domingo, 27 de março de 2022

Godzilla (1998)

Quando estava a escrever recentemente sobre “Godzilla” (2014), li algumas críticas de ódio sobre a versão de 1998. Sinceramente, não me lembrava de o filme ser assim tão mau, e, como por acaso este anda a passar novamente num dos canais que frequento, decidi ver outra vez.
De facto, tendo em conta os efeitos especiais à época, o filme não é assim tão mau. É verdade que mete muitas cenas à “Aliens” e à “Jurassic Park” (na altura toda a gente queria mostrar que sabia fazer dinossauros), e que tem muito de “o herói salva-se sempre”, mas comparando este último cliché com o verdadeiro abuso do filme de 2014, o de 1998 até escapa melhor.
No filme de 1998, Godzilla, ou melhor, Gojra (o seu nome japonês), é uma espécie de dinossauro gigante e assexuado que pode pôr ovos sem precisar de parceiro. Eu acho que Godzilla é uma fêmea. Porque só pode ser uma fêmea! É tão óbvio.
Continuo a dizer que o bichinho não tem culpa de ser grande e pisar arranha-céus. Qual é a reacção das pessoas quando descobrem este primeiro exemplar de uma espécie nova? Matar, matar, matar! Nem sequer há uma tentativa de compreender. Incomoda-nos, mata-se. O filme de 2014 é igual. Nos dois, estou a torcer pelo bichinho. Não é que não compreenda que Godzilla seria de facto uma ameaça considerável à segurança das pessoas. É que Godzilla representa ela própria a consequência dos ataques egoístas à Natureza (neste caso, os testes nucleares) e, ao mesmo tempo, todas as espécies vítimas da arrogância humana perante o planeta.
“Godzilla” de 1998 ainda se vê muito bem e não é tão mau como o pintaram.

13 em 20


domingo, 20 de março de 2022

The Incredible Tide, de Alexander Key


Admito que fui à procura deste livro assim que descobri que foi a base de inspiração dos desenhos animados “Conan, o rapaz do futuro”, tão queridos da minha infância. Não fiquei desapontada. Se os desenhos animados estão cheios de exagero, de infantilidades, de super-poderes, “The Incredible Tide” é uma história realista e adulta, entre o mundo pós-apocalíptico, a ficção científica e a distopia.
Conan é realmente um rapaz do futuro, mas um rapaz muito mais vulnerável do que aquele que conhecemos. A Terceira Guerra Mundial aconteceu. Ambos os lados beligerantes insistiram em usar armas magnéticas para destruir as cúpulas magnéticas que protegiam as cidades de ataques, ignorando os avisos do Professor Briac Roa. (O livro foi publicado em 1970, em plena guerra fria; de certeza o autor queria referir-se às armas nucleares.) O que conseguiram com o uso das armas magnéticas foi a inversão dos pólos da Terra (como no filme “2012”), destruindo o planeta. Os poucos sobreviventes a esta gigantesca tsunami (o mar que cobriu os continentes) são aqueles que conseguiram refugiar-se em picos elevados.
Conan, ainda muito jovem, vai dar a um destes refúgios, sozinho, sem utensílios. Para sobreviver tem de construir tudo pela força braçal. Alguns anos depois é de facto um adolescente forte, mas devido ao esforço físico que a própria sobrevivência lhe exigiu.
No pós-guerra, um poder assume-se, intitulado a New Order, que tem como sede a cidade de Industria e procura incessantemente o Professor Briac Roa, o último cientista capaz de produzir a energia de que Industria precisa desesperadamente. Esta New Order é tão tirânica como se podia esperar de um regime único num mundo apocalíptico e o Professor faz tudo para lhes fugir.
Entretanto, Conan é “resgatado”, ou melhor, capturado, e levado para Industria onde, para sua surpresa, encontra o Professor disfarçado debaixo dos narizes da New Order sem que ninguém desconfie.
O Professor tem planos de se reunir à sua família, noutro refúgio chamado High Harbor. É aqui que entra outra das melhores personagens, a sua neta Lana. Lana conseguiu desenvolver uma espécie de comunicação telepática com os animais, especialmente com os pássaros. O Professor e a filha dele, por outro lado, conseguem comunicar telepaticamente um com o outro.
Juntos, num barco construído pelo Professor, atravessando oceanos tão novos como desconhecidos, e perante uma estranha ameaça climática chamada a “época dos nevoeiros”, Conan e o Professor vivem a aventura de chegar a High Harbor perseguidos pela New Order e por outro perigo iminente. Acontece que a cidade de Industria está sobre uma falha tectónica e não tarda a cair para o mar, o que vai provocar uma tsunami gigantesca. Conan e o Professor têm de chegar a terra antes dela.
Eu estava realmente a gostar até chegarmos ao fim: o fim é tão abrupto que me perguntei se a minha edição estava completa. Mas parece que sim, está mesmo completa, e o final não faz justiça ao resto. Mesmo assim, uma boa leitura para quem gosta de aventura, ficção científica, distopia e mundos pós-apocalípticos.

“Conan, o rapaz do futuro”


Não podia acabar sem falar do desenho animado que me levou a ler “The Incredible Tide”. É claro que não esperava o mesmo, mas comparativamente fiquei desiludida. O papel de Lana é muito mais extenso no desenho animado de Hayao Miyazaki. Senti também a falta de Monsley, personagem de “Conan” que não entra no livro. Acontece que Monsley era a minha personagem preferida, o meu primeiro contacto com uma vilã “cinzenta”, como se diz agora. Monsley trabalha para Industria e persegue Conan e os amigos. Extremamente traumatizada pela tsunami a que sobreviveu quando era criança, tem momentos de vulnerabilidade que a tornam empática. Recordo perfeitamente a cena fulcral em que a tsunami se aproxima e Monsley fica paralisada. Conan, que tem à disposição um submarino para escapar à onda assassina, arrisca a vida para sair do submarino, pega nela ao colo e leva-a para segurança, o que inicia uma nova dinâmica entre Monsley e os heróis. A personagem mais parecida, no livro, é Doctor Manski, uma pesquisadora completamente devotada à New Order que abre os olhos quando percebe que o regime que serve não é inteiramente benévolo. Mas Manski não tem a profundidade de uma Monsley, na minha opinião a melhor adição que “Conan, o rapaz do futuro” fez à história original.
Apesar de tudo isto, gostei de rever estas personagens de infância, se bem que em versão adulta e num livro muito sério. Aconselho a todos os fãs de “Conan, o rapaz do futuro”, e aos outros também.


domingo, 13 de março de 2022

Brightburn / Brightburn – O Filho do Mal (2019)


E se o Clark Kent/Super-Homem fosse do Mal? Parece ser esta a premissa de “Brightburn”, nome de uma pequena localidade atingida por um meteorito. Um casal que vive ali perto assiste à queda. Acontece que este casal andava há muito tempo a tentar ter filhos sem o conseguir. Qual não é a surpresa deles quando dentro do meteorito está uma nave espacial, e dentro desta um bebé!
Que desculpa arranjaram para dizer que foi uma adopção, não se vê. Assistimos aos primeiros anos de infância do miúdo, aparentemente tão normal e amoroso como todos os outros.
Mas, ao chegar à puberdade, algo muda. Em sonhos, o miúdo começa a falar uma língua alienígena e é guiado, como sonâmbulo, à nave que os pais adoptivos têm escondida numa cave no celeiro. Primeiro, o miúdo descobre que tem uma força sobre-humana. Os outros super-poderes vai desenvolvendo depois. E são os super-poderes do Super-Homem, só que o miúdo é mau como as cobras e não tem uma pinga de empatia. Tal como na história do Super-Homem, só há uma “kriptonite” capaz de o ferir: o material de que é feita a nave que o trouxe à Terra.
A certa altura os próprios pais adoptivos se apercebem de que trouxeram o Mal para casa, e a mãe até descobre que apenas o metal da nave espacial vai conseguir deter este psicopata, mas irão a tempo?
A premissa é interessante e faz um filme de terror como deve ser, embora me lembre muito “The Omen”, versão Super-Homem. Achei que os pais adoptivos se voltaram muito depressa contra o filho, especialmente o pai. A mãe foi a última a abrir os olhos (como costuma acontecer), mas também já estava de pé atrás. Para pais desesperados que queriam tanto ter um filho e que amavam mesmo o miúdo como se fosse deles, podiam ter continuado em negação mais um bocadinho e dado mais luta às evidências. Não é todos os dias que se acredita que a nossa criança amorosa é um monstro.
O filme deixa tudo em aberto para uma sequela, como já é típico.
Gostei, apesar dos clichés, e os amantes de terror não vão sair daqui desapontados. Mas, advirto, muito do filme vai parecer déjà vu para quem já viu imensos filmes idênticos.

(13 em 20, mais pela originalidade da premissa do que por outra coisa)


domingo, 6 de março de 2022

The Dark Mirror, de Juliet Marillier

E se o rei Arthur e Morgan le Fey não tivessem sido meio-irmãos? E se uma história de amor entre os dois não fosse impossível? Foi esta a premissa que me lembrou esta história, quer tenha sido feito de modo consciente ou inconsciente.
“The Dark Mirror” é o primeiro livro da trilogia The Bridei Chronicles. Bridei, filho segundo de um rei, é enviado ainda criança para casa do druida Broichan, conselheiro do rei de Fortriu, para ser educado por este como seu filho adoptivo. Bridei é instruído em todos os tipos de conhecimento, mas sente que algo lhe falta. Quando, numa noite enluarada de Solstício de inverno, é colocada à porta do druida uma estranha trouxa com uma bebé, Bridei recolhe-a e sente que é seu dever cuidar da menina, um presente da deusa Shining One (a Lua). Bridei percebe imediatamente que Tuala (como ele lhe chama, e que significa “princesa”) não é humana, que veio dos Good Folk, mas isso não o dissuade. Os leitores da trilogia Sevenwaters recordarão esta espécie misteriosa pelo nome de Fair Folk, e que nem sempre são de fiar. O mesmo pensa o druida Broichan, que faz todos os possíveis para separar Bridei e Tuala à medida que ambos vão crescendo.
Sem que Bridei saiba, Broichan faz parte de um conselho secreto que pretende prepará-lo para ser o novo rei quando o actual falecer sem deixar descendência. Bridei tem de se afirmar como homem de pensamento e como guerreiro, e no entender de Broichan não há lugar para Tuala, uma rapariga dos Good Folk, na vida do filho adoptivo. O que se torna complicado quando, já ambos em idade casadoira, Bridei e Tuala se apaixonam… À medida que são afastados, e que Bridei é cada vez mais conduzido para o cerne das intrigas políticas, Tuala sente-se tentada a voltar para a sua espécie, os Good Folk, recordando o momento em que Morgana de Avalon procura refúgio entre as fadas. Quem vencerá? Broichan e a ambição, ou o amor dos dois apaixonados?
Devo dizer que estou cada vez mais impressionada com a evolução na escrita da autora. Se critiquei bastante o primeiro livro, “Daughter of the Forest”, aqui quase não encontro nada para criticar. Bem, talvez uma coisinha. Apesar de Bridei e Tuala serem instruídos e precoces, achei que falavam demasiado como dois adultos em vez de se expressarem como as crianças que eram ainda. Não é que a autora não saiba fazer diálogos de crianças. Uma das passagens mais engraçadas é quando dois miúdos dão cabo da paciência a Tuala:
“Porque é que tens a pele tão branca?”
“És uma bruxa?”
“Consegues transformar-me numa lagartixa?”
É assim que as crianças se expressam, inocentemente e sem rodeios, e isto não quer dizer que não consigam falar de coisas muito sérias. Simplesmente achei que Bridei e Tuala podiam ter falado assim enquanto eram crianças.
“The Dark Mirror” não é muito bom para leitores impacientes. O começo é lento, talvez demasiado lento para quem quer acção logo nas primeiras páginas. As coisas só começam a “aquecer” lá pelo segundo terço da história. Mas vale muito a pena esperar e confiar na autora. Algo que me esqueci de referir quando fiz a crítica à trilogia Sevenwaters, e que deve ser o meu aspecto preferido da obra de Marillier, é que podemos contar sempre com um ou mais momentos perturbadores, daqueles que nos gelam a espinha. Aqui não é excepção, e não vou sequer dizer do que se trata para não criar spoilers na parte mais tensa do livro. São elementos tão pesados que podiam bem figurar numa história de terror. Isto pode não agradar a toda a gente que lê Fantasia Romântica, mas a mim delicia certamente. Se Marillier me conquistou, foi especialmente por aqui.
É preciso também ter em conta que o enredo de “The Dark Mirror” é bastante complexo. Se a trilogia Sevenwaters se passa entre meia dúzia de personagens, aqui temos uma ou várias cortes para memorizar, fora os diversos locais onde se passa a acção, com muitas personagens, vários reis e rainhas e princesas e outros nobres e homens de armas importantes, já para não falar nos druidas e sacerdotisas. Até um padre aparece na história, o primeiro que encontro em Marillier. É mesmo muita gente. Cabe ao leitor ter atenção para perceber quais são os personagens verdadeiramente importantes e agarrar-se a eles para não perder o fio à meada. Marillier faz bem o seu trabalho ao apresentar-nos cada um de sua vez, como deve ser.
O fim surpreendeu-me, confesso. Estava à espera de um cliffhanger. Estou demasiado habituada às séries de televisão, pelos vistos. O final foi satisfatório, embora se adivinhe que a história ainda só começou. Mal posso esperar para ler o resto.