domingo, 30 de junho de 2024

Flatliners / Linha Mortal (2017)

Confesso que não me recordo dos pormenores do primeiro “Flatliners” de 1990 (com Kiefer Sutherland, Kevin Bacon e Julia Roberts). Recordo que foi um filme original, daqueles que nunca mais se esquece.
Foi por isso com muita curiosidade que vi este remake. Como sempre, a questão é: vale a pena fazer o remake de um filme de culto?
A premissa é a mesma. Courtney é uma estudante de medicina obcecada com a vida depois da morte uma vez que perdeu a irmã mais nova num acidente de viação. Conseguindo recrutar alguns colegas relutantes, convence-os a provocar-lhe uma paragem cardíaca seguida de ressuscitação de modo a fazerem um scan ao cérebro depois da morte, quando ainda se detectam algumas sinapses activas.
A experiência tem como efeito imediato uma melhoria das funções cognitivas a nível de inteligência e memória, bem como uma espécie de euforia em relação à vida. Isto faz com que os outros colegas desejem muito participar no estudo.
O “efeito secundário” nefasto é que os estudantes que “foram” à vida depois da morte começam a ser perseguidos por “fantasmas” do passado que os atormentam. É aqui que o filme perde a originalidade toda e se transforma num filme de terror banal. Ainda por cima não faz grande sentido. Devia ser um filme sobre o Além. Ninguém que vê este filme está interessado em fantasmas do passado tipo “Final Destination”. Conclusão: mais um remake para esquecer.
Só duas notas positivas: Kiefer Sutherland no papel de chefe de departamento, com toda a malvadez e ameaça de que só Kiefer Sutherland é capaz, e Nina Dobrev (sim, essa mesmo!) como estudante de medicina. Pensando melhor, até vale a pena ver o filme só por estes dois…

12 em 20

 

terça-feira, 25 de junho de 2024

Color Out Of Space / A Cor Vinda do Espaço (2019)

Ver este filme é sempre compará-lo ao clássico de H. P. Lovecraft, uma das poucas histórias do mestre que realmente me meteu medo. Conseguirá o filme fazer o mesmo?
A resposta, infelizmente, é não. Se calhar porque eu já sabia a história, se calhar porque Lovecraft vai criando todo um ambiente que se adensa e nos sufoca a ponto de acreditarmos na narração, se calhar porque o horror parte de pequenos indícios até chegar às revelações aterradoras.
A história é basicamente a mesma, se bem que nos dias de hoje: um meteorito cai em frente a uma quinta e coisas estranhas começam a acontecer. De seguida, o meteorito é absorvido pelo terreno, poluindo a terra e as águas.
Tentou-se fazer um terror moderno: o pai e a mãe que vão perdendo a cabeça, os animais que desaparecem ou, pior, os automóveis que não pegam e não deixam os protagonistas fugir quando é preciso.
O que me meteu mesmo medo, no original, foi o poço. O poço é um vampiro que seduz as pessoas e animais a lançarem-se nele sem que tenham vontade própria. Isto assustou-me, admito.
Aqui penso que a questão do poço foi subaproveitada. O filme focou-se mais na loucura do pai, tipo “The Shining”, e num horror gore desnecessário que toda a gente já viu.
Aconselho a todos a ler o original, datado e tudo, antes de ver este filme. O conto é mesmo muito mais assustador! Em suma, não desgostei, mas o mestre é o mestre.
Uma última nota: a rapariga da casa pratica Wicca com o Necronomicon. Durante anos julguei que o Necronomicon fosse um livro a sério. Não é. Não caiam na esparrela.

14 em 20

 

domingo, 23 de junho de 2024

A Aldeia Suspensa, de Joaquim Semeano

“A Aldeia Suspensa” é um livro de 2015 do autor Joaquim Semeano, que entretanto já publicou mais coisas.
Esta não é uma história no sentido tradicional, diria mais que é o sonho de uma história ou, melhor, uma história sonhada em que nem tudo tem de fazer sentido. Quase lhe chamaria Surrealismo, mas o surreal (ou até mesmo o Realismo Mágico) assenta numa base real que por vezes não se encontra aqui, pelo que prefiro chamar-lhe Irrealismo (se o género não existe passa a existir), obviamente inserido no grande espectro da literatura Fantástica.
Li o livro duas vezes, uma delas no mesmo dia porque é curto, e teria muita dificuldade em resumir a “história”. Existe uma aldeia “encantada”, por falta de melhor termo, onde aparece uma mansão (ou será castelo ou ruína?) que nem todos conseguem ver ou encontrar, pessoas e entidades que aparecem e desaparecem, seres do bosque ou gnomos (mas nada de infantil), personagens à procura da realidade ou da fantasia. Noto aqui muito das Mil e Uma Noites (tirando o fio condutor e inequívoco entre as várias histórias, que aqui quase não existe) e de uma abordagem filosófica nas personagens que andam à procura da realidade como da luz que dissipa as sombras na caverna de Platão. Não vou falar da bidimensionalidade das personagens porque claramente não são personagens propriamente ditas, humanas e de carne e osso, mas arquétipos: a Mulher Misteriosa (ou várias?), o Padre, a Cigana, o Feiticeiro, o Filósofo, o Neófito, etc.
As personagens são mais que muitas e passamos tão pouco tempo com elas que só desenhando um esquema conseguiria acompanhar as relações que as ligam, e nem mesmo assim porque não se compreende com suficiente clareza que cenas aconteceram no passado ou no presente. Não tenho bem a certeza se era mesmo o propósito, mas é o que acontece: algumas coisas percebem-se (mais ou menos), outras não. O que direi de Joaquim Semeano como autor (a quem eu não conhecia e de quem nunca tinha lido nada) é que é um escritor veterano com um excelente domínio da linguagem, dizendo exactamente o que quer dizer sem cair em indulgências de prosa poética em demasia, pelo que depreendo que é de propósito.
 “A Aldeia Suspensa” não será o livro mais adequado para quem gosta de histórias no sentido tradicional, deverá ser antes encarado como uma experiência onírica que cada um interpretará como a imaginação lhe ditar. Tal como num sonho, tive de escrever esta crítica o mais depressa possível antes que o sonho se desvaneça. Não é o meu tipo de leitura mas gostei de variar.


Onde comprar: https://www.amazon.com/Aldeia-Suspensa-aventura-ilusão-Portuguese/dp/1507731345

Página do autor: https://joaquimsemeano.pt



terça-feira, 18 de junho de 2024

The Grey / A Presa (2011)

Esta é a história de sobrevivência de um homem destroçado que no dia anterior pensava em pôr termo à vida. Ottway trabalha para uma exploração petrolífera no Alasca, onde a sua tarefa é matar os lobos cinzentos que se aproximem demasiado (daí o título), enquanto sofre o trauma de ter perdido a mulher em circunstâncias que só percebemos no fim.
No último dia de trabalho, antes de o Inverno se instalar “a sério”, os homens da exploração são levados de avioneta para a cidade mais próxima. Uma tempestade despenha a avioneta no meio da floresta deserta, na neve, no frio, sem alimentos nem roupas tirando as que trazem vestidas, e sem armas. Só restam sete sobreviventes.
Atraída pelo cheiro a morte e sangue, uma alcateia de lobos depressa os cerca e ataca. A única pessoa capaz de manter uma defesa eficaz é efectivamente o caçador profissional. A alcateia ataca sempre o último da fila, o mais fraco, e não desiste de os perseguir. Conseguirão sobreviver a um inimigo muito mais adaptado ao ambiente e em números superiores?
”The Grey” é um filme desconfortável e perturbador que nos recorda a humildade que devemos ter para com a natureza e que tem de ser visto com preparação psicológica adequada.

18 em 20

domingo, 16 de junho de 2024

The Midnight Club (2022)

Esta não será uma série fácil de ver para algumas pessoas. É a história de um grupo de adolescentes com cancro que vivem numa instituição para jovens terminais. À meia noite, um grupo deles encontra-se na biblioteca e participa no tal Midnight Club, onde cada um tem de contar uma história aos outros. Os membros do clube têm um pacto: o primeiro a morrer tem de tentar enviar uma mensagem a provar que existe vida para além da morte.
Algo nesta série me recordou o clássico “O Clube dos Poetas Mortos”, mas muito mais literalmente. A invocação que dá início aos trabalhos é um brinde bastante tocante:
“Aos que vieram antes e aos que virão depois.
A nós agora e aos do Além.
Visíveis ou invisíveis. Aqui, mas não aqui.”
Ilonka é uma excelente aluna de 17 anos, prestes a entrar numa universidade de prestígio e com a vida toda à sua frente, quando é diagnosticada com cancro da tiróide. Um ano depois, quando os tratamentos fracassam, Ilonka pesquisa na internet sobre a instituição da Dra. Stanton para jovens terminais, onde, nos anos 60, uma rapariga igualmente diagnosticada com cancro da tiróide desapareceu durante uma semana e regressou curada. Ilonka inscreve-se nessa esperança, mas depressa descobre que o companheirismo entre outros jovens na mesma situação é quase tão valioso como uma cura. Afinal, apesar das limitações do cancro, ainda há algum tempo para viver.
No entanto, Ilonka mantém a esperança de descobrir o segredo que curou a rapariga dos anos 60, o que a leva a envolver-se com um grupo de adeptos de remédios naturais cujas práticas não são tão inofensivas como parecem.
Como história de terror, “The Midnight Club” não resulta muito bem. Chegando ao fim da série podemos mesmo perguntar-nos se alguma coisa do que aconteceu teve base sobrenatural ou não. Os miúdos têm visões, especialmente de uma sombra que os persegue e que todos identificam como a morte a vir buscá-los, mas por outro lado concordam que as visões podem ser resultado das carradas de medicação que têm de tomar e da ansiedade natural que a situação lhes causa. No último episódio pode aparecer ou não o tal “sinal do outro mundo”, mas é tão facilmente explicável por motivos plausíveis que fica à interpretação de cada um. O terror, aqui, é mesmo um terror muito natural: são miúdos que ainda mal começaram a viver e que já estão a morrer.
Penso que o ponto fraco desta série foram mesmo as histórias. Em todos os episódios vemos a história que está a ser contada. O Clube prefere as histórias de terror (porque “é difícil assustar quem já recebeu as piores notícias que podia receber”) mas os géneros podem variar do policial à ficção científica. De cada vez que uma história é contada quase nos esquecemos do enredo principal. É verdade que estas histórias vão ser importantes para compreendermos um dos episódios mais surrealistas, mas se cortássemos radicalmente as histórias a série ficaria reduzida a dois ou três episódios mais potentes sobre as vidas das personagens propriamente ditas.
Mesmo assim, “The Midnight Club” é uma série sensível que encara a morte de frente e até as histórias contadas pelos personagens fazem grandes momentos de televisão. Recomendo vivamente.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: The Haunting of Hill House, The Fall of The House of Usher, Midnight Mass, Mike Flanagan, cultos

 

terça-feira, 11 de junho de 2024

The Final Destination / ou melhor, Final Destination 4 (2009)


Não admira que eu tenha perdido este filme, confundindo-o com o primeiro porque os realizadores quiseram ser espertos e não lhe puseram o 4 à frente.
A história é a mesma. Desta vez durante uma corrida de automóveis, alguém tem uma premonição de um terrível acidente que vai matar centenas do público a assistir nas bancadas. Como sempre, o histerismo da pessoa que tem a visão faz com que meia dúzia de espectadores saiam do recinto, mesmo a tempo de sobreviver. Como sempre, estes sobreviventes estão agora na lista da Morte e os acidentes bizarros começam a acontecer.
Ao contrário de “Final Destination 3”, aqui os protagonistas estão muito mais às cegas. A confusão do acidente foi tão grande que nem sequer sabem qual é a ordem das mortes. No entanto, sem se perceber porquê, também têm a ideia de interromper o ciclo salvando um dos próximos da lista.
Houve aqui uma coisa que não percebi (e não posso explicar melhor porque seria um grande spoiler), mas há uma cena em que os protagonistas lêem num jornal que um automóvel descontrolado entrou pela montra de um café adentro e matou três pessoas. Mas isto só acontece muito mais tarde. Será que este “jornal” foi outra premonição em que ninguém reparou? Custa-me a crer, considerando a importância das visões nestes filmes. Alguém que me explique, por favor.
“Final Destination 4” (recuso-me a chamar-lhe outra coisa) é uma cópia pouco inspirada dos filmes anteriores e de todos o menos interessante. Talvez seja também o mais pretensioso, não querendo incluir-se no lote de 1 a 4.
O que podemos esperar daqui são os acidentes bem orquestrados: a torneira que começa a pingar, a água que entra numa máquina e provoca um curto-circuito, a máquina que se move em virtude disso e bate noutra coisa, que por sua vez toca noutra coisa… e a morte acontece de onde menos se espera. Neste aspecto “Final Destination 4” promete e cumpre. Nada de original, mas aconselho a todos os amantes da série.

13 em 20

domingo, 9 de junho de 2024

Final Destination 3 / O Último Destino 3 (2006)

Depois deste filme, ninguém me apanha numa montanha-russa nunca mais!
Confesso, nunca fui grande fã, mas uma vez fui à Feira Popular (quando ainda existia a saudosa Feira Popular em Lisboa!) com um namorado que me convenceu a experimentar com a lengalenga “se nunca experimentaste como é que sabes que não gostas, etc”. A montanha-russa tinha um loop. Eu percebi logo que não ia gostar do loop. Mas as coisas que uma pessoa faz por amor.. ou para manter a relação. DETESTEI O LOOP. Não vomitei, não gritei, não entrei em pânico nem nada, mas detestei a sensação. Do resto até gostei, mas estar de cabeça para baixo, não! Ainda não tínhamos acabado a viagem e eu já lhe estava a dizer: “Nunca mais! Nunca mais! Nunca mais!”
E ainda não tinha visto este filme.
Como a minha histórinha pretende demonstrar, “Final Destination 3” é sobre uma rapariga que tem uma premonição de um desastre horripilante ao entrar na montanha-russa, causando com que algumas pessoas saiam a tempo. Estes sobreviventes começam depois a morrer um por um em acidentes super-bizarros.
Outra para a minha lista de NUNCA MAIS: nunca me apanharão numa daquelas máquinas de bronzear, até porque nunca as considerei saudáveis e são uma boa maneira de convidar um cancro de pele. Mas depois deste filme, nunca mesmo!
Um dos sobreviventes descobre uma notícia sobre o desastre do voo 180 (primeiro filme) e está convencido de que conseguem interromper a cadeia de mortes se forem capazes de salvar um que seja. Mas será que a Morte abandona a lista assim tão depressa? Ou deixa esse para mais tarde?
Tenho de dar os parabéns a este filme porque nos conseguiu fazer interessar pelos personagens antes de eles começarem a morrer. Começa a ser cada vez mais raro e há que dar o devido crédito.
O mais interessante nos filmes “Final Destination” é a sua componente existencial. Todos sabemos qual vai ser o nosso Último Destino. Uma das personagens diz que desde a premonição sente algo sempre com ela. Muitos de nós sentem também. É uma razão para aproveitar mais a vida. Ou não.
Não recomendo a pessoas sensíveis.

14 em 20 (a cena da premonição na montanha-russa é mesmo de arrepiar)

sexta-feira, 7 de junho de 2024

The Conjuring / A Evocação (2013)


Este filme enganou-me bem enganada e conseguiu mesmo meter-me medo como já não acontecia há muitos anos nem me parece que aconteça tão cedo.
Pensei que era uma prequela de “Annabelle”, a boneca assombrada, e como tudo o que envolve “bonecos assombrados” me lembra “Chucky” não pensei que era para levar a sério. Este foi o meu primeiro engano. O segundo foi que a acção se passa em 1971 e o filme parece mesmo ter sido filmado em 1971 e deixou-me ali um bocadinho confusa se já o tinha visto ou não e se era um clássico e eu o tinha deixado passar.
Afinal até tem um pouco de prequela de “Annabelle”, numa introdução que não tem nada a ver com a história principal e que serve para nos apresentar aos investigadores do paranormal Ed e Lorraine Warren, que existiram mesmo e até estudaram o caso verdadeiro de Amityville. Esta introdução podia bem ter sido cortada porque não faz falta nenhuma, mas também ajuda a estabelecer a natureza séria do filme (e alimenta a série “Annabelle” que já vai no terceiro episódio!).
O filme é efectivamente retro de propósito, desde o guarda-roupa aos penteados, à linguagem, a toda a atmosfera que podia muito bem ser um “Amityvillle” filmado hoje em dia. Só a presença de Vera Farmiga (a Norma Bates de “Bates Motel”) me alertou de que o filme nunca poderia ser de 1971. Parabéns ao realizador James Wan que me enganou bem enganada (porque tenho o hábito de nunca ler nada sobre um filme ou um livro antes de o ver/ler já para não perder este efeito de surpresa).
Vamos então à história principal, muito semelhante a “Amityville”. Um casal com cinco filhas muda-se para uma casa grande e isolada, o sonho da vida deles. Como acontece nestas coisas, não são pessoas de grandes posses e enterraram todas as poupanças na compra da casa, o que significa que não podem simplesmente fugir quando as coisas começam a acontecer.
As coisas começam a acontecer imediatamente. Barulhos, portas a bater, cheiros nauseabundos, algo que puxa os pés de uma das miúdas quando esta está na cama, toda uma sensação de existir uma outra presença na casa. Não é apenas uma presença, são várias. A situação torna-se tão grave e perturbadora que a família passa a dormir na cozinha devido às coisas que acontecem pela casa toda. Em desespero de causa, a mãe decide pedir ajuda a Ed e Lorraine Warren. Os investigadores pesquisam e descobrem que tudo começou com uma suposta bruxa e adoradora de Satanás que viveu na casa e sacrificou o seu próprio recém-nascido ao Diabo, enforcando-se de seguida. Desde aí, a propriedade tornou-se um íman para todo o género de Mal e várias pessoas morreram em circunstâncias inexplicadas, tanto na casa como em seu redor. Por fim, a mãe das miúdas fica possuída, alegadamente pelo espírito da tal bruxa, e necessita de um exorcismo.
Aqui o filme confundiu-me, sinceramente. Lorraine Warren diz que vê uma presença demoníaca na casa, presença essa que também podia ter possuído inicialmente a tal mulher que sacrificou o próprio filho (e que se suicidou de seguida, prova de que não era assim tão “devota” do demonismo). Mas a explicação dos investigadores é que a mãe está possuída pelo fantasma, não pelo demónio. Achei incoerente, não que tenha muita relevância para a acção propriamente dita.
Há duas maneiras de olhar para “The Conjuring”: como uma cópia ou como uma homenagem. O filme vai buscar elementos a “Amityvile”, ao “Exorcista”, a “Poltergeist”, a “The Haunting”, a todos os filmes de possessões e fantasmas e casas assombradas alguma vez feitos, até aos “Pássaros” de Hitchcock, e eu até notei um cheirinho a “The Shining” e tenho a certeza de que não me estou a lembrar de tudo. Quando um realizador apresenta uma coisa tão descarada nunca é uma cópia, é mais uma amálgama. Talvez a originalidade aqui esteja em tentar perceber quantos filmes podiam ser metidos no filme sem que este implodisse. E a verdade é que resulta. Não é um “The Haunting” (o original) nem um “Exorcista”, nada disso, mas assusta eficientemente e tem passagens de arrepiar a sério. Penso que muito desta eficiência se deve ao grande comedimento nos efeitos especiais que nunca parecem histéricos e implausíveis, o que não é costume no mesmo James Wan (igualmente realizador do primeiro “Saw”) que fez “Insidious”, o tal filme que me pôs literalmente às gargalhadas com o diabo chifrudo. James Wan pode ter muitas qualidades mas a subtileza não é uma delas. Por outro lado, muitos dos filmes em que “The Conjuring” se inspira primam pela subtileza, o que pode ter impedido Wan de se deixar levar pela tentação do disparate. Mesmo assim ainda vemos, por instantes apenas, um demónio em cima de um guarda-fato que na minha opinião não devíamos ter visto. Não me queixo da cadeira levitante durante o exorcismo, porque o que é um exorcismo que se preze sem pelo menos uma cama a levitar, certo?
“The Conjuring” é um filme que nos atira com tudo: casa assombrada, fantasmas, demónios, satanismo, bruxas, possessão, exorcismos, investigadores do paranormal, videntes, pássaros a suicidarem-se contra as janelas, caves e forros de parede secretos, família e crianças em apuros, e de certeza não me estou a lembrar de tudo. É difícil dizer se é este o maior trunfo do filme ou a sua maior falha. Com tantos temas no écran é difícil que um deles não assuste alguém, e a verdade é que me meteu medo. Parabéns.
Por outro lado, por esta mesma razão da amálgama, não posso dizer que seja um grande filme. Há momentos em que no meio dos sub-enredos a tensão se perde, o que nunca deve acontecer num filme de terror, e o mais grave é que se perde ainda mais na previsibilidade do final.
Mesmo assim, “The Conjuring” é um filme para se ver com respeito, que oferece o que promete sem recorrer a sustos fáceis e efeitos especiais disparatados.

14 em 20

(Já depois de escrever este artigo andei à procura de uma imagem para o post. Descobri a fotografia do tal “demónio em cima de um guarda-fato”, que afinal é o fantasma da bruxa muito demonizado. Como disse, só vemos isto durante um instante, nem dá para perceber muito bem o que é. Mas se é a bruxa, não faz sentido. A mulher enforcou-se, o que significa que sentiu culpa e remorsos. Não é dada outra razão. Porque há-de andar agora a sua alma penada a possuir pessoas para fazerem o mesmo? Não há motivação e não bate a bota com a perdigota. Tirei um ponto.)


domingo, 2 de junho de 2024

Jane Eyre, de Charlotte Brontë


Este livro é muito mais longo do que eu pensava, se calhar porque a maioria das adaptações cinematográficas se focam na parte mais interessante e cortam o resto. O estilo é o típico Romantismo do séc. XIX, muito datado, com linguagem perfeitamente obsoleta, onde não falta sequer o “querido leitor”. Mesmo assim, Charlotte Brontë escreve apenas da perspectiva de Jane Eyre, como se fosse um diário.
A parte “mais interessante”, isto é, o romance entre Jane Eyre e Mr. Rochester ocupa a maior parte do livro, mas Charlotte Brontë dedica bastantes capítulos ao que aconteceu antes e depois (na minha opinião demasiados capítulos, mas era o estilo da época). Jane Eyre é uma órfã que vai viver com os tios, mas a tia por afinidade não gosta dela e manda-a para um colégio interno onde as meninas passam fome, frio, privações e castigos humilhantes. A melhor amiga de Jane morre de tuberculose. Sem dúvida que a adversidade lhe forjou um carácter forte, resistente, independente mas também determinado, o que por vezes se torna em obstinação e orgulho. Mesmo assim, Jane consegue prosperar e acaba por tornar-se professora na escola onde estudou. Perto dos 18 anos decide ampliar as suas perspectivas, candidatando-se a um lugar de preceptora. É assim que é contratada para a casa de Mr. Rochester, para ser ama e professora da pequena Adele, que pode ou não ser filha ilegítima do dono da casa (tudo indica que não é).
Nos dias de hoje, Mr. Rochester estaria preso. Para começar, tem a mulher louca confinada ao sótão. Apesar de casado, tenta casar de novo, em bigamia, primeiro com uma herdeira da sociedade, depois com a própria Jane. O homem é antipático, prepotente, egoísta, devasso, e em tudo tóxico e abusivo. Mas enfim, é outro século, e Jane Eyre apaixona-se por ele a quem considera, em vez disto tudo, muito “másculo”. Porém, depois de uma tentativa de matrimónio interrompida pelo irmão da esposa legítima de Rochester, este tenta convencer (se não mesmo obrigar) Jane a tornar-se sua amante. Jane tem de fugir a meio da noite, com o pouco dinheiro que Rochester já lhe pagou pelos serviços de ama (mas não todo), como qualquer vítima de violência doméstica. E, no entanto, a pobre vítima ainda tem pena dele, o “pobre” homem “perdido” e “condenado” a uma vida de devassidão e pecado sem ela.
Aqui a história toma um rumo bastante conveniente, quase um conto de fadas. Jane Eyre vai parar a casa de uns benfeitores que mais tarde descobre serem seus primos, e herda a fortuna que lhe foi deixada por um tio que vivia na Madeira. Um dos primos, St. John, quer ser missionário na Índia e está apaixonado por uma menina rica mas considera-a demasiado mimada para ser uma boa esposa de missionário. Mais uma vez Jane Eyre é o alvo do pedido de casamento, não por amor mas por ser competente. Tudo isto a leva de volta para os braços arrependidos de Mr. Rochester, que se declara redimido devido aos castigos que sofreu. Inclusivamente ele diz que nunca a quis forçar a ser amante dele, mas não foi isso que ela percebeu na altura (nem eu, para ser muito honesta).
Um exemplo do “grande amor Romântico”? Sinceramente não acho, comparando com outros grandes clássicos em que o herói tinha pelo menos algumas virtudes. A única virtude de Rochester foi ter acolhido Adele, e mesmo assim não lhe tem grande afecto. Jane Eyre deve ter algo de “complexo do salvador” para correr para os braços dele outra vez, coitadinho, cego e mutilado depois do incêndio, sem ponderar que Rochester e St. John não são os únicos homens no mundo (embora não houvesse internet na altura, sempre havia vida social…).
Conclusão: lamento dizê-lo mas muitas vezes a leitura se tornou aborrecida, não por ser datada ou ao estilo da época, mas porque não consegui empatizar com a interioridade psicológica de Jane. Até as partes mais sinistras (todo o aspecto de haver uma louca escondida a pôr fogo à casa) não conseguiram produzir o efeito de suspense que deviam. As adaptações cinematográficas têm sido muito mais bem sucedidas, como por exemplo esta, limpando a história de toda a palha supérflua e aproveitando a força da ideia original, força essa que quase passa despercebida no livro e que se vai perdendo aos poucos até à última página.
“Jane Eyre”, em livro, é um clássico que não resistiu ao tempo. Nesse aspecto Charlotte Brontë não esteve à altura do grande romance da sua irmã Emily Brontë, “Wuthering Heights”, que ainda hoje causa a ressonância do início.