domingo, 30 de maio de 2021

Terminator: Salvation / Exterminador Implacável: A Salvação (2009)

Só há uma maneira de ver este filme: ou se gosta da saga ou não se gosta. Quem não gostou de “Exterminador Implacável” e suas sequelas escusa de perder tempo. Este filme não é muito bom nem acrescenta nada de novo. Vale pelo entretenimento.
O “herói” desta vez é Marcus Wright, homicida condenado à morte que aceita doar o seu corpo à ciência. Quando lhe concedem as últimas palavras, admite que é mau e merece o castigo.
Acorda novamente em plena guerra das máquinas contra os seres humanos, transformado num cyborg, mas ele não sabe o que lhe fizeram nem como foi ali parar. Ao dar-se conta da guerra, decide imediatamente lutar do lado dos humanos. Pelo caminho conhece o jovem Kyle Reese, feito prisioneiro pelas máquinas. Wright consegue escapar e é então que se cruza com um tal John Connor, que ainda não é o chefe da Resistência. Acontece que a Resistência parece ter conseguido uma vantagem tecnológica sobre as máquinas e o chefe da Resistência em funções não quer perder tempo: decide arrasar uma das instalações da Skynet sem apelo nem agravo, apesar dos prisioneiros humanos que lá estão. John Connor não pode aceitar isto porque o jovem Kyle Reese, a quem ainda não conhece, precisa de ir ao passado conhecer Sarah Connor. Estão a ver agora? Connor nunca tem de entrar em conflito com o superior em funções, porque entretanto a vantagem tecnológica que julgavam possuir era uma armadilha. Graças a este engodo, grande parte da Resistência é destruída, tornando Connor no chefe efectivo. É fulcral entrar na sede do inimigo e libertar Kyle Reese. Wright já sabe que o transformaram num cyborg, mas voluntaria-se. Quando as máquinas o confrontam com o facto de ser o que é, e que o fabricaram para se infiltrar na Resistência, responde-lhes que não é por ser feito de aço que deixa de ser um homem.
E foi o momento filosófico da noite, senhoras e senhores. O resto é pancadaria e cenas de acção. É claro que nós sabemos que Kyle Reese vai ser libertado, senão não existiria John Connor, mas e se algo correr mal?
A parte mais surpreendente do filme é quando aparece um modelo T-800 acabado de sair da caixa, isto é, um Arnold Schwarzenegger nuzinho da silva e jovem, em 2009! Claro que fui investigar como é que fizeram aquilo, embora já desconfiasse. O actor é um duplo e a cara é sobreposta com software, mas a ilusão ficou tão bem feita que se aguenta à bronca. A câmara também nunca se aproxima demais, para dizer a verdade.
Este é daqueles filmes para nos entreter durante duas horas sem termos de pensar muito. Seria difícil sair daqui alguma coisa de original tendo em conta que a saga já foi mais que explorada. Para quem já perdeu a conta, este é o quarto episódio do “Exterminador Implacável”.

13 em 20
 

 

quinta-feira, 27 de maio de 2021

:: Review :: WORLD GOTH DAY 2021 :: Review ::

Sabiam que 22 de Maio é o Dia Internacional do Gótico? Eu também não. (Para dizer a verdade, só começou em 2009.) Foi preciso a pandemia e assistir a streamings estrangeiros para saber que o World Goth Day é cada vez mais celebrado pelo mundo fora. Mas este ano, 2021, foi definitivamente especial. (Podem tirar-nos os bares, mas não nos tiram o gótico.) Emissão em streaming, 24 horas ininterruptas, com DJ sets de todo o mundo.
Sendo que é a primeira vez que faço uma crítica / reportagem de um evento de streaming, vou-me guiar pelas regras da crítica de concertos (só que cada um em sua casa).
Só soube do evento no próprio dia, e só por acaso, uma vez que recentemente tenho andado mais ligada aos eventos de streaming como há muito tempo não andava (por exemplo, deixei de ouvir rádio/podcasts online há anos), desde que tenha tempo. Consegui acompanhar o evento das 18h às 2 e tal da manhã, e só posso dizer que foi um espectáculo. DJs do mundo inteiro, vários estilos de música (dentro do gótico / alternativo, bem entendido), góticos de todo o planeta a assistir aos eventos e a participar no chat, de início com alguma timidez, depois mais abertamente.
Algo que sempre me impressionou desde o meu contacto inicial com a cena é que não importa onde estejamos, de que país e cultura sejamos originários, da Europa aos Estados Unidos, da Austrália à América do Sul, quando nos encontramos sentimos que já nos conhecemos todos uns aos outros desde sempre. Isto nunca senti em mais lado nenhum nem com mais ninguém. Quando comunicamos uns com uns outros, apesar de desconhecidos, sabemos imediatamente do que o outro está a falar. É extraordinário.
Não se pense que os góticos são uns sisudos, porque houve momentos de humor. A certa altura um DJ de New York (DJ Sean Templar) decidiu discursar, agradecer a presença de tanta gente online, desejando que nos divertíssemos e mostrássemos, com o nosso apoio, as nossas “true colours”:
“OUR COLOURS ARE BLACK” Respondeu alguém no chat.
Eu ri-me porque estava a pensar o mesmo. Cores, quais cores? Maior verdade nunca foi dita.
Quem perdeu este evento não fique triste, todos os DJ sets estão no site
www.death-rock.de
para serem ouvidos e apreciados em
www.death-rock.de/2021/05/playlist-world-goth-day-stream-2021-22-05-2021
e noutras plataformas onde os DJs alojaram as suas prestações (é só procurar porque estão disponíveis).
Adoro estes streamings, quer os nacionais como os internacionais, e espero que não acabem, com ou sem pandemia. Dão muito jeito às pessoas que não podem sair por motivos profissionais ou familiares, ou que não podem viajar. É uma janela para o que se faz lá fora e, acima de tudo, uma maneira de conhecer música nova ao mesmo tempo que se passa um bom bocado.
Da nossa parte, fomos representados pelo DJ Yggdrasil, já um veterano dos streamings internacionais. Espero não perder para o ano e prometo anunciar com antecedência. É preciso é que se faça.

 

 

domingo, 23 de maio de 2021

The Walking Dead: World Beyond

Dizia eu que só acreditaria em spin offs de “The Walking Dead” quando as visse, mal sabendo que já estavam a ser filmadas. E parece mesmo que vêm aí mais. A qualidade é que não é nada por aí além, tirando os próprios zombies, e é por causa dos excelentes zombies de Nicotero que ainda se conseguem ver estas séries. Esta é outra igual.
“World Beyond” é a versão adolescente de “The Walking Dead”. Enquanto que, na Virginia, Carl andava a comer comida de gato e a enfrentar famílias canibais, noutros lados do país as coisas parecem ter-se aguentado melhor depois do apocalipse zombie. É o caso da cidade de Omaha, de Portland, e do campus da Universidade do Nebraska, onde vamos encontrar os protagonistas de “World Beyond”. Isto causa alguma estranheza para quem viu a sociedade desaparecer e a anarquia reinar em “The Walking Dead” e “Fear the Walking Dead”, mas aparentemente ainda há comunidades onde sobreviveu o mundo como o conhecemos. O que coloca desde logo a questão: como é que os sobreviventes ainda não sabem uns dos outros, 10 anos passados desde o apocalipse, uma vez que em “Fear the Walking Dead”, e mais ultimamente em “The Walking Dead” também, toda a gente usa o rádio para comunicar? Estas comunidades sobreviventes não saberiam já da existência umas das outras? Mas no universo “Walking Dead” é melhor não fazer muitas perguntas.
Hope e Iris são duas irmãs (adoptadas) que frequentam a universidade, junto com outros jovens como elas que eu não sei de onde apareceram nem onde vivem os seus pais. Omaha, Portland? Mas lá estou eu a fazer muitas perguntas. O importante é que estes jovens do campus passaram pelo apocalipse num ambiente seguro e resguardado onde sabem que fora dos seus muros existem zombies mas nunca tiveram de se confrontar com eles. O início da série é quase o nosso mundo, e estes jovens do campus estão a ser educados para trazer de volta a civilização.
O pai de Hope e Iris é um cientista que dá aulas nesta universidade pós-apocalíptica até ser recrutado pela sinistra Civic Republic Military. (Como chamar a isto em português, Milícias da República Cívica? República Cívica Miliciana? Parece-me mais a segunda opção. Mas uma República não contém já o conceito de “cívica”, e “militar” não é um dos ramos de poder em que assenta uma república?) A princípio nada nos diz que esta República Cívica seja sinistra, mas há sempre esse suspense de algo pesado no ar quando os helicópteros aparecem. A localização das bases da República Cívica é secreta (o que faz sentido num mundo dominado pela anarquia e o saque) e o tal cientista não está autorizado a comunicar para fora delas, mas antes de partir ele arranja uma maneira de estabelecer contacto com as filhas. Hope e Iris recebem uma mensagem do pai em que este as informa de que corre perigo, e decidem ir salvá-lo (sozinhas contra um exército, porque acham que conseguem). Com elas vão outros dois jovens da mesma idade, Elton e Silas. Nenhum deles alguma vez teve de sobreviver sozinho fora dos muros e não sabem sequer matar um zombie.
Dois dos seguranças do campus, Felix e Huck, vão à procura dos miúdos e conseguem encontrá-los, mas, cada um pelas suas razões, estes recusam regressar. Foi a sorte deles, porque, por algum motivo que ainda não faz sentido, a República Cívica destruiu o campus universitário.
Esta série é sobre os primeiros adolescentes a crescer num apocalipse zombie, mas a República Cívica acaba por ser o enredo (neste caso, sub-enredo) mais interessante. É que foram estes misteriosos helicópteros que levaram Rick Grimes e Anne/Jadis (personagem também conhecida por “senhora da lixeira”, que afinal era uma agente infiltrada). É por isso principalmente, e por outros encontros com a República Cívica em “Fear the Walking Dead”, que os espectadores do universo “Walking Dead” sabem que esta gente não é boa e recorre a métodos chocantes. Por muito que estes digam que o objectivo é o “futuro”, o “bem maior”, reestabelecer a civilização, ficamos perplexos quando destroem um campus universitário onde estava a ser preparada a próxima geração com esse mesmo objectivo em mente. Eu, por exemplo, a princípio nem percebi o que tinha acontecido, de tão contraditório que isto é. E na verdade não se viu acontecer, mas foi dado a entender e toda a gente percebeu assim. Afinal, quem é esta República Cívica e qual é o seu verdadeiro desígnio? Mas a série só nos deu migalhas porque não vai ser aqui que se vai descobrir.
Hope e Iris, e os companheiros Elton e Silas, partem numa daquelas viagens de auto-descoberta e de descoberta dos outros típicas da adolescência. Não digo isto como crítica mas como constatação, é um drama adolescente com temáticas adolescentes, em que os quatro miúdos têm de aprender coisas como conduzir ou matar o primeiro zombie. (Experiências que Carl, na série-mãe, começou a ter na infância.) Há muita conversa e o ritmo pode ser considerado demasiado lento para a grande parte dos espectadores. Cada episódio parece uma aventura separada e os miúdos nunca se encontram em grande perigo como acontece na série original. Só nos últimos dois episódios é que acontece algo minimamente empolgante.
“World Beyond” não é série que se compare às melhores temporadas de “The Walking Dead”, mas pelo menos a história não é o caos sem nexo em que se tornou “Fear the Walking Dead” (já não percebo o que se passa por lá). Vê-se bem, sem grandes expectativas, e só estão anunciadas duas temporadas, o que nos promete um enredo com princípio, meio e fim. Quem esperar mais do que isto vai ficar desiludido.



domingo, 16 de maio de 2021

The Purge: Election Year / A Purga: Ano de Eleições (2016)

Passaram-se alguns anos desde o início da Purga. Agora a Purga é quase um feriado nacional, a noite em que se pode cometer impunemente qualquer crime, até o homicídio. Os “purgadores” tornaram-se mais sofisticados. Trajam a rigor para ir matar, usam métodos mais teatrais (a certa altura há uma guilhotina) e armas mais originais. Grupos de miúdas adolescentes vestem-se como quem vai para a noite em carros decorados com luzes de Natal. Nas palavras de um dos vendedores de roupa e máscaras, “A Purga é o Halloween dos adultos”. Turistas de todo o mundo visitam os Estados Unidos para participarem também na matança, dando origem ao “turismo de homicídio”. Serviços religiosos são organizados em que se matam várias vítimas como parte do ritual. É a carnificina institucionalizada.
Mas, finalmente, a população começa a acordar para a atrocidade com que antes compactuava. Se nos primeiros dois filmes não havia assistência médica durante a Purga, agora a sociedade civil organizou os seus próprios hospitais de campanha com médicos e enfermeiros voluntários. Veículos improvisados de ambulância percorrem as ruas à procura de feridos sem que os “purgadores” os incomodem. O cúmulo é um “carro do lixo” da Câmara, que agora também anda nas ruas na noite da Purga, carregado de mortos, anunciando com um megafone: “Serviços de limpeza e remoção de vítimas. Mantenha as ruas limpas”.
Grande parte do eleitorado quer que isto acabe. Uma senadora anti-Purga está bem posicionada para ganhar as eleições. O poder vigente, os Novos Pais Fundadores, decide aproveitar a noite da Purga para se livrar dela. Se até ali era proibido tocar nos detentores de altos cargos políticos, a regra muda nessa noite. A senadora sabe o que tem pela frente. O seu chefe de segurança é precisamente o polícia do segundo filme, que já pensou em tudo para a manter segura em casa dela, onde a senadora insiste em ficar nessa noite como “90% das famílias”. Mas são traídos, e acabam os dois na rua, perseguidos por mercenários altamente bem equipados contratados pelo governo e à mercê de todos os “purgadores” que andam na matança.
São salvos pelos voluntários da ambulância que os levam para o hospital clandestino. Estas instalações são protegidas pelas milícias anti-Purga que surgiram no segundo filme, mas que agora já se transformaram num exército bem oleado. A senadora descobre que nessa noite tencionam assassinar um dos Novos Pais Fundadores (o tal dos sacrifícios na igreja) e quer impedi-los. “Não quero ser eleita através do homicídio. Vai contra tudo o que eu represento”, tenta argumentar com eles.
Mas as coisas complicam-se. Os mercenários descobrem onde ela está e acabam na rua outra vez. Agora, além de tentar travar os planos do assassinato, a senadora e o seu segurança têm de sobreviver à noite da Purga.
Não deixando de ser terror, este filme inclina-se bastante para um thriller de acção mais convencional, com os bons de um lado e os maus do outro, e cenas de porrada e tiroteios e autênticas batalhas entre perseguições alucinantes a pé e em veículo. Por este motivo, gostei menos do que dos filmes anteriores, mas não deixei de gostar. Não percebo o que é que a crítica tem contra os filmes “A Purga”, excepto talvez a tal ideia da “premissa ridícula e inconcebível”. Não é, como disse aqui na crítica ao segundo filme, e por mim vinham mais filmes da série se o argumento conseguir arranjar maneira de se manter original e pertinente.
Este terceiro filme do mesmo realizador, James DeMonaco, tem um gosto a fim de saga, mas entretanto descobri que já existem mais dois filmes, de outros realizadores, e uma série de televisão. Fiquei particularmente interessada na série.

15 em 20


domingo, 9 de maio de 2021

Maquiavel - O Fundador dos Tempos Modernos, um trabalho de D. D. Maio

MAQUIAVEL – O FUNDADOR DOS TEMPOS MODERNOS
© 2021 D. D. MAIO

Sinopse

Antes ser temido do que amado. Os fins justificam os meios. Quem foi Nicolau Maquiavel, famoso e infame por estas frases, e em que circunstâncias as proferiu? Cínico ou romântico desiludido?
“Maquiavel – O Fundador dos Tempos Modernos” é um trabalho académico breve e despretensioso que tenciona fazer luz sobre a verdadeira natureza do homem (biografia) e dos seus desígnios (pensamento político).


“Maquiavel - O Fundador dos Tempos Modernos” está disponível para download gratuito em www.bubok.pt/livros/266734


domingo, 2 de maio de 2021

Son of the Shadows, de Juliet Marillier

[contém spoilers]

“Son of the Shadows” é o segundo livro da trilogia Sevenwaters de Juliet Marillier. Há muito tempo que um livro não me agarrava tanto, ainda mais do que o primeiro, “Daughter of the Forest”, em que os seis irmãos são transformados em cisnes.
Até parece que a autora leu a minha crítica de tal forma se evita os plot holes e os anacronismos. (Estou a brincar, é claro. O livro foi escrito muito antes da minha crítica. Mas talvez críticas semelhantes lhe tenham chegado aos ouvidos…) Obrigada, leitores que comentaram, por me terem aconselhado a não desistir. Não desisti e descobri um livro melhor do que o primeiro.
Mas não sem fragilidades. Depois de um início muito promissor, o fim revela-se decepcionante. Talvez Marillier melhore em obras posteriores, mas a sensação geral com que fiquei é de uma autora que vale mais pela sua escrita, e é de facto uma escrita lindíssima, do que pelos seus enredos.
E tal como disse em “Daughter of the Forest”, continua a haver aqui momentos em que a bota não bate com a perdigota, embora menos, mas Marillier ainda não se consegue livrar deles neste segundo livro. O que é pena. Ao contrário do que se costuma dizer, que uma boa história merecia melhor escrita, aqui é caso para dizer que a escrita merecia melhor história.
O que mais gosto em Marillier é que as histórias são tristes, ou, no mínimo, melancólicas. Logo no primeiro capítulo, somos informados de que dois dos irmãos morreram na guerra pelas ilhas sagradas. Isto era de prever, tendo em conta a personalidade de ambos, mas não deixamos de pensar se não teria sido melhor terem permanecido cisnes. Logo a seguir, sabemos que Sorcha está a morrer. Este sim, foi um grande choque, porque Sorcha sempre foi demasiado nova. Aqui é-nos dito que Liam tem 36 anos, o que significa que ela não pode ter mais do que 30.

SPOILER

Não era necessário. Não era mesmo. Sorcha podia ter continuado na série durante muitos mais anos, em pano de fundo, só intervindo ocasionalmente na vida dos filhos e dos netos. Não gostei.

A minha maior crítica ao primeiro livro foi mesmo essa: Sorcha era demasiado nova. Em “Son of the Shadows” a acção começa quando os filhos de Sorcha e Red já são crescidos. A mais velha, Niamh, tem 17 anos, e os mais novos, Liadan e Sean, gémeos, têm 16. Com estas idades já são perfeitamente credíveis, o que não acontecia com uma Sorcha de 12 anos.
A história é contada pela perspectiva de Liadan, uma perfeita réplica da mãe. Tal como esta, Liadan também é curandeira e também tem a Visão. Não gostei que esta personagem parecesse uma substituta da protagonista de “Daughter of the Forest”, confesso. Mas a história mais interessante, a história que me manteve agarrada, nem sequer é a dela. Bom, o melhor será dizê-lo de uma vez. Achei Liadan uma sonsa, uma menina do papá e da mamã, a filha preferida, e ainda por cima burra que nem uma porta. (Já justifico.)
Mas quem sai aos seus não degenera. A burrice parece ser genética em Sevenwaters, ou não tivessem os seis irmãos e a irmã ido confrontar a Lady Oonagh sem um plano que os protegesse caso esta decidisse transformá-los novamente em cisnes e desta vez fazer empadas com eles. As personagens de Sevenwaters não são exactamente brindadas pela inteligência, e este segundo livro vem apenas confirmar o primeiro.

A história
O que me manteve agarrada à história foi uma suspeita, vinda do livro anterior, que depressa se tornou certeza. Um dos “filhos das trevas”, porque o livro se refere a dois, é o filho da Lady Oonagh com Lord Colum, Chiaran, o oitavo irmão. Lady Oonagh levou-o quando saiu de Sevenwaters mas Colum foi à procura dele, encontrou-o, e trouxe-o de volta. O que, como pai, só lhe fica bem.
E que fizeram os irmãos, na morte do pai? Mereciam ser todos transformados em escaravelhos pela porcaria que fizeram, Sorcha incluída. Acharam melhor criar o miúdo junto dos druidas e do irmão Conor, sem lhe dizerem quem era. Chiaran cresceu e conheceu Niamh, sua sobrinha, que também não sabe que Chiaran é seu tio. E aqui está, Tragédia da Rua das Flores. Isto só se “revela” na terceira parte do livro, mas é mais do que óbvio desde o início para quem leu “Daughter of the Forest”.
Não contentes com a porcaria que fizeram, ao descobrirem este affair já consumado, tanto os tios como o pai de Niamh a tratam como a uma galdéria emporcalhada, e arranjam-lhe um casamento sem amor com um nobre qualquer, contra a vontade dela.
O que é curioso, porque à filhinha querida, Liadan, Red diz que nunca a obrigaria a casar contra a sua vontade. Mas isto ainda fica pior.
Ao acompanhar o séquito da irmã, no regresso da boda, Liadan é raptada por um bando de mercenários. Mas não fiquem já assustados porque estes mercenários são uns cavalheiros do melhor que há (é preciso querer acreditar nisto). O mais cavalheiro de todos é mesmo o homem a quem eles chamam o Chefe e a quem Laidan chama Bran, por ele se recusar a dizer o seu nome. Os mercenários raptaram-na porque um deles, serralheiro, sofreu um acidente horrível e precisa de cuidados, e os dotes de Liadan como curandeira (por se saber que aprendeu com Sorcha, sem dúvida) são sobejamente conhecidos. Só querem que ela trate o homem, o que é comovente.
O género de Juliet Marillier é apelidado de Fantasia Romântica, mas fiquei desapontada por Liadan ter conhecido o seu interesse romântico logo à primeira. Esperava mais voltas e reviravoltas antes disso, como em “Daughter of the Forest”, mas aqui vai-se logo aos finalmentes. Liadan apaixona-se por Bran, o líder dos mercenários (e o outro “filho das trevas”), e percebemos logo isso da maneira como os dois embirram um com o outro e discutem como adolescentes (e até são, ou quase). Tanta discussão acaba na cama, ou melhor, nas ervas do campo à chuva. Mas então acontece algo que só pode deixar um leitor de “Daughter of the Forest” completamente boquiaberto. Quando Liadan lhe conta quem é, Bran rejeita-a. Acusa o pai dela, Red, de ser o causador da grande desgraça da sua vida, e Sorcha de ser uma sedutora que desencaminhou um homem fraco. Mostrando a sua misoginia, só falta a Bran chamar prostituta a Liadan (mas acaba mesmo por chamar, indirectamente) antes de a mandar embora.
Ora, quem leu “Daughter of the Forest” fica chocado ao ouvir isto, porque sabe que Red e Sorcha seriam incapazes de fazer mal fosse a quem fosse. As acusações de Bran são muito graves, o que se reflecte na maneira como trata Liadan. Começamos logo a especular o que se teria passado em Harrowfield, na Bretanha, que a gente não sabe. Ter-se-á Simon, irmão de Red, voltado para o mal? Passa-nos tudo pela cabeça. E como gostamos destes personagens do primeiro livro, sentimos que quase nos estão a insultar os amigos e não podemos descansar enquanto não soubermos o que aconteceu ao certo. Eu já estava agarrada às minhas suspeitas de que Chiaran era o filho da Lady Oonagh, e ainda fiquei mais agarrada por causa destas acusações.
Liadan regressa a casa grávida. Desta vez não há censuras, como aconteceu à pobre Niamh, só amor e carinho e aceitação. Filhinha dos papás. A própria Liadan diz várias vezes que é injusto que a tratem melhor do que trataram a Niamh, e que não percebe porquê.
Eu também queria muito saber, e quanto mais ia percebendo mais me parecia que deviam ter sido todos transformados em escaravelhos. Liadan acaba por descobrir que a irmã está a ser espancada e violada pelo marido, completamente sozinha e sem se atrever a pedir ajuda. Culpa dos pais e dos tios. Liadan ajuda-a a escapar e obtém assim uma ajuda mais ou menos inesperada: Chiaran, filho da feiticeira, está a seguir na peugada da mãe, mas tem para com Liadan uma dívida de gratidão. Talvez Chiaran não se torne o génio do mal que os irmãos temiam dele.
Há uma ideia subjacente a todo o livro que me irrita profundamente: que os filhos acabam por ser forçosamente iguais ao que foram os pais. Chiaran, filho de feiticeira, tem de ser maléfico também. De Liadan, filha de Sorcha, espera-se que seja um espelho da mãe. (O próprio Red o diz.) Niamh, porque não saiu à mãe, foi desde sempre a filha enjeitada. (Escaravelhos, Chiaran, transforma-os em escaravelhos porque merecem!) Bran, filho de gente boa, tem de ser gente boa também. Eamonn, filho de um traidor, tem de ser igualmente malvado.
Por falar em Eamonn, pretendente a Liadan a quem esta rejeita, vamos lá então explicar a burrice da personagem. Só houve uma coisa que esta Liadan fez no livro todo com que eu concordei, que foi mandar a Senhora da Floresta às urtigas. (Exactamente! E eu gostei porque já me tinha parecido que a Senhora da Floresta é uma grande sádica.) Não, minto: também gostei que Liadan fosse a única a ter verdadeira compreensão para com o romance entre Niamh e Chiaran. Mas Liadan estraga tudo quando vai confrontar Eamonn, um homem que ela já sabe que é perigoso, que até já traiu Sevenwaters, e leva com ela o bebé. Lembrou-me aquele momento de “Homeland” em que Carrie Mathison leva a filha para um encontro de terroristas, e até um simpatizante de terrorista lhe pergunta: “Mas a senhora é doida? Trouxe para aqui uma criança?” Carrie Mathison é mesmo doida, mas Liadan é simplesmente burra. Quem é que leva o seu bebé para um conflito que pode correr muito mal, quando o bebé não faz lá falta nenhuma e podia tê-lo deixado em segurança?
Só há um personagem inteligente nesta história toda. Não vou dizer quem é para não criar mais spoilers, mas quem se lembra da minha crítica anterior sabe quem é o meu personagem preferido. E nada mais digo.
O fim decepcionante refere-se às acusações monstruosas que Bran faz a Red e Sorcha. Como dizer isto?... Afinal, ele estava completamente enganado. Ouviu mentiras, repetiu mentiras. Foi tudo uma construção artificial para o manter afastado de Liadan até ao fim do livro, porque não podiam ser “felizes para sempre” tão cedo. Não gostei mesmo nada. Como leitora, senti-me defraudada.
Senti-me ainda mais defraudada quando Red diz que tem alguma culpa no assunto, para justificar o truque baixo do livro. Nem Red, e muito menos Sorcha, nem sequer Simon, têm qualquer influência no que aconteceu a Bran. Não era preciso pôr Red a assumir culpa que não tem ao serviço de um enredo mal amanhado. Havia outras maneiras de chegar ao mesmo objectivo. Desta forma, Bran também me pareceu um idiota misógino que se queixa sem razão e acusa quem não deve. A certa altura ele diz a Liadan que ela é uma “mulher perigosa e uma estratega subtil”, e eu fartei-me de rir. Ele também não é muito esperto, por isso estão bem um para o outro. Bran é um personagem atormentado por uma infância de abuso, compreendo perfeitamente, mas, chamem-me insensível à vontade, ou talvez porque conheça casos muito piores em que as pessoas deram a volta “mais por cima”, acho que ele não tinha razão para aquela revolta toda. Até parece que foi o único no mundo a sofrer, ou, pior, é tão focado em si próprio que não sabe que outros sofreram mais. Talvez este personagem ainda melhore, porque, afinal, ele também é muito novo. Bran é quem verbaliza uma das ideias mais filosóficas do livro: “As histórias são perigosas, porque fazem os homens sonhar com o que não podem ter”. Às vezes é verdade, outras vezes é o contrário: em vez de perigosas, as histórias podem ser inspiradoras. Mas como personagem auto-destrutivo e sem auto-estima que é, Bran só consegue ver o lado cínico da vida.

Ainda assim, viciante
Então, do que é que eu gostei tanto neste livro, porque efectivamente gostei de alguma coisa que me manteve agarrada do princípio ao fim? A escrita é muito boa. A autora consegue das melhores descrições que já li na vida, embora eu não seja grande amiga de descrições. (Às vezes dá-me a entender que a autora prefere as descrições e os pormenores a essas chatices de manter o enredo coerente.)
Gostei da história de Niamh e da história de Chiaran, e de como ambas as histórias podem vir a dar uma continuação empolgante. Porque, a verdade é esta, estou em pulgas para ler a terceira parte, “Child of the Prophecy”.
Queria ter gostado mais deste livro, sim, queria. Queria ter-lhe dado 5 estrelas no Goodreads e só lhe pude dar 4 porque o fim me pareceu artificial. Conhecendo as fragilidades da autora, passei o livro todo a temer que isto acontecesse, nomeadamente quando se questionou a integridade de Red e Sorcha (não podia ser verdade!). Infelizmente, os meus piores receios vieram a concretizar-se, ou a autora não me conseguiu convencer das razões de Bran. Aliás, todo o personagem Bran faz pouco sentido, eu é que não quis estar aqui a debicar que nem abutre.
A escrita de Marillier é francamente agradável, mas precisa de enredos mais sólidos. Vou continuar a ler a trilogia na esperança de que a experiência melhore estas fragilidades até elas desaparecerem.
E continuo a querer saber a resposta à questão que ficou a pairar no primeiro livro: porque é que a Lady Oonagh se foi embora sem mais nem ontem quando já tinha conquistado tudo. A questão volta a ser abordada em “Son of the Shadows” e a resposta promete. Resta saber se a trilogia cumpre a promessa. Por esta altura falha-me a esperança, mas se “Son of the Shadows” supera “Daughter of the Forest”, pode ser que o terceiro livro me satisfaça completamente. A ver vamos.