domingo, 2 de junho de 2024
Jane Eyre, de Charlotte Brontë
Este livro é muito mais longo do que eu pensava, se calhar porque a maioria das adaptações cinematográficas se focam na parte mais interessante e cortam o resto. O estilo é o típico Romantismo do séc. XIX, muito datado, com linguagem perfeitamente obsoleta, onde não falta sequer o “querido leitor”. Mesmo assim, Charlotte Brontë escreve apenas da perspectiva de Jane Eyre, como se fosse um diário.
A parte “mais interessante”, isto é, o romance entre Jane Eyre e Mr. Rochester ocupa a maior parte do livro, mas Charlotte Brontë dedica bastantes capítulos ao que aconteceu antes e depois (na minha opinião demasiados capítulos, mas era o estilo da época). Jane Eyre é uma órfã que vai viver com os tios, mas a tia por afinidade não gosta dela e manda-a para um colégio interno onde as meninas passam fome, frio, privações e castigos humilhantes. A melhor amiga de Jane morre de tuberculose. Sem dúvida que a adversidade lhe forjou um carácter forte, resistente, independente mas também determinado, o que por vezes se torna em obstinação e orgulho. Mesmo assim, Jane consegue prosperar e acaba por tornar-se professora na escola onde estudou. Perto dos 18 anos decide ampliar as suas perspectivas, candidatando-se a um lugar de preceptora. É assim que é contratada para a casa de Mr. Rochester, para ser ama e professora da pequena Adele, que pode ou não ser filha ilegítima do dono da casa (tudo indica que não é).
Nos dias de hoje, Mr. Rochester estaria preso. Para começar, tem a mulher louca confinada ao sótão. Apesar de casado, tenta casar de novo, em bigamia, primeiro com uma herdeira da sociedade, depois com a própria Jane. O homem é antipático, prepotente, egoísta, devasso, e em tudo tóxico e abusivo. Mas enfim, é outro século, e Jane Eyre apaixona-se por ele a quem considera, em vez disto tudo, muito “másculo”. Porém, depois de uma tentativa de matrimónio interrompida pelo irmão da esposa legítima de Rochester, este tenta convencer (se não mesmo obrigar) Jane a tornar-se sua amante. Jane tem de fugir a meio da noite, com o pouco dinheiro que Rochester já lhe pagou pelos serviços de ama (mas não todo), como qualquer vítima de violência doméstica. E, no entanto, a pobre vítima ainda tem pena dele, o “pobre” homem “perdido” e “condenado” a uma vida de devassidão e pecado sem ela.
Aqui a história toma um rumo bastante conveniente, quase um conto de fadas. Jane Eyre vai parar a casa de uns benfeitores que mais tarde descobre serem seus primos, e herda a fortuna que lhe foi deixada por um tio que vivia na Madeira. Um dos primos, St. John, quer ser missionário na Índia e está apaixonado por uma menina rica mas considera-a demasiado mimada para ser uma boa esposa de missionário. Mais uma vez Jane Eyre é o alvo do pedido de casamento, não por amor mas por ser competente. Tudo isto a leva de volta para os braços arrependidos de Mr. Rochester, que se declara redimido devido aos castigos que sofreu. Inclusivamente ele diz que nunca a quis forçar a ser amante dele, mas não foi isso que ela percebeu na altura (nem eu, para ser muito honesta).
Um exemplo do “grande amor Romântico”? Sinceramente não acho, comparando com outros grandes clássicos em que o herói tinha pelo menos algumas virtudes. A única virtude de Rochester foi ter acolhido Adele, e mesmo assim não lhe tem grande afecto. Jane Eyre deve ter algo de “complexo do salvador” para correr para os braços dele outra vez, coitadinho, cego e mutilado depois do incêndio, sem ponderar que Rochester e St. John não são os únicos homens no mundo (embora não houvesse internet na altura, sempre havia vida social…).
Conclusão: lamento dizê-lo mas muitas vezes a leitura se tornou aborrecida, não por ser datada ou ao estilo da época, mas porque não consegui empatizar com a interioridade psicológica de Jane. Até as partes mais sinistras (todo o aspecto de haver uma louca escondida a pôr fogo à casa) não conseguiram produzir o efeito de suspense que deviam. As adaptações cinematográficas têm sido muito mais bem sucedidas, como por exemplo esta, limpando a história de toda a palha supérflua e aproveitando a força da ideia original, força essa que quase passa despercebida no livro e que se vai perdendo aos poucos até à última página.
“Jane Eyre”, em livro, é um clássico que não resistiu ao tempo. Nesse aspecto Charlotte Brontë não esteve à altura do grande romance da sua irmã Emily Brontë, “Wuthering Heights”, que ainda hoje causa a ressonância do início.
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