domingo, 29 de setembro de 2024

The Nun / A Freira Maldita (2018)


O filme devia chamar-se “A Abadia” (nome que lhe dão, quando deviam chamar-lhe “convento”) mas penso que “The Nun” é a prequela (?) de “The Conjuring 2” e que a tal Freira Maldita vem de lá. Em “The Nun” temos alguns flashbacks com o casal Warren de “The Conjuring” em que vemos Vera Farmiga no papel de Lorraine Warren.
Na verdade, “The Nun” não se passa em nenhuma abadia nem mosteiro nem convento mas sim num castelo medieval na Roménia, mandado construir por um nobre que lá tentou estabelecer um portal para o inferno. A Igreja acabou por tomar posse do castelo e, para “conter” o portal, este foi transformado em convento. As monjas tinham por missão a “adoração perpétua”, isto é, revezar-se a rezar dia e noite para que o portal não se abrisse.
Em 1952, abalado pelos bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial, algo muda no convento e o portal abre-se (pelo menos é esta a explicação do filme).
No início do filme uma jovem freira é encontrada enforcada da janela do convento. Nós sabemos porquê, mas o Vaticano não sabe e envia para lá o padre Burke, investigador de milagres e de tudo o que é sobrenatural, e a noviça Irene, escolhida por ter visões com a Virgem Maria.
Irene é Taissa Farmiga (conhecida de “American Horror Story”), irmã mais nova de Vera Farmiga (a Norma Bates de “Bates Motel”), e as parecenças são tão notórias que por algum tempo pensei que Taissa estaria a interpretar uma Lorraine Warren mais nova, ou que, pelo menos, iria ver as duas Farmigas a contracenar juntas. (E faço este aparte para salientar que seria uma delícia tê-las juntas, como irmãs ou mãe e filha.) Mas ainda não foi desta.
O filme vale pelo cenário. Um castelo em ruínas no meio da floresta densa, onde só se consegue ir de carroça, a sensação de isolamento e de que algo está muito errado, as cruzes espetadas no chão em toda a volta, não para proteger o convento mas para impedir o Mal de escapar, o cemitério do castelo, em que ainda se usavam as sinetas do tempo da peste quando as pessoas tinham medo de ser enterradas vivas. Frenchie, o jovem franco-canadiano que abastece o convento e que descobriu o corpo, diz aos investigadores que os habitantes da vila cospem para o chão sempre que se menciona a abadia. Mais ambiente do que isto é impossível.
Assim que chegam, Frenchie encontra o corpo da freira onde a tinha deixado, mas na posição sentada. Isto significa duas coisas: que existe gente no convento e que alguém moveu o corpo mas não o enterrou durante dias e dias, o que não bate certo com um comportamento religioso.
Mas as freiras sempre aparecem à irmã Irene e convidam-na a entrar. O padre fica em aposentos contíguos mas exteriores e passa a noite a ser assombrado por um exorcismo do passado que correu mal. A madre abadessa também lhe aparece, coberta por um véu, e é sinistra que baste.
Há duas cenas muito boas entretanto: o padre é atacado e enterrado vivo numa das sepulturas com a sineta. É Irene quem o salva. A outra cena é quando Irene está a rezar com as outras freiras e é atacada também. Algo de invisível lhe rasga as costas do hábito branco de noviça e a chicoteia. As marcas do chicote formam um pentagrama de sangue. Irene nunca pára de rezar. Isto sim, é terror.
A partir daqui o filme envereda pelos clichés e pelos sustos do costume e estraga tudo o que tinha feito até então. É sempre uma pena quando isto acontece mas actualmente parece ser a norma. Os realizadores parecem ter medo de não conseguir assustar as pessoas com terror psicológico, como na primeira parte do filme.
Voltando ao princípio, o que se passa aqui é um demónio que quer possuir um veículo qualquer para sair dali, seja freira, seja padre, seja quem for que apanhar. A Freira Maldita aparece aqui e ali mas sem ver o filme anterior não lhe achei nada de tão ameaçador que merecesse o título do filme. Por outro lado, ainda bem que vi este primeiro. Assim posso avaliar se a prequela bate certo com a sequela.

13 em 20 (pelo castelo na floresta)

 

domingo, 22 de setembro de 2024

Cat People / A Felina (1982) / Cat People (1942)

Vi o filme de 82 na adolescência e fiquei aterrorizada. Nunca mais me lembrei dele até ler “Danse Macabre", de Stephen King, em que o autor menciona o “Cat People” de 1942 como uma grande referência do terror no cinema (eu nem sabia que “Cat People” de 1982 era um remake). Curiosamente, “Cat People” (1982) estava a passar num dos canais de televisão e gravei-o logo. “Cat People”, com Nastassia Kinski e Malcolm McDowell, é uma metáfora clara sobre a sexualidade. Irena (Kinski) e Paul (McDowell) são dois irmãos criados em separado, mas ambos sofrem da mesma maldição: quando fazem sexo transformam-se em panteras negras e matam os seus amantes. Para impedir isso, Paul quer que Irena “acasale” com ele, e também é ele quem lhe revela que os pais de ambos eram igualmente irmãos. Esta solução de relações incestuosas impede a mortandade que os torna perseguidos. Irena não acredita em Paul, acha a proposta repugnante e, além disso, está apaixonada por Oliver, curador do jardim zoológico de New Orleans. No entanto, Irena receia no seu íntimo que Paul tenha razão e tenta evitar Oliver a todo o custo.
Confesso que fiquei desapontada porque desta vez o filme não me meteu medo. Isto pode dever-se a várias razões. Primeiro que tudo vejo muitos documentários sobre vida selvagem e sei que os leopardos são animais tímidos e solitários, que evitam o ser humano como a peste, que estão em vias de extinção, e que por serem solitários são bastante frágeis: tal como as chitas, qualquer ferimento pode impedi-los de caçar e não têm um grupo que cace por eles como os leões. Muitas vezes deixam as presas para as hienas e outros predadores sem dar luta para não correrem o risco de ficarem feridos. Isto fez-me simpatizar com os leopardos em vez de ter medo deles.*
* O que não quer dizer de maneira nenhuma que eu não tenha um medo racional de grandes felinos predadores (só se estivesse doida varrida é que não teria, especialmente de leões machos – já viram aquelas bocarras?), mas é um medo racional e não irracional como o medo de lobisomens, que não existem.
Por falar nisso, as “panteras negras” propriamente ditas também não existem, são apenas leopardos de pêlo preto, mas se calhar um leopardo fofinho às bolinhas não causava o mesmo efeito.
A ideia de “cat people” também foi usada em “True Blood”, na forma cómica e satírica típica da série, quando Jason Stackhouse, irmão de Sookie, se envolve com uma família de traficantes de metanfetaminas, white trash de trailer park, também incestuosos e com muitos uncle-daddies, a quem ele chama were-panthers. Não tenho muitas dúvidas de que inspiração tenha vindo deste filme. Em bom português, “True Blood” adorava avacalhar coisas sérias. Mas vou aproveitar a deixa para lhes chamar lobis-panteras também.
Depois disto tudo, não admira que o choque que o filme me causou se tenha diluído. Desta vez prestei mais atenção à parte metafórica em si, completamente sexual (o despertar, os receios, a virgindade, a transformação que tal acarreta, etc), e não consegui achar o filme tão interessante. Pelo contrário, julgo algumas cenas de sexo demasiado gratuitas e sado-maso, e alguns nus integrais de Nastassia Kinski (embora agradáveis de ver, não discuto) incluídos por motivos de “picante” para o público masculino (e feminino) e totalmente dispensáveis. Da mesma forma, o filme é longo demais e muitas outras cenas podiam ter sido cortadas sem se perder nada.
Também não digo que “Cat People” não conserve algumas passagens que me pareceram mais arrepiantes na altura do que agora, mas continuam arrepiantes, como os restos de jantar do lobis-pantera Paul, que não eram antílope… Já quanto às transformações propriamente ditas, podiam ser muito assustadoras em 1982 mas já não me convenceram agora.
O fim é mais triste do que trágico, na minha opinião. Apesar de tudo isto, aconselho a quem nunca viu e faço votos de que fiquem tão aterrorizados como eu da primeira vez.


Cat People (1942)
Ao ler críticas do filme de Nastassia Kinski (sejamos francos, o filme é dela), encontrei elogios rasgados ao original de 1942 e fiquei tão curiosa que fui arranjar o filme. “Cat People” de 1942 é uma obra completamente diferente, e tinha mesmo de ser porque na época certos temas eram proibidos no cinema (e cenas de sexo nem pensar!). Aqui temos uma metáfora muito mais subtil, isto é, subtil à altura, porque agora é clara como água. Irena é uma emigrante sérvia na América que vive aterrorizada por histórias de infância da aldeia onde nasceu sobre bruxas adoradoras do Diabo que tinham o poder de se transformar em panteras quando se exaltavam, excitavam ou zangavam. Irena apaixona-se por Oliver, a quem conhece igualmente no jardim zoológico junto à jaula de um leopardo negro, e eventualmente até chegam a casar, mas Irena recusa qualquer tipo de intimidade com o marido, nem sequer um único beijo. Oliver começa por ser bastante compreensivo e paciente, mas acaba por se apaixonar por uma colega de trabalho, Alice. E é aqui que Irena se passa dos carretos ou, neste caso, vira onça!
Fiquei bastante curiosa porque a senhora que fez a crítica aos dois filmes (que ela viu de seguida, primeiro o de 1942 e depois o de 1982) está completamente convencida de que Irena é lésbica porque não tem intimidade com homens e só se transforma em lobis-pantera quando persegue Alice, mas eu não me precipitaria quanto a isso. Ao contrário do filme de 1982, estas lobis-panteras também se transformam quando se zangam, e a ira até se vê nos olhos de Irena quando ela sabe da amiguinha do marido. Irena pode muito bem não ceder ao marido por medo de o matar, mas pelo fim do filme até está disposta a experimentar uma vida normal, aconteça o que acontecer. Logo, é melhor não ver o que não está lá. O que está neste filme é a completa submissão da mulher ao homem, que, condescendente, a manda para um psiquiatra para a “curar” e que chega a decidir interná-la. Se há um comentário a fazer é este: a sexualidade feminina dependia dos humores masculinos e tudo o que fugia à norma era considerado insanidade. Irena não só pode não ser lésbica como pode ser assexual, isto é, não querer intimidade com ninguém.
Para um filme de 1942 com um orçamento reduzido, “Cat People” tem uma realização de mestre. O jogo de luz e sombras, a preto e branco, é digno de um manual sobre como fazer cinema. Mas a mim agradaram-me sobretudo as cenas das perseguições.
A primeira é tão tensa, mas tão tensa, quando Irena persegue Alice por um parque solitário à noite, que eu provavelmente nem teria reparado que é tudo filmado num cenário de estúdio se Stephen King não tivesse chamado a atenção para esse pormenor (porque na altura não havia tecnologia para filmar à noite no exterior). Sente-se que a qualquer momento Alice vai ser devorada.
A segunda cena, magistral, é a da piscina. Nunca vemos a pantera, mas vemos a sua sombra e ouvimos os seus rugidos. Acredito que a audiência de 1942 deve ter arrancado os braços às cadeiras, de tanta tensão, ou agarrado os braços dos namorados e eles os delas. A cena é completamente arrepiante, até para uma espectadora de 2024.
O fim é duplamente trágico e triste.
O filme está por aí na internet, tentem encontrá-lo. Sim, é um filme datado, mas de qualidade extraordinária.

15 em 20 para ambos os filmes 


terça-feira, 17 de setembro de 2024

Cold Skin / Isolados (2017)

Em 1914, antes da guerra, um jovem meteorologista chega a uma ilha quase deserta onde deverá passar quatro anos sozinho a fazer medições. O outro habitante da ilha é um faroleiro chamado Gruner, um homem intratável sem interesse em fazer amigos.
O meteorologista tem uma cabana de madeira bastante acolhedora e a ilha é muito bonita, com areia e rochas cinzentas contra o céu azul e a espuma branca do mar. Até apetece lá estar. A primeira noite é calma. Mas na segunda noite a cabana do meteorologista é atacada por uma horda de seres humanóides de pele azul e aparência anfíbia. O meteorologista consegue barricar-se na cave. Como os anfíbios só atacam à noite, passa o dia a entaipar as janelas e a preparar armadilhas. O que consegue com isto, ao ser atacado na noite seguinte, é pegar fogo à própria cabana.
Obviamente vai pedir ajuda ao faroleiro, que podia ser apenas macambúzio e anti-social, mas na verdade é uma autêntica besta que só aceita acolher o meteorologista porque este oferece café, chocolates e munições. Mas a partir daí o faroleiro não esconde que lhe está a fazer um favor e paga-se caro por isso.
Na verdade, o faroleiro sabe bem da presença dos anfíbios, que quase todas as noites atacam o farol. Ele próprio os parece chamar com um flare, e do alto do farol atinge a tiro todos os que apanha. O meteorologista junta-se a ele nestas batalhas nocturnas (até porque Gruner o obriga a participar) mas coloca-lhe a pergunta óbvia: se Gruner sabia o que se passava na ilha, porque não aproveitou o barco que o trouxe para fugir? “Para a civilização?!”, troça Gruner. Não, Gruner quer estar na ilha, sozinho, e quer exterminar todos os anfíbios. Este é um homem em conflito com a civilização, aliás, ambos aceitaram o cargo por qualquer motivo que os fez fugir dela, possivelmente a única coisa que os dois homens têm em comum.
Apesar do seu ódio aos anfíbios, Gruner capturou uma fêmea a quem chama mascote e a quem usa como escrava sexual (isto vai ser perturbador para alguns espectadores), enquanto que o interesse do meteorologista é acima de tudo científico, como homem de erudição do seu tempo em que o darwinismo era apenas conhecido pelas mentes mais instruídas. À medida que o meteorologista conhece a fêmea, a quem chama Aneris, e também os outros anfíbios, vai descobrindo que estes têm uma estrutura social e sentimentos, e embora não tenham tecnologia têm uma cultura e são mais amigáveis do que parecem.
“Cold Skin” é um filme complicado que quer abranger vários tópicos ao mesmo tempo sem conseguir explorar nenhum tão bem como devia. O tema começa por ser Homem vs Monstros como numa história lovecraftiana, mas depressa se torna em Homem vs Homem, se não mesmo em Homem vs Civilização ou Homem vs Ele Próprio. Pode ser um filme sobre a arrogância do homem branco e colonizador perante uma cultura “inferior”, como era típico da época. Se considerarmos os anfíbios como animais humanóides muito inteligentes, pode ser um filme sobre a prepotência do ser humano perante a vida animal e a Natureza. Por querer ser isto tudo, “Cold Skin” dá-nos muito em que pensar, nomeadamente em quem é o verdadeiro monstro, mas a história promete mais do que compensa.
Saliento a interpretação de Ray Stevenson (de “Rome”, “Dexter”, “Black Sails”, “Vikings” e “Das Boot”) que já não se encontra entre nós. Recordo sempre Ray Stevenson em papéis de vilão ou anti-herói, mas aqui, utilizando o seu corpanzil intimidante e a cabeleira desgrenhada, o homem mete medo.

13 em 20


domingo, 15 de setembro de 2024

Apparition / Aparição (2019)


“Apparition” alega ser baseado em acontecimentos reais e só posso concluir que se refere à primeira parte, aliás, a mais interessante do filme. Um reformatório para rapazes difíceis recorre ao sadismo mais aberrante para os pôr na linha. Depois de ver tantos actos horríveis cometidos por pessoas, especialmente pessoas em posições de poder contra vítimas indefesas, não me custa nada acreditar. Tenho mesmo a certeza de que isto ou semelhante aconteceu algures. Mas o filme não é exactamente um drama.
A brutalidade do director do reformatório e de dois dos guardas chega ao ponto de assassinarem um rapaz que tenta fugir. Para se encobrirem, deduzo, matam outro guarda (que ameaçava expo-los), a governanta e todos os miúdos a seu cargo, colocando as culpas noutro “meliante” (que nunca foi condenado). O reformatório acaba por ser encerrado.
Duas décadas depois, o filho mais velho do director, Derek, tem casamento marcado com Skyler, precisamente a filha do guarda que foi assassinado, e a filha e o filho dos outros dois guardas também andam numa relação pouco séria um com o outro. O filho mais novo do director, Sam, parece-me ter qualquer problema de autismo, mas aparentemente é um génio informático porque consegue criar uma app para contactar os mortos. Sim, leram bem. Ele criou uma app que liga o utilizador a um deus dos mortos esquecido pela civilização, que faz o favor de estabelecer a conexão (e sem cobrar comissões ou roaming!). E é tudo o que nos é dito sobre o funcionamento da app. (Não se riam já, isto fica melhor.)
Um pouco na brincadeira, os outros quatro jovens fingem que alinham e que acreditam na app (por isso o filme se chama APParition, topam?). No entanto, assim que Skyler toca na app, esta leva-a através de GPS exactamente ao reformatório abandonado onde o pai dela foi assassinado.
Os telemóveis ficam sem sinal mas a app continua a funcionar. Sam explica que o telemóvel já não está ligado a uma antena mas “a um espírito”. OK, aqui é que é para rir.
Por pouco nem me dava ao trabalho de escrever esta crítica, mas vou fazê-lo por uma razão. Obviamente que a ideia da app para contactar os mortos (e desta app em particular) é ridícula. Mas às vezes, no género Terror, quando a coisa é bem feita, é preciso desligar alguns neurónios e aceitar o impossível quando a recompensa é suficientemente boa. “The Walking Dead”, por exemplo. Sim, temos de aceitar que os mortos voltam à vida, ponto final, mas em troca assistimos ao desmantelar da civilização e ao regresso da lei do mais forte. Vale a pena. Quando a coisa é mal feita, não vale.
“Apparition” vale a pena? Nem pensar. Mais valia terem feito Skyler ter um sonho com o reformatório que a levasse lá. Não é original mas não é ridículo de morrer a rir.
O filme surpreendeu-me, no entanto. Pensei que isto ia ser mais um adolescentes-assassinados-por-espíritos-vingativos num cenário de casa assombrada, mas, embora se invoque o princípio bíblico de que “os filhos pagam pelos pecados dos pais”, o objectivo final é fazer justiça.
“Apparition” deve ter sido filmado com 300 euros e alguns trocos e roupa emprestada, mas isto não explica a pobreza do enredo em geral, e especialmente não explica a incoerência do final. “Apparition” é daqueles filmes que se vêem para aprender como não contar uma história. Noutro caso, recomendo que se evite.

10 em 20

 

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Fear of Rain / Os Medos de Rain (2021)

Rain é uma adolescente esquizofrénica que acaba de ter um episódio psicótico muito grave que a levou ao hospital depois de ter parado a medicação. De regresso a casa, já medicada, Rain continua a ter alucinações a ponto de não saber o que é real e o que não é, prova de que a medicação não seria a apropriada para o caso dela. Enquanto ainda tenta combater esta confusão, Rain convence-se de que a vizinha do lado (que também é professora na escola de Rain) tem uma menina raptada e presa no sótão. Mas será verdade? E se for verdade, alguém acreditará nela?
Sei que muita gente vai achar que “Fear of Rain” exagera os sintomas da esquizofrenia. Infelizmente não. Há vários tipos de esquizofrenia, dos mais funcionais aos mais graves (como este) e tenho um caso na família que observei de muito perto. A melhor maneira de explicar um episódio psicótico é a mistura da pior bebedeira com o pior pesadelo. No outro dia (isto é, depois de medicada) a pessoa não sabe o que fez, o que se passou, o que pensou, e, como neste caso, que coisas aconteceram mesmo ou que coisas fizeram parte da alucinação. Muitas vezes segue-se a vergonha e a depressão. Gostei que o filme tenha mostrado como os colegas da escola a ostracizavam. Afinal, quem é que se quer dar com “a maluquinha”? Rain faz um amigo novo, um aluno recém-transferido, e chega a duvidar se ele existe. Outra parte importante é o medo de ser institucionalizada. Rain conta as suas suspeitas sobre a menina raptada ao amigo novo, mas não se atreve a ir à polícia com medo de que a internem de vez (o que é uma grande possibilidade).
Infelizmente, percebi a situação com a mãe de Rain logo nos primeiros 30 minutos. Tenho muita experiência com este tipo de filmes, foi só somar dois mais dois. A verdadeira surpresa vem no fim.
Gostei de “Fear of Rain”, sinceramente. Não penso que o filme tenha querido ser um grande dramalhão sobre doença mental mas apenas um thriller da perspectiva de uma narradora não confiável. Como tal, funciona perfeitamente. Só lamento que aquilo que Rain observa com a menina raptada não seja mais extremo, tipo “Mentes Criminosas”, o que faria com que ainda acreditassem menos nela. Mas aqui já sou eu a ser sádica.

14 em 20 


domingo, 8 de setembro de 2024

Lucifer / Lúcifer (2016 - 2021)

Há muito tempo que eu tinha curiosidade em ver esta série mas só agora tive oportunidade (obrigada SyFy). “Lucifer” vem altamente recomendado, primeiro por uma amiga com gostos similares aos meus, segundo por ter sido mencionado em “Sobrenatural” pelo próprio Lúcifer (o Lúcifer deles) quando este diz que podia “tirar umas férias e ir combater o crime”. Alguns dos actores de “Lucifer” também participam em “Sobrenatural”.
O Lúcifer de “Sobrenatural” resumiu bem o enredo: Lúcifer está farto de ser o Rei do Inferno (porque o Pai – sim, esse Pai – o condenou a ser o castigador dos pecadores que vão para lá) e decide ir tirar umas férias de playboy em Los Angeles, onde tem uma discoteca chamada Lux (não é a nossa) e passa a vida nos copos, em festas e orgias, e a não fazer nada de útil, e continua a sentir-se aborrecido.
É por acaso que conhece a detective Chloe Decker, uma mulher pragmática, divorciada e mãe, que não podia ser mais o seu oposto. O grande poder de Lúcifer é fazer com que as pessoas lhe confessem o seu maior desejo* (e conceder favores, é claro) mas Lúcifer fica estupefacto porque o dom não funciona com Chloe. Aliás, nenhum dos seus charmes funciona com Chloe, que nem acredita que ele é o Diabo, muito embora Lúcifer lho diga repetidamente.
(* O objectivo é que as pessoas confessem os seus desejos mais maléficos, sombrios e medonhos, mas às vezes o tiro sai pela culatra quando alguém diz: “o meu maior desejo é criar um santuário para gatos”.)
Esta parte é inteligente e teológica: Chloe é tão íntegra que o Diabo não tem poder sobre ela; por outro lado, como se costuma dizer, a maior proeza do Diabo foi convencer as pessoas de que ele não existe, logo, bem feita para ele.
No entanto, Chloe e Lúcifer estabelecem uma boa parceria a resolver homicídios. Na verdade, uma das razões porque não procurei esta série mais cedo foi mesmo a parte do policial, que não é o meu género favorito. Todavia, e felizmente, os episódios despacham os homicídios-da-semana depressa graças aos poderes diabólicos do protagonista e ficamos com todo o tempo para aprofundar os esforços de Lúcifer, um anjo, para compreender a humanidade. Quem se lembra de Castiel sabe que isto não é fácil para um anjo, muito embora Castiel fosse um anjo “bom” e Lúcifer, a princípio, seja um narcisista convencido que só pensa nele próprio e que irrita as pessoas à sua volta. Lúcifer não é maléfico mas o seu hedonismo não o deixa ver um palmo à frente do nariz se o assunto não lhe interessar directamente. Esta discrepância, que ele não entende, leva-o ao divã de uma psiquiatra, onde ele arranja sempre maneira de distorcer as palavras dela segundo lhe convém.
Mas nem tudo são rosas para Lúcifer. Amenadiel, um anjo do Senhor (para citar Castiel), é enviado à terra para mandar Lúcifer de volta para o seu lugar no Inferno, onde Amenadiel ficou (contrariado) a substituir o Príncipe das Trevas. Obviamente, nenhum deles quer lá regressar. Amenadiel encontra-se igualmente na convivência de humanos pela primeira vez e isso também lhe causa confusão. Depois de se envolver sexualmente com Mazikeen, um demónio (feminino e muito sensual) ao serviço de Lúcifer, Amenadiel começa também a desenvolver sentimentos por humanos, o que não ajuda a sua imparcialidade angélica mas que o faz perceber a atracção de Lúcifer pela vida terrena.
A metáfora vai mais longe. À medida que Lúcifer se envolve com Chloe, começa a aperceber-se de que perto dela deixa de ser imortal e invencível, tornando-se vulnerável como um mero humano (a metáfora é de que o Diabo só tem poder a quem lho atribui), o que também tem conotações românticas que nenhum deles quer reconhecer.
Quanto mais avançamos na série mais nos embrenhamos na mitologia divina/angélica/bíblica, o que é sempre divertido.
Esperem, já vos disse que “Lucifer” é essencialmente divertido, ainda mais do que “Sobrenatural”? A série não almeja exactamente arrancar gargalhadas mas já me provocou umas quantas e as “piadas” não são exactamente do tipo óbvio. (Podia contar-vos algumas mas não quero estragar a surpresa.) “Lucifer” vai agradar a todos os saudosos de “Sobrenatural” mas vale bem por si própria. É ir já a correr ver.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: Sobrenatural, SurrealEstate, anjos, demónios, drama, comédia






terça-feira, 3 de setembro de 2024

Insidious: Chapter 3 / Insidious: Capítulo 3 (2015)


Esta é a prequela de “Insidious” antes da família Lambert. O filme até começou bem e fez-me interessar pelas personagens. Quinn, uma jovem que perdera a mãe há cerca de um ano, procura a médium Elise Rainier para lhe pedir uma consulta com a mãe falecida. Quinn está convencida de que sente a presença da mãe na sua casa e até já a tentou contactar sozinha. Elise avisa-a de que isso é perigoso e de seguida diz uma coisa muito interessante: quando se fala a um morto, todos os mortos ouvem. (O conceito é interessante mas não creio que quando me lembro de um amigo já desaparecido e lhe digo “ainda não acredito que já não estás aqui” os mortos se ponham a ouvir uma conversa que não lhes diz respeito vinda de alguém que não lhes interessa nada. Mas a ideia que o filme explora não é nova. No “Exorcista” também foi quando se puseram a brincar com uma ouija board que Regan ficou possuída. Por outro lado, sempre fiquei com a ideia de que o problema não foi exactamente a ouija board mas terem-na usado como uma brincadeira, sem o respeito devido. Por outro lado ainda, também não acredito que tenha sido por isto que Regan ficou possuída, mas antes como veículo para chegar ao padre exorcista que já tinha um historial com Pazuzu. Mas voltando a “Insidious”...)
A médium Elise Rainier também tem uma história interessante. O marido tinha-se suicidado há pouco tempo, vítima de depressão. Elise ainda dorme abraçada à camisola dele. Obviamente que o tentou contactar, vimos a saber mais tarde, e que para isso teve de ir à região das Trevas no Longínquo (segundo a nomenclatura da própria). Isto fez com que o fantasma da chamada Noiva Negra se tenha agarrado a ela e a queira matar. Porquê? Porque sim. Não façam perguntas difíceis.
Entretanto, Quinn continua a notar acontecimentos estranhos mas que podem ser explicados por motivos racionais. Como daquela vez em que acorda com um barulho no quarto que pode ou não ter sido um pesadelo. Ou daquela outra vez em que está a brincar às pancadas na parede com o vizinho do lado, outro adolescente que tem uma paixoneta por ela. Começam a trocar mensagens e é então que ele diz que nem sequer está em casa. Isto sim, é terror.
De seguida, Quinn é atropelada e sofre uma experiência de quase-morte que a leva ao Além. Mas, na verdade, a situação já acontecia antes, portanto não sei o que é que se queria insinuar com isto. Quinn até é atropelada precisamente porque vê a assombração que a persegue do outro lado da rua. Mas a partir daqui a situação torna-se ainda mais opressiva porque Quinn fica com as duas pernas partidas e não pode fugir do que a assombra. A vida em família também está completamente descontrolada desde que a mãe morreu. O pai não está a conseguir tomar conta de tudo e principalmente do miúdo mais novo, para além da dor de perder a mulher. Quinn, na sua adolescência, acusa-o de querer ignorar que a mãe morreu porque ele nem sequer fala dela. Tudo muito realista e dramático.
Até aqui eu estava a implorar: “Filme, não fiques histérico! Estás a ir tão bem, dá-me esta hora e meia de felicidade! Não fiques histérico, vá lá!” Mas isto é “Insidious”, infelizmente. É claro que passada meia hora ou 45 minutos o filme já estava a cair no histerismo, precisamente o contrário de “insidioso”.
Acontece que há um fantasma/demónio no prédio que quer possuir Quinn e que até já tinha feito uma vítima anterior. O prédio parece o hotel de “Shining”, muito convenientemente. Também não se percebe porque é que só agora é que o fantasma/demónio quer possuir Quinn. Se calhar tinha muito que fazer antes. O fantasma/demónio (sinceramente, nunca percebi o que era) é chamado de “o homem que não consegue respirar” e usa uma máscara de oxigénio. Porquê? Se calhar porque tem medo do Covid. Passando à frente. A entidade começa a ser cada vez mais violenta e por duas vezes arranca Quinn da cama e atira-a ao chão. O que é isto? Conotações sexuais? Por esta altura já não sei o que estava a ver exactamente.
Finalmente o pai assiste a algo que o convence da presença do sobrenatural e vai ele próprio pedir ajuda a Elise Rainier. Esta já sabia que Quinn precisava de ajuda. Apesar da relutância, aceita. Influenciado pelo miúdo mais novo, o pai também pede ajuda aos dois caça-fantasmas, que não conseguem ajudar. É assim que eles conhecem Elise. Ah! Como se me interessasse muito saber. Mas avançando.
Os caça-fantasmas são o suposto “comic relief” mas eu não lhes acho graça nenhuma. Todavia, não são eles que estragam “Insidious”, apesar de tentarem bastante. A certa altura Elise vai ao Longínquo, onde é confrontada por uma entidade maléfica. E que faz Elise, em espírito, no Além? Dá um soco ao fantasma. Não contente com isto ainda lhe diz “toma lá cabra!”.
Da outra vez desatei-me a rir com o diabo chifrudo, mas aqui parei o filme, bati na testa e abanei a cabeça. Estava a ir tão bem!
Daqui em diante são os clichés do costume e o filme perde o interesse todo. “Insidious” é como se alguém julgasse que um filme de terror não tem de fazer muito sentido e que pode ser apenas um sortido de imagens sinistras, como num vídeo de música. Eu já estava vacinada contra a série mas garanto que o princípio até prometia. Agora peço que as sequelas fiquem por aqui, e que ninguém se lembre de fazer uma nova prequela a explicar porque é que o fantasma/demónio não consegue respirar (tirando o facto de estar morto e/ou de ser um espírito) e precisa de uma máscara de oxigénio. As doenças respiratórias devem ser um grande problema no Além.
Muito, muito mau.

12 em 20 (pelo princípio promissor)

 

domingo, 1 de setembro de 2024

All Is Lost (2013)

Um velejador solitário no oceano Índico acorda de repente com o veleiro a encher-se de água. O que aconteceu é quase surreal: o veleiro embateu num enorme contentor de carga que vogava à deriva e tem um buraco no casco, apenas acima da linha de água. Depois de recobrar da estupefacção, o velejador desencalha o veleiro e começa a tapar o buraco. Quando experimenta utilizar o rádio para pedir ajuda percebe que a água no interior do habitáculo deu cabo do sistema eléctrico. Ainda tenta secar o rádio mas as baterias não funcionam. O velejador tenciona dirigir-se para a rota náutica dos cargueiros, mas é apanhado por uma tempestade que ainda deixa o veleiro em pior estado.
Nunca sabemos o nome deste homem interpretado por Robert Redford. Algo que nos impressiona imediatamente é a falta de diálogo e palavras em geral. O velejador não fala com ninguém, nem consigo próprio. Temos de compreender tudo por observação do que ele está a fazer, o que às vezes não é fácil para um leigo.
“All Is Lost” foi uma surpresa, um dos melhores filmes a que assisti nos últimos tempos. Ainda bem que não vi no cinema ou teria roído as unhas todas. Do princípio ao fim ficamos com os nervos em franja e tentamos torcer pelo velejador que parece perseguido pela fúria de Neptuno. A certa altura, por exemplo, a tempestade vira-lhe o barco ao contrário. Dentro do habitáculo, com as janelas por baixo, o homem parece um peixe num aquário. E depois vai de mal a pior, mas não posso revelar. Esta é uma história de sobrevivência no limite, que quase não nos dá uma pausa para respirar, onde Robert Redford brilha nesta interpretação silenciosa em que lhe lemos na cara o que se está a passar na sua cabeça, desde a calma ao desespero.
Tudo no filme em si é perfeito (interpretação, enredo, suspense, cinematografia, banda sonora) mas para uma história supostamente tão realista houve algumas coisas que não fizeram sentido. Alguém que se aventura sozinho num veleiro em mar alto tem de ser um marinheiro experiente. No entanto, durante a tempestade ele iça uma vela, o que eu sempre ouvi dizer que não se faz. Fui pesquisar e tinha razão, não é assim que se usam as velas de tempestade. Noutra altura, ele vai buscar um pacote de equipamento de emergência que resistiu à inundação porque está dentro de material impermeável e selado, onde tem um sextante. O sextante serve para calcular a posição mas não ajuda muito sem um rádio com que pedir ajuda. Pergunto-me, este mesmo equipamento não podia ter, PRINCIPALMENTE e ACIMA DE TUDO, um rádio de emergência e baterias carregadas, sempre guardados num lugar acessível, seguro e estanque? E se não tem, não devia ter? Li outras críticas ao filme feitas por marinheiros com experiência que apontaram mais falhas deste tipo, algumas que eu também estranhei durante o filme, outras que não apanhei de todo. Embora admitam que o extremar da situação e o cansaço também podem levar os mais experientes a cometer erros, o consenso geral das pessoas do mar é de que este filme é um manual daquilo que NÃO FAZER. Fica o aviso.
Assim, “All Is Lost” pode não ser completamente preciso em termos realísticos mas é uma história de sobrevivência poderosa e angustiante. Recomendo e espero que este filme atinja o estatuto de clássico que merece.

18 em 20