domingo, 26 de abril de 2020

Ice Age: Continental Drift / A Idage do Gelo: Deriva Continental (2012)


Porque é que eu estou agarrada a esta série? Se calhar porque me faz chorar a rir.
Só a primeira sequência, em que o nosso amigo Esquilo da Bolota consegue partir o continente Pangeia e dar início à deriva continental, fez-me rir de lagriminhas nos olhos.
Será que os miúdos apanham estas piadas todas? Porque isto tudo me parece demasiado sofisticado para miúdos. Lembra-me uma vez em que a minha tia me levou a ver um filme supostamente para miúdos. Foi uma seca. No fim ela perguntou-me o que é que eu tinha achado e eu respondi: “Não percebi nada.” Mas a minha tia tem tendência para os filmes intelectuais. Quando eu tinha 15 anos levou-me a ver um filme de Fellini, “O Navio”, e desta vez já percebi tudo, mas não é o meu género. Isto para dizer que muito possivelmente não ia achar graça nenhuma a “Ice Age” quando era miúda. Mas agora gosto mesmo muito. Faço questão de ver a versão original (e não a dobrada em português) para não perder uma única piada.
Além do humor, o que me prende à série já são as personagens. É claro que estes mamutes, que esta preguiça, que este tigre dente-de-sabre, são tão humanos como nós.
Peaches (filha de Manny, o tal mamute que no princípio pensava que era o último mamute do mundo, e de Ellie) já é uma adolescente que quer andar com rapazes. “Só no dia em que eu morrer!”, responde Manny, um pouco ultra-possessivo, “Melhor ainda, três dias depois de eu morrer para ter a certeza de que estou morto!”
Peaches, como qualquer boa adolescente, ignora o que o pai diz e foge para ir ter com os “rapazes” estilosos da manada. Entretanto, o seu amigo ouriço, Louis, tem uma paixão platónica e desesperada por Peaches. Coitado do ouriço, é tão pequeno que Peaches o pode transportar na tromba, mas o amor é cego.
Sid, a preguiça optimista, recebe a visita inesperada da família toda: pai, mãe, irmão, tio e avó idosa. Sid, que foi abandonado pela família, fica radiante ao vê-los. É o seu ingénuo optimismo. A família só apareceu para abandonar a velha com ele, e logo de seguida desaparece outra vez. Pobre Sid. Isto é para os miúdos perceberem que nem todas as famílias são perfeitas.
E depois temos Diego, o dente-de-sabre, que finalmente encontra um interesse romântico, mas penso que este enredo só vai ser desenvolvido em próximos episódios.
Só não gosto quando eles começam com as canções. Palavra de honra, nunca gostei de musicais, nem para adultos, e assim que eles começam a cantar fico atacada de urticária. Felizmente foi só uma canção.
Gostei da parte sobrenatural em que Manny, Sid e Diego, à deriva num iceberg, se cruzam com umas lindíssimas sereias que os querem atrair até elas. Só que estas sereias são uns monstros marinhos que podiam perfeitamente ter saído de Lovecraft. Sim senhor, educar os miúdos em Lovecraft desde pequeninos. Aprovo!
As personagens são sólidas e cativantes e já as acompanho há tempo suficiente que me importo com tudo o que lhes acontece. Mas não quero enganar ninguém. A personagem com quem me identifico mais, desde que o conheço, e foi amor à primeira vista, é mesmo o Esquilo da Bolota (Scrat). Anti-social e obcecado pela Bolota amada, o mundo todo podia partir-se à sua volta que Scrat não vê mais nada nem ninguém. Eu também sou assim, seja o que aconteça à minha volta, sempre obcecada e incansavelmente a perseguir a minha Bolota (os meus projectos, isto é, só para clarificar).
Em “Deriva Continental”, e depois de partir o mundo, Scrat encontra um mapa do tesouro para uma ilha repleta de bolotas. Nada o consegue deter de encontrar esse mundo idílico e bolótico. E encontra mesmo, e é assim que o Esquilo da Bolota consegue também afundar a Atlântida. Como é que é possível não chorar a rir?
Já sou fã da série e vou ver todos os filmes que saírem. Lamento não ter gostado tanto de “Dawn of the Dinosaurs”, não sei bem porquê. Mas “Continental Drift” é novamente “Ice Age” no seu melhor.

15 em 20 (para filme de animação)

A sequência inicial em que o Esquilo da Bolota parte o mundo, e agora digam-me que não é de chorar a rir: AQUI.

domingo, 19 de abril de 2020

(The Adventures of) Merlin / Merlin (2008–2012)


[contém spoilers; revela o final]

Hesitei muito em fazer a crítica a esta série (as cinco temporadas), porque basicamente só tenho a dizer mal, mas cá vai. “Merlin” deve ser a série mais mal feita que eu já vi na vida. Quando comecei a ver os primeiros episódios julguei, palavra de honra, que era uma série muito antiga, daquelas que se faziam nos anos 80, tipo “Os Três Duques” ou “Buck Rogers”, destinadas a um público muito jovem e estruturadas em episódios do género “aventura da semana” sem que tivessem qualquer história de fundo a desenvolver-se ao longo da série. “Merlin” começou assim, pelo menos, e assim se manteve até ao final da terceira temporada.
Fiquei muito desapontada logo com o primeiro episódio. Esperava um drama arturiano e saiu-me uma série infanto-juvenil sobre o jovem feiticeiro Merlin que embirra com o jovem príncipe Arthur, mas que acaba por se tornar criado dele. Para terem uma ideia, nada aqui é realista nem segue a história clássica. Estes acontecimentos deviam ter acontecido no século V mas Camelot parece uma cidade do século XVII, inclusive com um físico da corte, Gaius. Guinevere não é uma nobre mas sim uma criada de Morgana. Morgana não é meia-irmã de Arthur mas sim uma protegida de Uther, o rei. Ao ver isto, percebi que ia ser uma versão para crianças do conto arturiano, em que todos os personagens são amigos e lutam contra o vilão da semana. E de certa forma até foi. Em quase todos os episódios, estes quatro partiam em aventuras, derrotavam os maus e voltavam a casa.
Agora vamos à história principal de “Merlin”, que durante três temporadas serviu apenas de móbil para este ou aquele enredo semanal. Uther, o actual rei de Camelot, tem ódio à magia. Logo no primeiro episódio um qualquer desgraçado é decapitado por praticar magia (mas não se preocupem porque não se vê nada de perturbador; aliás, as espadas de Camelot têm o condão de serem enfiadas numa qualquer barriga e saírem como entraram, sem uma gota de sangue. Sinceramente, acho que nunca vi sangue nesta série, do princípio ao fim, apesar das batalhas e do elevado número de mortos nas últimas temporadas. Neste aspecto, a série nunca perdeu o seu cariz infantil. E as mortes nunca foram realistas, excepto a última, mas já lá vamos.) Uther é um rei fanático em relação à magia, justificando que em tempos esta foi usada para grandes males, o que o levou a fazer a Grande Purga em que matou toda a gente que tinha dons mágicos: homens, mulheres e crianças. Só isto já dá uma ideia do tipo de homem que aqui está. O que descobrimos depois, e o que o torna execrável, é que Uther é também um grande hipócrita. Quando se vê em apertos, e apesar da sua própria lei anti-magia, o hipócrita recorre a quem o salve, mesmo com magia.
Mas, como se não bastasse, Uther é também um péssimo pai para Arthur, sempre e constantemente a deitá-lo abaixo. Quase todos os episódios eu acabava a abanar a cabeça e a dizer “Pobre Arthur” e admito que foi isto que me agarrou à série. Pobre Arthur, eu só queria que finalmente aquele desgraçado tivesse uma chance de ser feliz. Desgraçadamente, tudo lhe aconteceu e todos lhe mentiram e o traíram a torto e a direito, até aqueles que o amavam e o queriam proteger.
A Merlin é atribuído, desde o primeiro episódio, o destino de proteger Arthur. Quem lho diz é o Dragão, o último da sua espécie, aprisionado nas masmorras de Uther para servir de exemplo da sua cruzada anti-magia. Honra seja feita a “Merlin”, este é um dragão como deve ser, um dragão sábio e falante, cheio de profecias e segredos, que não tem nada a ver com as criaturas acéfalas da “Guerra dos Tronos”. Isto é que é um dragão, um dragão à Tolkien. E durante a série inteira o Dragão foi a única personagem coerente. Já as outras…
Desde cedo se percebeu que Arthur e Guinevere iam mesmo casar um com o outro. Ora, isto é problemático porque Guinevere é uma serva. E Uther, evidentemente, opõe-se. O homem é tão mau que mandou matar o pai de Guinevere só porque este falou com um feiticeiro, e ameaçou expulsar Guinevere de Camelot quando percebeu que Arthur tinha sentimentos por ela. Mas, estranhamente, por culpa dos autores da série que a escreveram tão mal, Guinevere aceita isto tudo, inclusive a execução do próprio pai, como se nada fosse. Por fim, depois da morte de Uther, a série lá arranjou maneira de os casar, justificando que o povo de Camelot só queria que o seu novo rei, Arthur, fosse feliz. Se é uma série infanto-juvenil, aceita-se.
Mas esta Guinevere, não é só para dizer mal por dizer, é uma oferecida. Não houve ninguém a quem ela não se tivesse feito. A Merlin, logo no dia em que o conheceu. A Lancelot, o primeiro grande amor da vida dela. Até a Gawaine, quando o viu. Quando ela diz a Arthur “eu sempre te amei”, deve ser para rir. Sempre o amou, ou ficou com ele porque foi o único que, pelo contrário, a amou sempre, ou porque ele ia ser rei? É que tudo isto pareceu muito mal para o lado da Guinevere. E mais uma vez eu abanei a cabeça: pobre Arthur!
E depois temos Morgana. A princípio ela era boa pessoa, amiga de Arthur, de Gaius e de Guinevere. Chegou a ir com eles em aventuras em que arriscou a vida para os salvar. Ao mesmo tempo, Morgana vai descobrindo que também ela tem dons mágicos, o que a coloca numa situação periclitante perante Uther, que chega mesmo a enfiá-la numa masmorra e tudo indica que até a mandava matar se fosse preciso. Começa assim a revolta de Morgana contra Uther e ninguém pode dizer que não é justificada. Mas de repente, golpe de teatro!, os autores da série decidem que Morgana afinal não é apenas uma protegida de Uther, que é mesmo uma filha ilegítima (logo, meia-irmã de Arthur, como na história clássica), e para lhe salvar a vida Uther até recorre à magia certa vez. Então, Uther, não estavas disposto a mandá-la matar quando desconfiaste que ela tinha magia? Esqueceste-te de que ela é tua filha? Os autores da série, de certeza, esqueceram-se, ou nunca tiveram intenção de a tornar filha de Uther.
Isto é apenas um das dúzias de exemplos de como os escritores da série andaram a patinar, como se não soubessem para onde levar a história e o que queriam fazer da série. Efectivamente, o maior problema de “Merlin” é que a série não parece ter sido previamente planeada, que não sabe a quem se destina e para onde se dirige. Cheguei a pensar para com os meus botões que cada episódio era dado a escrever a um escritor diferente que não sabia o que os outros estavam a fazer, naquele improvisanço de que depois se “dava um jeito”. Se, pelo contrário, isto foi tudo pensado de propósito, nem sei o que dizer. Mas duvido mesmo muito que o tenha sido.
Um outro exemplo que me irritou solenemente: desde os primeiros episódios que Arthur disse que um certo soberano vizinho a Camelot, um tal de Odin, o queria matar porque Arthur tinha matado o filho dele. Isto foi dito e esquecido, mas umas temporadas depois Arthur voltou a dizer: “Odin odeia-me porque eu matei o filho dele”. Só nunca disse quando e como. Foi na guerra? Foi um acidente? Foi em legítima defesa? Foi a jogar aos dardos?... Quanto mais falavam do assunto mais curiosa eu ficava. Lá para as últimas temporadas algum dos escritores decidiu fazer um episódio em que o tal Odin captura Arthur e o quer matar porque, claro está, ele matou o filho dele. E eu pensei, “finalmente!, vamos saber o que é que aconteceu”. Pois. Não. Nem assim. Arthur é salvo por Merlin no último instante, como acontece sempre nesta série, e agora é ele que vai matar Odin. E eu quase gritei à televisão: “Não, gaita, não o mates antes de ele dizer como é que mataste o filho dele! Ou diz tu! Alguém diga!” Ninguém disse. E nunca fiquei a saber como é que o tal filho do Odin foi morto, e se havia legítimas razões para vingança ou se o Odin estava apenas a ser casmurro. Ora, não é assim que se conta uma história. Isto é fazer de propósito para alienar os espectadores que estão a tentar importar-se com aquilo que estão a ver.
A série continuou a fazer isto regularmente. Coisas que eram mencionadas e nunca explicadas, profecias que só apareciam quando davam jeito, partes importantes do enredo que não eram contadas nem mostradas. Por exemplo, quando de repente se inventou, lá para a quarta temporada, que havia uma profecia de que seria um druida a matar Arthur. “Estranhamente”, nunca se ouviu falar desta profecia antes, porque os escritores nunca tinham pensado nela. Outro exemplo: já depois de Morgana se tornar uma vilã tomamos conhecimento de que um outro soberano vizinho a Camelot (cujo nome nem apareceu o suficiente para eu me lembrar) a manteve aprisionada durante dois anos. Isto é importante, não?! Muito importante. Mas isto só foi dito, en passant, no episódio em que ele entrou, com um flashback de 10 segundos de Morgana acorrentada numa cela. Como foi capturada, porque é que foi aprisionada, como escapou, nunca saberemos. Até parece que nada disto é importante. Eu tive a sensação de ter perdido esse episódio, mas de facto não perdi porque os vi todos. Mais uma vez a série a fazer todo o seu possível para não nos importarmos com as personagens. Não há nada pior, ao contar uma história, do que fazer com que os espectadores não a percebam. Foi exactamente o que aconteceu aqui.
Bem, pelo menos isto explicou porque é que o dragão da Morgana é deficiente, pobrezinho, o que já não é mau, senão isto ficava sem explicação também... Mas já estou a pôr o carro à frente dos bois.
Morgana, como disse, torna-se 100% vilã. A revolta contra Uther compreende-se, mas depois de ele morrer Morgana transfere a sua raiva contra Arthur, de quem sempre foi amiga, sem que se perceba muito bem porquê. O próprio lhe pergunta, em dois episódios diferentes: “Morgana, o que te aconteceu?” Ao que ela responde: “Cresci.” Fraca motivação para quem era capaz de arriscar a vida por Arthur, antes mesmo de saber que ele era seu irmão, a quem Arthur nunca fez nenhum mal, que de repente a faz querer roubar-lhe o trono e dizer coisas como “quero que os lobos lhe comam a carcaça e que os corvos lhe furem os olhos”. É muito forte para quem não tem motivos para odiar desta maneira. (Mas honra seja feita à actriz Katie McGrath, ela conseguiu adaptar-se à transformação da personagem e vendeu-nos muito bem a sua vilania.)
O que aconteceu a Morgana foi antes isto: a “Guerra dos Tronos” estava a ter o sucesso que se sabe e de repente os autores de "Merlin" decidiram copiar, e vai de transformar a Morgana numa vilã horrorosa, como Daenerys e Cercei. Até lhe arranjaram um dragão! A última temporada é mesmo um plágio descarado, com cenários a lembrar a Muralha e Winterfell, onde até aparece “Ser Davos” (Liam Cunningham), vestido com roupa que, não estou a ironizar, deve ter sido alugada directamente ao guarda-roupa da “Guerra dos Tronos”.
Foi por esta altura, a quinta temporada, que comecei a ver por hate watching mesmo. Só para gozar e dizer mal. Mas foi também na quinta temporada que a série finalmente encontrou um rumo, tarde demais mas encontrou, abandonando a faceta infanto-juvenil e perdendo o medo de se tornar sombria. Foram os melhores episódios, e mesmo assim não foram bons.
Até chegarmos aos três últimos episódios. Estes sim, foram bons, até parece uma série diferente, onde os acontecimentos têm peso e consequência, onde as personagens não mudam de personalidade conforme a vontade dos autores. Onde conseguimos, finalmente, importarmo-nos com elas. Confesso que vi estes três últimos episódios colada ao écran.
Mas, no fim, a série voltou a deixar a desejar. Embora a mim, pessoalmente, tenha satisfeito, li algumas críticas de fãs que ficaram completamente destroçados. E têm razão, e vou explicar porquê.
Grande spoiler, ou talvez não: Arthur morre no fim. Quem conhece a história clássica já sabe disto, e que é uma história muito mais trágica do que na série (Arthur é assassinado pelo seu próprio filho Mordred, filho de Arthur e da sua meia-irmã Morgana), mas tendo em conta como a série aligeirou a história a níveis infanto-juvenis penso que os fãs do início tinham legitimidade para esperar um final diferente. Afinal, Arthur e Morgana nunca dormem juntos, Mordred não é filho deles, Arthur casa com uma criada por amor, porque é que raio não podiam engendrar um fim feliz? A série prometeu que ia ser ligeira e no fim partiu o coração aos fãs.
Eu própria, no último episódio, não acreditei que Arthur ia morrer. Sempre julguei que Merlin inventasse algo à última da hora (como a série sempre fez) que o salvasse. De outra maneira teria logo desatado a chorar quando Arthur começou a revirar os olhos, a morte mais realista de toda a série. Mesmo assim, quando ele morreu mesmo, afectou-me, confesso. Os actores Colin Morgan (Merlin) e Bradley James (Arthur) conseguiram, às vezes contra a má qualidade da própria série, convencer-nos de uma amizade que se foi desenvolvendo ao longo de cinco temporadas e que atinge o seu auge épico neste último episódio. Quando Merlin grita, guturalmente, em lágrimas incontroláveis, a invocar o Dragão, é também já um grito de dor e luto, e eu arrepiei-me.
E é por causa deste momento arrepiante que estou a fazer esta crítica. Não posso, de modo algum, recomendar a série, nem sequer a última temporada, que igualmente padeceu de soluços constantes, mas recomendaria os três últimos episódios. Talvez não bastem para mostrar como esta amizade evoluiu até chegar onde chegou, mas quem ficar interessado pode sempre ir ver do princípio.
Pobre Arthur, nunca teve mesmo uma chance. Da mesma forma, o talento dos actores merecia uma série à altura deles, mas infelizmente não a tiveram. Os três últimos episódios que me colaram ao écran não poderiam nunca salvar cinco temporadas de uma série sem rumo que não sabia o que queria nem para onde queria ir. Quando foi, já ia tarde.



domingo, 12 de abril de 2020

Pet Sematary / Cemitério Vivo (1989)


Gravei este filme ao engano, porque o canal anunciava que era a remake de 2019. Não, era o original de 1989, mas não me importei porque gosto mesmo muito deste filme. Já o vi umas quatro ou cinco vezes, duas delas no cinema, e quanto mais o vejo mais gosto dele.
“Pet Sematary”, adaptação do livro homónimo de Stephen King, pode parecer superficialmente um filme sobre zombies, mas da forma que eu o vejo é tudo menos isso. É uma história profunda e filosófica sobre a morte, o luto, e a dor tão intolerável que leva quem perdeu um ente querido a fazer o proibido para o ter de volta. Várias vezes me vieram as lágrimas aos olhos.
Não vou contar a história, até porque por esta altura já toda a gente viu o filme, mas vou salientar quando no início a filha do casal se revolta ao perceber que o seu gato, Church, ia morrer um dia. “Ele ainda vai estar vivo quando andares no liceu”, diz-lhe o pai, “parece-me uma vida bem longa”. “Não me parece nada longa”, responde a miúda, e tem razão: “Já sei, quem faz as regras é Deus. Se Deus quer um gato que o arranje! Que não me leve o meu gato!”
O que a miúda diz reflecte a grande questão que pesa sobre a humanidade desde que a homem pré-histórico se sentou  à volta da fogueira e começou a pensar no assunto. A vida é muito curta. Por longa que seja, é sempre muito curta. Deus e a religião, se quisermos ser incréus, foram invenções da humanidade para solucionar o problema da mortalidade. Morremos, mas a religião diz-nos que, de alguma forma, ressuscitamos, neste mundo ou no outro. Nada é mais difícil para um ser pensante do que a aceitar a efemeridade da vida, e de que tudo continua mas já não estaremos cá para ver o futuro.
A revolta começa na infância, quando as crianças vêem morrer os seus animais de companhia. Continua pela fase adulta, enquanto o homem tenta encontrar a explicação ou a conformação que lhe apazigue esta angústia existencial. Para alguns, como o médico do filme, nada existe após a morte. Podemos mesmo condená-lo por tentar trazer à vida o seu filho bebé, e, apesar dos resultados, insistir ainda em ressuscitar a sua esposa? Pergunto mesmo mais: quem não faria o mesmo naquela situação? O solo do coração de um homem é emperdernido, diz o filme, e nada o demove.
O filme propriamente dito está muito bem feito e continua actual (não percebo os motivos do remake, mas logo comentarei quando o vir), tirando os exageros típicos da época: aquela parte de Zelda, com o cliché "Vou-te apanhar!", era perfeitamente dispensável. E a cena em que o bebé luta corpo a corpo com o pai adulto -- que ridículo e que cena péssima, péssima! Mesmo assim, um bom filme do princípio ao fim, mas por causa destas cenas não é o filme perfeito que podia ser.

17 em 20



domingo, 5 de abril de 2020

Only Lovers Left Alive / Só os amantes sobrevivem (2013)


Cheguei a este filme através da música de Jozef van Wissem, quando este veio tocar ao festival Fade In 2019 (Leiria). A banda sonora é tão boa que quando descobri que “Only Lovers Left Alive” era um filme de vampiros, ainda por cima, tive de ver.
E o filme não desaponta no que diz respeito à música. Diria mesmo o contrário, que às vezes o filme tem tanta música que mais parece um videoclip e se eu quisesse ver videoclips ia ao YouTube.
Mas não é este o grande problema do filme. Ninguém jamais me vai ouvir dizer mal de personagens tridimensionais e bem construídas, como é o caso. O que falta a este filme é outra coisa igualmente crucial. Este filme não tem história. Ou não tem história que chegue, o que vai dar ao mesmo. É um filme-retrato, que se vê pela estética e pelo “ambiente” criado e por interesse nos personagens, à maneira daqueles filmes europeus em que dois personagens se sentam à mesa da cozinha e discutem Filosofia, mas não é o meu tipo de filme. Se os personagens não fossem vampiros muito provavelmente eu nem teria visto o filme até ao fim.
Mas vamos então ao pouco de história que “Only Lovers Left Alive” nos apresenta. Os protagonistas são um casal de vampiros, Eve e Adam, ela a viver em Marrocos, ele a viver numa zona deserta de Detroit, consequência do fecho das fábricas. Nunca se explica porque é que não estão a viver juntos, se aparentemente ainda se amam como no princípio, mas talvez como vampiros tenham tanto tempo à sua frente que estas separações temporárias são normais. Eve é alegre, entusiástica, apaixonada pela vida. Adam é melancólico, filosófico, introvertido. Como acontece aos vampiros muito antigos, Adam frequentemente se deixa cair no ennui de existir, e desta vez chega mesmo a mandar fazer uma bala de madeira para se suicidar. Eve percebe-lhe a depressão e viaja até ele, num voo nocturno, as malas cheias de livros em vez de roupa. Se a paixão de Eve são os livros, a de Adam é a música, bem como outras engenhocas científicas. A casa de Adam é um pesadelo de desarrumação, mais parecendo uma oficina caótica, com peças e fios e aparelhos em todo o lado, até na banheira e no frigorífico (desligado). Eve e Adam vivem à parte da humanidade (a quem chamam zombies, a nós!), observando de longe a passagem dos séculos e os progressos e retrocessos da sociedade. Bons vampiros, daqueles que se alimentam nos bancos de sangue dos hospitais, não fazem vítimas. Mas têm um problema. O sangue dos seres humanos está cada vez mais contaminado, o que leva os vampiros a adoecer e até mesmo à morte. Esta contaminação nunca é explicada de forma explícita, mas tanto pode ser drogas como SIDA como até a dieta do ser humano moderno. Penso que sejam drogas, porque a certa altura um deles diz que o sangue veio de alguém ligado à música, logo, “era de esperar”. Drogas é a hipótese mais provável.
O filme não tem realmente muito enredo. A certa altura a irmã mais nova de Eve, Ava, igualmente vampira e antiga mas com uma irresponsabilidade e um egoísmo de adolescente, visita o casal em Detroit e faz uma vítima. Eve e Adam têm de se ver livres do corpo, mas entretanto foram vistos com a vítima e têm de fugir para Marrocos. Onde os espera outro problema. O médico que arranjava sangue puro para Eve entretanto já não está lá, e pela primeira vez no filme Eve e Adam estão em grandes apuros.
E então o filme acaba. E fez-me pensar: “Era só isto?” Agora que estava bom, que Eve e Adam tinham de recomeçar do zero e arranjar outra rede de apoio, acaba assim? Pelo menos façam uma sequela.
“Only Lovers Left Alive” é um filme-retrato que vai agradar certamente aos amantes de vampiros, especialmente aos amantes de vampiros riceanos, que compensa em ambiente e banda sonora o que peca por falta de enredo. Eu, confesso, esperava mais, e gostaria muito de ver uma continuação.

15 em 20