domingo, 31 de julho de 2022

Snu (2019)

Este foi um filme que adiei ver, e um filme que me custou a ver com imparcialidade. Por esta razão, vou pôr as cartas todas na mesa. Tinha apenas 8 anos quando Sá Carneiro morreu, mas a verdade é que já nessa idade nunca gostei da pinta dele. Também é verdade que raramente gosto da pinta de qualquer político, mas este em particular, que era primeiro-ministro e que eu via na televisão todos os dias, não me dava boas vibrações. Nem sequer estou a falar da ideologia que o político preconizava porque era demasiado nova para a compreender. Estou a falar do homem, da antipatia que sentia por ele. (Embora eu esteja perfeitamente convencida de que o homem foi de facto assassinado, mesmo que a bomba não fosse para ele. Veja-se sobre isto outro filme controverso, “Camarate”.)
Em 1980 não sabia nada da Snu Abecassis, nem tinha idade de saber. Tínhamos acabado de sair da ditadura, não era coisa que se falasse na Crónica Feminina. Os mais velhos também não falavam do assunto, e depois de Sá Carneiro morrer muito menos, para “não falar mal dos mortos”. Só descobri já na adolescência.
Mas este filme não é sobre política, mas sobre a história de amor entre Sá Carneiro e Snu. Mesmo assim, tive muita dificuldade em abstrair-me das ideias políticas, ainda por mais quando o filme mostra constantemente intervenções reais do verdadeiro Sá Carneiro na televisão da altura. Numa delas, ele dizia que o PPD estava a fazer tudo para que os “mais jovens tivessem um futuro melhor”. Eu ri-me, ri-me às gargalhadas. Não por culpa dele. Se calhar ele até estava a ser sincero (não tenho razão para pensar o contrário). Mas tanta gente se colou a ele, tanto energúmeno ao longo da história do PPD/PSD, incluindo o senhor Passos que mandou os jovens saírem da zona de conforto e imigrarem. Se calhar Sá Carneiro não merecia lapas destas agarradas à sua memória, mas os mortos não falam. A verdade é que, para além da antipatia que eu já sentia por ele, Sá Carneiro me lembra todos estes figurões que vieram a desfilar depois dele pelo PPD/PSD e foi difícil ver o filme sem ter isso sempre presente.
Mas vou pôr a política de lado e vou tentar.
“Snu” funciona como um documento histórico preciso, tão preciso que me irritou. Irritou-me aquela gente rica toda, aqueles betos que tratam os paizinhos por você e vice-versa, aquela gente de famílias opulentas que tinha grandes casas de banho onde tomar banho ou duche numa altura em que o povo passava mal, mesmo muito mal, e ainda se lavava num alguidar. Lá está, novamente, a dificuldade em avaliar o filme de forma imparcial. Ver o filme deu-me vontade de arrancar os cabelos, o que só significa que está muito bem feito. Foi pena não termos ao mesmo tempo a outra face da moeda: aquela gente pornograficamente rica enquanto o povo vivia na miséria.
Mas esta é uma história de amor trágico. Ainda antes da tragédia propriamente dita, o casal teve de enfrentar o grande problema das mentalidades. Nos anos 80, O PPD ainda cheirava a igreja. Este cheiro foi progressivamente passando para o CDS (RIP) e por lá ficou. (Sim, eu não queria falar de política, e estou a conter-me, mas é difícil quando o protagonista foi um antigo primeiro-ministro.) Na altura, PPD e CDS mal se distinguiam, daí a AD (Aliança Democrática) com outro partido improvável visto do nosso tempo: o PPM (Partido Popular Monárquico). Este era um Portugal profundamente salazarento, pidento, todo ele a cheirar a igreja católica. Um primeiro-ministro não podia apaixonar-se, e muito menos divorciar-se. (Ainda há alminhas, em Portugal de 2022, que não querem divorciar-se porque é pecado, tenhamos isto em atenção! O cheiro a igreja impregna-se no cérebro e depois custa a sair, quando alguma vez sai.)
Snu e Sá Carneiro, ambos casados, tiveram o azar de se apaixonarem naquela altura. Não chegou a ser um escândalo público porque, tragicamente, não houve tempo para que toda a gente soubesse. Algumas notícias em alguns jornais, mas nunca o falatório que seria agora.
O filme chama charmoso a Sá Carneiro bastantes vezes. Ora, eu não podia discordar mais. A carantonha que aparecia na televisão era tudo menos charmosa. Mas, quem sabe? O que somos em público é muito diferente do que somos em privado, e o que somos na intimidade ainda pode ser mais charmoso. Snu e Sá Carneiro eram um amor proibido para a altura, o que talvez ainda os tenha aproximado mais. A eterna tragédia de Romeu e Julieta.
Se nunca achei Sá Carneiro charmoso, não posso dizer o mesmo do actor que o representou, Pedro Almendra. Tão charmoso que se calhar até me convencia a votar nele! A personagem Snu (nunca conheci, nem sequer vi a pessoa real) faz um retrato muito convincente de alguém que se apaixona por um homem pelo seu ideal. Não é o meu ideal, mas compreendo. Até compreendo todas as boas intenções daquele tempo, embora discorde delas profundamente.
Sá Carneiro quer casar com Snu, mas isso implica divorciar-se da mulher que é a mãe dos seus não-sei-quantos-filhos. De acordo com a mentalidade da época, a mulher não lhe quer dar o divórcio. Acredito que seja daquelas que ainda hoje não daria o divórcio. Aqui posso fazer também o meu juízo de valor e perguntar-me porque é que um homem de visões mais largas casou com alguém de visões tão estreitas? Porque dava jeito ter uma esposa “bem”, muito honrada e católica? Reparem, não estou a falar mal dos mortos. Estou a dizer que sempre, em todas as épocas, a gente se deita na cama que faz. Às vezes há quem se deite na cama que parece mais fácil só para descobrir que é uma cama de picos. Vamos esquecer que estas personagens são pessoas reais. Vamos imaginar que são ficcionais. Quando ele casou com ela, como ela diz, colocou-lhe um anel no dedo e disse-lhe que era até que a morte os separasse, sabendo bem que ela levava essa promessa muito a sério. Também compreendo que algumas pessoas mudam, divergem, e não se tornam a encontrar. Mas aqui há culpa para toda a gente e para ninguém. E sim, sei que estou a dizer isto do conforto de 40 anos depois. E, mesmo assim, ainda há quem não tenha percebido estas coisas básicas: as pessoas mudam, divergem. Nada é para sempre. Que este filme sirva ao menos para abrir alguns olhos ainda embaciados de incenso de sacristia.
A nível das interpretações tenho de dar dois grandes parabéns:
À actriz Ana Nave, que fez uma Natália Correia tão real que até me esqueci de que não era a própria. (A Natália Correia eu tive muitos anos para conhecer.) Trabalho extraordinário. Até fiquei arrepiada.
À actriz Joana Brandão, que fez uma Manuela Eanes exactamente como eu me lembro dela. Fiquei igualmente arrepiada.
Já outros personagens não foram tão bem conseguidos. Só percebi que era Mário Soares quando Snu lhe chama Mário. Maria Barroso, Freitas do Amaral, Ribeiro Telles, Helena Roseta, etc, etc, não os reconheci. Mas o filme também não era sobre eles.
Tirando tudo isto à parte, este é um documento histórico (e político) sobre a vida da alta sociedade portuguesa à saída dos anos 70. Reconheci tudo, vi tudo. Do outro lado da história, mas vi. De tal forma que é difícil fazer as pazes com o que se passa aqui, por muito que queira. A história de amor é bonita e trágica, Romeu e Julieta, que não tinha de acabar assim, e não devia ter acabado assim porque ninguém o merece. Mas este era também um mundo bafiento e fechado, um mundo que Snu e Sá Carneiro, na maturidade das suas vidas, queriam arejar. Era inevitável abrir as janelas.
Uma das melhores partes do filme é quando se mostram imagens reais da Revolução de Abril misturadas com filmagens actuais e “envelhecidas” de Snu e Sá Carneiro. Portugal precisava dessa Revolução de Abril, mas ainda precisava mais da outra, da revolução de mentalidades que seriam Snu e Sá Carneiro. Que ainda precisa, 40 anos depois. Se foi isto que o filme quis fazer, e acredito que foi, então fez bem.

(Não vou dar nota ao filme porque não consigo ser imparcial.)


terça-feira, 26 de julho de 2022

Crítica ao livro "Vanda", de D. D. Maio - por Rita (Goodreads)

[por Rita, book.serotonin no Instagram]

Directamente do Goodreads:

Como não amar a escrita de D.D.Maio...?
Sou suspeita. Adoro tudo o que escreve. Sou fã, uma das minhas escritoras favoritas.
Mais um livro e mais a adoro.

Vanda, uma personagem que me surpreendeu do inicio ao fim.
E como adorei a personagem do Dayn! Chorei o seu destino.
Vanda, uma personagem tão forte... Adorei ler a sua história.
É uma história fortíssima, que não recomendo a todos mas que adorei! 

 

Toda a informação AQUI

 

 

domingo, 24 de julho de 2022

A Náusea, de Jean-Paul Sartre


"A Náusea” é o primeiro romance do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre. O protagonista, Antoine Roquentin, fica abalado quando repara que alguns objectos lhe causam o que ele chama “a Náusea”, e começa a registar as suas experiências num diário. Roquentin está a tentar escrever a biografia de uma figura histórica mas a certa altura até o alvo do ensaio lhe causa a Náusea e tem de desistir. Mas o livro não leva o rumo kafkiano que sugere à partida. Quanto mais analisa a sua relação com os objectos e reflecte nas suas observações do mundo e das pessoas à sua volta (os outros “solitários”, como ele lhes chama) melhor Roquentin percebe que a Náusea não está no exterior, nos objectos, mas que vem antes do interior de si próprio: ele “é” a Náusea.
Filosófico, psicológico, e até sociológico, este não é um livro para toda a gente e não conta exactamente uma história. Consiste em entradas de diário em que o protagonista vai descrevendo o seu dia-a-dia, as pessoas com quem se cruza, as ruas onde passa e os transeuntes que as frequentam (em jeito de comentário social bastante cortante), muitas vezes em estilo de “corrente de consciência” confessional. Anny, um amor do passado, é mencionada as vezes suficientes para que o leitor perceba que foi uma ex-amante, mas sem que o protagonista lhe queira dar a importância que ela realmente tem. Anny é a única “história” do livro, no momento em que convida Roquentin para um encontro. Este vai, fingindo a si próprio que não quer reatar com ela, quando no fundo é tudo o que mais deseja, já adivinhando realisticamente que isso não vai acontecer e preferindo antecipar de antemão como é que as coisas vão correr.
No diário, Roquentin descreve os seus estados de humor e questiona-se sobre o que é existir, e, acima de tudo, o que significa existir. Não no sentido “penso logo existo”, mas numa outra profundidade. Como, por exemplo, a cena da árvore, que o faz questionar até que ponto termina a existência da árvore para começar a sua e se não será uno com a árvore (o que ecologicamente até faz sentido). Por fim, Roquentin confronta-se com o significado da existência e chega a uma conclusão que vai agradar muito aos escritores que lerem este livro.
Não aconselho a toda a gente, mas aconselho vivamente a todos os que gostam de filosofia, psicologia e sociologia, e a quem gosta de pensar profundamente.

domingo, 17 de julho de 2022

The 5th Wave / A 5ª Vaga (2016)

[contém spoilers]

Invasão alienígena do tipo “Guerra dos Mundos”. Os extraterrestres chegam, não dizem nada, querem destruir a humanidade para ficar com o planeta. Um impulso electro-magnético acaba com a electricidade e os transportes. Terramotos e tsunamis, provocados pelos extraterrestres, dizimam grande parte da população. O vírus da gripe das aves, modificado (agora já sabemos quem foi!), mata muito mais. Estas são três vagas de destruição. Há uma quarta mas não me lembro do que foi. Chegamos então à 5ª vaga, em que os extraterrestres estão a tentar eliminar os sobreviventes um a um, “como baratas resistentes”, diz a heroína Cassie Sullivan (Chloë Grace Moretz, a última “Carrie”).
Até este momento, o filme foi promissor. Mais um cenário pós-apocalíptico, eu sei, mas é o que está na moda. Os efeitos especiais das tsunamis são muito bons, as estradas apinhadas de carros abandonados e as casas desertas também: cinco estrelas. Cassie perdeu a mãe na gripe, perdeu o pai num tiroteio, e o exército levou-lhe o irmão mais novo para uma base militar supostamente segura. Cassie devia ter ido também, mas acidentalmente ficou para trás. Agora só quer reencontrar o irmão, tudo o que lhe resta. Nota para recordar porque vai ser importante: o irmão não tem mais de 7 anos e ainda anda agarrado a um ursinho de peluche!
É aqui que o filme dá para o torto. Os supostos militares são seres humanos “ocupados” por extraterrestres (já se adivinhava isto a milhas) que estão a treinar as crianças para caçar e matar os últimos sobreviventes. Até putos de sete ou oito anos têm treinamento militar. Ora, isto pode soar muito malvado no papel, mas é completamente ridículo. Há muitas maneiras de usar as crianças num cenário de guerra (perguntem aos Khmer Rouge) mas mandá-las para a frente de combate não é uma delas, principalmente quando ainda são tão pequenas que desatam a chorar e os mais velhos têm de as consolar. As próprias metralhadoras eram maiores do que as crianças. Os pobres dos putos mal podiam com o peso delas, quanto mais dispará-las. E que extraterrestres são estes, tão poderosos, capazes de causar terramotos e tsunamis e de ocupar humanos adultos, que no fim têm de depender de putos chorões? Se até já estavam infiltrados no exército não podiam ter antes “ocupado” corpos de militares muito mais aptos para o combate? Não faz sentido nenhum. Pretendia-se efeito de choque. O efeito foi de rir às gargalhadas. Até porque os adolescentes “soldados” mais velhos percebem que estão a ser manipulados logo da primeira vez que têm de ir para o terreno. A continuar assim, os extraterrestres não vão longe.
Entretanto, Cassie é atingida por um destes atiradores furtivos ao serviço dos extraterrestres (ou humanos possuídos, mais propriamente), e um estranho misterioso salva-lhe a vida. Evan Walker, o estranho (interpretado por Alex Roe de “Siren”), tem definitivamente algo a esconder.
E aqui o filme passa de rajada de uma história de sobrevivência pós-apocalíptica para um Young Adult com o triângulo amoroso obrigatório e tudo, em que Cassie se apaixona pelo bonitão do Evan ao mesmo tempo que ainda pensa no namorado de liceu. Esqueçam lá os extraterrestres, esqueçam lá o fim do mundo. O importante é saber com qual deles Cassie vai ficar. E o filme estava a correr tão bem! Parecia, no princípio, um “The Walking Dead” encontra “Guerra dos Mundos”. Acabou por ser uma coisa mais “Hunger Games”, mas sem um décimo do interesse do mundo tirânico de Katniss.
Como acontece sempre nestas coisas do Young Adult, os adolescentes vencem a batalha. Mas não fiquem já entusiasmados. O filme acaba a prometer uma sequela, onde enfim os adolescentes conseguirão vencer a guerra. Resta a pergunta fundamental: e Cassie, vai ficar com o namorado de liceu ou com o estranho misterioso? Aceitam-se apostas.
O filme é baseado em livros. Li algumas críticas de quem leu os livros e o que dizem é que os livros são muito melhores do que isto e que o filme só os prejudica. Fica já desde aqui o aviso: quem leu os livros acha que este filme é muito mau.
Eu não li os livros e só posso dar nota ao filme:

12 em 20 (pelo entretenimento e pelas tsunamis)


terça-feira, 12 de julho de 2022

London Plane – “Bright Black”

“Bright Black“ é o segundo álbum da banda nova-iorquina London Plane, acabado de lançar em Junho de 2022 (o primeiro é “New York Howl”, de 2018).
Segundo o press release, este é um disco para amantes de Bauhaus, David Bowie, Yeah Yeah Yeahs, XTC, Shriekback, Gary Numan, Wire, Soft Kill, Interpol, Preoccupations, Protomartyr, The Primitives, The KVB, Iggy Pop, The Cramps.
Ora, é exactamente nesta misturada de influências que reside o busílis para mim. Para dizê-lo curto e grosso, há músicas de que gosto muito e músicas de que não gosto mesmo nada. Não posso, por isso, considerar “Bright Black“ um álbum equilibrado que vá agradar a um público em específico do princípio ao fim, da mesma maneira que não conseguiu agradar-me a mim.
Mas nesta misturada há gemas espantosas a descobrir, nomeadamente (seria mesmo preciso dizê-lo?) as que recordam um som mais ao estilo de Bauhaus ou post punk, embora de maneira nenhuma cópias: “Bright Black”, “The Darker You”, “Watch That Madman Go” e “Francesco”.
As outras, nem por isso.

Para ouvir no Bandcamp da banda, AQUI.


“Bright Black“ is the New York band London Plane’s second album, just released in June 2022  (the first was “New York Howl”, from 2018).
According to the press release, this is a record for lovers of Bauhaus, David Bowie, Yeah Yeah Yeahs, XTC, Shriekback, Gary Numan, Wire, Soft Kill, Interpol, Preoccupations, Protomartyr, The Primitives, The KVB, Iggy Pop, The Cramps.
Well, it’s exactly in this amalgamated salad of influences that the problem resides for me. To put it short and simple, some tracks I like a lot and some tracks I don’t like at all. Therefore, I cannot consider “Bright Black“ as a balanced album that manages to please a specific audience from start to finish, the same way it couldn’t please me.
But in the midst of this amalgamated salad there are amazing gems to be discovered, namely (do I really need to say it?) those that recall a more Bauhaus-like post punk type of sound, though not, in any way, copies: “Bright Black”, “The Darker You”, “Watch That Madman Go” and “Francesco”.
The others, not really.

To be listened in London Plane’s Bandcamp, HERE.


domingo, 10 de julho de 2022

Strangerland / Em Terra Estranha (2015)

De vez em quando apanha-se um filme destes, em que a qualidade da história, dos personagens, das interpretações, do ambiente psicológico e sociológico, da opressão do cenário avassalador, valem mais do que a acção propriamente dita.
Catherine e Matthew Parker são um casal já em crise que se instala numa pequena cidade no meio do deserto australiano, terra estranha para eles, em fuga de qualquer coisa que só descobrimos depois. Acontece que a filha adolescente do casal, de apenas 15 anos, tem uma libido maior do que a idade e se envolveu sexualmente com um professor. A família muda-se para evitar o escândalo e tentar recomeçar.
A situação em casa não é das melhores. Uma noite, a adolescente e o seu irmão mais novo desaparecem sem deixar rasto. Os pais desesperados metem-se no carro para os procurar, mas nesse momento são atingidos por uma violenta tempestade de areia que torna as buscas impossíveis. No dia seguinte não há sinal dos miúdos. Terão sido raptados? Ter-se-ão perdido na tempestade? Se estão vivos no deserto, ao calor e sem água, não conseguirão sobreviver sozinhos por mais de 48h.
Mas este não é um thriller de crime, ou mesmo de busca e salvamento. É um filme que aborda as consequências do desaparecimento. O casal desagrega-se. Depois de um intenso sexo de luto (uma espécie de imperativo genético quando um animal perde as crias) as acusações voam: o pai comenta que a filha não sai a ele nos seus apetites sexuais, logo, deve sair à mãe; a mãe chega a perguntar ao pai se alguma vez abusou da filha (injustamente); o polícia desconfia dos pais, que são sempre os primeiros suspeitos, e dos envolvimentos românticos da adolescente, que são sempre suspeitos também; a mãe, tresloucada porque as buscas não resultam em nada, atira-se sexualmente ao polícia, só para ser rejeitada. Os habitantes da cidade suspeitam dos pais dos miúdos, recordando outro grande filme, “A Cry in the Dark”, com Meryl Streep (aquele do dingo que comeu o bebé). Por último, a própria mãe embrenha-se sozinha no deserto, à noite, em risco de se desorientar e desaparecer também.
Perder um filho é a pior experiência de um ser humano. Perder os dois de uma só vez, sem se saber se estão vivos ou mortos, é de enlouquecer. Nicole Kidman, que há muito provou não ser apenas uma carinha bonita, encarna esta angústia em toda a sua maturidade de actriz veterana (nada daquele desastre que foi “Eyes Wide Shut”).
O que impressiona mais neste filme é o seu realismo, embora muitos espectadores o considerem lento e insatisfatório. Eu tive sorte, consegui retirar daqui tudo o que o filme queria transmitir, e mais ainda.

18 em 20

 

terça-feira, 5 de julho de 2022

Noir Clubbing

[Originalmente publicado no Pórtico


Este é um post há muito devido, apesar das vicissitudes que o atrasaram. O Club Noir original abriu em Fevereiro de 2011 na Baixa (Rua da Madalena). O Noir Clubbing (novo nome) mudou-se para Alvalade (Rua António Patrício, 13B) em Novembro de 2019. Na verdade, a inauguração só aconteceu em Março de 2020. Entretanto, veio a pandemia. Pior altura não podia haver. Não tive oportunidade de conhecer o novo sítio antes e só consegui ir lá agora.
Sobretudo, tenho a dizer que mudou para melhor! Mais amplo, mais espaço, um bar maior, melhor som e pista de dança. Os habitués vão reconhecer a mobília, mas muito menos “apertada” e com mais lugar para conversar. As paredes estão pintadas em cores claras e decoradas com retratos de ícones da música alternativa. Os espelhos ajudam à ilusão de um espaço mais arejado. Até encontrei uma salinha, ao fundo à esquerda, com mais iluminação e menos som, para quem quiser maior intimismo. Por acaso encontrei-a quando procurava a casa-de-banho, que fica ao fundo à direita.
O bairro circundante é sossegado e longe dos centros barístico-turísticos da capital, o que é sempre uma vantagem para quem vai a este espaço alternativo de propósito sem vontade de ser incomodado por curiosos que lá caem de pára-quedas.
A música em si não mudou. Tudo o que é alternativo tem aqui lugar. Infelizmente, o bar tem de fechar às 4 horas, demasiado cedo, e só abre aos fins-de-semana e vésperas de feriado. Mesmo assim, aconselho uma visita urgente a este novo/antigo local de música alternativa.

domingo, 3 de julho de 2022

The Walking Dead (11ª temporada, parte um e dois, a um terço do fim)


Tenho boas notícias, para variar. Como devem saber, por causa da pandemia a 11ª temporada de “The Walking Dead” demorou a gravar e foi dividida em três sub-temporadas de 8 episódios cada uma. Faltam apenas 8 episódios para o fim, o derradeiro fim!
Longe vai o tempo em que eu dizia que não queria morrer sem ver o final de “The Walking Dead”, mas já que estamos tão perto é mesmo para aguentar até ao último episódio.
 “The Walking Dead” teve altos e baixos. Ultimamente, mais baixos do que altos, mas melhorou bastante assim que mudou de mãos de Scott Gimple para a showrunner Angela Kang, que tentou salvar o que restava. Tudo o que tinha a ver com os Saviours foi mau, com os Whisperers pior ainda. Finalmente, os nossos poucos sobreviventes encontram um desafio novo, a Commonwealth, onde o velho mundo ainda existe.
O mais interessante de tudo foi ver como a Commonwealth é semelhante ao nosso mundo, com todos os seus defeitos, a corrupção, os ricos e os pobres, as cunhas, como se nada tivesse mudado. Ezekiel, outrora rei, é colocado a tratar de animais. Daryl e Rosita, por não terem habilitações, têm de ser recrutados pela polícia da Commonwealth para ganharem uma ninharia de salário e terem direito a um apartamento. “Nunca pensei ter de me preocupar com dinheiro outra vez”, diz Rosita.
Mas a Commonwealth é podre e corrupta por dentro, e, com os sobreviventes à beira da rebelião, não vai durar muito.
 “The Walking Dead” nunca mais foi nem será o que era nas primeiras temporadas. Toda essa originalidade já deu o que tinha a dar. Também não tenho grandes expectativas para o fim, mas pelo menos mudou de cenário. Alexandria e Hilltop estão destruídos. Os sobreviventes não têm alternativa senão aceitar a “ajuda” da Commonwealth e ir viver para lá.
A nível de momentos verdadeiramente emocionais para as personagens, destaco Negan, quem diria? Eu não o perdoei, Maggie também não, mas Negan finalmente decidiu virar costas a Alexandria e ir à sua vida. Foi o melhor que ele fez. Mais tarde tem uma conversa com o pequeno Hershel Rhee (isso mesmo, o filho de Glenn) e confessa-lhe que matou o pai dele. É preciso tê-los no sítio! Depois convence-o a crescer, a esperar alguns anos, e a voltar para acertarem as contas. Mas agora Negan salvou a vida do filho de Maggie, e, se o homícidio de Glenn ainda pesa, no coração de uma mãe pesa também a gratidão de salvarem a vida ao seu filho. Talvez Maggie não mate Negan pelas costas por enquanto, porque já foi anunciada uma mini-série com os dois, Negan e Maggie, depois de a série acabar. Mau, muito mau. Agora já sabemos que nenhum deles vai morrer até ao final.
Dog, o cão de Daryl, deve ser o cão mais bem comportado do universo, aparecendo quando é conveniente, desaparecendo quando está a mais. Mas pelo menos não o mataram, ainda!
Algumas personagens mais recentes tornaram-se muito empáticas. Como Aaron, Ezekiel ou Princess, de entre os mais improváveis. Estou muito preocupada por eles. São personagens secundários fáceis de “eliminar”, já que a série se recusa a matar mais personagens importantes.
Não tenho esperança de voltar a ver Rick Grimes, ou até Michonne, no resto da série (excepto em flashbacks e memórias), mas talvez me engane.
Sem querer entrar em mais spoilers (não que os haja nestas curtas linhas) queria apenas recomendar a parte final da série: os restantes 8 episódios. Não serão excepcionais como os primeiros, mas serão os últimos. E, erros do costume à parte, prometem algum entretenimento como há muito “The Walking Dead” não proporcionava.