terça-feira, 23 de julho de 2024

Dark Tide / Águas Profundas (2012)


Em suma, é um filme de tubarões. Kate é uma mergulhadora profissional que tem o dom de saber nadar com tubarões brancos na costa da África do Sul e que faz documentários sobre isso em conjunto com o marido Jeff. É verdadeiramente impressionante porque são tubarões maiores do que uma pessoa, o que é o suficiente para nos pôr de cabelos em pé. Durante um mergulho, acontece algo de muito traumático. Não vou dizer o quê mas saliento que a equipa de mergulhadores tinha por hábito tocar nos tubarões, mexer-lhes na cauda, e até afastá-los com uma mão no focinho quando um deles se aproximava demais. Como se fossem gatinhos. Um dos tubarões parece ir-se embora, mas de seguida volta para trás como quem diz “qual é a tua, meu?”.
Um ano depois, Kate já não nada com tubarões e o seu negócio de guia turística está a ir por água abaixo por causa disso. Kate oferece serviços de visitas guiadas a baleias e focas, mas não tubarões, que é aquilo que os turistas querem. Entretanto também está separada de Jeff, como consequência do que aconteceu, e anda sempre de mau humor (o que não é de estranhar).
É precisamente Jeff quem aparece com uma proposta irrecusável. Um milionário inglês quer pagar 100 mil euros para nadar com tubarões fora da jaula de protecção. A princípio Kate recusa, mas a situação financeira acaba por fazê-la concordar. (Compreendo. Por 100 mil euros eu também mergulhava e até fazia festinhas na barriguinha do tubarãozinho.)
O milionário inglês é arrogante e intratável, uma daquelas pessoas que julga que o dinheiro compra tudo. Pior que isso, trata mal o filho adolescente que nem queria estar ali. Este é claramente daqueles homens a atravessar uma crise de meia-idade, que já fizeram tudo o que queriam na vida e andam à procura de um último desafio. Curiosamente, até nem é esta personagem desagradável que causa a porcaria toda, como costuma ser o cliché.
No primeiro mergulho o milionário sai da jaula, contra as ordens de Kate, e realiza o seu sonho de nadar com tubarões. Dá-se por satisfeito e, por ele, já podiam ir para casa. Mas é então que Kate tem uma grande discussão com o marido, ainda resultado do trauma, em que o acusa de se ir embora e em que ele a acusa de o ter mandado embora, e só para ser casmurra Kate desafia o milionário a mergulhar num local chamado Baía dos Tubarões ou algo assim. Como o nome indica, é um sítio onde os tubarões vão caçar focas e está infestado deles. O milionário aceita entusiasticamente.
O barco não está em boas condições e tem uma avaria súbita, está a anoitecer, e nesse momento começa a formar-se uma tempestade, mas Kate não desiste e o milionário não é homem de dar parte de fraco. O mergulho segue em frente. Os tubarões estão lá. Até parece um desejo suicida fomentado pela culpa.
“Dark Tide” não é para quem tenha horror a sangue, aviso já. O filme tem um grande problema nesta última sequência: é de noite, está escuro, as personagens têm máscaras de mergulho e passa-se debaixo de água turva. Não se percebe o que está a acontecer a quem. Talvez seja de propósito para minimizar o horror, talvez a cena não tenha sido bem pensada. Seja como for, isto tira muito do choque que devia provocar a verdadeiros amantes de filmes de terror.
Há outra parte que não percebi e que parece saída de outro filme e editada aqui por engano. A certa altura acompanhamos uma equipa de pescadores furtivos que mergulham de noite para caçar espécies protegidas. Um deles fica para trás e é apanhado por um tubarão. Quem era esta gente, afinal? A cena é igualmente tão escura que nem se distingue se algum destes personagens tem alguma coisa a ver com Kate ou Jeff. Por outro lado, o filme não é tão interessante que me leve a ver uma segunda vez. Devia-se perceber à primeira. Não percebi, azar. Por alguma razão o filme se chama “dark tide”, e é literalmente escuro. (Pode haver uma razão para esta cena. Se calhar eles estão a caçar na Baía dos Tubarões e isto tenta insinuar que é assim que os tubarões começam a ver os seres humanos como presa? Mas isto já sou eu a inventar. O filme não diz nada disto e também não era preciso arranjar uma causa para o comportamento dos tubarões, até porque o princípio já mostra tudo o que tem de mostrar.)
“Dark Tide” não é o melhor filme de tubarões que vi na vida mas tem um lado dramático que o género não costuma ter, e uma originalidade: a casmurrice e o orgulho ferido da protagonista como causa do problema, o que talvez torne difícil torcer por ela. Mas eu gosto de personagens humanos e complexos, e Kate é apenas isso, alguém a lidar com um trauma e uma culpa que não consegue ultrapassar.
A cena do tubarão que volta para trás é cinco estrelas. Vale o filme todo.

13 em 20


PS1: Acabei por ver o filme duas vezes. Continuo sem perceber o que é que a cena dos pescadores furtivos tem a ver com o resto do filme.

PS2: Nos créditos finais o filme chama a atenção para o facto de que muitas espécies de tubarões estão em extinção. Uma das coisas que podemos fazer para travar isto é deixar de comer espécies protegidas, por exemplo, na sopa de barbatana de tubarão. Sim, a sopa é boa, mas o que fazem aos tubarões é horrível. Pescam-nos, cortam-lhes a barbatana e atiram-nos de novo ao mar ainda vivos, sem poderem nadar e sem se poderem defender dos outros predadores que os comem vivos. Vi com os meus olhos num documentário. Fiquei horrorizada. Entre nós o tubarão é chamado cação e entra na caldeirada. Rejeitem. Informem-se. Os tubarões são necessários ao ecossistema marinho como os leões são necessários na savana. Sim, eu sei que os leões são mais fofinhos e é fácil detestar tubarões, mas o princípio é o mesmo.


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