quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

2011

E já só falta quase um ano para 2012.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

6ª edição da revista "Abismo Humano" já online


Já pode ser lida aqui a sexta edição da revista Abismo Humano.
Segundo email recebido e site Abismo Humano, a revista em formato papel estará à venda na próxima Graveyard Session, a acontecer na Caixa Económica Operária já no próximo sábado.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Agora não é boa altura para falar... Não é altura para falar... Não. Não falar. Agora não. Agora não é boa altura. Não é boa altura. Não é altura. Não é. Agora.

sábado, 20 de novembro de 2010

É um círculo

Eu quero acreditar que tudo acontece por uma razão e que, um dia, ainda hei-de ver o círculo a fechar-se. O que quero dizer com esta expressão é que às vezes parece que somos levados numa grande roda (como aquelas das feiras) que sobe tão longe em relação ao ponto de partida que pensamos que nunca mais vamos sair lá de cima e voltar ao chão. E parece que aquilo nunca mais acaba e já estamos fartos de andar naquilo e pensamos "mas porque raio me meti nisto?"...
Por isso digo, ainda quero ver o círculo a fechar-se, e nesse dia talvez tudo faça sentido.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Estava tudo pré-destinado.

O meu controlo sobre o meu destino é o mesmo de uma lata de coca-cola a vogar no oceano. Se encher vai ao fundo. Se alguém, porventura, de um barco, a apanhar, para a largar mais à frente, depressa volta a vogar ao sabor da maré.
E voga, voga, voga...

terça-feira, 21 de setembro de 2010

É curioso. Durante muito tempo senti-me morta, enquanto o mundo continuava lá fora. Agora já não tenho tanta certeza. O mundo é que está morto. Eu apenas observo os frémitos da sua decomposição.

sábado, 18 de setembro de 2010

O dia em que o meu mundo deu uma reviravolta

Desde há sensivelmente dois dias, isto é, desde dia 16 de Setembro, deixei de ser pobre.
Bem... deixar não deixei. Deixei sim de ser "paupérrima". Porque digamos a verdade, eu era paupérrima. Mas já não sou. Agora sou apenas pobre.

Algo me diz que vou passar a ter muito mais amigos. Sabem, as pessoas tendem a evitar o paupérrimo como se a pobreza fosse uma doença que se pegasse. (E já nem falo em evitar o sem-abrigo porque cheira mal.) Sim, as pessoas evitam. Nem sequer percebem que evitam, mas fazem-no. E eu sinto-o.
Nunca cravei um cigarro. Se alguma vez tive de pedir algum dinheiro emprestado (sempre pouco) foi por me encontrar desprevenida em determinada situação, e sempre fiz questão de pagar o mais depressa possível. Raios, eu nem sequer gosto que me paguem uma puta de uma bebida! Pobre mas orgulhosa!
Aquilo que eu peço às pessoas não é material, mas muita gente é paupérrima por dentro e não tem nada a oferecer. A esses é que é de evitar.
Mas dizia eu que ia passar a ter mais amigos. E depois ri-me. Não. Antes pelo contrário. Não é que as propostas não comecem a chover. E nem sequer me saiu o Euromilhões. Imagino se saísse.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Revista Abismo Humano nº 5 já está online


Já está online a quinta edição da revista Abismo Humano, que pode ser visualizada e lida AQUI.
Segundo email recebido, o lançamento da edição em papel está previsto para meados de Setembro, "na Caixa Económica Operária, num evento relacionado com a desertificação de Trás-os-Montes, pois a Associação Abismo Humano toma como sua toda a beleza abandonada."
Mais novidades quando as tivermos. Entretanto fica o link:

radioabismohumano.blogspot.com/2010/08/revista-abismo-humano-n5.html

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

E os dias tornam-se meses, e os meses tornam-se anos...

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O meu reino por uma cerveja!

E pronto, era só.

domingo, 4 de julho de 2010

ChameleonsVox

ChameleonsVox
Santiago Alquimista, Lisboa, 3 de Julho

Actuação soberba a registar destes restantes Chameleons no Santiago Alquimista esta noite. Tudo cinco estrelas. Som, atitude, sentido de humor. Momentos altos com "Mad Jack" e "Monkeyland", mas na minha opinião o melhor estava para vir nos (dois!) encores, com "Swamp Thing" e "In Shreds". A mim, só faltou mesmo "Paper Tigers", que acabou por ser a tema que me fez interessar por Chameleons. Tirando esse pequeno lamento pessoal, acho que qualquer fan sairia do concerto satisfeito e com as medidas bem cheias. Eu até nem sou especialmente devota e saí de lá muito mais convencida.
Grande nota para o vocalista Mark Burgess, que vestido de umas discretas calças de ganga pretas e t-shirt também preta (e sem mais adereços senão um vulgaríssimo pendente) impôs logo todo o seu carisma no segundo em que entrou no palco. Eu não o conhecia sequer, nem de cara!, logo não sou suspeita: Grande senhor. Voz impecável após quase trinta anos de carreira: The Chameleons formaram-se em 1981 e actuaram entre nós em 1983, no Rock Rendez Vous, o que Burgess fez questão de recordar: "twenty-seven years!"
Ninguém diria. Parecia um puto.

Os ChameleonsVox são os Chameleons originais Mark Burgess (vocalista) e John Lever (baterista), mais três membros dos Bushart: os guitarristas Steve Foxcroft e Chris Oliver, e o baixista Ray Bowles. Mas não se deu pela diferença.


Agora o público
A nota mais bizarra da noite foi mesmo a estranha mistura de audiência que esteve presente no Santiago Alquimista. Além das caras habituais nas Graveyard Sessions e concertos relacionados, como os também habituais nostálgicos do costume que já não saem excepto para os concertos (e esses também de distinguem logo à distância), existiam igualmente entre o público umas boas dezenas de penetras, que pelo seu comportamento alienado da cena (e da banda, e do som) me fizeram questionar seriamente se aquela gente sabia o que estava a ver ou se pensaram que "Chameleons" era uma cover band de David Bowie. Porque só dessa maneira se pode explicar a presença de tanta gente absolutamente deslocada, ou então poderemos supor que os clientes regulares do Santiago Alquimista (e malta em geral que circula pelos bairros populares à procura de festas dos Santos) está disposta a dar 25 euros para entrar numa festa/concerto de algo que nem sabe o que é. Altamente intrigante, devo confessar. Haverá algum "passe social 30 dias Santiago Alquimista" e ninguém sabe?... Via verde?... Chip?... ;)
É que apanhei alguns dos senhores respeitáveis (e da minha idade) mais interessados em olhar para mim do que para a banda, o que não deixa de ser estranho na medida em que o concerto foi muito melhor do que eu alguma vez fui ou serei boazona, pelo que se deduz que há gente que não sabe o que fazer ao dinheiro.


After-party
Posto isto, havia uma graveyard a seguir, e agora vou ser dura mas vai ter de ser, o Santiago Alquimista parecia naquele fim de concerto já em fim de noite, com uma grande debandada, se calhar por falta de ambiente, ou por falta de cadeiras e mesas (desta vez retiraram-nas mesmo), ou por falta de escuridão (quando é que pensavam apagar as luzes amarelas, e já agora começar a passar música?), e o preço das bebidas também não é convidativo, e tornou-se tudo tão pouco acolhedor que pela primeira vez desde sempre nem sequer fiquei para a graveyard, o que diz muito estando eu já no local.
Preferi mesmo ir para casa e ver a repetição do Argentina/Alemanha, porque pelo menos os alemães vestiram-se de preto. Se é que me percebem... e eu sei que percebem.
Talvez a festa tenha melhorado com o avançar da noite, mas eu não achei motivos para ficar e ver, e era esse pormenor que queria registar.


Ainda uma última nota negativa...
... para o horário dos concertos. Há que começar a ser rigoroso nestas coisas e cumprir os horários. E anunciá-los com exactidão. O começo da festa estava marcado para as 21h30, e só no local se anuncia que o concerto vai começar às 23h. Tendo em conta que muita gente vai aos concertos só por causa dos concertos (por estranho que isso possa parecer a alguns), é uma falta de respeito para com o público que chega à hora... para apanhar seca. Quem quer estar no concerto, e gosta da banda, estará presente à hora marcada. Quem não gosta, ou seja indiferente, que entre a meio, ou que entre depois. Mas cumpra-se o estipulado.

sábado, 26 de junho de 2010

"A Filosofia Segundo Perdidos"



"A Filosofia Segundo Perdidos" é uma compilação organizada por Sharon M. Kaye que engloba uma série de pequenos ensaios de diversos autores que abordam a série "Perdidos" sob o ponto de vista da filosofia, da mais clássica à mais moderna.
Ler um livro destes fez-me sentir humilde, e perceber que não sou tão inteligente quanto imaginava e que sou muito mais ignorante do que pensava. É esta capacidade que têm sobretudo os autores de filosofia americanos de tocar o homem comum, sem pretensiosismo, e de o levar numa aventura intelectual que põe toda a "máquina" a trabalhar até... bem, na verdade, até onde esta conseguir dar. Mas esta humildade, com que o leitor médio se tem de confrontar, este vislumbre de que afinal há muito mais para descobrir do que pensámos a princípio, é no fundo o que nos faz sentir humildes e, ao mesmo tempo, empoleirados nas costas de gigantes, almejar um dia a sermos maiores e a ver também mais longe.
Só para o mais distraído é que "Perdidos" é apenas uma série de televisão igual às outras, para consumir e deitar fora. Perder "Perdidos" é simplesmente perder o melhor que se faz -- corrijo, o melhor que já se fez -- em séries de televisão até ao dia de hoje. Perder "Perdidos" é perder uma chave civilizacional.
Neste livro, inspirado pela série, variados autores dissertam sobre os temas filosóficos suscitados pelas primeiras três temporadas (tenho para mim que a partir da quarta era chamar os cientistas a comentar, em vez dos filósofos), abordando temas como o determinismo, o livre-arbítrio, a ética, a ciência, a fé, e os outros (em todos os sentidos, até no de Sartre, cujo existencialismo é também peça fundamental de "Perdidos"). Mas o meu artigo preferido é mesmo o último, e intitula-se "Perdidos e o problema da vida depois do nascimento", que é como quem diz "a vida antes da morte". E qual é o problema da vida antes da morte? O seu sentido, obviamente, ou a falta dele.
Jeremy Barris é de facto o autor que melhor resume uma certa atitude desatenta em relação a "Perdidos":

Desfrutar de Perdidos significa ter uma experiência profunda, existencial, que nos liga a temas básicos da nossa existência humana. "Perdidos" produz este tipo de experiência de uma forma especialmente clara e directa e, desse modo, pode ajudar-nos a compreender a razão pela qual outros programas exercem tanta atracção sobre nós, incluindo os de detectives e os de mistério, continuando a prender o nosso interesse.
Os críticos culturais comparam, por vezes desfavoravelmente, a cultura ocidental contemporânea com a antiga cultura grega, cuja arte de contar histórias não constituía sobretudo uma forma de escapar à vida, sendo em vez disso uma forma habitual de experimentar profundas questões a seu respeito. Eu sugiro, contudo, que a lição de Perdidos é que a forma habitual de diversão da nossa cultura constitui também por vezes esse tipo de arte profunda.

Pois:

Ao contrário da ciência, a filosofia não descobre coisas desconhecidas, nem fornece novas informações sobre coisas familiares. Em vez disso, o que é estranho à primeira vista, lida com coisas que todos, na verdade, já sabemos muito bem. Ajuda-nos a descobrir a natureza destas coisas familiares mais profundamente do que as conhecíamos antes. Este interesse num conhecimento mais aprofundado de coisas familiares expressa-se num sentimento de espanto acerca das coisas no mundo à nossa volta, uma sensação que todos por vezes experimentamos. Platão (428-347 a.C.) escreveu que "o espanto ( ... ) é característico do filósofo (...), é aí, e em nenhum outro sítio, que a filosofia começa".

"Perdidos" dá muita atenção à razão e à forma como cada pessoa chegou à ilha. Sob muitos aspectos, o modo como o programa apresenta e explora esta questão ecoa a forma como nós, nos nossos momentos de maior reflexão, somos perturbados pela questão: "Porque estamos aqui?".
(...)Como resultado, o programa é acerca do mistério. As histórias do passado de cada uma das personagens faz sobressair, de modo semelhante, as estranhas voltas que a suas vidas dão e as espantosas coincidências entre as suas vidas (...)
Este mistério da chegada dos náufragos à ilha está no âmago das nossas vidas, levando-nos à pergunta acerca da vida: "Porque estamos aqui?". Em termos heideggerianos, nós, tal como as personagens de "Perdidos", achamo-nos atirados para a situação da nossa vida, como partes de um meio ambiente e de uma história basicamente desconcertantes, nenhum dos quais feitos por nós, e ambos, sob muitos aspectos, indiferentes às nossas preocupações e à nossa própria existência.
Outro sentido da pergunta "Porque estamos aqui?" é se existe um propósito para estarmos aqui e, se tal for o caso, que propósito será esse. "Perdidos" presta uma especial atenção também a este sentido da questão. Estarão os náufragos ali para realizar uma tarefa importante, para servir um objectivo importante, embora desconhecido, como Locke acredita? Ou estarão talvez ali para serem moral ou espiritualmente redimidos?

A pergunta que a série e o autor nos põem é esta: E nós, porque estamos aqui? Para cumprir um destino pré-determinado por uma entidade exterior (Deus, a natureza, os nossos genes), ou teremos livre-arbítrio e a liberdade de escolher o nosso caminho?

É curioso também que antes de ler este livro nunca tinha reparado neste pormenor escandalosamente evidente:

Também é interessante que várias pessoas deste pequeno grupo tenham nomes de grandes filósofos do séc. XVIII: John Locke, (Desmond) Hume e (Danielle) Rousseau.
Há mais exemplos pela série fora, mas o que eu gostaria de destacar é este comentário de Jeremy Barris, imperdível:
E, mais importante, a personagem Henry Gale é interpretada pelo actor Michael Emerson. Coincidência? Ou será que o campo electromagnético da ilha se libertou do controlo dos argumentistas e começou agora a absorver o nosso próprio mundo para a sua realidade?
Penso que ele se refira a este Emerson, Ralph Waldo Emerson, de quem se diz:

Emerson's religious views were often considered radical at the time. He believed that all things are connected to God and, therefore, all things are divine. Critics believed that Emerson was removing the central God figure; as Henry Ware, Jr. said, Emerson was in danger of taking away "the Father of the Universe" and leaving "but a company of children in an orphan asylum". Emerson was partly influenced by German philosophy and Biblical criticism. His views, the basis of Transcendentalism, suggested that God does not have to reveal the truth but that the truth could be intuitively experienced directly from nature.
Pode muito bem ser que o campo electromagnético da ilha se tenha escapado pelo écran da televisão... Depois de "Perdidos", isso é certo, não direi que tudo mudará, mas sem dúvida que muitas pessoas se irão questionar duas vezes se devem ou não carregar no botão.

Acedia
Outro autor que me fez pensar foi Daniel B. Gallagher, dissertando sobre São Tomás de Aquino:

Rose mantém-se afastada daquilo a que São Tomás chama, em Latim, acedia, o maior dos pecados contra a fé. Embora seja muitas vezes traduzida por "preguiça", acedia é um termo mais técnico. Designa um tipo de torpor que impede a pessoa de desfrutar das coisas que são genuinamente boas. É uma paralisia espiritual que bloqueia a capacidade de olhar para além do mal. É "olhar para um bem valioso como sendo impossível de alcançar, quer por si, quer com a ajuda dos outros" e pode "por vezes dominar os afectos de uma pessoa, ao ponto de ela pensar que não mais poderá acolher aspirações ao bem".

Nunca pensei sofrer desta coisa que tem nome de doença e que se chama acedia, o maior dos pecados contra a fé. Mas, obviamente, eu não concordo nada com Tomás de Aquino. Não deixa, no entanto, de ser divertido ler estas linhas. (Ò Freud, a falta que tu fazias, de facto! Curiosamente, Freud é, sente-se, uma persona non grata para alguns destes autores -- a maior parte ignora-o -- talvez porque Freud explica o irracional e os filósofos não gostam nada do irracional, convencidos como estão de que o ser humano é todo ele "santo intelecto". Não fosse isso, eu até gostaria mais de filosofia).

Não quero deixar este post sem participar na dança. Se há perguntas, é para que se respondam. Mas talvez não da forma que os filósofos mais gostariam.

Alguma vez estiveram perdidos?
É a pergunta como que Sharon M. Kaye abre o livro, descrevendo de seguida a primeira vez que se perdeu dos pais na infância e as emoções que tal lhe suscitou.

Fiquei a pensar nisto e, estranhamente, cheguei a esta conclusão: eu nunca me perdi. Sempre fui uma criança cuidadosa, ultra cuidadosa, daquelas que sabem a morada de cor, o número de telefone, o telefone da polícia, onde ficam os bombeiros, e a quem só faltava marcar o caminho com pedrinhas, como na história infantil, para saber voltar a casa. Mas atenção, pedrinhas, não miolo de pão, pois, tal como como na história infantil ("Hansel e Gretel") os passarinhos comeram-no.
Não houve momento nenhum da minha infância em que me tivesse perdido dos pais, guardiões, amigos e "tratadores" em geral. Sabia sempre onde eles estavam, sabia sempre como voltar. (Às vezes eles é que julgavam que eu me tinha perdido, mas na verdade andava era fugida.)
Este cuidado exagerado foi-me abandonando com a idade. Já na adolescência, perdi-me da Praça da Figueira para o Rossio. Ou seja, não consegui encontrar o Rossio. Bem, para dizer a verdade, embora tenha metido pela rua errada, não foi por isso que não encontrei o Rossio. Foi preguiça de voltar atrás. E, para ser completamente franca, mais uma vez não estava perdida. Acontece que optei pela rua que me pareceu mais familiar. Em vez de perdida estava, pelo contrário, a caminho de casa.
Pareceu-me durante muito tempo que "perder-me" era uma terrível impossibilidade. Tive de fazer muito por isso. Finalmente, lá consegui. Com uma ajudinha de substâncias químicas, e nem sequer ilegais, mas lá consegui viver uma furiosa loucura. Por uns tempos, consegui esquecer-me do caminho. Hoje esforço-me por não me tornar a lembrar. Tenho feito um bom trabalho em continuar "perdida".
(Ou será fugida? Sim, é novamente fugida.)

O que fariam se estivessem na ilha?
Esta foi a pergunta a que mais me custou responder. Tive de admitir a mim mesma que se me encontrasse naquela ilha, depois de um acidente de avião, na companhia daquelas personagens (americanos malucos, francesa maluca, iraquiano maluco, sul-coreana cabra, nigeriano traficante-de-droga-que-finge-ser-padre, e quejandos) choraria amarga e inconsolavelmente. Isto diz muito, aparentemente, de uma personalidade derrotista. Mas só aparentemente. Em segunda análise, teria muito boas razões para chorar. No meio daquela gente estaria, muito mais do que eles, completamente privada da minha cultura. E a perspectiva de nunca mais ouvir música gótica nova é motivo suficiente para qualquer gótico cortar os pulsos.
Mas depois pus-me a pensar a sério. O que faria eu se me encontrasse naquela ilha, quando me passasse a choradeira? Obviamente, tentaria fugir de lá a sete pés. Nem que fosse preciso recorrer aos Outros e trair os restantes. Afinal, nenhum deles são "os meus". Faria como Desmond, que fugiu assim que pôde.
Mas há aqui uma armadilha, contudo. No momento em que me cheirasse a Jacob, ou à possível existência de Jacob, já não tenho tanta certeza se não faria antes tudo para o encontrar.
Isto, no entanto, digo eu agora que vi mais algumas temporadas e sei onde está a manivela "de saída". Não custa muito procurar Deus quando se lhe conhece escapatória... caso Deus não seja aquilo que se estava à espera.
E não, decididamente, não carregaria no botão. No dia em que o deixou de fazer, John Locke tornou-se o meu herói. Durou pouco; depressa o deixou de ser. Quanto mais os vejo mais me convenço que são todos doidos, alucinados e, sobretudo, perigosos. Pensando melhor... na dúvida, foge. Era mesmo de me pôr a milhas daquela maluquice toda.

Por incrível que possa parecer, ainda há uns quantos por aí que não viram "Lost". A esses, agora que a última temporada da série está prestes a passar na televisão portuguesa, recomendo encarecidamente: não vejam. Não só vão perceber muito pouco como não conseguirão desfrutar de toda a experiência "Perdidos". Voltem atrás, vejam o princípio, e depois, sim, podem vir agradecer-me pelo conselho.
É que há algumas coisas na vida que só interessam quando consumidas na sequência certa. Esta é uma delas.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

EU SOU (?) UMA PESSOA

Estava a fazer um back up de todas as páginas deste blog, coisa que já não fazia há 5 anos porque não me apercebi do tempo a passar!, quando encontrei este post de 2007:

Mind reading
Sinto que as pessoas pensam que não sei o que pensam de mim, mas estão muito enganadas. O que elas pensam é aquilo que eu sei que pensam. (Qualquer escritor de meia tigela consegue prever o que as personagens da história vão dizer.)
De vez em quando provam-me, sem querer, que leio os seus pensamentos, e por isso mesmo hoje partiu-se-me o coração mais um bocadinho.

Eh bien.

Passado este tempo, idem idem, aspas aspas, blá blá blá e etc etc.
Quanto mais as coisas mudam mais ficam na mesma.

Às vezes apetece-me dizer, como "O Homem Elefante": EU SOU UMA PESSOA. Não sou um personagem da vossa imaginação de quem se lembram quando calha. EU SOU UMA PESSOA.

Mas a verdade mesmo é que não digo. Há muito que desisti dessa pretensão inútil. Serei então uma personagem.
Agradece e retribui.

The day the Earth stood still (2008)



Nunca um título mais enganador. Eu a pensar que ia ver a Terra parar de girar nos seus eixos, fantásticos tsunamis e o fim do mundo... Parece que isso é o "2012" (mas ainda não vi porque tenho medo).
Este é, afinal, o dia em que os extraterrestres se chateiam da merda que o ser humano tem feito no planeta Terra e se decidem pela exterminação da praga. Numa última tentativa de "juízo final", é enviado à Terra o extraterrestre Klatuu, (na pele de Keanu Reeves, não deste), que se esforça ainda por um derradeiro contacto com os líderes do mundo no sentido de inverterem a "natureza destrutiva da espécie". Como é óbvio, e ainda por cima aterrando em Nova Iorque, os americanos tentam de imediato exterminar o mensageiro. Ainda se tivesse vindo cair no meio da praça do Rossio, no meio dos outros maluquinhos, ainda alguém parava para o ouvir...
Mas o extraterrestre, profundamente desconhecedor da realidade terrestre (ao contrário do que o filme insiste em sublinhar), vai aterrar no Central Park, ou algo do género, onde o tentam matar, torturar e afins, pois se é estrangeiro é terrorista quanto mais sendo extraterrestre!, e decide-se mesmo pela "solução final".
Acaba por ser a ternura de uma mãe adoptiva pelo seu filho adoptado (e mais aquela cena comovente do menino a chorar pelo pai no cemitério) que leva o extraterrestre a convencer-se de que afinal há algo de bom na espécie humana. O quê, é que eu confesso que não percebi, e a mim não me convenceu minimamente. Que as fêmeas cuidem das crias e arrisquem até a vida para as defender não é exclusivo da espécie humana. Mas este extraterrestre, já se disse, era ignorante a ponto de não saber a diferença. (Põe-se até a pergunta, porque é que estavam interessados em recolher polvos e lulas, escorpiões e insectos, na sua Arca de Noé extraterrestre, se pouco percebiam do mais básico da vida animal?) O objectivo era crer que sim, que o extraterrestre estava bem informado, e que a chave para a salvação da espécie humana, segundo o prémio Nobel com quem este se cruza, é que esta "apenas evolve quando se vê à beira do precipício". Eu digo que nem assim, porque do princípio ao fim tudo o que os terráqueos tentaram fazer, mesmo à beira do tal precipício, foi bombardear a nave alienígena. Quer-me parecer que este Klatuu se comoveu por pouco. Era extermínio total e acabava-se a história.

Por falar em extermínio, o robô gigante que mais tarde se revela o exterminador implacável do ser humano e todos os seus vestígios sobre a Terra, lembra-me, curiosamente, e é engraçado como umas coisas se pegam nas outras, o mirabolante e ameaçador gigante de "O Castelo de Otranto", que ninguém chega a ver como deve ser porque a sua própria existência é muito questionável.

Extraterrestre, mas pouco
E por falar em extermínio e solução final, não deixa de ser irónico notar como o evoluído extraterrestre tem por missão aniquilar toda uma espécie, mas lá vai salvando este ou aquele indivíduo com quem se cruza. Aqui percebo porquê. É mais fácil massacrar um milhão de massa anónima do que uma extinguir uma vítima com rosto. Nada tão humano como a relutância em matar uma formiga só, se estiver sozinha. E assim o extraterrestre que condena a espécie cai no pior dos seus vícios: o genocídio. E aqui se enterra a moral filosófica do enredo, ou a vã tentativa de um argumentista (ou vários) de almejar perceber o que é ser um extraterrestre (inteligente), e falhar(em).

Posto isto, se o filme a princípio prometia algo de interessante e inovador, cai totalmente na esparrela do obrigatório fim feliz, mas forçado, sem a mesma base de justificação que o muito mais compreensível "destruir esta praga antes que eles destruam o resto". E perde-se. É pena. Talvez eles voltem, numa sequela, e desta vez nem os polvos se safem.
Venha "2012".


14 em 20

domingo, 20 de junho de 2010

Monitor cyber-goth

Não é que seja uma surpresa. Há muito tempo que o meu monitor andava a piscar sem razão aparente. Ontem, finalmente, saiu do armário e revelou-se. Ficou todo cor-de-rosa. Hoje está mais para o alaranjado. Parece um daqueles baby bats que não se decidem se querem ser góticos ou ir para as raves.
Uma vez li um haiku lindíssimo sobre a morte de um monitor que terminava em algo assim: "depois, branco, morreu".
Confesso que estava mais à espera desse branco-super-nova. Talvez ainda o veja.

Tudo isto para dizer que a qualquer momento posso ficar sem monitor, o que significa que sem monitor não há computador. A qualquer momento. Puf. Espero que tal não aconteça antes de ter paciência de ir comprar um novo. A paciência contudo, anda escassa, ainda mais escassa do que o dinheiro, o que já é dizer bastante.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Quem me dera passar as 24 horas do dia a dormir.
Para bom entendedor...

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Funeral colectivo

Well, I'm back...
What do you cry for?
When I'm dead,
will you cry more?
Well, I'm back...
what do you cry for?
When I'm dead,
will you cry more?

This has been a sequel
this is how the sequel ends
this has been a sequel
this is how the sequel ends...


Fields of the Nephilim, "The Sequel"

Tive um sonho, no outro dia. Sonhei com o meu funeral.
Ninguém apareceu. Era só eu, num caixão.
Pode-se pensar que tenha sido um sonho angustiante, ou mesmo perturbador, mas não foi. No que diz respeito à morte, não sou de enterrar a cabeça na areia. Já o mesmo não se pode dizer no que diz respeito à vida... De certa forma, não foi inesperado. É claro que ao acordar fiquei fula com as pessoas que eu acho que deviam lá estar mas não estavam. Mas não durante o funeral, em que estava morta, embora no sonho fizesse o papel de espectadora, e pouco me ralava se lá estavam ou não. Era um bocadinho tarde demais para me ralar, acho eu.

Tenho andado fisicamente doente. Tem sido penoso regressar à realidade após 14 meses de uma experiência avassaladora, de uma forma de êxtase que muito poucos mortais têm o privilégio de experimentar. Nada disso é importante agora. O que é importante é que me pus a pensar como era dantes. E demorei a perceber que dantes era como agora: eu sozinha em casa a beber para deixar as lágrimas correr livremente.
Nunca foi de outra forma, nunca será de outra forma.
No fim, sou só eu, a gata, e Deus.
Estou um bocado farta é das cólicas.

E é por isso que vou dizer-vos aquilo que há muito tempo ando para dizer: Sabem, a minha "vida" não se pega. O meu sofrimento não se pega. Não precisam de fugir. Mas se o fizerem, só significa que são cobardes e não há lugar para cobardia perto de mim.
E acho que é nisso que voltamos ao mesmo. Mais uma vez. Ao mesmo. Não há nada que eu despreze mais do que a cobardia. Principalmente aquela forma de cobardia cínica, que tenta desesperadamente esconder ou fingir. O que nos leva novamente ao mesmo. A mentira. A pior forma de mentira.
Não, não irei ao teu funeral. Enterra-te a ti mesmo nos teus joguinhos da vida. Mas não me enterrarás a mim também.
E não, não podes comentar. Tiveste muito tempo para falar. Tivesse-lo aproveitado.
Adeus.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Actualização - Animais de Loures

Recebido por email:




Olá a todos!

Quase todos vocês conhecem a história dos cães que viviam num barracão, em cima de um amontoado de várias toneladas de ossos, e que foram encaminhados para o canil municipal de Loures.

Graças aos esforços de várias associações de protecção animal e de perticulares, e graças também à ajuda preciosa da seguradora Groupama e da Rede Animadomus, que ofereceram a esterilização, desparasitação e um seguro de saúde gratuito válido por 3 meses a todos estes animais, foi possível já retirar do canil cerca de 60 cães.

No entanto, muitos outros continuam, passado todo este tempo, a viver em jaulas exíguas do canil, sem ver a luz do dia, sem passear, sem afecto e sem acesso a alimentação de qualidade e cuidados de saúde básicos. Muitos deles já morreram nas instalações do canil.

Vimos pedir a todas as pessoas que se sensibilizaram com este caso um último esforço na divulgação destes animais. Só com o esforço de todos será possível mostrar aos animais que restam alguma coisa do mundo para além de solidão, medo e dor, que é tudo o que eles conheceram desde o dia em que nasceram.

Podem ver a actualização da situação de cada um dos animais nesta página:

http://www.animaisderua.org/eventos/animais_loures

As associações e FATs que acolheram animais de Loures precisam também muito de ajuda na alimentação e divulgação para adopção destes cães, para que consigam acolher outros. Caso queira ajudá-las de alguma forma, por favor contacte-nos para o geral@animaisderua.org, ou clique nos nomes das associações, na página acima referida, para aceder aos respectivos sites.

Abaixo segue um filme, produzido pela Wiseguys, sobre os animais do canil de Loures. Seguem também imagens de alguns dos animais que precisam de sair do canil com a máxima urgência, e da Lora, no estado em que estava quando saiu do canil.

Muito obrigada a todos.

A equipa da Animais de Rua



Filme sobre os animais de Loures:

http://vimeo.com/10638946
Compreende-se a gravidade da doença quando se ouve um ruído na janela e se sorri de prazer, e se deseja que entre por ali algo de terrível, um monstro, um assassino, um animal selvagem... algo de perigoso e excitante... algo de letal. O prazer indescritível da adrenalina da luta final.
Devia ser o que os gladiadores sentiam ao entrar na arena.

sábado, 22 de maio de 2010

Purga

É verdade, há muito tempo que este blog precisava de uma "purga" de links para outros blogs que já não estão activos ou foram apagados. Considero "não activos" todos os blogs sem actividade há mais de um ano. Os que não foram de facto apagados permanecem ainda linkados na secção R.I.P. (Rest In Peace).
De todos, os que me doeram mais mandar para lá, para o túmulo, foram os do meu "afilhado blogosférico" Goldmundo, mas ele continua a escrever por aí, logo não está tudo perdido. (Mesmo assim, a madrinha tem vontade de lhe aplicar duas nalgadas! E ele sabe...)
Tive pena de já não ter acesso ao Caccaocino, mas as coisas são como são.
Lamento também a paragem da Grande Loja do Queijo Limiano.

A minha lista de blogs colecciona efectivamente os que leio (ou por onde vou passando quando me dá na real gana, o que pode ser algo diferente). A grande verdade é que considero que a blogosfera começou com um grande "boom", e depois se desfez. Simplesmente desfez-se. Não tenho paciência para pôr os olhos em mais nenhum blog "foto+poema". Aliás, apareçam-me com mais um poema à frente e sou capaz de gritar. (Fiquei pior depois de ler "Só", de António Nobre, supostamente o livro mais triste de Portugal, que de facto é "triste" noutra acepção da palavra e sobre o qual nem me dei ao trabalho de escrever).
Se há pessoas que insistem em ter blogs pessoais, que os tornem realmente pessoais, que não se escondam atrás das palavras de outros. Isso não são blogs pessoais, são blogs de engate, e bastante maus, por sinal. (Já os houve bem bons, pois houve).

A verdade, a verdade, é que tenho andado um pouco arredia da blogosfera. Nos últimos tempos, antes de eu própria "quase desaparecer", só lia os blogs políticos (e esses continuam a existir). Neste tema, saliento o genial blog de escárnio e mal dizer que é, na minha opinião, o melhor da blogosfera portuguesa dentro do género: The Braganza Mothers. Se houvesse um Óscar provavelmente não lho/s dariam, mas era para ele/s que deveria ir.
Acontece que a certa altura fiquei doente, se calhar até fisicamente doente, de ler o passa neste país. Algures pela segunda eleição do Sócrates. E perdi o interesse.
E de que outra forma poderia ser, se tenho 38 anos e a minha vida já não vai a lado nenhum?
Para mim, acabou. É o fim da linha. A partir de agora nada muda, nada se transforma, tudo se perde. As merdas que se passam lá fora já não conseguem despertar em mim sequer um vestígio de emoção. (Bem, às vezes ainda os mando para o caralho, quando os vejo na televisão, mas nem vale a pena vir mandá-los para o caralho aqui. É demasiada perda de tempo. E para dizer novamente a verdade, os conselhos que teria a dar às gerações mais novas são tão sanguinários que ainda me metiam na prisão, e eu gosto do meu cantinho de escravidão aqui mesmo onde estou, obrigada.)
Passaram-se anos, anos!, desde Dezembro de 2003, e hoje em dia só me importam aqui as pessoas que são autênticas, as pessoas que se mostram, as pessoas que não têm medo de se revelar. Tudo o resto é merda igual à merda semelhante. Dou os meus parabéns àqueles (poucos) que continuam a ter coragem de ser autênticos, quer na política, quer no sarcasmo, quer no humor, quer na emoção, quer na escrita, quer na arte, aqueles que são "pessoas" aqui como são "pessoas" lá fora, aqueles que persistem apesar do passar dos anos, aqueles que fazem o que gostam e não se ralam do que pensam deles por isso.

A verdade, a verdade, é que por muitos meses deixei este blog quase abandonado devido a projectos pessoais menos transmissíveis. Se o tempo chegar, talvez esses projectos solitários venham a conhecer a audiência adequada.
Não penseis, por momentos, que estive sem fazer nada! Já devíeis saber, meus caros, que não é assim que funciono.

Resumindo e concluindo, fiquei com muito poucos blogs para ler. Queria conhecer mais. Os das pessoas autênticas, os das pessoas que escrevem com a alma. Eis uma excelente oportunidade de deixarem o link para blogs que escrevem ou que conhecem. A porta está aberta e o momento é agora.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O silêncio e merdas afins

A única vantagem de não ter afectos é que não se sente nada quando eles morrem.

*risos*

Quem estou eu a enganar? Sentiria eu mais por ti que tu por mim. Afinal, sou apenas "a disposable friend". Aposto que terias saudades minhas... ao sábado à noite. De resto, é como diz o outro: "I don't exist when you don't see me".

Está mesmo tudo mais que dito e redito.

terça-feira, 4 de maio de 2010

"O Castelo de Otranto", por Horace Walpole

Não sei se esta foi a primeira vez que li "O Castelo de Otranto". Lembro-me de ter estado várias vezes na Feira do Livro, com este nas mãos, folheando e questionando se deveria ou não comprar. Se comprei, e se li, não me lembrava absolutamente nada da história. Algo me diz que não cheguei a ler, por duas razões. A primeira, porque me parecia um conto demasiado pequeno em que gastar o meu dinheiro (sempre preferi histórias longas). A segunda, porque folheando não me pareceu suficientemente sobrenatural numa altura em que eu procurava sobretudo os clássicos mais marcantes.
Isto, de procurar o mais gritante, em si também é curioso, porque a um leitor é necessário conhecer os extremos antes de conseguir apreciar a subtileza do intermédio.
Só agora, finalmente, me debrucei sobre "O Castelo de Otranto", considerada a primeira novela gótica, e a li com outros olhos, e uma uma outra percepção tão vasta e profunda que milhentas ideias me surgiram de seguida. Não sei se conseguirei expor sequer algumas. Foi uma espécie de turbilhão que ainda tem de ser melhor estudado. (Quando digo "estudado", refiro-me à análise mais cuidada desta minha tese embrionária.)
"O Castelo de Otranto" conta uma história interessante sobre um tirano que tudo faz para manter a descendência masculina do seu principado de modo a que este não se extinga por falta de legítimos herdeiros. E é isto, não há nada mais. A maldição, os "efeitos sobrenaturais", são secundários. Por alguma razão lhes chamo "efeitos", como se aplica o termo nos filmes. O que é realmente interessante na história é a forma como Manfred tenta manipular todos os que entram em contacto com ele, e a profundidade psicológica desta personagem escrita no século XVIII (1764). Por isto, sim, fiquei maravilhada.
E decidi procurar mais sobre a "novela gótica". Diz a wikipedia: a novela gótica é um género literário que combina elementos de horror e romance.
Foi aqui que a minha mente se pôs a trabalhar a 1000 à hora. Não a respeito da novela gótica clássica, mas de tudo aquilo que actualmente caracteriza o movimento gótico como o conhecemos. Haverá, actualmente, uma literatura gótica, isto é, moderna? E terá já alguma coisa a ver com o clássico?
Afinal, quanta música gótica trata de fantasmas? Vejam-se os clássicos. As referências são muitas, mas os fantasmas já não estão no exterior. Os fantasmas, actualmente, são projecções dos medos inconscientes. (Freud fazia mesmo muita falta à literatura). E se é a profundidade psicológica de uma personagem como Manfred que me toca, não o é menos o drama existencial dos vampiros de Anne Rice, que já não são personagens de terror, são seres humanos que por acaso são vampiros e que por essa razão conseguem analisar a condição humana por uma lente privilegiada. Na minha opinião, há muito que a literatura que é lida pelo movimento gótico se afastou do "terror" clássico, mais ou menos da mesma maneira que alguém disse dos Joy Division que os seus temas eram góticos, e não consta que falassem de fantasmas. Pelo menos dos fantasmas de fora. E há muito tempo que o verdadeiro terror vem das profundidades da alma, sem sequer a necessidade de o projectar num monstro algures na noite lá fora. A banda que melhor conseguiu fazer esta ligação, escrevendo canções de amor que algumas pessoas interpretaram como a possessão por um íncubo, foram os Fields of the Nephilim. Quando alguém comentou isto, mais ou menos na brincadeira, eu lembro-me de ter perguntado: não é isso que é o sexo, qualquer e todo o sexo? Qual é a diferença? E se é assustador? E desde quando sentir que a felicidade depende de um ser que nos é alheio e incontrolável não é assustador? Para quê mais monstros, se já há tantos onde eles realmente existem e sempre existiram?
Eram muito ingénuos, estes primeiros escritores góticos, mas enfim... Freud fazia falta.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Lost - This place is death



A princípio, provavelmente como toda a gente, pensei que esta era mais uma série sobre sobrevivência em ambiente selvagem e hostil, numa Babilónia explosiva de personagens de vários cantos do mundo que além das dissensões entre eles próprios se têm de haver também com um inimigo comum (os Outros). Julguei, na altura, que era uma metáfora para o planeta cada vez mais bélico e perigoso em que vivemos neste fim de século e princípio de milénio, um mundo que se tornou refém de um inimigo sem rosto que é o terrorismo. Escrevi sobre isso aqui.
Pela terceira temporada da série, comecei a perceber que na ilha se passava mais do parecia a princípio. Os elementos sobrenaturais (monstros, visões, visitas fantasmagóricas), que de início se diriam introduzidos eles próprios como metáfora ou manobra de distracção, começaram a assumir um papel tão preponderante que deixaram de ser secundários. Convenci-me de que a única explicação lógica era esta só: os supostos sobreviventes acreditam que continuam vivos mas afinal morreram e encontram-se numa espécie de limbo, ou purgatório, entre a vida e a morte, exactamente por se recusarem a acreditar que estão mortos. (É de salientar que as crianças do grupo desaparecem, supostamente levada pelos Outros -- quem são estes Outros, afinal? -- pois as crianças não sofrem o purgatório.) Deste modo, os intervenientes continuam a viver como se nada fosse, perplexos perante os fenómenos sobrenaturais com que são confrontados mas sem se esforçarem muito por encontrar explicação para estes (talvez temam demasiado descobrir a verdade). Encontros com gente já falecida, curas milagrosas, recordações do passado, tudo isto se torna compreensível se a percepção do corpo, e da vida deste, é apenas imaginária. Em suma, são as almas que continuam a viver, e a acreditar que ainda têm um corpo físico. Porque é que isto acontece com algumas personagens e outras não? Acontece especialmente com aquelas que têm assuntos pendentes que as atormentam. Nesse caso, pergunta-se, porque muitas personagens morrem ou são mortas durante a série? E eu pergunto: morrem ou acreditam que morrem? Não estavam já mortos? Veja-se a morte de Mr. Eco, em que este se deixa levar pelo monstro de fumo como se acreditasse que estava a ser arrastado para o inferno, até porque devido às suas convicções religiosas se julgava condenado a esse castigo no Além. Tenho a teoria, para a morte de certas personagens, que estas não morrem, simplesmente "avançam" para o nível seguinte quando para tal estão preparadas. Os Outros são os guardiões deste Limbo, anjos ou demónios, ou simplesmente o equivalente ao que chamamos seres celestiais, ou guias espirituais, o que explica o "rapto" das crianças -- os inocentes -- para o nível seguinte. Da mesma forma, na ilha não há nem pode haver nascimentos, e muito menos concepções. É na terra que se nasce, não no "Céu". No "Céu" não se nasce, nem se vive, simplesmente se espera.
Isto que estou a dizer não é só opinião minha, e muito menos teoria própria. Muitos outros espectadores, em todo o mundo, interpretaram assim. A tal não é alheio o facto de aparecer na série a palavra "dharma", que nos remete imediatamente para a espiritualidade oriental. Segundo esta, as almas morrem e reencarnam, mas antes deste eterno retorno passam algum tempo a purificar-se, no que a religião ocidental chama purgatório ou limbo, até estarem preparadas para regressar à existência terrestre. Na existência terrestre, enquanto encarnadas, realizam o Dharma, isto é, o caminho para a verdade superior, o destino. Mas sofrem também as consequências do karma, a lei de causa e efeito, a recompensa e o castigo pelo que fizeram em outras encarnações. O karma tornou-se muito conhecido, o Dharma nem por isso. A experiência Dharma (ou "Iniciativa Dharma") podia ser o nome de código que Deus deu à Criação. Dharma, o destino; Karma, a Justiça.
São as almas mais atormentadas, as que têm mais assuntos pendentes, as que maior urgência sentem em voltar a reencarnar, para saldar o seu karma e cumprir o seu dharma. Na série, personagens como Kate, Jack, Sawyer, Sahid. Outras, menos "carregadas" ou mais evoluídas, sentem-se impelidas a não regressar, a passar para o lado dos Outros, como é o caso de Jonh Locke.
Nesta dinâmica, muitas vezes não se percebe se os Outros são anjos ou demónios. Tenho para mim que o manipulador Ben Linus é o Diabo, ou um seu agente, ou algo que o valha. Repare-se que ele não obriga ninguém a fazer nada. Ele tenta, ele convence, mas as personagens agem segundo o seu livre-arbítrio.
Muito bem, esta é a teoria. Os produtores da série negam-na veementemente. Não estão nada mortos, não estão nada no Limbo, são personagens de carne e osso. Eu acho que mentem com todos os dentes, para não afastarem da série os espectadores de inclinação mais científica, mas mentem de facto, e vou explicar porque o afirmo.
Nas temporadas seguintes, algumas personagens conseguem sair da ilha e regressar "ao mundo dos vivos". É a tão aguardada "reencarnação". Depressa descobrem, porém, que todos os problemas voltaram com eles, se não os mesmos outros piores que os anteriores. Jack e Kate tentam ficar juntos, mas Jack já não encontra sentido para a sua existência e torna-se dependente de comprimidos. Hurley prefere refugiar-se num hospício. Sahid continua a viver o inferno que deixara para trás ao chegar à ilha, e vê-se novamente transformado num assassino: "trabalho para um genocida", confessa. Sun vive em desgosto e amargura, completamente dominada por desejos de vingança, e ainda e sempre separada do marido que tinha já perdido antes de chegar à ilha. John Locke, de novo remetido a uma cadeira de rodas (tudo muda e tudo se repete) tenta enforcar-se. Em suma, o karma continua a exigir o pagamento da dívida. As personagens continuam a não cumprir o seu dharma, o seu destino. Mais uma encarnação desperdiçada.
É por isso que regressam à ilha, sem necessidade de grandes justificações, nem a si próprios. O seu caminho foi interrompido, necessitam de enfrentar os factos e os erros e de uma profunda purificação. Jack chega a desejar a morte, como se depois da última experiência na ilha, ou no pós-morte, compreenda que o seu espírito está demasiado evoluído para a existência terrena que tem experimentado até aí. Jack está, na minha opinião, em vias de se tornar também um Outro.
Nas temporadas 5 e 6, os produtores tentam embrulhar todo este misticismo em ficção científica. Viagem no tempo, sobreposição de dimensões, física quântica. Não convencem. E duvido que queiram convencer. Tentarei não ser um spoiler para quem ainda não não viu o final da série 6, mas quem já pensava que o misterioso Jacob não é outro senão Deus, terá uma chocante surpresa ao ver as suas suspeitas confirmarem-se. Jacob é o Guardião, se não mesmo o Arquitecto da ilha. A surpresa é que tudo indica que não é o único. Outro Ser Antigo se lhe opõe e com ele rivaliza. Parecem Deus e o Diabo, a discutir o destino da humanidade. Deus e o diabo ou dois deuses, deuses gémeos, um que acredita na humanidade e na sua capacidade de evoluir para um nível superior, o outro que de tanto observar já condenou o ser humano à sua permanente natureza animal, e que o julga incapaz de ultrapassar a baixeza do conflito. Dir-se-ia que o primeiro é o criador e o segundo o crítico que escarnece do fracasso do primeiro. E esse fracasso somos nós, a humanidade, meros peões nesta aposta entre deuses caprichosos e voyeristas. (Leia-se o Livro de Jó.)
Sempre quero ver como é que os produtores tencionam descalçar esta bota com física quântica. Talvez seja uma questão de fé acreditar na ciência. Eu acredito que toda a série é uma simbologia do caminho das almas, e do eterno retorno, e se os produtores tentaram fazer algo diferente foi exactamente nisso que acabaram por cair. O que me agrada bastante mais do que a mal amanhada explicação científica.

Gostaria muito de trocar impressões com outros espectadores da série para partilha de teorias. Duas cabeças pensam sempre melhor do que uma só.

sábado, 17 de abril de 2010

Maio. 22.

 Sandro Boticelli, "Vénus e Marte", 1482-83
 

Sou daquelas pessoas que têm no seu tema natal a raríssima conjunção Marte/Vénus.
No dia 22 de Maio esta conjunção vai-se repetir. Vénus vai estar em conjunção com Vénus e Marte, Marte vai estar em conjunção com Marte e Vénus. A própria conjunção vai estar em conjunção com ela própria.

Conjunção
VÉNUS - VÉNUS
Excelente período para o amor. Se ainda não se cruzou com ele, saiba que vai, com certeza, encontrá-lo durante este período.

Conjunção
VÉNUS - MARTE
Sentir-se-à muito atraída pelo sexo oposto. Encontrará alguém que será exactamente o tipo de pessoa que procura, uma pessoa com uma personalidade muito forte.

No meu caso, o sexo até nem tem de forçosamente ser o "oposto". O tempo esgota-se. Não sei quando terei esta "janela de oportunidade" novamente.

Senhores e senhoras, se alguma vez pensaram no assunto, é agora.
Respostas para a morada do costume.

sábado, 3 de abril de 2010

The Prime Gig (2000)



Já tinha visto bocados deste filme, sem nunca me embrenhar nele, até ao dia em que tudo aquilo começou a fazer sentido. Uma cambada de intrujões a impingir vendas fraudulentas por telefone. Será motivo sequer para fazer um filme? O pior é que é. Não é sequer pela ganância, mas pela mentira, que este filme é chocante. E o que é chocante é que há de facto pessoas por aí fora, pessoas bem reais, capazes de mentir a este nível, sem escrúpulos nem remorsos, destruindo tudo o que se interpõe entre eles e a sua ambição. Alguns até o justificam: todos nós somos capazes de ser tudo o que desejarmos ser. Sim. Sem escrúpulos, sem moral, sem decência. Deviam acrescentar ao slogan: "Somos bem sucedidos e somos imorais e não queremos saber porque somos egoístas e só pensamos em nós." Claro que nunca o acrescentariam porque além de gananciosos e imorais, são também mentirosos, e negá-lo-ão até à morte. Até que ponto a mentira não é uma doença do foro mental, pergunto-me?
Este filme faz-nos pensar nisso, e por isso o recomendo vivamente.


17 em 20.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

A (não) comunidade gótica em Portugal: mais algumas reflexões

Aqui há uns tempos perguntaram-me o que achava da recente explosão de fóruns e comunidades góticas na internet. Pensei muito sobre o assunto. (Já não pensavas que respondia, pois não?... Mas isto de ser uma "gurua" tem que se lhe diga, e se houve coisa que aprendi ao longo destes -- vergonha!!! -- vinte anos de cena gótica é que nunca é demais ser comedida nas palavras e cautelosa nos juízos.) Em especial, perguntaram-me o que pensava sobre o fórum Comunidade Gótica Portuguesa que, a bem ou a mal, conseguiu ultrapassar os primeiros e difíceis anos de vida -- geralmente, tenho observado, estas coisas aparecem e desaparecem em questão de meses.
Vamos então por partes.
A internet, já o disse aqui, nesta última década, veio trazer ao movimento gótico uma visibilidade que nunca tinha tido. Passámos dos fanzines clandestinos e dos cartazes (fotocópias) afixados nas paredes do Bairro Alto, e do antes crucial "boca em boca", para a era das redes sociais, dos blogs, dos fóruns, dos flyers cuidados e transmitidos por email, e, porque não dizê-lo, passe a publicidade, aos portais dedicados a promover os eventos relevantes à cena, como o nosso Pórtico. Tudo isto é muito mais eficaz do que os meios antigos, até porque a informação chega mais longe, até ao pobre e único gótico de Alguidares-de-Baixo, se porventura lá houver algum.
Vamos então ao fenómeno do fórum Gothik.PT, auto-intitulado "Comunidade Gótica Nacional". Para começar, e digo-o com uma certa tristeza após vinte anos disto (na verdade já são mais de vinte anos), não há comunidade gótica nenhuma, pelo menos em Portugal. Desconheço, infelizmente, a realidade dos outros países, mas aqui, definitivamente não existe tal coisa. O que existe, isso sim, é uma quantidade de gente que vai aos bares, e aos eventos, e às festas, e aos concertos, e que são sempre os mesmos, e cada vez mais novos, e cujas caras todas conhecemos de vista. O que aconteceu aos mais velhos? A verdade é esta, eles existem, e por esta altura já conhecem o que podem encontrar na internet, mas não andam por aí online. A partir de uma certa altura, a realidade da vida: emprego, filhos, supermercados, trânsito, não se compadece com horas em chats e fóruns. Muitos, também, são apenas os nostálgicos, que só saem de casa com o seu velhinho casaco de cabedal quando há um concerto de uma velha glória dos anos 80, e pararam por aí. (Digo cabedal porque esta gente deixou a cena nos anos 90 e nunca chegou a conhecer o PVC.) Tomem atenção, vê-los-ão nos concertos.
Ora, nunca houve e não me parece que vá existir nenhuma "comunidade". Talvez o futuro me venha a provar errada mas duvido. Pelo que tenho observado, e também não é a primeira vez que o digo, 95% das pessoas abandona o estilo aos vinte e poucos anos, quando dizem "já estou farto disto". Se eu tivesse um euro por cada vez que ouvi esta frase!!! É por isso também que não acredito em góticos "menores de 25 anos", e aqui também já o disse.
Mas não vou comentar a presunção de chamar a um fórum com meia dúzia de participantes regulares "comunidade nacional". Chamem-lhe o que quiserem. O verdadeiro teste é o do tempo. Veremos quanto dura.
Algumas pessoas criticaram a obsessão pelas fotografias, e pelos meetings, e -- como evitá-lo -- pelo objectivo de engate que se transpira em sites deste tipo. O que dizer? Quem o expôs preto no branco foi o Klatuu/Lord of Erehwon, quando respondeu (noutras palavras que não cito) que fazem muito bem em aproveitar a idade que têm porque esta não se repete e agora é que é. Avançando.
No movimento gótico, meus amigos, sempre houve o "grupinho dos populares". É mesmo assim, como nos liceus americanos. Não preciso de dizer quem são. Reconhecem-se à distância porque são sempre os mais exagerados nas roupas e na maquilhagem, para provarem que são realmente góticos. Na internet não podia ser diferente. "Nós é que somos, os outros são poseurs, blá, blá, blá". Ironicamente -- o que eu me tenho rido! -- acabam por ser estes os primeiros a dizer "estou farto disto". A maioria dos membros dos "grupinhos populares" que conheci ao longo dos anos pode ser encontrado hoje no Lux, ou quejandos, ou casou e assentou e já nem sequer sai de casa. Muitos ainda guardam nostalgia mas a grande maioria já nem se identifica com o movimento gótico e diz que foi uma fase da juventude.
Nada disto é novo e nada disto vai acabar. É como as marés, enchem e vazam. É como a lua, enche e mingua.
O que é de facto novo, e digno de reflexão, é um outro fenómeno bem mais recente e a necessitar de análise urgente. Nestes últimos dez anos, como dizia, tenho notado que graças à internet há gente cada vez mais nova a chegar ao movimento, e a ter acesso a temas, e conversas, que pelo seu teor adulto não são para a sua idade. Falo de pessoas com menos de 16 anos, até com menos de 13 e 14. São putos que têm um computador, cujos pais se calhar nem sabem ligar ou desligar, que não têm o menor controle parental. Nasceram por cerca de 1995, ou depois, e chegam à cultura do movimento gótico muito mais cedo do que alguns de nós poderia imaginar no nosso tempo. Têm acesso aos conteúdos, e sabem mais do que nós sabíamos, mas não têm capacidade de compreender certas questões que até para os adultos permanecem um mistério. Digo que é urgente pensar nisto porque é um fenómeno novo mas imprevisível, e cabe aos mais velhos -- não aos putos que mal chegaram à adolescência, mas a nós, os que andam nisto há muito tempo e temos idadezinha para sermos responsáveis -- cabe a nós "guiar" estas crianças (porque são crianças) não digo para fora do movimento, porque obviamente eles já cá estão (pelo menos no mundo virtual, sem dúvida que estão) e não se vão embora porque os mandam, mas no sentido de preveni-los dos perigos que correm e a desviá-los subtil e veementemente do que não é para a sua idade. Eis um desafio novo e carregado de responsabilidade de que nós, os mais velhos, não nos podemos furtar, até porque somos os únicos que lá estão. Muito carinho para com estas pessoas! Podem muito bem nunca vir a ser góticos (sabe-se lá o que vão ser), mas se aos 12, 13, 14 anos já pensam nas sombras e na morte, algo de errado se passa com eles, e necessitam de toda a compreensão que, muito provavelmente, e para não fugir à tradição, não é em casa que encontram.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Lançamento da revista "Abismo Humano" n.3

Sábado 3 de Abril, Espaço Nimas, Lisboa



Desta vez, o lançamento da 3ª edição da revista Abismo Humano vai ser acompanhado do evento diversificado de se reproduzem os respectivos flyers.
Nas eloquentes palavras da associação:

Fraternos participantes da revista número 3,
No dia 03 de Abril faremos, no Espaço Nimas, Saldanha, um lançamento da revista número 3 em grande, para despedida antes de vir ai a 4.
O lugar leva 200 pessoas e até a televisão foi chamada. Apareçam. Quem não pode, passe a palavra. Esta é uma obra nossa. E serve para mostrar que existe de facto uma cultura entre nós, algo que nos une, uma voz singular com muitas cores e nuances. Existimos e não estamos assim tão dispersos, e muito menos é pouco aquilo que temos a dizer, sem precisar de o dizer em grito, sim com arte, seja desenho, pintura, filosofia, música, escultura, teatro ou literatura.

A apresentação do lançamento começa às 21 horas, com uma declamação/encenação de Ricardo Barbosa, um actor, a representar os contos "Túmulos" que podem encontrar na número 3 (autoria de Gotikraal), e som de fundo atmosférico da amiga Babalith. Nesse dia vai também estrear a exposição "Once Upon a Time in the XIX Century" de Ricardo dos Reis e, a seguir ao nosso lançamento gratuito, começa o espectáculo de Lobotomia Ilusória, "História do Mentalismo".

terça-feira, 23 de março de 2010

"Os Dez Mandamentos" (2006) mini-série



Nesta altura pré-pascal já é costume que as estações de televisão exibam filmes e séries de teor bíblico. Há pouco tempo assisti a uma mini-série intitulada "Os Dez Mandamentos" que relata vida de Moisés desde que é salvo pela princesa egípcia até à descida do Monte Sinai com as pedras da Lei. Devo confessar que o que me chamou mais à atenção, logo no genérico, foi o nome de Naveen Andrews, que conheço muito bem de outros "delírios". Naveen Andrews é o Sahid de "Lost". Aqui, interpreta o irmão adoptivo egípcio de Moisés, e é a ele que cabe uma das frases mais importantes, logo após a praga da morte dos primogénitos, e que de alguma forma estabelece a perspectiva pela qual é analisado todo enredo: "Que Deus cruel deve ser esse!". É o Deus vingativo do Velho Testamento, Yahvee, Senhor dos Exércitos, cujo anjo exterminador corre as ruas do Egipto e ceifa a vida de crianças e velhos, homens e animais. Moisés assemelha-se muitas vezes a Cristo, nos momentos de crise em que vê a sua vida individual sacrificada aos desígnios superiores do Divino e deseja que afastem dele essa "taça", em que deseja não ter sido ele "o Escolhido".
Desde o início, os hebreus combatem pelo seu direito de existir como povo livre... e matam. No fim, divididos quando ao Deus que devem seguir, hebreus chacinam-se uns aos outros, homens, mulheres, crianças. Matam-se uns aos outros por causa de Deus, esse Deus que não se vê.
É difícil assistir a esta mini-série e não ficar indisposto, e muito zangado com Deus e com a religião, seja ela qual for. Certamente não é o louvor edificante que estamos habituados a ver por esta altura. Mas já dizia o Mestre "conhece a verdade e a verdade libertar-te-à". Antes a verdade que as mentiras do costume.

sexta-feira, 19 de março de 2010

"O Conde de Monte Cristo", por Alexandre Dumas (pai)

"O Conde de Monte Cristo" é uma história que conheço desde infância, até porque uma das suas adaptações à televisão foi filmada em parte na minha rua, o que ainda me aguçou mais a curiosidade, mas a leitura da obra propriamente dita foi sendo constantemente adiada. Até ao dia, mais vale tarde do que nunca, em que saquei o livro do Projecto Gutenberg. É um tradução em inglês, e tão difícil de ler que só se pode concluir que o francês original é soberbo.
Por esta razão, as citações que porventura venha a fazer, supremo sacrilégio, serão em inglês.


A história é sobejamente conhecida mas vale a pena fazer um resumo. Edmond Dantes é um jovem promissor acabado de ser promovido a capitão do navio mercante Faraó, onde era, até então, imediato. Ao desembarcar em Marselha, onde mora com o velho pai, a sua primeira preocupação é visitá-lo, para contar as boas notícias, e de seguida vai procurar a jovem catalã Mercedes, com quem pretende casar nos próximos dias. Tudo corre bem para Edmond Dantes e o futuro parece sorridente.
Senão pela inveja e pelo ciúme, que congeminaram a sua desgraça. Danglars, o contabilista do navio, odeia o jovem capitão. Caderousse, o seu vizinho, rói-se de inveja do seu sucesso. Fernand Mondego, talvez o que mais razão tem para odiar Edmond, é primo de Mercedes e tem por ela uma paixão avassaladora. Uma vez que Mercedes não o corresponde, tudo faria para afastar o seu rival. São estes três que conspiram uma denúncia anónima, implicando Edmond Dantes numa conspiração bonapartista (da qual é inocente). Em sequência da acusação, no próprio dia do feliz casamento, Edmond Dantes é preso, e levado perante o procurador Villefort. Este condena-o, embora saiba que é inocente, pois a carta em poder Edmond coloca em risco o pai do próprio Villefort, bonapartista ferrenho numa altura em que Napoleão está no exílio.
Por este motivo, Villefort "junta-se" ao trio de conspiradores, e prende Edmond Dantes numa masmorra do terrível Castelo d'If, destinado a presos políticos, onde este permanecerá 14 anos, sem direito a julgamento nem sentença, e ignorante dos motivos que o condenaram.
É no cárcere que conhece outro prisioneiro político, o fascinante e erudito abade Faria, que lhe ensina tudo o que Dantes jamais aprendera, e lhe fala do enorme tesouro escondido dos Spada, de que conhece a localização na insuspeita ilha de Monte Cristo, e a ensina a Edmond. O abade Faria nunca verá o seu mirabolante tesouro, porque entretanto morre na prisão, e acaba por ser essa morte a libertação de Dantes, pois, numa fuga espectacular, e em completo desespero, toma o lugar do morto dentro da sua mortalha e assim é lançado ao mar.
Edmond Dantes encontra o fabuloso tesouro dos Spada e torna-se o Conde de Monte Cristo. Quando regressa a Marselha, apercebe-se de que o seu pobre pai morreu de fome. A sua noiva, Mercedes, depois de anos à sua espera, tinha acabado por ceder à vontade do primo e com ele se casou, sendo agora a Condessa de Morcef. Danglars é barão e um rico banqueiro. Villefort foi promovido na sua carreira até se tornar procurador do Rei. De Edmond Dantes, o infeliz e inocente prisioneiro, já ninguém se lembra. A partir daí, ninguém escapará da sua implacável e maquiavélica vingança. Danglars, Caderousse, Fernand, e Villefort, todos terão o que merecem.
Esta é, sem dúvida, uma das histórias mais cativantes e poderosas de todos os tempos, e tão relevante que ainda hoje serve de inspiração, não fosse o seu tema tão universal e primitivo como a vingança. [Por exemplo, em "Prision Break", num dos episódios em que Michael Scofield se encontra na prisão sul-americana de Sona, este contempla a hipótese da evasão segundo o "método Dantes": fazer-se passar por morto. Mas os guardas, conhecendo ou não a obra de Dumas, certificam-se de dar uns tiros aos cadáveres antes de estes saírem da prisão. Scofield abandona o plano, mas a sombra de Dantes permanece.]

Comentarei as partes que achei mais curiosas nesta obra impregnada do Romantismo da época em que foi escrita. Para começar, esse mesmo Romantismo, tão agradável mas ao mesmo tempo tão irrealista, prova-nos que o leitor do século XX (e muito mais o do século XXI), já não se satisfaz sem uma análise psicológica das personagens. E depois há aqueles maneirismos que na altura eram altamente vanguardistas mas que hoje me fazem ranger os dentes. Diz o narrador, assim no meio da narrativa: "Deixemos Madame Fulana de Tal entregue ao seu boudoir e penetremos na sala de Monsieur de Sicrano, já antes apresentada ao leitor..." Ora, talvez seja de uma cultura demasiadamente formatada pela linguagem cinematográfica, mas a verdade é que para o leitor se acaba ali toda a ilusão em que tão confortavelmente estava instalado. Ou, como se diria noutras andanças, "I want to believe". Não quero narradores a lembrarem-me que estou a ler um livro. Para a realidade tenho o telejornal, obrigada.
Compreende-se, portanto, sob um prisma totalmente novo, este vanguardismo Romântico, a cruzar-se com uma certa linguagem teatral: não tinham telejornal a estragar tudo.
Como eram ingénuos esses tempos, em que Dumas afirma que a carruagem de Monte Cristo atinge a velocidade de "um estonteante meteoro"! Seria quanto, 20, 30km/hora? Era puxada por chitas? Nem por isso, apenas quatro cavalos. Isto de fazer metáforas com a tecnologia, principalmente nos tempos que correm, pode sair muito perigoso.
Mas este era o século XIX, e Dumas não fugiu ao seu século, nem o leitor deste clássico tal deve esperar. Não é o estilo, mas a obra, o que se tornou imortal. Estava lá, em Edmond Dantes, o que se revisita em "A Fuga de Alcatraz" e "Prison Break", e tudo o resto o que há-de vir.
Passarei, pois, às surpresas e reflexões que me inspiraram a sua leitura.

A história de Rita e Carlini
Antes ainda de comentar a história de Edmond Dantes propriamente dita, não consigo evitar referir esta "história dentro da história", que por lá aparece de modo algo surreal. Aqui, Dumas foi verdadeiramente genial, porque até o leitor moderno se questiona se a história de Rita e Carlini, que o mordomo de hotel conta a Albert de Morcef e Franz D'Epinay para os convencer da existência dos bandidos de Roma, é de facto "real", ou duplamente ficcional: uma ficção inventada pelo próprio Monte Cristo para melhor exercer a sua terrível vingança. Nunca se chega a descobrir. O que é inegável é que Dumas a queria contar, a esta pequena história, e o fez de modo bastante habilidoso.
Nem de propósito, ainda há bem pouco tempo comentava com alguém que a violação, como tema, não era coisa de que o Romantismo gostasse, e que a donzela nunca chegava a ser violada porque entretanto o herói aparecia para a salvar. Esqueci-me da história de Rita e Carlini. Rita era namorada do bandido Carlini, mas por azares desastrosos foi parar às garras do chefe deste, Cucumetto, que a raptou, violou, pediu ao pai dela resgate pela sua vida, e se preparava para a entregar, às sortes, ao resto do bando. O facto de Carlini ser um deles não bastou para intervir de outra forma. (Não há honra entre ladrões.) Carlini, vendo-se impotente para impedir os acontecimentos, aproveita o fato de a rapariga ter desmaiado para a matar. E, assim, a "salva". Ou, pelo menos, não conseguindo salvar a sua honra, consegue impedir que a desonrem mais. Quando chega o pai de Rita com o resgate, e encontra morta a sua filha, junto do homem que a chorava, e que a matara, justifica Carlini: "Cucumetto violou a vossa filha. Eu amava-a, e por isso a matei, para não servir de diversão ao bando inteiro. Agora, se fiz mal, vingai-a." E Carlini oferece ao velho pai o próprio punhal com que tinha morto a sua filha. O que é que este faz? Diz-lhe que fez bem, e ajuda-o a enterrar o corpo. De seguida, para isto tudo não parecer demasiado grotesco, o pai enforca-se numa árvore junto à sepultura da filha.
De alguma forma, eu acabo por ter razão. O Romantismo não sabe abordar o tema. Isso são contas para rosários do realismo do século XX, e se calhar só depois da chamada "libertação feminina". Repare-se que enquanto tudo isto acontecia, a vítima está desmaiada. Não tem vontade nem sequer uma palavra a dizer. É apenas uma criatura passiva, entregue aos desígnios dos homens que a protegem: o pai e o futuro marido. São eles que decidem, é a eles que parece importar a violação. A vítima é segunda vez violentada, nesta perfeita anulação do seu "ser".
Infelizmente, não é caso único nesta obra, espelho da mentalidade da época, e tratarei disso mais à frente.


In Vino Veritas
Algo para pensar:
"Drunk, if you like; so much the worse for those who fear wine, for it is because they have bad thoughts which they are afraid the liquor will extract from their hearts;" and Caderousse began to sing the two last lines of a song very popular at the time,--
'Tous les mechants sont beuveurs d'eau; C'est bien prouve par le deluge.' [*]

* "The wicked are great drinkers of water
As the flood proved once for all."

Os iníquos são grandes bebedores de água
Como o Dilúvio provou de uma vez por todas


Number 34 and Number 27
«A new governor arrived; it would have been too tedious to acquire the names of the prisoners; he learned their numbers instead. This horrible place contained fifty cells; their inhabitants were designated by the numbers of their cell, and the unhappy young man was no longer called Edmond Dantes--he was now number 34.»

Confesso não saber se Dumas foi o primeiro escritor a mencionar numa obra o horror da despersonalização do indivíduo e a sua transformação em mero número - mais tarde tão cara aos escritores de ficção científica do século XX, senão mesmo ainda mais cara aos inventores dos campos de concentração, que nada tinham de ficcional - mas não deixa de ser curioso encontrar aqui, já no Romantismo do século XIX, esta preocupação tão moderna.


É preciso ter sorte
Nas primeiras páginas de "O Conde de Monte Cristo" encontrei algumas das cenas mais comoventes que já li, mas esta em particular deu-me que pensar:

«"In two or three hours," thought Dantes, "the turnkey will enter my chamber, find the body of my poor friend, recognize it, seek for me in vain, and give the alarm. Then the tunnel will be discovered; the men who cast me into the sea and who must have heard the cry I uttered, will be questioned. Then boats filled with armed soldiers will pursue the wretched fugitive. The cannon will warn every one to refuse shelter to a man wandering about naked and famished. The police of Marseilles will be on the alert by land, whilst the governor pursues me by sea. I am cold, I am hungry. I have lost even the knife that saved me. O my God, I have suffered enough surely! Have pity on me, and do for me what I am unable to do for myself."»

Edmond Dantes tinha acabado de fugir de forma espectacular do seu cárcere, encontrava-se agora numa ilha deserta onde chegara a nado sob grande esforço, mas estava enfraquecido pela fome, e o seu aspecto de fugitivo seria suficiente para atrair sobre si fatais atenções. Nesse momento, volta-se para o Céu: "Ò meu Deus, eu já sofri certamente o suficiente. Tem pena de mim, e faz por mim o que não sou capaz de fazer por mim próprio." Dantes avista então no mar uma embarcação de contrabandistas que acaba por lhe fornecer um meio de escapar.
Esta singela ficção recordou-me de um facto que interessa muito a muita gente fazer por esquecer. O engenho não basta. Às vezes, é preciso mesmo ter sorte. Como Dantes, que avistou um barco.


Edmond Dantes apresentado como vampiro
Devo dizer que não esperava de todo esta descrição do Conde de Monte Cristo por Alexandre Dumas em que o autor, pelas palavras de uma personagem, o assemelha a um vampiro, nomeadamente Lord Ruthven, muito provavelmente o primeiro vampiro "romântico" precursor do mito do sedutor anti-herói bebedor de sangue como o conhecemos agora, por exemplo, através de Anne Rice. Ora vejam:

«"All I can say is," continued the countess, taking up the lorgnette, and directing it toward the box in question, "that the gentleman, whose history I am unable to furnish, seems to me as though he had just been dug up; he looks more like a corpse permitted by some friendly grave-digger to quit his tomb for a while, and revisit this earth of ours, than anything human. How ghastly pale he is!"
"Oh, he is always as colorless as you now see him," said Franz.
"Then you know him?" almost screamed the countess. "Oh, pray do, for heaven's sake, tell us all about--is he a vampire, or a resuscitated corpse, or what?"
"I fancy I have seen him before; and I even think he recognizes me."
"And I can well understand," said the countess, shrugging up her beautiful shoulders, as though an involuntary shudder passed through her veins, "that those who have once seen that man will never be likely to forget him." The sensation experienced by Franz was evidently not peculiar to himself; another, and wholly uninterested person, felt the same unaccountable awe and misgiving. "Well." inquired Franz, after the countess had a second time directed her lorgnette at the box, "what do you think of our opposite neighbor?"
"Why, that he is no other than Lord Ruthven himself in a living form."
This fresh allusion to Byron [*] drew a smile to Franz's countenance; although he could but allow that if anything was likely to induce belief in the existence of vampires, it would be the presence of such a man as the mysterious personage before him.
"I must positively find out who and what he is," said Franz, rising from his seat.
"No, no," cried the countess; "you must not leave me. I depend upon you to escort me home. Oh, indeed, I cannot permit you to go."
"Is it possible," whispered Franz, "that you entertain any fear?"
"I'll tell you," answered the countess. "Byron had the most perfect belief in the existence of vampires, and even assured me that he had seen them. The description he gave me perfectly corresponds with the features and character of the man before us. Oh, he is the exact personification of what I have been led to expect! The coal-black hair, large bright, glittering eyes, in which a wild, unearthly fire seems burning,--the same ghastly paleness. Then observe, too, that the woman with him is altogether unlike all others of her sex. She is a foreigner--a stranger. Nobody knows who she is, or where she comes from. No doubt she belongs to the same horrible race he does, and is, like himself, a dealer in magical arts."

Dumas, contudo, incorreu no erro da época de atribuir Lord Ruthven, isto é, a história "The Vampyre" (de que aqui já se falou), a Lord Byron, quando esta se veio a revelar de facto obra do amigo deste último, John Polidori, confusão que muita tinta fez correr nos meios literários.
Não deixa, no entanto, de ser curioso notar este facto, como a ficção se pode graciosamente cruzar de forma tão bem conseguida.


Valentine
Valentine é a típica heroína romântica: loira, pálida, inocente, apaixonadíssima pelo seu amado, obediente à família, pronta a tornar-se mais uma fada do lar, um anjinho para ser adorado, não uma mulher a sério e muito menos para levar a sério. É mais um exemplo de um "não-ser" em que um certo Romantismo era tão pródigo. Tal como todas as heroínas românticas, a esta não falta também a pincelada doentia (a bem da verdade, não estaria doente se a madrasta não lhe desse veneno todos os dias ao pequeno almoço). Quase morre, mas não morre, finge-se que morre, nem a sua morte é real. O que não é de estranhar, porque nenhuma Valentine é real. Nem nenhuma Valentine, nem nenhuma Rita, e certamente nenhuma Mercedes. A Mercedes, deixo-a para o fim.


Eugenie

«"Have you noticed the remarkable beauty of the young woman, M. Lucien?" inquired Eugenie.
"I really never met with one woman so ready to do justice to the charms of another as yourself," responded Lucien, raising his lorgnette to his eye. "A most lovely creature, upon my soul!" was his verdict.»

Depois de tudo isto, ninguém vai acreditar no que vou dizer a seguir, mas lede por vós mesmos. Ao contrário de tudo o que se podia esperar, Alexandre Dumas apresenta-nos uma lésbica! Uma lésbica, se bem que disfarçada, reconhecível apenas para os conhecedores (e especialmente "conhecedoras"), que contraria todas as outras personagens femininas.
A Eugenie, filha do barão Danglars, e grande "amiga" da sua jovem professora de música, Monte Cristo envolve no seu esquema preparando-lhe um casamento escandaloso com o seu meio-irmão. Mas sosseguem, o casamento nunca foi planeado para se concretizar de facto; era apenas um meio para atingir um fim. (Incesto é mais coisa do nosso Eça de Queirós.) Na verdade, Monte Cristo torna-se um protector de Eugenie e ajuda-a a realizar os seus maiores sonhos: fugir com a amiga e tornar-se uma artista.
Repare-se com que subtileza Dumas aborda o tema, tão explícito para nós, leitores modernos, e no entanto tão opaco (ou não?...) para os espíritos da época, nesta conversa entre Maximilian e Valentine. Diz ele:

"Ah, how good you are to say so, Valentine! You possess a quality which can never belong to Mademoiselle Danglars. It is that indefinable charm which is to a woman what perfume is to the flower and flavor to the fruit, for the beauty of either is not the only quality we seek."

Ao negar a Eugenie "o charme indefinível da mulher", Maximilian retira-lhe, assim, a feminilidade, e faz-nos questionar quais são as ideias de Dumas acerca da sua própria personagem.
E acrescenta Maximilian:

"No, Valentine, I assure you such is not the case. I was observing you both when you were walking in the garden, and, on my honor, without at all wishing to depreciate the beauty of Mademoiselle Danglars, I cannot understand how any man can really love her."

Nenhum homem a pode amar, diria Alexandre Dumas se pudesse exprimir o que pensava na altura, porque vê, nesta mulher, um homem. Interessante e curiosa análise do subconsciente da época.

«"She told me that she loved no one," said Valentine; "that she disliked the idea of being married; that she would infinitely prefer leading an independent and unfettered life; and that she almost wished her father might lose his fortune, that she might become an artist, like her friend, Mademoiselle Louise d'Armilly."
"Ah, you see"--
"Well, what does that prove?" asked Valentine.
"Nothing," replied Maximilian.
"Then why did you smile?"»

Maximilian sorri (mas não comenta com a inocente e pura e ingénua Valentine) porque se confirmam as suas suspeitas que Eugenie e Louise não são "apenas" amigas. Alexandre Dumas diz-nos isto neste sorriso de Maximilian, e depressa muda de assunto, para voltar a pôr os pombinhos a confessar mutuamente o seu amor conforme as normas morais da altura.
Mais tarde, quando Eugenie e Louise são apanhadas a meio da fuga, dormindo no mesmo quarto, na mesma cama, onde são surpreendidas pelo noivo da primeira, que se tornara também um fugitivo à justiça, é-nos dito que saem da estalagem envergonhadas sob os olhares de uma multidão. O que não se explica, jamais, é porque estão envergonhadas. A razão plausível para tal é que o noivo de Eugenie, um suposto príncipe italiano, não passa de um reles criminoso. Nada é revelado se a multidão também sabe que dormiam ambas na mesma cama. Tenho para mim que era por isso que as olhavam, mas Alexandre Dumas é inteligente e não o diz claramente. Afinal, não se quer chocar as Valentines desse tempo, que perante o escândalo não tocariam sequer no livro. Cabe aos Maximilians da época o sorriso esclarecido... e silencioso.


Mercedes
Mercedes, deixei-a para o fim porque nunca compreendi, e ainda hoje não compreendo, o que raio se passou naquele final. Mercedes não faz sentido. Julguei que ler o livro me esclareceria, mas fiquei na mesma.
Mercedes é descrita como uma mulher forte, corajosa e orgulhosa. Nada faz adivinhar que seja uma das tais criaturas passivas descritas acima, mais um "não-ser" igual às outras. E no entanto, quando Mercedes reconhece Edmond Dantes, o grande amor da sua vida, a quem julgava morto, na figura de Monte Cristo, porque é ela a única a reconhecê-lo de imediato, pela voz, é-nos dito, finge que de nada se apercebe.
Ora, estamos a falar de uma mulher tesa, espanhola, ainda por cima!, que acaba por casar com um homem que não ama porque foi também vítima da conspiração que destruiu o seu noivo, e de repente vê-o aparecer, ao fim de vinte anos, podre de rico, rodeado de todos os luxos, e ainda por cima acompanhado por uma rapariga com idade para ser sua filha, e não lhe faz uma cena?! Eu, que não sou espanhola, fazia-lhe uma peixeirada de que Edmond Dantes jamais se esqueceria: "Mas por onde andaste, desgraçado, que me abandonaste quase no altar?!" E se descobrisse todo o enredo, então, partia um vaso na cabeça do primo/marido, e de seguida enfeitava-lha com uma bela armação! Nem era preciso andarem Fernand e Edmond a desafiarem-se para duelos. Mercedes, se fosse mulher, tratava da saúde aos dois! E ainda por cima espanhola!
Em vez disto, que faz Mercedes? Resigna-se. Renuncia. Anula-se.
Na sua última conversa com Edmond, este ainda lhe pergunta se deseja algo dele. E o que responde? Que está velha. Que tem cabelos brancos. Que lhe pesam os anos. Claro que lhe pesam os anos. Uma mulher não pode esperar 14 anos que o homem que ama arranje maneira de fugir da prisão. Uma mulher, por imperativos biológicos, tem que se despachar. Porque é mesmo assim, não há volta a dar-lhe. Mas uma mulher não deixa de ser mulher, muito menos na presença de um amor tão mal resolvido. E era tão fácil para Dumas resolver isto de outra maneira. Bastava-lhe pôr Mercedes a dizer: "O tempo passou, e eu mudei, e se te amava dantes, agora já não te amo." Je ne t'aime plus. Isto sim, era o que uma mulher diria. Se fosse o caso. Não parece que fosse o caso, e Dumas não soube resolver.
Dumas é um autor viril, e curioso, e intelectual, mas as mulheres são para ele um mistério. Tenta adivinhá-las, e falha. Dá-lhes voz, mas não falam. E quando falam, dizem disparates, como Haideé (a suposta escrava de Monte Cristo) que lhe declara o seu amor afirmando que o ama como a "um marido, um irmão, um pai". Como se tal coisa fosse possível.
Frued, ò divino, que falta fazias tu à literatura!

quinta-feira, 18 de março de 2010

"Control" (2007)


Assistir a este filme perturbou-me tanto que não o consegui ver todo de seguida. Há muito tempo que o ando a fazer aos pedaços. Finalmente hoje terminei, em lágrimas. Tinha vontade de fazer a crítica habitual, mas não há nada que possa dizer que seja objectivo, imparcial e, se calhar, minimamente relevante.
Na falta das palavras, que fale a eloquência das lágrimas.

Hoje não tenho palavras para explicar como tudo está a chegar ao derradeiro fim.

domingo, 14 de março de 2010

"Disseste a verdade, Maximilian; de acordo com a forma como a encaramos, a morte pode ser uma amiga que nos embala como uma ama, ou um inimigo que violentamente arranca a alma do corpo. Um dia, quando o mundo for muito mais velho, e quando o homem for senhor de todos os poderes destrutivos da natureza, para servir o bem geral da humanidade; quando o homem, como estavas a dizer, tiver descoberto os segredos da morte, então a morte tornar-se-à tão doce e voluptuosa como um sono nos braços de uma amada."

Alexandre Dumas, "The Count of Monte Cristo" (tradução minha, do inglês)

Mais sobre esta obra, em breve.
One Death
One Try
Are your sure ?
Do you really want to Die ?


Suicide Commando, "Cause of Death: Suicide"

Provavelmente não estaria a pensar em tudo isto se esta não fosse uma das músicas que uso para fazer ginástica. Mas é. E foste tu quem primeiro me chamou a atenção para ela. Sabes que sempre fui muito dura de ouvido em relação à música electrónica. Agora não consigo ouvi-la sem me lembrar de ti. E depois, está a tornar-se um problema cada vez maior ficar sozinha com os meus pensamentos, o que acontece também quando faço ginástica. Sempre te disse, lembras-te?, que jamais poderia fazer ioga para "relaxar", tão concentrada e imóvel com os meus pensamentos? Não, eu preciso de distracção. Preciso de uma televisão, de um filme, de um livro. Nem que seja necessário fazê-lo e vê-lo na minha cabeça, desde que esta esteja bem longe daqui.
Mas agora já não sabes, já não sabes nada de mim, porque te foste embora, e eu não tive culpa nenhuma. Não me conformo. Eu preciso de ti. E pior um pouco, acho que tu precisas de mim também.
Este post poderia chamar-se "De como as pessoas arruínam as suas vidas".
Se porventura estiveres a ler isto (mas duvido muito que estejas) não te preocupes que ninguém sabe que estou a falar de ti. Mas como estou a falar para ti e não me estás a ouvir, faz de conta que estou a falar sozinha. Afinal, foi o conselho dado por um profissional. Mas tu não sabes, porque não estás aqui. E eu estou farta de ficar sozinha com os meus pensamentos.

sábado, 13 de março de 2010


You love me.
You love me not.
You love me.
You love me not.
You love me.
You love me not.


You love me not.

A verdade é que não tenho muito para oferecer.

terça-feira, 9 de março de 2010

Ajuda Urgente para os Animais de Loures!

Do site da associação Animais de Rua:

Ajuda Urgente para os Animais de Loures!

Todos estes animais viviam num terreno ocupado ilegitimamente por uma pessoa que os criava com intuitos dúbios. São 80 cães e estavam alojados em cima de várias toneladas de ossadas de vaca (que era a única alimentação que lhes era fornecida) e de cães mortos. Nasciam, viviam, alimentavam-se, defecavam e urinavam em cima dos ossos que eram ao mesmo tempo a sua única fonte de alimentação. Neste cenário, só os mais fortes sobreviviam. Os que morriam eram também comidos pelos seus companheiros de cativeiro - fenómenos de canibalismo na espécie canina só acontecem em situações extremas como esta. Há imagens da situação em que estes animais se encontravam na secção de Comunicação Social, do nosso website.

Todos estes cães só conheceram sofrimento desde o dia em que nasceram. Cabe-nos a nós dar um final feliz às suas histórias. São quase todos animais muito medrosos, mas que facilmente recuperarão a confiança no ser humano se lhes for dada essa oportunidade. Nenhum deles é agressivo e todos eles se dão muito bem com outros animais. Na curta sessão fotográfica que lhes fizemos (e aproveitamos desde já para agradecer à Wiseguys, que mais uma vez pôs a sua técnica ao serviço dos animais e capturou estas excelentes imagens), todos eles se mostraram meigos e reagiram com agrado à aproximação da voluntária que lhes fez festas.

Como podem ver, são dezenas de animais. Não será possível todos eles conseguirem um lar a não ser que sejam divulgados de forma massiva através de todos os meios disponíveis e que contem com a cooperação de todas as associações de protecção animal e de todas as pessoas que se preocupam com o seu bem estar.

Agradecemos desde já às associações Pé Ante Pata, que já se ofereceu para ajudar na divulgação e encaminhamento para adopção destes animais, e Abrigo da Bicharada, que irá acolher 3 fêmeas.

Pedimos a todas as pessoas e associações que possam acolher algum/alguns destes animais, mesmo que apenas temporariamente, que nos contactem para o geral@animaisderua.org.

Podem também dirigir-se directamente ao canil municipal de Loures.
Contacto do Gabinete Médico Veterinário Municipal - 219 848 210

Relembramos que foram encaminhados 15 cães (5 para cada um) para os canis municipais de Lisboa, Amadora e Vila Franca de Xira. A situação destes animais é ainda mais grave e urgente do que a dos animais que ficaram no canil de Loures, uma vez que não estão a ser alvo de qualquer divulgação já que, inacreditavelmente, estes municípios não permitem a captura de imagens dos animais que albergam..

Seguem abaixo fotografias e descrição de todos os animais que se encontram no canil de Loures.

Recomendamos vivamente a todas as pessoas e associações que decidam acolher algum/alguns destes animais a colocação imediata de uma coleira com alguma forma de identificação visível. Ver aqui, algumas dicas sobre identificação de animais de companhia.

A associação Animais de Rua compromete-se a esterilizar todos os animais que forem retirados do canil de Loures, para o que precisará muito de padrinhos de esterilização que ajudem a fazer face às despesas das cirurgias.

Agradecemos toda a ajuda possível na divulgação deste apelo.

A equipa da Animais de Rua

Mais informação e fotos dos cães resgatados