Este filme enganou-me bem enganada e conseguiu mesmo meter-me medo como já não acontecia há muitos anos nem me parece que aconteça tão cedo.
Pensei que era uma prequela de “Annabelle”, a boneca assombrada, e como tudo o que envolve “bonecos assombrados” me lembra “Chucky” não pensei que era para levar a sério. Este foi o meu primeiro engano. O segundo foi que a acção se passa em 1971 e o filme parece mesmo ter sido filmado em 1971 e deixou-me ali um bocadinho confusa se já o tinha visto ou não e se era um clássico e eu o tinha deixado passar.
Afinal até tem um pouco de prequela de “Annabelle”, numa introdução que não tem nada a ver com a história principal e que serve para nos apresentar aos
investigadores do paranormal Ed e Lorraine Warren, que existiram mesmo e até estudaram o caso verdadeiro de Amityville. Esta introdução podia bem ter sido cortada porque não faz falta nenhuma, mas também ajuda a estabelecer a natureza séria do filme (e alimenta a série “Annabelle” que já vai no terceiro episódio!).
O filme é efectivamente retro de propósito, desde o guarda-roupa aos penteados, à linguagem, a toda a atmosfera que podia muito bem ser um “Amityvillle” filmado hoje em dia. Só a presença de Vera Farmiga (a
Norma Bates de “
Bates Motel”) me alertou de que o filme nunca poderia ser de 1971. Parabéns ao realizador James Wan que me enganou bem enganada (porque tenho o hábito de nunca ler nada sobre um filme ou um livro antes de o ver/ler já para não perder este efeito de surpresa).
Vamos então à história principal, muito semelhante a “Amityville”. Um casal com cinco filhas muda-se para uma casa grande e isolada, o sonho da vida deles. Como acontece nestas coisas, não são pessoas de grandes posses e enterraram todas as poupanças na compra da casa, o que significa que não podem simplesmente fugir quando as coisas começam a acontecer.
As coisas começam a acontecer imediatamente. Barulhos, portas a bater, cheiros nauseabundos, algo que puxa os pés de uma das miúdas quando esta está na cama, toda uma sensação de existir uma outra presença na casa. Não é apenas uma presença, são várias. A situação torna-se tão grave e perturbadora que a família passa a dormir na cozinha devido às coisas que acontecem pela casa toda. Em desespero de causa, a mãe decide pedir ajuda a Ed e Lorraine Warren. Os investigadores pesquisam e descobrem que tudo começou com uma suposta bruxa e adoradora de Satanás que viveu na casa e sacrificou o seu próprio recém-nascido ao Diabo, enforcando-se de seguida. Desde aí, a propriedade tornou-se um íman para todo o género de Mal e várias pessoas morreram em circunstâncias inexplicadas, tanto na casa como em seu redor. Por fim, a mãe das miúdas fica possuída, alegadamente pelo espírito da tal bruxa, e necessita de um exorcismo.
Aqui o filme confundiu-me, sinceramente. Lorraine Warren diz que vê uma presença demoníaca na casa, presença essa que também podia ter possuído inicialmente a tal mulher que sacrificou o próprio filho (e que se suicidou de seguida, prova de que não era assim tão “devota” do demonismo). Mas a explicação dos investigadores é que a mãe está possuída pelo fantasma, não pelo demónio. Achei incoerente, não que tenha muita relevância para a acção propriamente dita.
Há duas maneiras de olhar para “The Conjuring”: como uma cópia ou como uma homenagem. O filme vai buscar elementos a “Amityvile”, ao “Exorcista”, a “Poltergeist”, a “The Haunting”, a todos os filmes de possessões e fantasmas e casas assombradas alguma vez feitos, até aos “Pássaros” de Hitchcock, e eu até notei um cheirinho a “The Shining” e tenho a certeza de que não me estou a lembrar de tudo. Quando um realizador apresenta uma coisa tão descarada nunca é uma cópia, é mais uma amálgama. Talvez a originalidade aqui esteja em tentar perceber quantos filmes podiam ser metidos no filme sem que este implodisse. E a verdade é que resulta. Não é um “The Haunting” (o original) nem um “Exorcista”, nada disso, mas assusta eficientemente e tem passagens de arrepiar a sério. Penso que muito desta eficiência se deve ao grande comedimento nos efeitos especiais que nunca parecem histéricos e implausíveis, o que não é costume no mesmo James Wan (igualmente realizador do primeiro “Saw”) que fez “
Insidious”, o tal filme que me pôs literalmente às gargalhadas com o diabo chifrudo. James Wan pode ter muitas qualidades mas a subtileza não é uma delas. Por outro lado, muitos dos filmes em que “The Conjuring” se inspira primam pela subtileza, o que pode ter impedido Wan de se deixar levar pela tentação do disparate. Mesmo assim ainda vemos, por instantes apenas, um demónio em cima de um guarda-fato que na minha opinião não devíamos ter visto. Não me queixo da cadeira levitante durante o exorcismo, porque o que é um exorcismo que se preze sem pelo menos uma cama a levitar, certo?
“The Conjuring” é um filme que nos atira com tudo: casa assombrada, fantasmas, demónios, satanismo, bruxas, possessão, exorcismos, investigadores do paranormal, videntes, pássaros a suicidarem-se contra as janelas, caves e forros de parede secretos, família e crianças em apuros, e de certeza não me estou a lembrar de tudo. É difícil dizer se é este o maior trunfo do filme ou a sua maior falha. Com tantos temas no écran é difícil que um deles não assuste alguém, e a verdade é que me meteu medo. Parabéns.
Por outro lado, por esta mesma razão da amálgama, não posso dizer que seja um grande filme. Há momentos em que no meio dos sub-enredos a tensão se perde, o que nunca deve acontecer num filme de terror, e o mais grave é que se perde ainda mais na previsibilidade do final.
Mesmo assim, “The Conjuring” é um filme para se ver com respeito, que oferece o que promete sem recorrer a sustos fáceis e efeitos especiais disparatados.
14 em 20
(Já depois de escrever este artigo andei à procura de uma imagem para o post. Descobri a fotografia do tal “demónio em cima de um guarda-fato”, que afinal é o fantasma da bruxa muito demonizado. Como disse, só vemos isto durante um instante, nem dá para perceber muito bem o que é. Mas se é a bruxa, não faz sentido. A mulher enforcou-se, o que significa que sentiu culpa e remorsos. Não é dada outra razão. Porque há-de andar agora a sua alma penada a possuir pessoas para fazerem o mesmo? Não há motivação e não bate a bota com a perdigota. Tirei um ponto.)