vikings", tal foi a falta de verosimilhança com que o retrataram. O mesmo se pode dizer de todas as personagens e até do enredo de "Vikings", algo que oscilava nas ondas da incoerência como um barco viking nas ondas do mar sem rota traçada.
O mesmo não se pode dizer de "The Last Kingdom", uma história com cabeça, tronco e membros. "The Last Kingdom" é a odisseia de Uhtred de Bebbanburg, um nobre nascido saxão e criado por vikings, no objectivo de recuperar o título usurpado pelo seu tio. Apesar de todas as proezas militares ao serviço dos reis de Wessex, Alfred e Edward, isto não foi tarefa fácil porque Bebbanburg se situa no norte da (actual) Inglaterra e os reis de Wessex não arriscavam dar-lhe o apoio necessário numa época em que eram acossados por raides vikings nas suas próprias terras.
Só tenho bem a dizer de "The Last Kingdom", uma história que me viciou desde o princípio. É verdade que o enredo foi "manobrado" para haver sempre uma grande batalha no início e no fim de cada temporada, mas numa série centrada à volta da conquista/invasão viking é natural que assim seja. No ínterim, temos drama, romance, humor, momentos filosóficos e passagens dignas de Shakespeare se Shakespeare tivesse escrito para a televisão (só dois exemplos na última temporada: o discurso de Lord Aethelhelm e o pranto de Lady Aelswith). Acredito mesmo que seja esta a maior diferença entre "The Last Kingdom" e "Vikings", duas séries sobre o mesmo tema, a primeira da perspectiva dos saxões, a segunda da perspectiva dos vikings. "The Last Kingdom" é uma série muito mais convencional, com personagens e circunstâncias históricas e religiosas que nos são mais familiares. Se "Vikings" era mitológico, "The Last Kingdom" está bastante mais ancorado na História como esta chegou até nós e focado na construção da futura Inglaterra. Basta dizer, sem querer entrar em muitos spoilers, que a derradeira batalha é entre saxões, embora envolvendo nórdicos instalados há gerações em terras britânicas.
Aproveito para falar já das batalhas propriamente ditas. Costumo queixar-me de batalhas em que não se percebe nada do que está a acontecer, em que não se distingue quem está a fazer o quê e onde. Só tenho a dizer o contrário de "The Last Kingdom". As batalhas estão excepcionalmente bem filmadas, com perspectivas aéreas que nos permitem ver a posição dos adversários, com destaques nos confrontos entre personagens principais sem fazer parecer que a guerra parou toda para se poder ver este ou aquele duelo (outra coisa que acontece muito nos filmes de acção), sem que a importância dada a estes confrontos nunca torne a batalha lenta ou irrealista. Vindo de mim, é um elogio: nunca me senti perdida, percebi sempre o que estavam a fazer, onde se situavam os exércitos, qual era a posição e a força numérica de cada um, qual era a estratégia de defesa e ataque, quem estava a ganhar ou a perder e porquê, e quem eram os protagonistas decisivos. Todos os filmes de acção deviam pôr os olhos nisto. É assim que se filmam batalhas.
A última batalha, no último episódio da última temporada, é a mais épica de todas, uma das coisas mais arrepiantes que já vi numa batalha de espadas, e não pelos horrores habituais que se podem esperar deste tipo de conflito. Recomendo a todos os verdadeiros amantes de acção que não percam isto por motivo nenhum.
Mas o que gostei mais em "The Last Kingdom" foram mesmo as personagens de carne e osso, tridimensionais, com as suas forças e fraquezas, virtudes e defeitos, e motivações bem estabelecidas mesmo quando a personagem muda completamente de ideias. Por exemplo, foi penoso assistir a como Brida, uma rapariga aguerrida mas pragmática, se foi transformando numa fanática religiosa e sanguinária para justificar o seu ódio a Uhtred, quando na verdade era evidente que permanecia em negação quanto aos seus próprios erros. Estas são personagens sólidas, complexas, humanas, que nos despertam a empatia. Quando alguma morria, conseguia mesmo afectar-me, até no caso de alguns vilões.
Não quero dizer quem morre, mas vou dar o exemplo de Haesten, porque sei que desde o início toda a gente vai querer ver Haesten morrer, o mais brevemente possível e o mais lentamente possível. A melhor maneira de descrever Haesten é que é um merdas. Haesten é um guerreiro viking mais cobarde do que guerreiro, sempre mais disposto a fugir do que combater, sempre a pendurar-se nas vitórias dos outros e a gabarolar-se das suas "proezas" inexistentes, um intriguista capaz de trair tudo e todos para satisfazer a cobiça e a ambição, e, pior do que tudo, por várias vezes Haesten tenta tomar mulheres à força, especialmente as prisioneiras de guerra como a princesa Aethelflaed, por quem chega a desenvolver uma obsessão muito para além das práticas normais dos vikings a ponto de arruinar tudo o que já tinha conquistado para a perseguir. Haesten personifica tudo o que há de mais baixo, egoísta, fanfarrão, ganancioso e desleal. Para que a morte dele nos afectasse, uma série menor teria recorrido a um fim agonizante ou a uma redenção-instantânea de um só gesto de compaixão. Mas "The Last Kingdom" começa a preparar a coisa mais cedo. Anos mais velho, Haesten salva a Lady Eadith de uma situação periclitante sem ter nada a ganhar com isso (embora lhe dê a entender que a queria ter como amante, mas nada que garantisse que tal ia acontecer) e tenta mesmo salvar Aelfwynn, filha da própria Aethelflaed, numa circunstância em que podia antes ter-se salvado a si próprio, o que faz dele quase uma pessoa decente. Eu sabia que Haesten tinha os dias contados (melhor gente do que ele morreu por muito menos), mas nunca me passou pela cabeça ter pena deste merdas. Aliás, quem gostou de "A Guerra dos Tronos" vai apreciar as mortes abruptas, muitas delas no momento e da maneira que menos esperávamos. Mas, ao contrário de "A Guerra dos Tronos", muitas destas mortes não valem apenas pelo efeito de choque, algumas fazem-nos mesmo sentir falta do personagem (incluindo alguns vilões, como disse acima).
Resta-me falar dos momentos de humor, alguns muito subtis, como o homem que leva o porco à taberna (quase nem se dá por ele), ou aquela cena em que uma viúva cinquentona, casta como uma monja, acompanhada da neta adolescente e bonita, recebe as atenções indesejadas de um bêbedo que prefere fazer-lhe olhinhos sem ligar nada à rapariga, deixando a senhora bastante incomodada.
E por falar em viúva, foi impressionante como a rainha Aelswith, mulher de Alfred, se transformou de beata fanática em mulher engenhosa e pragmática, exactamente o contrário do percurso de Brida.
Como já salientei antes, "The Last Kingdom" é também uma grande produção em termos de cenários, guarda-roupa, interiores e exteriores da época. Uma delícia para quem é apaixonado por História.
Uhtred, o protagonista, acaba por ser o personagem menos tridimensional, curiosamente. Tornaram-no demasiado "herói de acção" que vence sempre no fim (ou quase sempre), por muito que tenha de passar para lá chegar. Uhtred também tem virtudes e fraquezas (o orgulho e a teimosia são as que o prejudicam mais) e uma mania embirrante de culpar o destino por tudo (o célebre "destiny is all"), afirmando mesmo que nunca teve escolha, para o bem e para o mal, quando nós vemos perfeitamente que teve e que efectivamente escolheu. No entanto, compreendo que tinham de o fazer heróico. Uthred é uma personagem inesquecível e ninguém queria seguir tamanha odisseia para o ver fracassar no fim. Resta saber se consegue recuperar Bebbanburg ou se o destino lhe reserva outras recompensas. Destiny is all!
Uma última palavra para a excelente banda sonora de Eivør e John Lunn, motivo mais do que suficiente para aguardarmos ansiosamente pelo princípio e fim de cada episódio:
https://www.youtube.com/watch?v=WT65X0eBTEA
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 2 vezes
PARA QUEM GOSTA DE: Vikings, drama histórico
terça-feira, 6 de maio de 2025
Malignant / Maligno (2021)
Quando vi que este filme é do “nosso amigo” James Wan (“Insidious”, The Conjuring”, “The Nun”, etc) fiquei logo à espera do “nosso outro amigo” diabo chifrudo. Tenho para mim que James Wan e o diabo chifrudo são amigos desde a escola primária e que Wan lhe arranja papéis em todos os filmes que faz.
Mas não, nada de diabo chifrudo. A protagonista, Madison Mitchell, é atacada pelo marido abusivo e a partir desse momento começa a ter visões de homicídios como se ela própria lá estivesse. A polícia desconfia dela até ao momento em que descobre um outro suspeito a fugir do local do crime, mas qual é a relação dele com Madison?
Logo no princípio do filme assistimos ao que parecem experiências com crianças num hospital que me recordou o laboratório de “Stranger Things” onde “treinavam” Eleven. Mais tarde descobrimos que Madison é adoptada e que o seu irmão gémeo pode ser o autor dos crimes cujas vítimas são precisamente os médicos do hospital que vimos no início.
Confesso que o filme me “enganou” bem enganada, porque a natureza dos crimes é muito mais mirabolante do que eu podia imaginar. Li qualquer coisa sobre um caso destes algures num século passado mas, para dizer a verdade, sempre achei que era uma história da carochinha (não havia fotografias do fenómeno). E depois deste filme também não sei se acredito. Mas também não é para acreditar, pois não?
Apesar das incoerências de “Malignant” (o suspeito parece ter poderes sobrenaturais como a manipulação de electricidade e aparelhos transmissores, mas nunca os usa com muita regularidade porque a sua “especialidade” é luta corpo a corpo…), parece-me que este foi o filme de James Wan que detestei menos (exceptuando “The Conjuring” que, ame-se ou odeie-se, é um bom filme). O enredo é rebuscado, direi mesmo tresloucado, se não impossível de todo, e a crítica arrasou-o, mas eu diverti-me.
13 em 20
domingo, 4 de maio de 2025
The Cellar / A Cave (2022)
Uma família de posses, pai, mãe, filha adolescente e filho mais novo, compram um casarão na Irlanda no meio de nenhures que mais parece um hotel. (A sério, porque é que uma família de quatro pessoas compra uma casa tão grande? Só os custos de manutenção – limpeza, electricidade, jardim – são um filme de terror.)
Curiosamente, a cave parece bastante pequena para uma casa tão grande: só espaço para meia dúzia de vassouras, duas estantes de vinhos e pouco mais.
Certa noite em que os pais têm uma reunião de trabalho e a filha mais velha, Ellie, fica a tomar conta do irmão, falta a luz em toda a casa. Num telefonema com a mãe, Keira, esta convence Ellie a descer à cave para ligar os disjuntores, indicando que são apenas 10 degraus e incentivando Ellie a contá-los um a um para não ter medo. Só que quando Ellie chega ao fim continua a contar, a contar, e desaparece na cave sem deixar rasto.
A polícia e o pai não dão muita importância ao desaparecimento porque Elllie já tinha fugido antes e voltava sempre a casa, mas a mãe suspeita que algo de muito diferente se passou desta vez.
Keira começa a notar coisas estranhas na casa, nomeadamente símbolos desconhecidos em cima de cada porta e uma equação misteriosa no último degrau das escadas da cave. (Eu percebi logo que os símbolos eram letras hebraicas. É muita Bíblia, meus amores, muita Bíblia! Quanto à equação, embora eu esteja convencida de que a matemática é obra do Demo, não faço ideia.) Outras coisas sinistras se passam na casa, nomeadamente falta a luz quando é mais necessária, existe um gramofone antigo que reproduz a equação e uma série de números, portas abrem-se para divisões onde não devia existir nada e o miúdo mais novo parece hipnotizado e tenta dirigir-se a elas, objectos movem-se sozinhos (como as contas de um velho ábaco que se deslocam de um lado para o outro), enfim, o costume numa casa assombrada.
Keira começa a investigar o antigo dono da casa, um tal de Dr. Fetherston, matemático, ocultista e alquimista, e descobre que toda a família do Dr. Fetherston também desapareceu em circunstâncias misteriosas. Keira procura a universidade do Dr. Fetherston e fala com o seu sucessor, Dr. Fournet, um génio matemático. Este não reconhece a equação mas identifica-a como parte de uma sequência incompleta. Também é ele quem lhe diz que Dr. Fetherston foi colega de Erwin Schrödinger (sim, o sádico do gato), e a partir daqui eu acredito que ambos andavam a tramar tudo o que é maléfico, maligno e malvado em geral. Mais tarde, o Dr. Fournet contacta Keira e informa-a de que encontrou outra sequência da equação numa casa belga, de onde igualmente desapareceu uma família inteira. Também é ele quem descobre que as letras hebraicas na casa de Keira formam a palavra Leviatã. O “grande Leviatã”, aqui associado a Baphomet, é um dos nomes bíblicos para o Diabo, mas eles só descobrem quase no fim do filme. (Muita matemática, pouca Bíblia, dá nisto.)
Quando finalmente Keira percebe que existe algo de maléfico na casa, mais propriamente na cave, já é tarde demais.
Há duas cenas arrepiantes neste filme pouco original. O disco do gramofone tem o poder de hipnotizar quem o ouve. A certa altura Keira encontra o filho e, mais perigoso ainda, o marido, completamente possuídos pela força maléfica que os quer levar para a cave e eu pensei num cenário tipo Amityville. A outra cena é a própria cave. Como disse a princípio, com as luzes acesas esta parece demasiado pequena para aquela enormidade de casarão, mas com as luzes apagadas os degraus parecem estender-se até um infinito de vastidão ameaçadora. É verdadeiramente assustador e eu não desceria aquela escada por motivo nenhum, especialmente por ser tão enganadora com a luz acesa.
“The Cellar” tem bastantes elementos para um grande filme de terror e obviamente que uma força demoníaca quer capturar aquela família (e outras), mas nunca chegamos a entender porquê nem para quê, o que não nos ajuda a perceber a história, se é que podemos falar em história se não existe um fim minimamente compreensível. O filme parece antes uma manta de retalhos (ou clichés) que são promissores de início mas que nunca se transformam num todo com cabeça, tronco e membros. Foi pena.
13 em 20
terça-feira, 29 de abril de 2025
Dracula: The Original Living Vampire / Drácula: O Vampiro Ainda Está Vivo (2022)
Apesar de ser um Drácula com personagens de Bram Stoker (não obstante as liberdades criativas) não é fácil entrar neste filme. “Dracula: The Original Living Vampire” passa-se numa modernidade imprecisa e os actores falam e agem como personagens do século XIX, num inglês ultra formal e britânico, com acção e diálogos lentos como numa peça teatral ou num filme antigo, ou como no próprio livro de Bram Stoker. A princípio estranhei, mas a certa altura concluí que um filme de 2022 com produção americana (embora filmado na Sérvia) não podia ser tão mau. Já vi demasiadas produções de The Asylum para esperar melhor. Então, só podia ser de propósito. E de facto o filme cria uma atmosfera intemporal, especialmente com a iluminação. Na altura já existe luz eléctrica mas pelo fim de “Dracula: The Original Living Vampire” conseguimos ficar perfeitamente convencidos de que tudo se passa à luz de velas. Admito que o espectador actual tenha alguma impaciência com a lentidão e a teatralidade do início, mas a acção vai acelerando progressivamente, pelo que o princípio é mesmo propositado.
As personagens não são exactamente quem esperávamos. Van Helsing é Amelia Van Helsing, detective pragmática que não acredita em vampiros, Mina Murray é a namorada dela, Johnathan Harker é o cientista com um interesse pelo oculto, Renfield é o chefe de polícia. O conde Drácula é ele próprio, o único e imortal.
Como tal, começam a aparecer cadáveres de mulheres ruivas sem uma gota de sangue. Van Helsing descobre que os crimes são semelhantes a uma série de homicídios que aconteceram há 100 anos, mas julga apenas coincidência. Nesta mitologia, Drácula foi um nobre de outros tempos cuja noiva, ruiva, morreu no dia de casamento. Desde então Drácula tem matado as mulheres ruivas que encontra e que o recordam da noiva, se bem que ao “matá-las” estas se transformam em vampiras.
Drácula está na cidade (onde esteve há 100 anos atrás) para se instalar, e para isso recorre aos serviços da empresa de Mina, ficando ela encarregue de lhe encontrar uma casa. Drácula está convencido de que Mina é a reencarnação da sua noiva e rapta-a. O resto do filme segue a história original: Amelia Van Helsing e Johnathan Harker têm de correr contra o tempo antes que Drácula a transforme em vampira.
“Dracula: The Original Living Vampire” pode não ser a melhor adaptação do clássico de Bram Stoker mas é interessante e vê-se bem se não se tiver muitas expectativas. Uma mistura da história original com elementos modernos. Gostei imenso do fim.
12 em 20
domingo, 27 de abril de 2025
And the Ass Saw the Angel, de Nick Cave
Conhecia este livro quase há tanto tempo como conheço Nick Cave, mas a oportunidade nunca se proporcionou. Não fazia ideia do que ia ler.
Esta é a história de Euchrid Eucrow, um desgraçado que já era desgraçado antes de nascer. Mãe alcoólica, pai indiferente. Nos anos 30, numa miséria humana em todos os sentidos, Euchrid nasce junto a uma comunidade fortemente religiosa sem nunca lhe pertencer. O negócio dos pais, ao que parece, é produzir zurrapa para os vagabundos que abundam pelo vale. O passatempo da mãe é torturar Euchrid, o passatempo do pai é torturar os animais ainda vivos que apanha nas suas armadilhas. Euchrid não é filho único. O seu irmão gémeo, o primogénito, morreu logo depois de nascer e foi enterrado no quintal.
Euchrid é mudo de nascença, o que, conjuntamente com o seu status familiar abjecto, o torna alvo de perseguição e tortura pelos habitantes mais perversos do vale.
Sem ninguém que o proteja, pela altura em que os pais morrem Euchrid já está meio louco. Na falta deles, enlouquece de vez. Convence-se de que é um mensageiro, um sabotador por ordem divina, ouve a voz de Deus, vê um anjo da guarda, vê fantasmas, acredita-se um rei num reino de sucata que tem como súbditos os pobres animais estropiados e famintos apanhados nas armadilhas que herdou do pai. Testemunhar os delírios de Euchrid, relatados na primeira pessoa, é acompanhar uma descida aos abismos mais alucinados da loucura. Muitas vezes os seus devaneios são já tão desligados da realidade que Nick Cave tem de "intervir" para nos elucidar sobre o que está realmente a acontecer. Euchrid começa a sofrer de "apagões" ("deadtime", como ele lhes chama) em que não se lembra do que fez. Euchrid também tortura animais, o que só não é mais difícil de ler porque percebemos que a violência vem de uma mente paranóica e demente, como, por exemplo, quando ele espanca um cão porque o cão estava a "troçar dele". Num sonho, ou visão, Euchrid vê-se a estrangular o próprio irmão com o cordão umbilical no ventre materno, o que seria impossível mas que nos esclarece sobre o seu estado mental. Por outro lado, o facto de Euchrid se intitular a si próprio "sabotador" (algo que o fantasma do pai também lhe chama, acusatoriamente) dá-nos razões para suspeitar que tenha matado o pai, muito embora ele diga que eram próximos e que não tinha nenhuma razão para fazer isso. Tirando a "nenhuma razão", tem todas as razões, e tem apagões em que não se lembra do que fez, e não se pode confiar numa palavra de Euchrid por muito que ele acredite piamente no que diz.
A história de Euchrid é violenta, chocante, pesada e perturbadora. A escrita de Nick Cave é magistral, erudita, avassaladora, mas com a componente lírica que seria de esperar. Nick Cave, como os fãs já sabem, é também um letrista fora de série, um contador de histórias extraordinário, um daqueles raros mestres do ofício de escrever que conseguem fazer tudo o que querem das palavras. Quem acompanha Nick Cave, tanto a solo como nos Birthday Party ou nos Grinderman ou com os Bad Seeds, vai reconhecer neste livro muitos temas recorrentes na obra musical, alguns desenvolvidos de forma diferente, outros muito semelhantes, como no caso do cavalo chamado Sorrow ou de "The Firstborn Is Dead".
Após ler "The Death of Bunny Munro" e "And the Ass Saw the Angel", e de ficar arrebatada pelo talento de Nick Cave (também) como romancista, quase me perguntaria porque é que ele não escreveu mais livros se não soubesse já a resposta. Depois de "The Death of Bunny Munro" a tragédia abateu-se. E voltou a abater-se poucos anos depois. Compreendo que o autor possa não estar no melhor espaço mental para escrever neste momento, mas a tragédia e o luto são um grande catalisador para a criação artística e eu vou manter a esperança.
Aconselho veementemente os livros de Nick Cave a todos os fãs, os que melhor vão conseguir apreender todo o significado e simbolismo da sua obra em prosa. Quanto aos que ainda não conhecem a música de Nick Cave, recomendo também e prometo que a música é tão boa ou melhor.
terça-feira, 22 de abril de 2025
The Wolf of Snow Hollow / O Lobo de Snow Hollow (2020)
Vi este filme uma vez e, confesso, achei uma cagada e apeteceu-me apagá-lo logo. Mas depois tive um pesadelo com a porcaria do filme. Uma vez que me tocou a nível inconsciente, decidi ver outra vez para perceber porque é que não gostei. E voltei a ter um pesadelo (já não sei se relacionado com o filme). Logo, “The Wolf of Snow Hollow” consegue algo que se calhar não queria conseguir tão bem: aterrorizar.
O próprio título indica, o filme é sobre um lobisomem. Na pacata cidade de montanha de Snow Hollow, crimes horrendos começam a acontecer todas as noites de Lua Cheia, sobressaltando os residentes, afastando os turistas da estância de esqui e colocando a diminuta força policial à beira de um ataque de nervos. O xerife é idoso e sofre do coração, mal se aguenta de pé mas não se quer reformar, os delegados encobrem-no, um deles é o seu filho John, candidato a suceder ao pai, o resto dos polícias andam às aranhas com os homicídios, a sua rotina é passar multas e dariam tudo para chamar o FBI mas o FBI não tem jurisdição. Em suma, o filme quer que nos concentremos mais nos polícias-baratas-tontas e nos problemas pessoais do delegado John (divorciado, ex-alcoólico, com uma filha adolescente na idade da rebeldia) do que no lobisomem propriamente dito e nos cadáveres horrivelmente mutilados que este deixa para trás.
Penso que sei o que o filme (e o realizador Jim Cummings, igualmente no papel de John) queria fazer aqui, e era outro “Fargo”. Mas “Fargo” acertou em tudo, “The Wolf of Snow Hollow” não acerta nem ao lado.
E porquê? Porque o filme queria ser cómico, ainda por cima, além de dramático, e exagerou na incompetência dos polícias e nos problemas pessoais do delegado John a ponto de não ter graça nenhuma. Sobrepujado por um caso que não sabe resolver, John volta a meter-se na bebida, grita por tudo e por nada e despede profissionais a torto e a direito, chega a andar à porrada com o especialista forense porque este não lhe fornece as provas que ele quer (o que é isto, a creche?), encobre o pai, discute com a mulher e a filha e até com a recepcionista da esquadra, e isto tudo quando ainda estava sóbrio. Na verdade, John é tão exaltado e histriónico que passei o filme todo a pensar que o lobisomem era ele até ao momento em que se confrontam frente a frente. (E talvez tivesse dado um filme melhor, na minha opinião.)
Por outro lado, as cenas dos crimes são demasiado arrepiantes e realistas para nos pôr num estado de espírito de achar graça. Numa cena, vemos o lobisomem arrancar o braço a uma mulher. Noutra, uma mãe com a filha de três anos no carro é aliciada para fora da viatura. É atacada pelo lobisomem e o seu primeiro instinto é fugir, mas corre para ele por causa da filha. Mais tarde vimos a saber que o lobisomem não se limitou a matar a mãe (o que é mostrado) como também a miudinha, que embora não seja mostrado é completamente trágico. Por contraponto, os delegados-baratas-tontas parecem mais interessados em não fazer 100% má figura do que no número de corpos que se vai avolumando.
“The Wolf of Snow Hollow” é demasiado aterrorizador para ser cómico e o drama não é engraçado, é ridículo. No meio desta salsada toda (uma salsada bastante sangrenta, por sinal), também não gostei do fim à Sherlock Holmes. Logo, estou muito dividida quanto aos méritos do filme. Como género de terror funciona, e de que maneira! (Assustou-me, deu-me pesadelos, e já não é qualquer lobisomem que consegue fazer isto.) O resto é que não tem ponta por onde se pegue. Jim Cummings devia dedicar-se apenas ao terror e fazia melhor.
Não sei que nota dar a isto.
domingo, 20 de abril de 2025
The Apparition / A Aparição (2012)
Primeiro que tudo é preciso não confundir “The Apparition” com um filme péssimo e posterior, “Apparition” (2019). “The Apparition” também é um filme mau, mas não tanto.
Nos anos 70 alguns estudantes fizeram uma séance como experiência científica e conseguiram capturar a manifestação física de um espírito. Nos dias de hoje outros estudantes tentam recriar a experiência, com resultados desastrosos. Não apenas se manifesta um espírito desconhecido como uma das participantes desaparece. Assim mesmo, puff, sem deixar rasto.
Tempo depois, Ben, um dos participantes da experiência, muda-se com a namorada, Kelly, para uma casa nova do pai dela, de modo a tomarem conta da propriedade acabada de estrear. Quase imediatamente, coisas estranhas começam a acontecer, nomeadamente um bolor que invade tudo e actividades típicas de poltergeist que põem a mobília de pantanas. Ben salienta que a “casa é demasiado nova para ser assombrada” mas Kelly insiste em passar a noite num hotel. Só que no hotel os fenómenos continuam porque são eles quem estão assombrados, ou seja, o espírito invocado na séance persegue-os para todo o lado.
Ben contacta um dos colegas da experiência que lhe confessa que entretanto todos os outros participantes desapareceram e que só resta ele porque se isolou numa estrutura anti-fantasma.
A partir daqui o filme deixa de fazer sentido, científico ou sobrenatural, e o fim rebuscado nunca chega a explicar o que acabámos de ver. Mais um filme para entreter e nada mais.
11 em 20
terça-feira, 15 de abril de 2025
Antebellum / Antebellum - A Escolhida (2020)
[contém spoilers]
Não é possível falar deste filme sem entrar em grandes spoilers, especialmente para explicar porque é que não gostei. Tudo o que posso dizer sem estragar a experiência é a sinopse: uma mulher negra de muito sucesso, activista e escritora, é raptada para um cenário de pesadelo.
Quem quiser ver o filme antes pode parar de ler por aqui e voltar mais tarde.
Spoilers
O filme começa de forma inteligente. Numa plantação da América do Sul durante a Guerra Civil, ocupada por Confederados, escravos apanham algodão enquanto a dona da casa se passeia nos seus trajes de Scarlett O’Hara. Os Confederados, que neste caso também são capatazes, são brutais para com os escravos. Há cenas de violência de nos fazer revirar o estômago e recordar os campos de concentração nazis (até têm um forno crematório de tijolo para incinerar os mortos). Uma escrava recém-chegada é transformada em propriedade do Comandante dos soldados e, pela forma como é especialmente alvo de maus-tratos e pelas coisas que ele lhe diz, conseguimos concluir que deve ser alguém que “arranja sarilhos” e que deve ser “posta na linha”. Esta escrava, Eden, fica a ser a criada pessoal do Comandante, a quem este também viola quando lhe apetece. Nada nos diz que tudo isto não acontece numa plantação da época, excepto talvez uns pormenores a que nem consegui prestar atenção de tão embrenhada nas atrocidades que estava a ver.
Subitamente, Eden fecha os olhos e acorda no presente, onde ela é Veronica Henley, activista e escritora de sucesso. Pensamos, o que se passou aqui? Um sonho com uma antepassada? Reencarnação? Não. Veronica Henley foi raptada por um grupo de racistas, no presente, que encenaram uma plantação do passado para poderem exercer sadismo sobre os negros que apanham. Veronica Henley, pelo seu perfil público, é um alvo especial e desejável para “pôr na linha”. É esta a reviravolta do filme. Quando pensávamos estar a ver cenas históricas, estávamos, na verdade, a assistir a cenas do presente. Um dos pormenores em que reparei foi que me pareceu que estavam a queimar o algodão que apanhavam, o que me intrigou bastante mas nem sei ao certo o que vi.
Então, basicamente, um grupo de racistas fanáticos e psicopatas decidiram fazer uma recriação dos “bons velhos tempos”, onde maltratam, escravizam e assassinam pessoas. As críticas que li foram impiedosas para com o filme que tencionava projectar uma grande declaração nos termos de “o presente é igual ao passado” mas a mensagem não passou. Nem me vou meter nos problemas de racismo na América onde as coisas são extremas, viscerais e violentas (eles que resolvam isso.)
O que vou fazer é explicar porque é que o filme não funcionou para mim. Apesar da abordagem histórica, “Antebellum” é um filme de terror, em nada diferente daqueles filmes de psicopatas que raptam pessoas para as torturarem na cave. Quando percebi o que se passava na plantação fictícia pensei que tinham organizado aquilo num descampado nos confins de nenhures. Mas não! Os psicopatas aproveitaram um Centro Histórico de Recriação da Guerra Civil que já existia. Isto é problemático a nível de plausibilidade. Mesmo imaginando que um maluco milionário o tenha comprado e transformado em propriedade privada, um Centro Histórico não se fecha assim. É como um museu, aparece nas notícias. Há actores, figurantes, restaurantes, figurinistas, pessoal de manutenção e limpeza, organizadores, visitantes, turistas, autocarros cheios de crianças em visitas de estudo. (Aliás, no fim percebemos que há toda esta gente muito, muito perto.) Até se corre o risco de aparecer uma família de visitantes que não sabe que o Centro Histórico fechou e deparar-se com soldados Confederados a transportarem um cadáver verdadeiro para o forno. Já para não falar de patrulhas de polícia nas estradas circundantes que podiam perguntar-se porque é que aquela gente se vestia em trajes da época se a propriedade já não era um Centro Histórico, que podiam até avistar o fumo “estranho” a sair do crematório. São coisas que despertam a curiosidade e alertam profissionais experientes.
Mais problemática ainda é uma cena, a certa altura, em que a protagonista foge a cavalo. Os capangas perseguem-na e disparam contra ela (com armas modernas) mas assim que ela passa os portões da propriedade param e ficam ali especados feitos parvos. Ora, não! Estes homens deixaram uma vítima fugir (que vai direitinha à polícia) e são culpados ou cúmplices de homicídio. Só podiam fazer uma de duas coisas: continuar atrás dela para a silenciarem, ou, caso achassem que tudo estava perdido, desatar a fugir a sete pés, nunca ficar ali parados como fantasmas que não podem sair de uma casa assombrada.
Fiquei com a sensação de que os realizadores queriam fazer uma coisa épica mas nunca viram filmes de psicopatas. O fim estragou-me o filme todo. Talvez devessem ter feito um drama de época ou um documentário sobre o racismo e resultava melhor. Como filme de terror deviam ter considerado os pormenores que nos convencem da plausibilidade. Não pensaram.
11 em 20
domingo, 13 de abril de 2025
The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde, de Robert Louis Stevenson
Foi a primeira vez que li este clássico. O doutor Henry Jekyll, figura respeitável na alta sociedade, tem alguns apetites "desonrosos" que o levam a inventar uma poção que lhe permita transformar o seu corpo físico num outro, Edward Hyde, congeminado somente para satisfazer os desejos mais baixos de Jekyll sem que este sofra consequências legais. No entanto, Jekyll tem a consciência que falta a Hyde e sofre as consequências morais dos actos do seu duplo. Com horror, Jekill percebe que Hyde se está a apossar cada vez mais do seu corpo a ponto de não o conseguir controlar ou expulsar.
Jekyll é o que Stephen King descreveu como um "lobisomem com o pêlo por dentro", mas ao lermos a confissão de Jekyll percebemos até que ponto este lamenta as suas experiências e a existência de Hyde, na sua cegueira de quem não assume a inteira responsabilidade pelos actos do "outro".
Este é um grande clássico, cheio de dilemas filosóficos e análises psicanalíticas. O que Jekyll nunca consegue admitir é que Hyde está a apossar-se de si porque Hyde é o inconsciente reprimido de Jekyll, ou seja, Hyde é Jekyll no seu pior, um pior que Jekyll não consegue assumir sem se dissociar fisicamente de Hyde. Se Hyde acaba por controlá-lo, é porque Jekyll, inconscientemente, assim o deseja.
"The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde" tem, ainda hoje, uma influência que permeia a literatura, o cinema, e todos os géneros da Ficção Científica (a leitura lembrou-me muito de "A Mosca" e de "O Retrato de Dorian Gray"), Terror e Policial, ao mesmo nível de "Drácula" e "Frankenstein". Se acho esta leitura obrigatória? Nos dias de hoje já não, uma vez que o tema já foi muito melhor explorado em histórias mais recentes, mas vai certamente agradar a quem, como eu, se dedica a arqueologia literária.
terça-feira, 8 de abril de 2025
La Religieuse / A Religiosa (1966)
Os acontecimentos passam-se em França, entre 1757 e 1760. Um casal de classe alta alega já não ter dinheiro para o dote da terceira filha, Suzanne, depois de ter casado as duas irmãs mais velhas. Como tal, Suzanne é obrigada pela família a tomar os votos religiosos, contra a sua vontade expressa e todos os seus protestos. Os pais deixam de lhe falar e fecham-na no quarto como a uma prisioneira, forçando-a a obedecer.
Suzanne torna-se freira mas, logo após a morte dos pais, decide contactar um advogado que a ajude a renunciar aos votos interpondo um processo em tribunal. A determinação de Suzanne não basta e o tribunal dá razão à Igreja, alegando que Suzanne tomou os votos de livre vontade. Entretanto, as outras freiras tornam-lhe a vida num inferno: prendem-na numa cela sem mobília, tiram-lhe a roupa e até os lençóis, põem-na a pão e água, proíbem-na de ir à missa e rezar, confiscam-lhe os livros religiosos e o rosário, e perante os gritos exasperados de Suzanne acusam-na de estar possuída pelo Diabo, chegando a pedir um exorcismo.
Uma vez que Suzanne perde o processo, e que o seu advogado conhece os abusos que ela sofre, é mesmo este quem lhe paga outro dote para a transferir de convento (para entrar também era preciso pagar um dote à Igreja; a mãe de Suzanne pagou-o vendendo as jóias). O primeiro dote nunca é restituído.
Neste outro convento o ambiente parece mais descontraído e alegre, mas depressa Suzanne começa a ser sexualmente assediada pela madre superiora, uma mulher ainda nova, lésbica e predadora. Suzanne confessa-se a um padre que está a par da situação, mas a madre superiora, que é muito bem conectada na sociedade, arranja maneira de se livrar dele.
O novo confessor, por sua vez, confessa a Suzanne que também ele foi obrigado a entrar no sacerdócio e que teve de se resignar. No entanto, ambos combinam fugir juntos e são bem-sucedidos.
Logo na primeira noite de liberdade, porém, numa estalagem, o padre tenta violar Suzanne. Esta consegue escapar e vai parar a uma povoação de camponeses, ficando a trabalhar junto deles. Todavia, ouve as mulheres do campo condenarem a fuga da monja (procurada pelas autoridades) que só tinha de “comer, dormir e rezar”, em vez de trabalhar no duro.
Suzanne tem de fugir de novo e acaba a mendigar na rua. Aí, por ser jovem e bonita (nesta altura Suzanne não tem mais de 20 anos), é descoberta pela Madame de um bordel que a “acolhe” no seu estabelecimento. Na iminência de se prostituir, na virtude da sua virgindade, Suzanne prefere suicidar-se, pede perdão a Deus e atira-se de uma janela.
Nunca tinha visto “La Religieuse”, ou se vi devia ser muito nova e esqueci completamente. Surpreendeu-me, para um filme francês da altura, a dinâmica rápida do enredo, sem perder tempo e eliminando pormenores desnecessários. “La Religieuse” é a adaptação do romance homónimo de Denis Diderot, publicado postumamente em 1796, e é inspirado em pessoas reais. Neste longínquo ano de 1966, o filme “La Religieuse” foi censurado por apresentar uma imagem negra das instituições religiosas, o que é por si só eloquente.
A história de Suzanne é triste e trágica, ainda mais trágica porque a personagem era verdadeiramente devota e virtuosa e o seu único “pecado” era desejar ser livre. Na altura não havia lugar no mundo para uma mulher livre e independente, principalmente uma mulher bem-nascida mas destituída de meios como no caso de Suzanne. Talvez arranjasse um pretendente na sua classe social mas a família deste não concordaria com o casamento sem um dote (e, fosse como fosse, “pertenceria” ao marido e não seria livre). Abaixo da sua classe social, depois do “escândalo” de querer renunciar aos votos, era igualmente ostracizada por uma população religiosa que não admitia tais humores terrenos aos representantes da Igreja. O convento, a mendicidade ou a prostituição eram as únicas opções que a sociedade lhe permitia. Dá que pensar.
Apesar de ser um filme antigo, recomendo a quem ainda não viu.
15 em 20
[Confissão: confesso que gravei este filme mais ou menos por engano num dos canais de cinema. Acontece que o título em inglês é “The Nun” e a sinopse que aparecia no filme era a do filme de terror “A Freira Maldita”. Fiquei intrigada por um filme francês de 1966 ter o mesmo enredo de “The Nun” e decidi gravar para desvendar o mistério. Mistério desvendado e ainda bem que gravei.]
domingo, 6 de abril de 2025
The House of the Devil (2009)
Este filme veio muito bem recomendado, pelo que esperava algo… excepcional. Ainda não foi desta.
“The House of the Devil” foi estreado em 2009 mas a acção passa-se nos anos 80, quando ainda se ouvia música num walkman, quando havia cabines telefónicas, quando só havia telefones fixos e não havia telemóveis.
Samantha é uma estudante universitária a tentar arrendar uma casa (quando os universitários ainda podiam arrendar casas sozinhos) que quer arranjar emprego como baby sitter para pagar a renda. É contactada por um casal interessado e a sua melhor amiga dá-lhe uma boleia para casa deles, uma grande mansão numa floresta no meio do nada.
É recebida por um homem de meia idade que lhe confessa que não vai tomar conta de uma criança mas sim da mãe dele, uma idosa que, ele promete, se remete ao quarto e não dá trabalho nenhum. Segundo ele, colocaram um anúncio de baby sitter porque é difícil encontrar quem queira tomar conta de uma idosa, e oferece o dobro do pagamento pelo trabalho, o que Samantha não está em condições de recusar. O casal de meia idade, o senhor e a senhora Ulman, vão sair para assistir a um eclipse total da Lua, mas prometem voltar pouco depois da meia noite.
Entretanto, Samantha fica sozinha no casarão, mete o nariz em todas as divisões que não estão trancadas (parece que é costume as baby sitters americanas fazerem isso) mas não encontra a tal idosa em lado nenhum embora ouça barulhos no andar superior. A certa altura Samantha sente-se tão à vontade que joga snooker, encomenda uma pizza, vê televisão, e dança à maluca ao som do walkman, fazendo derrubar uma jarra. É então que descobre a fotografia de uma família frente ao Volvo vermelho do casal Ulman (a amiga dela tinha comentado que era um bom carro).
Neste tipo de filmes é costume que os adolescentes façam coisas estúpidas, mas Samantha parece ser mais espertinha do que o comum e tira logo as piores conclusões, indo buscar um facalhão à cozinha. Porquê? Por esta altura do filme nós, os espectadores, já sabemos que ela está em grave perigo, e não é do Diabo, mas ela não sabe. Porque é que ela pensa que precisa do facalhão? Não seria mais normal partir do princípio de que se os Ulman compraram a casa podiam ter comprado o carro também? Nada mais natural. Mas se Samantha está mesmo convencida de que corre perigo, não seria ainda mais lógico dar corda aos sapatos e fugir, mesmo sem a boleia da amiga que não atende o telefone? Parece que ela acaba por colocar de lado os receios (infundados, daquilo que ela sabe) e recebe a pizza. A pizza é entregue por um cúmplice dos Ulman e está drogada. Quando Samantha acorda está amarrada no chão no centro de um pentagrama, os Ulman e o cúmplice rodeiam-na em trajes ritualísticos, e a tal “idosa” é um demónio que lhe dá a beber o próprio sangue. Aqui acontece outra cena bastante irrealista, no meu entender. Samantha não apenas consegue soltar-se das amarras, como apunhala o demónio, esfaqueia os dois membros do casal e degola o cúmplice, um homem forte de uns trinta anos, e foge dali para fora. Wow! A miúda devia andar nas artes marciais e ninguém sabia!
Agora estão a dizer que contei o fim. Nada disso! Na verdade, o final pode explicar esta fuga tão fácil. Basta dizer que o fim deve direitos de autor, e de que maneira.
Mas não quero com isto insinuar que “The House of the Devil” não tem os seus méritos. Samantha pode não saber, mas corre de facto risco de vida e os espectadores passam o filme à espera que algo de terrível aconteça a qualquer momento. O fim é que não é nada original, infelizmente.
13 em 20
terça-feira, 1 de abril de 2025
The Gallows / The Gallows - Maldição do Passado (2015)
Não desgostei completamente deste filme, outro dos tais filmado em estilo found footage tipo “The Blair Witch Project”.
O enredo tem por pano de fundo uma tragédia. Em 1993, numa escola secundária, durante a representação da peça “The Gallows” (“A Forca”), um acidente com os adereços fez com que um dos jovens actores, Charlie Grimille, morresse enforcado em palco à frente de toda a audiência.
Vinte anos depois a escola torna a encenar esta mesma peça. O jovem que tem o papel principal, Reese, pertencia à equipa de futebol e juntou-se ao teatro por estar apaixonado pela estrela da “companhia”, Pfeifer, mas é um péssimo actor. Ao saber disto tudo, o seu melhor amigo do futebol engendra um plano para poupar Reese a uma vergonha: na véspera da estreia, vão entrar na escola através de uma porta que não fecha e destruir o cenário. Assim a peça não acontece e Reese tem a oportunidade de estar junto de Pfeifer para que esta “chore no seu ombro”.
Devo dizer que considerando o tipo de filme esta ideia até não é completamente estúpida, embora egoísta e maquiavélica: pelo menos ninguém se aleija, ninguém acaba enforcado, ninguém se perde na floresta. Duvido que Reese conseguisse conquistar Pfeifer desta maneira, mas isso é outra conversa.
Reese, o amigo e uma cheerleader entram então na escola e começam a destruir o cenário, quando aparece Pfeifer, supostamente porque viu o carro deles no parque de estacionamento. Com o plano gorado, decidem abandonar a ideia, mas quando tentam sair encontram todas as portas trancadas, até aquela que nunca fechava. Como acontece nestas coisas, algo começa a persegui-los e a apanhá-los um a um. Antes disto, no entanto, descobrem um segredo do passado: quem devia ter feito o papel de enforcado na peça original era o pai de Reese, que disse que estava doente nesse dia. Charlie Grimille, o que morreu no acidente, teve de o substituir. Mais sinistro ainda: Charlie Grimille era o carrasco. Aliás, Reese não é o único participante nestes acontecimentos com uma ligação pessoal à peça, o que suscita a dúvida: estão a ser perseguidos por um fantasma vingativo ou por uma pessoa de carne e osso, ou ambos?
O problema deste filme, como todos os filmes do género, para além das câmaras de amador “a tremer” que a certa altura se tornam irritantes, é mesmo a falta de orçamento. Quatro miúdos numa escola às escuras, quase não se percebe onde é que eles estão e quem está a fazer o quê, o enredo é sempre o mesmo.
Não desgostei do filme porque havia todo o aspecto da vingança a explorar, mas um argumento mais trabalhado e uma filmagem normal teriam funcionado muito melhor.
12 em 20
domingo, 30 de março de 2025
Irreversível (2024)
Uma rapariga de 17 anos aparece morta numa praia. Ao mesmo tempo, Rita, jovem ex-toxicodependente, procura a filha bebé que lhe foi levada por uma suposta assistente social que nunca mais deu notícias. A princípio, esta série portuguesa de grande qualidade parece um mistério de crime do tipo "quem matou Laura Palmer", mas, tal como em "Twin Peaks", o importante aqui é o drama que guia e conecta as personagens.
Sobre o crime propriamente dito não posso revelar nada, mas devo confessar que a investigação é muito interessante e que os culpados não são quem imaginaríamos ser. Deste modo recomendo bastante esta série quando a RTP1 decidir repeti-la.
Dito isto, houve algumas coisas que me irritaram, nomeadamente os personagens principais.
Comecemos por Sara, uma adolescente apaixonada pela rapariga que morreu. Não estou a dizer que a culpa é da actriz (nunca tinha visto a actriz em lado nenhum) mas Sara é uma miúda insuportável e egocêntrica, uma autêntica drama queen. Sei que os adolescentes podem ser exagerados, mas nos primeiros episódios só desejei que alguém lhe desse um par de estalos. Felizmente a personagem acalma lá para o meio e torna-se menos visível.
Depois temos Júlia, a psicóloga, uma daquelas pessoas que conhecemos da vida real que se julgam as únicas pessoas equilibradas que existem, e que na verdade costumam é ser as mais desequilibradas de todas. Júlia tem um peixe num aquário e, juro, a certa altura receei que o peixe fosse acabar vivo na frigideira. (Pessoas que fumam tabaco aquecido mas têm a lata de dizer que fumar faz mal a quem fuma cigarros normais são pessoas em extremo estado de negação, o que se aplica aqui como uma luva).
Rita, a ex-toxicodependente, até é uma personagem simpática, mas alguns aspectos irrealistas tiraram-lhe credibilidade. Aliás, aproveito para dizer que se um estrangeiro visse esta série ia pensar que vivemos todos em belas casas suecas com janelas para o mar, que é precisamente o caso de Rita, ex-toxicodependente sem família que trabalha em limpezas. Ora, lamento, mas a bota não bate com a perdigota.
- se Rita é pobre e sem família (como é indicado quando ela vai pedir ajuda ao sogro) e herdou a casa, tanto ela como o pai da filha, igualmente drogado, já teriam vendido a mobília toda, incluindo o frigorífico;
- se Rita pertence a uma família da classe média/média-alta, não acabava a fazer limpezas de certeza; metiam-na num centro de reabilitação (ou vários) ou directamente no conselho de administração de qualquer empresa, drogada ou não, ou, em casos mais modestos, a trabalhar na mercearia dos pais; viver numa tenda no Casal Ventoso é para os desgraçados que nem têm nada para roubar em casa.
A série foi filmada, salvo erro, na zona da Figueira da Foz. Será que a droga é mais barata por lá?... Da minha observação lisboeta, entre os carochos sem-abrigo e os betos da Linha com grandes carrões estacionados à entrada do Casal Ventoso a impedirem a passagem do autocarro 12, Rita vive muito bem para ex-drogada. Como toda a gente nesta série vive muito bem, depreendo que alguém julgue que todos os portugueses vivem mesmo assim e que nem outra coisa lhes passe pela cabeça. Ou, então, isto é de facto uma série para consumo estrangeiro, que não quer mostrar a miséria real do país (embora tenham retratado o antro de droga de forma muito realista, curiosamente). Não percebi esta duplicidade de critérios e acho que Rita teria resultado melhor como personagem se a realidade fosse tida em conta.
Outro problema da série é o actor que faz de detective principal. Não consegui perceber 85% do que ele diz, o que é irritante numa personagem que fala tanto. A certa altura tive de parar de me esforçar por perceber porque era demasiado cansativo. Vou deixar este apontamento como crítica construtiva: o actor precisa mesmo de melhorar a dicção.
Por outro lado, quero dar os parabéns a quem filmou aquele plano do casal Anabela/Henrique na janela, como figuras espectrais e sinistras, o que convinha ao enredo. Por falar nisso, fiquei bastante impressionada com a actuação de Ana Cristina de Oliveira (Anabela), principalmente no último episódio.
Em resumo, gostei da forma como "Irreversível" nos agarrou ao mistério do princípio ao fim, mantendo sempre um nível dramático muito elevado e intenso. Só preferia que a série fosse menos um espectáculo de gente rica para gente pobre ver (como são as telenovelas) e que a realidade do país estivesse mais bem retratada, especialmente no caso de Rita.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez
PARA QUEM GOSTA DE: Twin Peaks, crime, mistério, drama, cinema português
terça-feira, 25 de março de 2025
Nightlight / Nightlight - Jogo Fatal (2015)
A única coisa que é preciso saber sobre “Nightlight” é que é filmado à “The Blair Witch Project”, técnica conhecida como found footage, mas pela perspectiva de uma lanterna e não de uma câmara. (Se parece idiota é porque é, mas se fosse só isso até não era mau de todo.) O filme é mau de todo. Quem costuma ler as minhas críticas já sabe que detesto coisas que não fazem sentido. Este filme não tem pés nem cabeça.
Mas começa bem. Uma rapariga aceita o desafio de se encontrar com outros adolescentes numa floresta à noite para o Jogo das Lanternas e desafios semelhantes. A tensão cria-se logo porque ela leva o cão com ela e eu passei o filme todo com medo do que ia acontecer ao pobre animal. Mas compreendo a protagonista. Ela junta-se à expedição nocturna porque está apaixonada por um dos rapazes, e o amor é louco não façam pouco.
Pergunto-me se os miúdos americanos não têm mesmo nada com que se entreter à noite excepto fazer estas parvoíces. A floresta é conhecida porque muitos jovens vão lá suicidar-se mas nunca se percebe se é porque existe uma assombração/presença maléfica ou, pura e simplesmente, porque a floresta dá lugar a um precipício de onde qualquer pessoa se pode atirar.
O Jogo das Lanternas é apenas um jogo de escondidas, em que um deles é vendado enquanto os outros se escondem. Numa floresta com um precipício. À noite. Há uma razão por que até as missões de resgate e salvamento (com peritos, com meios, com luzes potentes, com GPS, com cães) param à noite: porque se podem desorientar ou aleijar e em vez de salvarem um arriscam-se a perder dois ou mais. Estes meninos começam o jogo e, claro, os disparates começam a acontecer. Um deles cai do precipício. Neste momento aparece um lobo na câmara, isto é, na luz da lanterna (era um cão, mas vamos fingir que era um lobo), e eu tive esperança de que saísse daqui um filme “homem versus natureza” com os adolescentes a serem atacados por uma alcateia. Não aconteceu. Já deviam ter esgotado o orçamento para aluguer de canídeos.
Falando em orçamento, este filme deve ter sido feito com 10 euros e roupa emprestada (e se calhar os cães eram do realizador). E o filme é chato e comprido, quase uma hora em que os miúdos andam na floresta e não se vê a ponta de um…, só ramos e troncos e troncos e ramos. A certa altura, a protagonista entra à toa numa caverna que ela não conhece com uma lanterna que falha constantemente. Felizmente não havia um buraco nem um urso a hibernar. Mas temos sons misteriosos, a insinuação de uma presença, ou talvez fantasmas?… Talvez o fantasma de um amigo dela que se suicidou ali há pouco tempo? O cão fugiu, nunca mais o vimos (e ainda bem, pobre bicho). Por esta altura eu já não estava a perceber nada de nada. Os adolescentes vão parar a uma igreja abandonada, aparentemente um último lugar para os suicidas mudarem de ideias, mas não seria melhor que lá estivesse sempre alguém para falar com eles no momento de crise?…
Lembro-me de ver a protagonista a chorar e a pedir desculpa porque acha que está a ser assombrada pelo melhor amigo que se matou depois de ela ter recusado ir com ele a um baile ou uma patetice qualquer que não justifica suicídio nenhum. Acho que o meu cérebro se apagou como as lanternas porque não assimilei mais nada. Na verdade, nem cheguei a conhecer os personagens porque não havia nada para conhecer, eram só carne para canhão. O lobo nunca mais apareceu. Também não posso cometer spoilers porque o filme não dá respostas. Nem sequer tenho coragem de o voltar a ver para tentar perceber melhor porque já foi uma tortura assistir a esta seca da primeira vez.
Arrisque quem quiser e estiver nostálgico por “The Blair Witch Project” e filmes semelhantes.
11 em 20 (mais um ponto porque o cão foi esperto e fugiu)
domingo, 23 de março de 2025
De Uskyldige / The Innocents (2021)
As crianças são cruéis. Algumas são sociopatas. Uma criança sociopata com poderes sobrenaturais é um terror imparável que ainda não tem medo de consequências e cede a todos os impulsos egoístas.
Há muitos anos que um filme não me perturbava tanto, o que já é dizer bastante. “De Uskyldige” é uma produção norueguesa, falada nessa língua, que vale a pena ver antes que Hollywood faça o remake histérico do costume e estrague tudo.
Ida é uma miúda de 9 anos que se muda com a família para um novo complexo de apartamentos modernos no meio de uma floresta de abetos. Ida tem uma irmã mais velha, Anna, autista profunda, e ressente que os pais tenham de lhe dedicar mais tempo. É verão, e Ida trava conhecimento com um rapaz da sua idade, Ben, que lhe mostra alguns “truques” mágicos que consegue fazer (é telecinesia mas eles não sabem). A princípio ambos se entretêm com brincadeiras estúpidas e cruéis de miúdos que se vão arrepender em adultos. Ida também não é nenhuma inocente. Por exemplo, quando a irmã a aborrece gosta de a beliscar e de lhe meter vidros partidos no sapato porque sabe que Anna não se consegue queixar, e quando tem de a acompanhar ao parque não se importa nada de a deixar sozinha para ir à vida dela. (Ida tem 9 anos e quer brincar, Anna tem o desenvolvimento mental de um bebé de colo.) Mas Ida começa a reparar que as brincadeiras de Ben talvez sejam demasiado violentas. Ben vive com a mãe, que não lhe dá muita atenção, mas nunca se vê abuso físico ou verbal. (Se calhar o mal é esse, porque Ben bem merecia umas lambadas na tromba, e se julgam que estou a ser má para uma criança vejam o filme e depois digam-me.)
Algo muda quando Ida e Ben conhecem Aisha, uma menina que consegue ouvir pensamentos. Junto de Aisha, ou melhor, através de Aisha, Anna volta a falar e a demonstrar raciocínio, para grande felicidade dos pais. Descobre-se que Anna também tem poderes psíquicos que rivalizam com os de Ben, e que também só os consegue manifestar na companhia de Aisha, o que Ben considera uma ameaça.
(Nunca é explicado porque é que os miúdos têm estes poderes, que eles nem reconhecem como anormais ou especiais, mas eu tenho a teoria de que foi aquela abominação arquitectónica de cimento no meio da floresta que despoletou as forças do Inferno. Imaginem Chelas no meio de um pinhal. É pior um pouco, e feia, feia, feia.)
As brincadeiras infantis depressa se transformam numa tensão de cortar à faca, à medida que Ben desenvolve poderes de verdadeiro terror a que nem os adultos escapam. Ida percebe que correm risco de vida e que o perigo se pode estender aos próprios pais, mas que poderá ela fazer contra os dons aparentemente invencíveis de Ben?
Como disse, este é um filme muito perturbador em que cenas horripilantes se passam num subúrbio ensolarado longe dos olhares dos adultos que não se apercebem do horror que acontece nos parques e bosques e nos apartamentos ali ao lado onde os miúdos interagem. “De Uskyldige” é difícil de ver. Estas são crianças em fase de experimentação e interiorização dos seus conceitos individuais do Bem e do Mal, mas a total falta de empatia (algo que as crianças não conhecem teoricamente mas já sentem nestas idades) não se explica com aprendizagens.
Vejam, mas preparem-se para ficar chocados. Este filme devia ser obrigatório para os adultos com memória selectiva que têm saudades da infância.
18 em 20