terça-feira, 30 de julho de 2024

The Hole / Medos (2009)

Este é daqueles a que eu chamaria “filme de terror para crianças”, mas há aqui o suficiente para pôr os cabelos em pé a qualquer adulto.
Uma mãe divorciada e os seus dois filhos (Dane, já adolescente, e Luke, com cerca de 10 anos) mudam-se para uma casa nova numa cidade pequena. Quando a mãe vai trabalhar os irmãos descobrem um alçapão na cave, fechado com muitos cadeados. Curiosos, e acreditando que está a tapar alguma conduta de gás, abrem o alçapão e descobrem um buraco negro, frio e sem fim à vista. O buraco é verdadeiramente assustador. Os rapazes tentam medir a profundidade atirando pregos, com uma cana de pesca, com uma câmara, e não conseguem captar nada nem encontrar o fundo. (Bem, captar até captam, mas acabam por não ver o que captam, noutro grande momento de tensão.) Os irmãos não contam à mãe, não pelo motivo habitual de não envolver os adultos porque querem resolver tudo sozinhos, como é tão típico nestes filmes, mas porque têm grandes razões para isso: há muito tempo que não param de se mudar de um lado para o outro e estão fartos de mudanças. Sabem que a mãe vai querer sair dali para fora sem pensar duas vezes assim que descobrir o buraco. (Isto vai ser importante para o mistério do filme.) No entanto, são surpreendidos na cave pela filha dos vizinhos, a adolescente Julie, que concorda que o buraco não é normal e até lhe chama “portal para o inferno”.
Os rapazes querem fechar o alçapão mas este não se deixa trancar novamente. Luke, o miúdo mais novo, começa a ser atormentado por um palhaço de peluche que o aterroriza. Dane tem outros medos a preocupá-lo. Mas a cena mais assustadora do filme, e há muito tempo que um filme não me arrepiava tanto, é a assombração que persegue Julie. Quando esta está sozinha numa casa de banho pública ouve uma menina chorar num dos cubículos. Espreita por baixo da porta e vê os pés de uma criança, um calçado e outro descalço. De repente cai no chão uma pinga de sangue. Julie afasta-se mas a miúda sai para fora, na obscuridade, e aproxima-se, aproxima-se... Julie quer fugir mas a porta da casa de banho está trancada. Quando um grupo de amigas a abrem do lado de fora e entram, a assombração desaparece. Ao contrário do que costuma acontecer, os outros miúdos também conseguem ver o fantasma que assombra Julie e nunca se coloca a questão de estarem a alucinar.
O filme é tenso do princípio ao fim. Só porque parece um filme para miúdos e com miúdos não significa que algo de horrível não possa acontecer a qualquer momento. Por exemplo, Julie tem um cãozinho que se aproxima demasiado do buraco. Ou quando o rapaz mais novo anda a fugir do palhaço de peluche, na cave, quase às escuras, e o buraco ali aberto…
A resolução anda um pouco no campo do “realismo mágico” que já não me agrada tanto, em que tudo é uma lição de vida a ser resolvida psicologicamente. Quase se aproxima do “afinal era tudo uma alucinação” (que pisa perigosamente perto do infame “afinal era tudo um sonho”) mas sem nunca cair nesse buraco, passe o trocadilho. O fim deixa em aberto a possibilidade de uma sequela.
“The Hole” é claramente dirigido a uma audiência mais jovem mas tenho a certeza de que vai causar arrepios à família toda e não aconselho isto a crianças de modo nenhum. Há aqui cenas mesmo assustadoras, daquelas que tiram o sono no escuro.

14 em 20 (pela cena na casa de banho, que me vai ficar na cabeça para sempre)


domingo, 28 de julho de 2024

Arcadia (2023)

Num futuro pós-apocalíptico, depois de sofrer com as alterações climáticas e com um golpe de Estado que alterou o regime, a sociedade de Arcadia é uma comunidade distópica e fechada, fortemente vigiada no estilo “Big Brother”, onde o lema é “cada um tem o que merece”. Todas as pessoas têm implantado um chip obrigatório e são avaliadas a partir dos 18 anos por uma pontuação baseada na utilidade social, emprego, educação… e saúde.
O casal Hendriks e as suas quatro filhas (algumas deles, outras adoptadas) faz parte da classe mais privilegiada e próxima do governo, usufruindo de todas as regalias disponíveis em Arcadia. No entanto, os Hendriks têm um problema: a filha Luz é uma adulta autista, embora funcional, que mal distingue a bondade da maldade, o que é muito perigoso numa sociedade do tipo “1984”. Oficialmente, Arcadia não pratica a eugenia, mas na prática todos os deficientes são ostracizados através das suas pontuações e a dos seus pais. Ser ostracizado em Arcadia significa, em último caso, ser expulso da sociedade para sobreviver Lá Fora dos muros, na floresta selvagem. É o que acontece ao pai Hendriks quando se descobre que este manipulou as pontuações das suas filhas Hannah e Luz de modo a conseguir-lhes uma posição melhor. Num julgamento sumário, Hendriks é posto no exterior com uma mochila e a roupa do corpo, onde não tem qualquer hipótese de subsistir. Toda a família é igualmente castigada, quer soubessem da fraude ou não, perdendo 2 pontos cada um.
As classes menos privilegiadas têm ainda pior sorte. Sem a pontuação necessária não têm direito a uma boa alimentação (por exemplo, leite verdadeiro) nem aos cuidados médicos ou remédios de que precisam (onde é que eu já vi isto?). Quem fica doente perde o emprego, e quem perde o emprego perde pontuação porque não se considera que a pessoa valha o custo-benefício de a manter. Com a pontuação cada vez mais baixa, a pessoa acaba por ser expulsa para Lá Fora, ao que Arcadia chama o eufemismo “exilar”.
Uma das filhas dos Hendrinks, Millie, é uma militar despromovida devido ao processo que atingiu a família e pede transferência para o Serviço de Patrulha Exterior, na esperança de encontrar e ajudar o pai. Graças à ajuda do seu parceiro, Millie descobre que existe uma colónia de sobreviventes na floresta, que subsistem da terra e de tudo o que lhes chega dos exilados de Arcadia, mas subsistem. No entanto, Millie não encontra lá o pai e continua a procurar, arriscando cada vez mais ser descoberta e punida pelos superiores.
Por seu lado, outra das filhas, Alex, polícia igualmente despromovida, é aliciada pelos detractores do pai a envolver-se numa intriga governamental entre facções inimigas na tentativa de ajudar a família que já perdeu a casa e cuja pontuação continua a descer sem explicação (porque o regime também a manipula).
Entretanto, começa a surgir uma Resistência em Arcadia, que desenvolveu uma tecnologia que consegue neutralizar o chip de vigilância. Graças a esta Resistência, por exemplo, pessoas que não teriam direito a um transplante recebem tratamentos clandestinamente. Como enfermeira, Hanna, outra das filhas dos Hendriks, vê-se directamente envolvida nesta tentativa de ajudar as pessoas em necessidade. O lema de Arcadia é “todos têm o que merecem” mas só os ricos e poderosos é que merecem tudo (onde é que eu já vi isto?).
Embora as séries europeias tenham a reputação que têm (muitas vezes injustamente), e ainda pior no canal SyFy, “Arcadia” é uma produção belga/holandesa que vale mesmo a pena ver, embora a língua, a princípio, nos soe bastante estranha (pelo menos a mim pareceu, mas habituei-me rapidamente). O ritmo é rápido, o enredo é tenso, o perigo é real. O final da primeira temporada é um cliffhanger e eu queria muito saber o que vai acontecer a seguir, mas, infelizmente, não me parece que esteja na calha uma segunda temporada. Por outro lado, talvez não seja precisa nenhuma continuação. Neste género de distopias o final acaba por ser um dos dois: a vitória da Resistência, como parece estar a acontecer na versão televisiva de “The Handmaid’s Tale”, ou o assassinato literal ou psicológico de todos os personagens, levados à completa submissão como em “1984”. Mesmo assim, recomendo vivamente.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: Distopia, 1984, ficção-científica, sociedades pós-apocalípticas

 

terça-feira, 23 de julho de 2024

Dark Tide / Águas Profundas (2012)


Em suma, é um filme de tubarões. Kate é uma mergulhadora profissional que tem o dom de saber nadar com tubarões brancos na costa da África do Sul e que faz documentários sobre isso em conjunto com o marido Jeff. É verdadeiramente impressionante porque são tubarões maiores do que uma pessoa, o que é o suficiente para nos pôr de cabelos em pé. Durante um mergulho, acontece algo de muito traumático. Não vou dizer o quê mas saliento que a equipa de mergulhadores tinha por hábito tocar nos tubarões, mexer-lhes na cauda, e até afastá-los com uma mão no focinho quando um deles se aproximava demais. Como se fossem gatinhos. Um dos tubarões parece ir-se embora, mas de seguida volta para trás como quem diz “qual é a tua, meu?”.
Um ano depois, Kate já não nada com tubarões e o seu negócio de guia turística está a ir por água abaixo por causa disso. Kate oferece serviços de visitas guiadas a baleias e focas, mas não tubarões, que é aquilo que os turistas querem. Entretanto também está separada de Jeff, como consequência do que aconteceu, e anda sempre de mau humor (o que não é de estranhar).
É precisamente Jeff quem aparece com uma proposta irrecusável. Um milionário inglês quer pagar 100 mil euros para nadar com tubarões fora da jaula de protecção. A princípio Kate recusa, mas a situação financeira acaba por fazê-la concordar. (Compreendo. Por 100 mil euros eu também mergulhava e até fazia festinhas na barriguinha do tubarãozinho.)
O milionário inglês é arrogante e intratável, uma daquelas pessoas que julga que o dinheiro compra tudo. Pior que isso, trata mal o filho adolescente que nem queria estar ali. Este é claramente daqueles homens a atravessar uma crise de meia-idade, que já fizeram tudo o que queriam na vida e andam à procura de um último desafio. Curiosamente, até nem é esta personagem desagradável que causa a porcaria toda, como costuma ser o cliché.
No primeiro mergulho o milionário sai da jaula, contra as ordens de Kate, e realiza o seu sonho de nadar com tubarões. Dá-se por satisfeito e, por ele, já podiam ir para casa. Mas é então que Kate tem uma grande discussão com o marido, ainda resultado do trauma, em que o acusa de se ir embora e em que ele a acusa de o ter mandado embora, e só para ser casmurra Kate desafia o milionário a mergulhar num local chamado Baía dos Tubarões ou algo assim. Como o nome indica, é um sítio onde os tubarões vão caçar focas e está infestado deles. O milionário aceita entusiasticamente.
O barco não está em boas condições e tem uma avaria súbita, está a anoitecer, e nesse momento começa a formar-se uma tempestade, mas Kate não desiste e o milionário não é homem de dar parte de fraco. O mergulho segue em frente. Os tubarões estão lá. Até parece um desejo suicida fomentado pela culpa.
“Dark Tide” não é para quem tenha horror a sangue, aviso já. O filme tem um grande problema nesta última sequência: é de noite, está escuro, as personagens têm máscaras de mergulho e passa-se debaixo de água turva. Não se percebe o que está a acontecer a quem. Talvez seja de propósito para minimizar o horror, talvez a cena não tenha sido bem pensada. Seja como for, isto tira muito do choque que devia provocar a verdadeiros amantes de filmes de terror.
Há outra parte que não percebi e que parece saída de outro filme e editada aqui por engano. A certa altura acompanhamos uma equipa de pescadores furtivos que mergulham de noite para caçar espécies protegidas. Um deles fica para trás e é apanhado por um tubarão. Quem era esta gente, afinal? A cena é igualmente tão escura que nem se distingue se algum destes personagens tem alguma coisa a ver com Kate ou Jeff. Por outro lado, o filme não é tão interessante que me leve a ver uma segunda vez. Devia-se perceber à primeira. Não percebi, azar. Por alguma razão o filme se chama “dark tide”, e é literalmente escuro. (Pode haver uma razão para esta cena. Se calhar eles estão a caçar na Baía dos Tubarões e isto tenta insinuar que é assim que os tubarões começam a ver os seres humanos como presa? Mas isto já sou eu a inventar. O filme não diz nada disto e também não era preciso arranjar uma causa para o comportamento dos tubarões, até porque o princípio já mostra tudo o que tem de mostrar.)
“Dark Tide” não é o melhor filme de tubarões que vi na vida mas tem um lado dramático que o género não costuma ter, e uma originalidade: a casmurrice e o orgulho ferido da protagonista como causa do problema, o que talvez torne difícil torcer por ela. Mas eu gosto de personagens humanos e complexos, e Kate é apenas isso, alguém a lidar com um trauma e uma culpa que não consegue ultrapassar.
A cena do tubarão que volta para trás é cinco estrelas. Vale o filme todo.

13 em 20


PS1: Acabei por ver o filme duas vezes. Continuo sem perceber o que é que a cena dos pescadores furtivos tem a ver com o resto do filme.

PS2: Nos créditos finais o filme chama a atenção para o facto de que muitas espécies de tubarões estão em extinção. Uma das coisas que podemos fazer para travar isto é deixar de comer espécies protegidas, por exemplo, na sopa de barbatana de tubarão. Sim, a sopa é boa, mas o que fazem aos tubarões é horrível. Pescam-nos, cortam-lhes a barbatana e atiram-nos de novo ao mar ainda vivos, sem poderem nadar e sem se poderem defender dos outros predadores que os comem vivos. Vi com os meus olhos num documentário. Fiquei horrorizada. Entre nós o tubarão é chamado cação e entra na caldeirada. Rejeitem. Informem-se. Os tubarões são necessários ao ecossistema marinho como os leões são necessários na savana. Sim, eu sei que os leões são mais fofinhos e é fácil detestar tubarões, mas o princípio é o mesmo.


domingo, 21 de julho de 2024

Heart’s Blood, de Juliet Marillier

Este foi possivelmente o meu livro preferido de Juliet Marillier. Não é difícil, porque mais parece uma história de terror com meios-fantasmas/meios-zombies e tudo.
Caitrin é uma jovem escriba em fuga. Desde que o pai morreu e a irmã casou, Caitrin ficou à mercê de uns primos distantes que se instalaram em sua casa para reclamar a herança e que a maltratam física e psicologicamente.
Em desespero, Caitrin foge para Oeste, em busca de parentes da sua mãe, mas os seus parcos fundos deixam-na apeada junto à povoação de Whistling Tor, cujos aldeões morrem de medo da colina onde fica a respectiva fortificação do nobre que os devia liderar, Anluan.
Os estalajadeiros contam a Caitrin que Anluan está sob uma maldição centenária. O seu bisavô Nechtan, através de feitiçaria, conjurou um exército de espíritos, a que chamam “a hoste”, para combater nobres vizinhos, mas algo correu mal e Nechtan perdeu o controlo sobre os mortos-vivos assim que estes saíram da colina. A hoste chacinou o inimigo, as pessoas da povoação, e os espíritos atacaram-se uns aos outros. Desde aí, o senhor de Whistling Tor não pode abandonar a fortificação sem perder o poder sobre a hoste.
Mas Caitrin está mesmo desesperada, e desconfia que os parentes malvados a perseguem para que ela case com o primo (de modo a que ele possa ter direito legal à herança). Ao ouvir dizer que Anluan procura um escriba que saiba irlandês e latim para lhe organizar uns documentos antigos, Caitrain prefere enfrentar os fantasmas e procurar emprego seguro.
Assim que chega, Caitrin percebe que algo de muito errado se passa na fortificação, onde só vivem o próprio Anluan, o guerreiro Magnus, que agora faz tudo incluindo a comida, um conselheiro e um monge, uma dama de poucos sorrisos, e um homem (?) de quem só sabemos que já vivia em Whistling Tor antes de Nechtan e da hoste, Olcan (e nada mais nos é dito sobre a natureza desta criatura). Pior um pouco, Caitrin descobre rapidamente que Anluan, Magnus e ela própria são os únicos seres humanos em Whistling Tor. Tirando Olcan, que não é humano mas não sabemos o que é, os outros três são fantasmas, parte da hoste, que simplesmente conseguiram controlar melhor os seus impulsos a ponto de quase conseguirem passar por humanos. (Parece ou não parece uma história de terror?)
O trabalho de Caitrin consiste em traduzir os documentos de Nechtan em busca de um feitiço que anule o primeiro e devolva a hoste ao sítio de onde veio. Mas, entre os pertences do feiticeiro, Caitrin encontra um espelho negro que lhe permite não apenas visualizar como sentir o que Nechtan sentia, por exemplo, ao torturar uma velha senhora e o seu cão de estimação… (Mais terror.) No entanto, no meio de todas estas monstruosidades, Caitrin vê motivos para acreditar que a hoste não é tão desprovida de humanidade como parece e que a chave para a dominar reside na auto-confiança de Anluan, um homem que não acredita nas suas capacidades embora seja o único capaz de manter a hoste sob controlo.
Não seria um livro de Juliet Marillier se isto não desse uma história de amor.
Contudo, e muito importante para a trama e o desenlace, “Heart’s Blood” conta também com um “policial”. Acontece que todas as esposas dos senhores de Whistling Tor morreram em acidentes misteriosos, excepto a mulher de Nechtan (mas não vou revelar como). Logo, existe um assassino à solta em Whistling Tor e a própria Caitrin é alvo de uma ou duas tentativas de assassinato quase conseguidas. Gostei da maneira como Marillier foi deixando pistas para o leitor e consegui estar sempre um passo à frente da heroína em todas as descobertas, até porque quem está de fora consegue ser mais imparcial do que os intervenientes.
Também gostei que desta vez Marillier tenha conseguido criar uma personagem cuja vilania não é a preto e branco como eu nunca tinha encontrado nos livros dela até agora. Por outro lado, a heroína também não é tão perfeita e segura e estóica e tudo e tudo como as anteriores. Não gosto de heroínas tão fortes que nem pareçam reais. Caitrin podia ser real, e isso cria empatia.
Fiquei agarrada à história do princípio ao fim e recomendo a todos os fãs de Juliet Marillier. E não se assustem com os fantasmas/zombies: afinal são apenas almas aprisionadas numa situação que abominam e tudo o que desejam é voltar para onde vieram. “Heart’s Blood” é uma história sensível em todos os sentidos.


terça-feira, 16 de julho de 2024

The Possession / Possuída (2012)

Este foi um daqueles filmes que me escapou, talvez por causa do título e da sinopse: miúda de 10 anos possuída por um demónio, onde é que eu já vi isto? Fiquei agradavelmente surpreendida por “The Possession” não ser uma cópia de “O Exorcista”, embora alguns elementos em comum não possam ser evitados devido à própria natureza da coisa. Tal como “O Exorcista”, “The Possession” alega ser inspirado em acontecimentos verídicos.
Emily, uma menina de 10 anos, compra uma bonita caixa de madeira gravada com letras misteriosas numa venda de garagem. Ao chegar a casa tenta abri-la, inclusivamente pedindo ajuda ao pai, sem sucesso. Só à noite, sozinha com a caixa, descobre o mecanismo para a abrir (ou a caixa deixa-se descobrir) e encontra artefactos estranhos de aspecto antiquíssimo. Emily fica tão agarrada à caixa que começa a levá-la para a escola e torna-se agressiva quando lha tentam tirar. Antes ainda, confessa à irmã mais velha: “Sinto que eu não sou eu”.
Esta é a parte mais interessante e inquietante da possessão. A caixa de madeira prendia um dybbuk, um demónio segundo a mitologia judaica, que procura uma alma inocente de que se alimentar. Uma vez que os pais de Emily se tinham divorciado há pouco tempo, o comportamento estranho da criança é ignorado, a princípio, e os acontecimentos bizarros são atribuídos a causas naturais, como a infestação de traças gigantescas que invade o quarto de Emily. É o pai dela (Jeffrey Dean Morgan) que começa a reparar na mudança de personalidade da filha, que de apática se torna cada vez mais violenta à medida que o dybbuk se apodera dela. Depois de investigar a origem da caixa, é ele quem se dirige à comunidade judaica para pedir um exorcismo.
Não posso dizer exactamente que o filme me aterrorizou, mas algumas cenas fizeram-me olhar em volta, muito pouco à vontade. Nomeadamente a primeira cena, em que ouvimos uma voz não-natural a entoar uma espécie de cântico ou encantamento ou chamamento e percebemos que esta vem de dentro da caixa na casa onde esta estava originalmente. As primeiras cenas de possessão são igualmente perturbadoras, quando o comportamento da miúda começa a mudar. Por alguma razão “O Exorcista” é considerado um dos filmes mais assustadores de sempre. Pouca coisa nos mete mais medo do que pensar que alguém que vive connosco possa ser “substituído” por um ser maligno, literalmente ou de outra maneira. Já para não falar na ideia de uma criança ser possuída por um demónio, que nos põe os cabelos em pé se acreditarmos nessas coisas. Desta forma, “The Possession” é um bom filme no início, que explora bem o tema com personagens convincentes, até começarem os efeitos especiais.
Os efeitos especiais, na minha opinião, por serem excessivos e difíceis de acreditar, estragaram um filme que estava a correr bem e que até estava a assustar-me um bocadinho. (Já não é a primeira vez que contacto com esta história do demónio na caixa mas não me consigo lembrar se foi num conto, num filme, no “Sobrenatural”, na internet, ou em todos os anteriores.) Sim, é verdade, “O Exorcista” também tem efeitos especiais, mas no contexto do filme muitos deles podem ser explicados por alucinações causadas por Pazuzu, o que é uma grande diferença. Em “The Possession” temos todos os clichés de filmes de terror com sustos e caras distorcidas, inclusive o dybbuk, que é representado por uma espécie de Gollum no feminino mas ainda mais feia. Ora, um demónio, tal como um anjo, não é corpóreo, e, como tal, não é visível. Excepto quando decide manifestar-se a nós mortais, e duvido muito que escolhesse manifestar-se assim porque não é com vinagre que se apanham moscas e um ser que existe desde o início dos tempos sabe disto muito bem. Onde “O Exorcista” nos perturbou com terror psicológico, “The Possession” quer assustar-nos com traças a sair da boca da possuída e um demónio visível numa ressonância magnética (o que foi original, admito, mas nada convincente).
Fiquei chocada, isso sim, por não ter reconhecido de imediato Jeffrey Dean Morgan (o John Winchester de “Sobrenatural” e o Negan de “The Walking Dead”) embora a cara me fosse familiar. O filme é de 2012. Entretanto, apesar de o ver tão regularmente não me apercebi do quanto Jeffrey Dean Morgan se tornou irreconhecível. Naturalmente que o actor envelheceu e tem menos cabelo, mas o que me impressionou mais foi que perdeu muito peso nestes últimos 10 anos. Nesta altura era mais rechonchudo.
“The Possession” podia ter sido um grande filme de terror psicológico mas infelizmente fica-se pelo cliché do susto fácil.

14 em 20

 

domingo, 14 de julho de 2024

Great Expectations / Grandes Esperanças (2012)


Mais uma adaptação do clássico de Charles Dickens. Confesso que fiquei muito surpreendida ao consultar o IMDB e verificar que deve ser um dos clássicos mais adaptados ao cinema e à televisão, já para não falar do teatro e outras formas de arte. O que é compreensível. Esta é uma das minhas histórias preferidas de sempre, que eu vi no filme de 1974 durante os meus anos formativos, e foi daquelas histórias que tiveram o poder de moldar a minha visão do mundo, personalidade e valores. Impressiona-me especialmente a figura trágica de Miss Havisham, que desistiu de viver no dia em que foi abandonada “no altar” e que adoptou a bela Estella para se vingar dos homens, fazendo desta uma mulher fria e sedutora que igualmente se encaminha para a desgraça.
Daquilo que me lembro do filme de 1974, era bastante mais sombrio e cínico. Tão literalmente sombrio, aliás, que até parecia ser a preto e branco embora não fosse. Tão cínico que dava a entender que Estella e Pip não ficavam juntos no fim, ambos compreendendo que o passado os tinha separado para sempre.
Esta adaptação de 2012, se posso dizê-lo, é mais optimista, ou melhor, menos pessimista, e parece-me que mais pormenorizada. Helena Bonham Carter é igual a si própria numa maravilhosa e tétrica Miss Havisham, Holliday Grainger (a Lucrécia de “Os Bórgia”) enche o écran numa Estella perfeitamente credível que conquista Pip desde a infância de ambos.
Não deve haver uma adaptação de “Great Expectations” que me desagrade e esta não é excepção.
Agora vou criar vergonha na cara e ler o livro.

15 em 20

 

terça-feira, 9 de julho de 2024

Down a Dark Hall / Corredor Assombrado (2018)

O título em português devia ser “Escola Toda Assombrada” mas também não seria isso a salvar o filme.
Kit é uma de meia dúzia de raparigas com problemas de comportamento e cadastro criminal que são recrutadas para o internato Blackwood. Esta escola promete dar-lhes uma segunda oportunidade e educação de excelência em quatro áreas principais: Música, Pintura, Matemática e Literatura. Até aqui nada de estranho, excepto quando estas raparigas, que nunca tiveram boas notas a coisa nenhuma, começam a desenvolver dons nitidamente geniais. Kit, por exemplo, que mal sabe tocar piano, dá por si a compor sinfonias. As raparigas ficam cada vez mais obcecadas pela criação artística que as consome a ponto de perderem o apetite e o sono. Kit começa a achar estranho e decide investigar os ficheiros de antigas alunas, descobrindo que todas elas eram pessoas com problemas e que todas morreram ou cometeram suicídio. Depois de mais alguma investigação, Kit percebe que tanto ela como as colegas estão a ser possuídas pelos fantasmas de escritores / pintores / músicos / matemáticos que morreram muito jovens e que as usam como veículos para continuarem a criar.
A directora da escola apanha Kit a mexer onde não é permitido e assume tudo isto: sim, os dons vêm do Além e as raparigas deviam sentir-se privilegiadas por serem o veículo. Isto é perverso, mas o que ela diz a seguir é bem verdade: que muitos artistas destruíram as suas vidas com drogas, álcool, desnutrição, para invocarem as Musas sem sucesso, e que dariam tudo para terem a oportunidade de aceder a inspiração sobrenatural. Muito certo, desde que voluntariamente.
O estado de saúde das raparigas da academia deteriora-se cada vez mais e decidem fugir. Até aqui o filme tinha uma boa premissa e estava a ser interessante, mas de repente transforma-se num Poltergeist com todos os clichés e mais alguns. Os fantasmas (e a directora) atacam as raparigas para as impedir de fugir, objectos voam pelo ar, candelabros pegam fogo às cortinas, a mobília cai por todos os lados, o costume. Dá a entender que não souberam como acabar o filme de outra maneira sem tentar “assustar” os espectadores mas em vez de meter medo o filme tornou-se uma seca disparatada. Que desperdício, porque a premissa tinha bastante potencial.
“Down a Dark Hall” é a adaptação do livro homónimo e espero sinceramente que o livro seja melhor do que o filme. Pior é difícil.

12 em 20

 

domingo, 7 de julho de 2024

Interview With The Vampire (série TV, 2022 - ?)

Toda a gente que lê este blog há alguns anos sabe que sou uma FANÁTICA das Vampire Chronicles. Li todos os livros pelo menos duas vezes (excepto o último), vi os dois filmes várias vezes. Há cerca de 15 anos que ouvi falar na produção de “Interview With The Vampire” numa série televisiva e não podia ter ficado mais entusiasmada: finalmente íamos ver a história COMPLETA, com todos os PORMENORES dos livros que fascinaram milhões de fãs em todo o mundo. Falo dos verdadeiros fãs, não daquelas pessoas que viram um filme ou dois e não sabem mais nada da história.
Da mesma forma, não podia ter ficado mais decepcionada, abismada, irritada com a série de que falo aqui e que pode ser tudo menos “Entrevista Com o Vampiro”. Isto não é uma adaptação, isto é fan fic. O que me leva a maior desapontamento ainda com Anne Rice, que sendo produtora executiva teve forçosamente de aprovar todas as alterações. Para quem não sabe, Anne Rice sempre foi contra toda a produção de fan fic (ficção escrita por fãs) do seu trabalho, alegando que deturpavam a história. Mas aparentemente se há dinheiro envolvido já não existe “deturpação”.
O outro problema é: porquê? Porque é que se criou todo um enredo alternativo às Vampire Chronicles quando o original é tão bom e nunca foi adaptado como só uma série de televisão permitiria? Porque é que se quis desiludir milhares de fãs com uma história inferior que atenta contra os elementos mais importantes do original?

Louis de Pointe du Lac
A história começa em 1910. (Porquê, mãezinha, porquê? Porque é que tivemos de perder todo o encanto do século XIX, o século do vampiro?)
Aqui, Louis de Pointe du Lac é crioulo e um proxeneta (dono de bares, casas de prostituição e actividades ilegais em geral). Um Louis crioulo podia ser uma boa ideia, mas a própria questão da raça (incluída por motivos de “diversidade”, algo que nunca teve qualquer relevância no original) coloca contradições gritantes. É Louis quem nos diz que as ruas mal-afamadas de New Orleans eram o único lugar onde um negro podia ser alguém. Por outro lado, o pai dele era dono de uma plantação de açúcar (como no original) que faliu. A família de Louis (mãe, irmã e irmão) é negra e rica. E o pai? Seria branco? Poder-se-á sequer imaginar historicamente que uma família negra pudesse ser dona de uma plantação na Louisiana da altura? * É Louis quem nos diz: não. Então como é que é possível? Mais valia terem retirado completamente a parte da plantação e as coisas faziam mais sentido: Louis de Pointe du Lac, proxeneta, ponto final. (O verdadeiro Louis de Pointe du Lac deve andar às voltas no caixão. Nunca tal criatura sombria e depressiva podia alguma vez estar ligado a negócios de prazer. Aliás, foi esse desprazer com a vida que atraiu Lestat.)
* No segundo visionamento, notei que Louis diz isto sobre a plantação: “Capital acumulado de plantações de açúcar e o sangue de homens que se pareciam com meu bisavô, mas não tinham a sua posição”. Então, a plantação passou para descendentes de escravos? Considerando que seria possível, mesmo assim não invalida a contradição: “as ruas mal-afamadas de New Orleans eram o único lugar onde um negro podia ser alguém”.
Peço desculpa, eu disse que a história começa em 1910. Referia-me ao ano em que Louis conhece Lestat. A série começa nos nossos dias, num dos anos da pandemia, quando Louis, agora instalado no Dubai, convida o jornalista veterano Daniel Molloy para lhe dar uma segunda entrevista 50 anos depois da primeira. Daniel Molloy, que no original também foi transformado em vampiro, está muito mais velho e cínico e sofre de Parkinson. (Esta alteração, por exemplo, não me incomoda muito porque Daniel Molloy nunca foi importante para a história em geral.) Louis, ao que parece, quer corrigir o que disse há 50 anos porque também está mais velho e… mais sábio? Porque mudou de ideias? Porque quer comer Daniel Molloy depois da entrevista? Eu também não sei. A certa altura ambos queimam as gravações em cassete da primeira entrevista, o que não podia ser mais simbólico do que estão a fazer ao trabalho de Anne Rice (com o consentimento da própria). Então este Louis (recuso-me a considerá-lo o “verdadeiro”) começa a contar a história de como era libertino e de como se assumiu como homossexual quando fez sexo com um homem (Lestat). Ui! Isto é mesmo pôr no lixo todos os livros das Vampire Chronicles e deitar-lhes fogo.
Os vampiros de Anne Rice não fazem sexo. O que não quer dizer que não se envolvam em actividades sexuais, mas o êxtase está todo no sangue. Isto não é uma nota de rodapé e não é um pormenor, faz parte da identidade do vampiro de Anne Rice: a imortalidade vem com o preço da perda do prazer sexual, mas o êxtase do sangue supera-o sobremaneira.
Em certos casos, nas Chronicles, alguns vampiros envolvem-se em actividades sexuais com outros vampiros e mortais, o que é sempre representado como uma união profunda, rara, de amor platónico e transcendente, de uma tentativa de voltar a sentir vida. Por exemplo, Lestat e Rowan em “Blood Canticle”. (E sim, temos muitos pormenores bastante explícitos de como estas relações ocorrem, do princípio ao fim. Anne Rice nunca foi exactamente uma púdica.) Transformar isto no mais comezinho da experiência humana é retirar aos vampiros de Anne Rice tudo o que os torna seres únicos e fascinantes, para sempre afastados da humanidade perdida mas nostálgicos por ela, imortais mas amaldiçoados pelo peso da eternidade.
Aliás, a homossexualidade nunca foi escondida nas Chronicles, bem pelo contrário. Muitos vampiros, entre eles Lestat e Marius, assumem-se como bissexuais com todas as letras. Mas Louis nunca o fez e nada nos deu a entender que a sua relação com Lestat não fosse puramente platónica (até ao momento em que Louis o começou a odiar, isto é). A série põe Lestat e Louis a dormirem no mesmo caixão como qualquer casal gay. Isto sim, é fan fic da pior, como certos desenhos que circulam online e que quase me fazem dar razão a Anne Rice quanto à imaginação púbere dos fãs.

Lestat de Lioncourt
Falando no diabo, Lestat é a única personagem que escapa mais ou menos incólume às abominações do enredo. Sam Reid, o actor, consegue personificar o demónio de cabelos loiros como toda a gente o conhece, apesar de o quererem remeter ao papel de marido rabugento que não tem sexo em casa e vai ter com uma amante quando Louis não lhe liga. Isto também é problemático. Lestat nunca se envolve com uma qualquer só pelo sexo. Como no caso de Rowan, o que o atrai a alguns humanos que ele considera extraordinários é um profundo respeito, fascínio e admiração em que o vampiro dá prazer em troca de sangue (ou, no caso contrário, acontecem coisas desagradáveis como em “The Tale of The Body Thief”). Geralmente a amada ou amado são transformados em vampiros também. Não me parece que ele tenha esse respeito imenso pela cantora com que se envolve nesta série.

Claudia
Claudia não é a criança-vampiro de causar pesadelos. É uma miúda de 14 anos, mais ou menos a idade de Armand quando foi transformado. No entanto, com a chegada de Claudia a série começa finalmente a assemelhar-se à dinâmica do original, pelo menos durante uns episódios. Quando a primeira temporada termina, Claudia ainda está viva e o mundo está em plena Segunda Guerra Mundial. Já não são tempos de um Théâtre des Vampires, uma das melhores passagens do livro e do filme. Isto significará que Claudia não morre de todo, o que foi o momento mais dramático e o ponto de não retorno entre Louis e Lestat, já para não falar em Armand? Por outro lado, nesta versão, Armand já não teria razões para destruir Claudia por ser “contra as regras, demasiado nova e dependente para ser um vampiro”. Esta Claudia é bastante auto-suficiente e passa bem por adulta com o vestuário e a maquilhagem apropriada. Aliás, a certa altura ela zanga-se com os “pais” e foge de casa. Nas suas peripécias, conhece outro vampiro de quem se torna amiga e que, tudo dá a entender, a viola de seguida. NÃO! Vampiros não violam vampiros (nem sequer humanos). Primeiro, NÃO CONSEGUEM e não têm prazer sexual. Segundo, a única coisa que lhes interessa noutro vampiro é talvez a amizade, a partilha de um sangue mais potente (como em “Queen of The Damned”), ou a aniquilação do outro por causa do “território de caça”. Obviamente esta gente não leu as Vampire Chonicles e Anne Rice concordou em destruir toda a obra de uma vida. É triste.
Sinceramente, não sei o que estou a ver mas não é “Entrevista Com o Vampiro” de certeza. Pelo menos falaram em Nicholas e Magnus, muito de passagem. Foi pena não terem seguido os livros. Eu teria querido ver o Lestat humano preso na torre, o jovem actor Lestat, e todos os vampiros e vampiras que existiram muito antes de Louis aparecer em cena. O que não queria nada ver era esta abominação. Estou a torcer para que a segunda temporada leve com uma estaca no coração e não apareça à luz do dia. Os verdadeiros fãs fazem melhor em ver o filme do Tom Cruise e do Brad Pitt outra vez.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: NUNCA!

PARA QUEM NÃO GOSTA DE: Anne Rice, The Vampire Chronicles, O Vampiro Lestat, o Vampiro Armand, etc, etc


terça-feira, 2 de julho de 2024

Shark Bait / Perigo Em Alto Mar (2022)

Aqui está a típica história cautelar. O maior desafio deste filme de tubarões é fazer com que alguém se interesse pelos personagens uma vez que tudo o que lhes acontece é culpa deles e resultado de muita estupidez e de muito álcool.
Cinco jovens em férias da Páscoa numa praia no México passam a noite a beber tequila e cerveja, a dançar e a fazer as parvoíces características destes comportamentos juvenis. Penso que muito da nossa simpatia por eles vai depender das nossas experiências semelhantes (ou não) na idade deles.
Ao nascer do sol, em vez de irem para casa, podres de bêbedos, descobrem duas motas de água ancoradas junto à loja de alugueres que àquela hora ainda nem estava aberta. Um deles decide arrombar a porta da loja para ir buscar as chaves das motas (“é só um empréstimo”, justifica) e lá vão eles, a toda a velocidade, tão depressa que em questão de minutos já estão em alto-mar sem terra à vista. Não contentes com isto, e com as acrobacias nas motas de água, começam a fazer um jogo de chicken. O jogo de chicken é uma tradição americana com várias variantes em que se conduzem velozmente dois veículos (carros, barcos, motas) na direcção de um choque frontal. Ganha o último a desviar-se. O outro é o “chicken” (cobarde). É exactamente este jogo estúpido que os dois condutores embriagados decidem que é giro, não apenas uma mas duas vezes. À segunda vez, as motas colidem. Uma delas vai logo ao fundo, deixando os cinco amigos apenas com uma mota e lugar para dois passageiros (embora leve três bem apertados). Um deles parte a perna com uma fractura exposta e espalha-se muito sangue na água. Estão completamente sozinhos no meio do nada, nem sabem para que lado é a costa, e dois deles têm de ficar dentro de água porque não há espaço na mota. Não têm sequer uma garrafa de água e já estão muito desidratados pela bebida. Só têm um telemóvel entre eles (e a sorte de o telemóvel ser à prova de água) mas não têm sinal. Cá para mim eles não tinham qualquer hipótese mesmo sem o tubarão.
Mas é claro que isto não fica por aqui, e um enorme tubarão-branco aproxima-se atraído pelo sangue. O gajo da perna partida é o primeiro a ser comido, e vai por ali fora.
Os sobreviventes cometem vários erros além de todos estes. A certa altura encontram um cadáver semi-comido a boiar num colete salva-vidas junto a um sinal luminoso. Acredito que tenham ficado bastante repugnados com o cadáver, mas chiça, o sinal luminoso era para agarrar logo sem pensar duas vezes! A teoria dos jovens é de que o tubarão afundou o barco para comer o homem. Este tubarão, aparentemente, é um mastermind incansável: afundar um barco quando é muito mais simples alimentar-se de cardumes. Mas a verdade é que não fazemos ideia de onde apareceu este náufrago. O que sabemos é que o sinal luminoso podia ser decisivo para alguma embarcação os ver ao longe. Mais tarde eles acabam por tirar o colete ao cadáver porque uma das meninas insiste que não sabe nadar e precisa dele. Filha, se estás fora de pé, se consegues boiar, se não esbracejas e vais ao fundo, sim, sabes nadar! Tudo o resto é uma questão de forma física e resistência. Todos os nadadores, bons ou maus, vão precisar do colete para descansar.
Mas não se preocupem muito, mesmo com colete a miúda é comida, e mais uma vez os sobreviventes não aproveitam o colete! É frustrante de arrancar os cabelos.
Mesmo assim, este tubarão não larga a mota, sabendo que ainda lá há merendinhas. A certa altura dá uma dentada lateral na mota que apanha a perna de um deles. De outra altura dá um salto acrobático que os atira todos à água.
Isto foi já no dia seguinte e todos parecem em excelentes condições apesar de que por aquela altura já devessem estar bastante desidratados. Mas a parte mais idiota do filme é quando finalmente arranjam o motor. Foi a primeira coisa que tentaram e não conseguiram, talvez por causa da bezana. Mas no dia seguinte conseguem arranjar o motor logo à primeira! Grande sorte, putos!
Apesar disto tudo gostei de algumas coisas neste filme. Primeiro, que a culpa tenha sido toda deles (“isco de tubarão”). Neste género de filmes os personagens metem-se nestas situações absurdas devido a confiança a mais, ou a um pequeno erro que se prova fatal, ou a uma sequência de azares improváveis. Neste caso os miúdos estavam mesmo a pedir sarilhos, com ou sem tubarão. Segundo, geralmente é um género em que se evita mostrar a cena em que o tubarão come a pessoa. Aqui vemos claramente o tubarão a mastigar duas pessoas pelo tronco, como um sapo a mastigar um besouro. Não há gritos porque ao mesmo tempo as pessoas estavam a engolir água. Foi bastante perturbador e horrífico.
Por último, a melhor parte do filme é o final. Se “Shark Bait” passou o tempo todo a basear-se em clichés previsíveis e a aproveitar a estupidez/ignorância/bebedeira das personagens, o fim, por outro lado, é bastante tenso e angustiante. Só sabemos como acaba no último minuto. Gostei.

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