terça-feira, 27 de agosto de 2024

The Host / Nómada (2013)

Histórias sobre body snatchers (alienígenas que possuem um hospedeiro humano) têm sido um manancial para a ficção científica desde que o cinema existe. Em “The Host”, uma espécie invasora de parasitas tomou conta do planeta e apenas um punhado de humanos conseguiu escapar. É o caso da jovem Melanie e do seu irmão mais novo. Mais tarde, Melanie encontra outro sobrevivente, Jared, por quem se apaixona, mas durante uma fuga é capturada e implantada pelos extraterrestres.
Neste tipo de histórias pensamos logo em horror sci-fi, mas e se vos disser que o filme é Young Adult e Ficção Científica Romântica (esta fui eu que inventei)?
Comecei logo a estranhar, porque nestes filmes os parasitas são sempre repugnantes, mas aqui são seres lindíssimos: parecem cristais de luz e até os tentáculos são belos, como um coral ou outro ser marinho; até dá vontade de comprar um.
A entidade que ocupa Melanie chama-se Wanderer (Nómada) e após a resistência inicial Melanie e Nómada criam uma conexão emocional. Nómada ajuda Melanie a escapar para o refúgio no deserto do tio de Melanie, onde esta encontra Jared e o irmão mais novo.
Acontece que esta Nómada é muito boazinha e a pouco e pouco consegue conquistar a confiança dos sobreviventes no refúgio e inclusive fazê-los perceber que Melanie ainda existe dentro do mesmo corpo, apesar de ocupada.
É aqui que começa o Young Adult e a Ficção Científica Romântica. Enquanto Melanie continua apaixonada por Jared, Nómada apaixona-se por Ian, o que é um caso bicudo porque ambas partilham o mesmo corpo para dois apaixonados.
Passei o filme todo à espera de um desenlace mais dramático, mas isto é Young Adult e Ficção Científica Romântica. O filme é muito mais longo do que devia ser e admito que a certa altura comecei a ficar entediada com este triângulo amoroso à “Hunger Games”. Não era o que eu esperava nem me conseguiu interessar.

11 em 20

PS: Ao procurar uma imagem para o post descobri que esta é uma história de Stephenie Meyer, a tal de “Twilight”. Pronto, está tudo explicado.

domingo, 25 de agosto de 2024

Danse Macabre, de Stephen King

“Danse Macabre” é um livro não ficcional de Stephen King em que o autor se propõe a fazer uma análise da literatura, cinema e televisão no âmbito do terror entre os anos 50 e 80, à mistura com alguns episódios auto-biográficos e bastantes citações das obras mais emblemáticas. Obviamente, como o próprio reconhece, não seria possível incluir tudo sem produzir uma enciclopédia, pelo que muitas das escolhas do autor são forçosamente subjectivas. Concordo com a maioria, não concordo com algumas, mas teria de ser mesmo assim. Como seria de esperar, King escreve de um ponto de vista americano, com referências americanas, e confesso que nunca tinha ouvido falar de alguns comics dos anos 30, 40 e 50 que ele menciona (nem teria como ouvir). Muitas vezes King tem de ir ainda mais atrás, aos séculos XIX, XVIII e antes, para puxar o fio condutor de obras como “Frankenstein”, “Drácula” e precursores mais antigos.
Nunca pensei que o livro fosse tão extenso. Para analisar “Danse Macabre” era preciso escrever outro livro, por isso não vou sequer tentar resumir. Pelo contrário, vou acrescentar!
“Danse Macabre” foi publicado em 1981. Desconheço se Stephen King actualizou os seus pontos de vista com um “Danse Macabre II” (e eu gostava de ler isso), mas o período analisado é dos anos 50 aos 80. Daí até 2024 muita coisa mudou. Por exemplo, as pessoas tornaram-se tão fanáticas por gatos que no remake de “Pet Sematary” o gato é quase a personagem principal (na minha opinião é mesmo a personagem principal e gostava de saber o que Stephen King pensa disto.)
Mas regressando a “Danse Macabre”, Stephen King preconiza a existência de alguns arquétipos do terror a que ele chama O Vampiro, O Lobisomem (mesmo o lobisomem que usa o “pêlo” por dentro, como em “Psycho”), O Fantasma, A Coisa Sem Nome e O Lugar Maldito (The Bad Place). Na opinião dele, o zombie e o vampiro são apenas um só arquétipo porque ambos se alimentam dos vivos. Ora, do meu lugar de espectadora em 2024 não posso concordar. Talvez tenha sido assim até aos anos 80 mas actualmente o vampiro e o zombie são personagens bastante diferentes. O vampiro, hoje em dia, é uma estrela de rock, um símbolo sexual de juventude e beleza eterna, um bad boy carismático e magnético. (Na verdade, sempre foi, desde que Lucy e Mina correram para os braços do Conde, mas talvez seja uma coisa tão feminina que escapou a Stephen King?...) “Danse Macabre” foi publicado antes da explosão dos vampiros de Anne Rice com o filme “Entrevista Com o Vampiro”. Aliás, é significativo que Stephen King não tenha sequer destacado “Interview With The Vampire” como referência, embora o livro seja mencionado no Apêndice. Já nem falo das filas de adolescentes aos gritinhos em cada estreia de “Twilight”, nem dos posters de Robert Pattinson no quarto… (Acreditem, tive de ir pesquisar o nome do actor.) “The Hunger”, com Catherine Deneuve, David Bowie e Susan Sarandon, é igualmente de 1983. Este não é o mesmo vampiro dos filmes Hammer.
Por sua vez, o desgraçado do zombie (e afins) lá se vai arrastando, mas ganhou um protagonismo que já vai em duas décadas com o fenómeno “The Walking Dead”, e também já não é o mesmo zombie de George A. Romero. O zombie dos anos 2000 é quase um adereço em histórias pós-apocalípticas, em distopias em que o verdadeiro inimigo são os outros sobreviventes, onde impera a lei do mais forte e a violência extrema, curiosamente servidas à primeira geração que sabe que não vai ter uma vida tão boa como a dos pais antes deles. São outras as preocupações sociológicas, como as preocupações com a energia e a guerra nuclear dos anos 50 e 60 que Stephen King não deixa de identificar e que produziram toda uma série de filmes de insectos gigantes, por exemplo, e que até deram motivo ao clássico “The Night of The Living Dead” de Romero (1968).
Mas eu não quero mesmo escrever o livro e fico por aqui. Notei uma tendência extremamente exagerada na maneira em que Stephen King tenta explicar que o autor de terror não é um gajo psicologicamente transtornado, psicopata ou imoral, como lhe parece quando lhe perguntam infinitamente se não se importa de “viver dos medos dos outros”. Se calhar tem razão em ser tão defensivo. A pergunta parece-me incompreensível mas deve ser uma provocação americana. Afinal, ninguém é obrigado a ler ou ver terror, tal como ninguém é obrigado a ler ou ver erotismo. Mas é interessantíssimo que a imprensa americana lhe pergunte isto (e a outros autores do mesmo género) a ponto de o irritar.
Aconselho “Danse Macabre” a todos os amantes de terror e, principalmente, a todos os autores do mesmo ofício. O livro é longo mas não parece, está muito bem escrito e nunca aborrece.


domingo, 18 de agosto de 2024

Pet Sematary (2019)


[contém spoilers]

“Pet Sematary” (1989) é um dos meus filmes preferidos portanto vai ser muito difícil falar deste remake de 2019 de forma imparcial. Numa apreciação global, sugere-me um filme feito para quem já viu o original e para os amantes de gatos que se calhar, na altura, não eram tantos como são agora.
O enredo é o mesmo: um casal e os dois filhos e o gato mudam-se da cidade para uma pacata localidade no campo de modo a terem mais tempo para a vida familiar. Gostei que o filme tivesse começado pelo fim, quando todos pensamos que já sabemos o que aconteceu, mas o filme reserva-nos surpresas que nunca nos passariam pela cabeça e se o virmos duas vezes ainda percebemos melhor o que ocorreu depois de o filme acabar. Diria mesmo que este “Pet Sematary” não é tanto um remake como antes uma versão alternativa que nos leva a questionar tudo. Peço desde já desculpa pelos spoilers mas não seria possível analisar as diferenças sem eles.

Do que gostei
Gostei do cenário. O filme original era passado num descampado suburbano com uma estrada feiosa a meio. Aqui a família muda-se para uma casa na floresta cerrada, rodeada de árvores verdejantes e trilhos pedestres. A floresta, escura, misteriosa, selvagem, perigosa, sempre foi um local que evoca medo, especialmente de noite, que esconde o que pode estar à espreita. Neste caso a estrada também lá está, ainda mais mortal porque menos visível entre ramos e vegetação, como uma armadilha perfeita. E, como uma armadilha, faz vítimas. A primeira é Church (Winston Churchill, o gato).
Aqui vem o spoiler que não posso evitar. Quem morre a seguir não é Gage, o bebé, mas a irmã mais velha, Ellie, o que altera toda a dinâmica da história. Gostei desta mudança. Gage, como bebé assassino, pode ser mais sinistro e chocante para algumas pessoas mas eu sempre achei que uma criança tão pequena a executar homicídios que exigiam bastante força física era irrealista e exagerado; era como se Gage tivesse saído da sepultura 5 anos mais velho. Ellie, por outro lado, tem 9 anos. Isto permite um nível filosófico de conversa entre ela e o pai que Gage nunca teria, como quando ela pergunta “onde é que eu estive?”, “estou morta?”, com um inegável ressentimento para com ele como se este lhe tivesse roubado o repouso em paz. Muito mais interessante, na minha opinião. Gostei que Ellie tivesse regressado com olhos de morta: uma pálpebra mais descaída, outra mais fechada. Quando Ellie pede ao pai que fique com ela nessa noite, é visível a hesitação de medo e desconforto com que Louis se deita na cama da filha, e, no entanto, quase contra o seu próprio instinto de preservação, sente-se como ele luta contra essa repugnância visceral para ter a filhinha “de volta”.
Gostei muito mais do papel de Church neste remake. No filme original o gato era quase um adereço, uma desculpa para introduzir o cemitério índio. Neste “Pet Sematary” Church tem um papel mais principal, se não for mesmo a personagem principal do filme! Church volta da sepultura perfeitamente malévolo e manipulador. Não é apenas o catalisador de mais tragédias, conseguiram de facto pôr-lhe expressões de contentamento felino a cada novo horror. Church é o aliado dos que regressam, parte da força maldita e sobrenatural que os move.
Aliás, neste remake é-nos dito que os nativos descobriram o poder maléfico do solo e fugiram porque acharam que aqueles bosques pertenciam a outra coisa qualquer, não sem antes assinalarem as árvores com símbolos de aviso. A localização do cemitério de animais, tão próxima do sítio “onde os mortos andam”, já não nos parece assim tão acidental mas um resquício esquecido de crenças antigas.
Não é a única informação nova que o remake introduz. É fortemente sugerido que Jud, o vizinho simpático que leva o médico ao cemitério índio, também lá enterrou a esposa quando ela morreu. Esta complexidade acrescida, no entanto, nunca é explicada. (Lá vou eu ter de ler o livro.) O que nos leva ao que não gostei.

Do que não gostei
Tal como no filme original, Zelda continua a ser um erro. Zelda é a irmã mais velha de Rachel (a mãe) que morreu de uma doença terrível que lhe distorcia a coluna. Assim que chega à casa nova, Rachel começa a ter visões da irmã. Rachel nunca conseguiu ultrapassar a culpa por ter sentido alívio quando Zelda finalmente morreu. É claro que compreendemos como é que um acontecimento tão traumático assombra Rachel para sempre, e percebemos que para uma criança a doença e a morte possa ter sido assustadora. No entanto, tal como no original, o filme insiste em representar Zelda como uma monstruosidade, quando na verdade é uma pobre vítima digna de compaixão que morreu demasiado cedo depois de uma doença dolorosa e prolongada. Ambos os filmes nos podiam ter mostrado os sentimentos de culpa e medo de Rachel sem tentar usar Zelda para assustar os espectadores também. Aqui é que está o erro. Zelda não nos assusta, provoca-nos pena. Os filmes não perceberam que o espectador pode compreender o medo que Zelda inspira a Rachel sem nos impingir Zelda como um monstro, o que é um tiro pela culatra. Este “Pet Sematary” ainda exagera mais a coisa, transformando a morte de Zelda num jump scare completamente desnecessário e até um pouco ridículo. Mal feito, muito mal feito.
Por outro lado, este “Pet Sematary” não incluiu duas das partes mais assustadoras do original: os flashbacks do cão e da primeira pessoa que foram propositadamente enterrados no cemitério índio. A cena do cão a ladrar do outro lado dos lençóis estendidos ainda hoje me arrepia. O soldado que regressa como morto-vivo foi possivelmente o primeiro zombie bem feito e verdadeiramente assustador que eu vi na vida, um zombie tão semelhante aos de “The Walking Dead” que não me admiraria nada que tivesse inspirado o próprio Greg Nicotero anos mais tarde. Aliás, por falar nisso, o fantasma de Pascow avisa o médico, no cemitério de animais, tal como no original: “This is the place where the dead rest. Don’t go on to the place where the dead walk.” Coincidência ou inspiração, não sei.
Os flashbacks do cão e do zombie foram verdadeiramente arrepiantes e não gostei que os tivessem retirado. Sem eles, nunca teríamos sentido tanta tensão à medida que o filme original avança e percebemos que Louis vai cometer os erros de que já foi avisado. Neste novo “Pet Sematary”, lamento dizê-lo, nunca há cenas tão assustadoras, o que é pena.
Então, resumindo, qual é a razão de existir deste novo “Pet Sematary” para além das coisas que não acontecem como estávamos à espera e das coisas que acontecem quando já não as esperávamos? Tal como no original, também neste filme o tema principal é o luto, a dor tão feroz que faz as pessoas cometerem os actos mais tresloucados, mas por alguma razão o original conseguiu transmitir melhor essa dor. No funeral de Gage, por exemplo, quando uma briga faz com que o caixão caia ao chão, ou quando Louis desenterra Gage e passa a noite com ele ao colo.
Este “Pet Sematary”, por seu lado, envereda por uma conclusão bizarra. No final do filme há uma cena muito tensa em que efectivamente tive medo do que ia ver, mas mais uma vez me trocaram as voltas. Regressando ao início do filme compreendemos melhor o que se passou depois, como disse atrás. O problema começa exactamente aqui: e agora, o que é que eles vão fazer? Viver zombies e felizes para sempre? Lançar uma epidemia de zombies? Será isto o piscar de olho a uma sequela?
Tendo em conta a dificuldade em ser imparcial, não consigo dizer qual dos filmes é melhor. O original já nos parece algo antiquado. O novo tem uma linguagem cinemática mais moderna mas não consegue transmitir o tema com a mesma visceralidade. Gostei dos dois e encontrei virtudes e defeitos em ambos. Neste, pelo menos, um personagem muito especial teve um fim feliz. Para mim, pelo menos. Não consigo escolher e recomendo os dois.

15 em 20 (menos 2 pontos do que o original porque faltam os flashbacks icónicos)


terça-feira, 13 de agosto de 2024

3022 (2019)

Quatro astronautas estão a cumprir um turno de dez anos na estação espacial Pangea, um entreposto de abastecimento entre o planeta Terra e Europa Um, a primeira colónia estabelecida no espaço. Ao fim de cinco anos, todos eles apresentam os sintomas patológicos do isolamento, especialmente o capitão, o que leva o médico de bordo a recomendar a rendição da equipa. Antes que isso possa acontecer, a estação é atingida por um forte impacto que danifica partes da nave. Mas o pior é que a equipa perde todo o contacto com a Terra e até com a Estação Espacial Internacional. O médico de bordo consegue ter um vislumbre de uma explosão e fica em estado de choque. Tudo leva a crer que o planeta Terra foi destruído.
Mais do que um filme de ficção científica, que evidentemente é, considero “3022” como mais na categoria da sobrevivência pós-apocalíptica. O enredo podia igualmente passar-se nos pólos, no alto mar, ou em qualquer região na Terra totalmente inóspita à vida. Em suma, estes personagens encaram o facto de que podem ser os últimos sobreviventes da raça humana e que estão completamente sozinhos e dependentes de recursos escassos. Nesta situação adiantará ter mais um dia ou dois de oxigénio e rações?
Inesperadamente, aparece ao largo o vaivém da Estação Espacial Internacional com três tripulantes a bordo, todos eles em péssimo estado. Veterana que sou destas coisas dos enredos pós-apocalípticos lembrei-me logo de um outro, “The Walking Dead”, que nos ensinou que depois de um apocalipse a primeira coisa a temer são os sobreviventes, e não augurei nada de bom.
Escusado será dizer que “3022” é um filme tenso e perturbador. A mim perturbou-me muito algo que não posso revelar, mas que tem a ver com o que aconteceu à Terra. As interpretações são excelentes, e tocou-me especialmente a de Kate Walsh (mãe de Hannah em “13 Reasons Why” que aqui também se angustia pela filha que deixou na Terra quando se candidatou ao longo turno na estação espacial).
Este é um grande filme. Lamento dizer que algumas vezes me perdi “espacialmente” e não percebi exactamente em que parte da nave é que a acção estava a acontecer. Também fiquei na dúvida sobre a posição exacta da estação espacial. Dizem que está a três meses da Terra (o que já é alguma coisa), mas será que a distância permitiria ver o acontecimento na Terra de tão longe, à vista desarmada? Até vi o filme duas vezes para tentar perceber melhor. Por outro lado, sendo uma estação espacial de reabastecimento, porque é que há tanto tempo não vivia ninguém em Europa Um, como é dito? Sendo assim, qual é a necessidade de manter uma estação permanentemente tripulada durante anos? Não faz muito sentido. Também me custa a acreditar que a Estação Espacial Internacional (ou o seu vaivém) tenha escapado a um acontecimento daquele calibre, pela sua proximidade.
Mas tudo isto são detalhes que deixo a quem perceba destas coisas. O importante é o impacto psicológico nos personagens que lentamente começam a perder a sanidade, cada um de sua maneira, de tal forma que não consegui decidir se o que acontece no fim é real ou não passa de uma alucinação. O filme dá-nos (mais) motivos para acreditar na segunda hipótese. Seja como for, o resultado é pessimista seja por que prisma for encarado, a lembrar-me o final de “The Road”.
“3022” aborda o tema de seres humanos que têm de lidar com a sua extinção e como isso os afecta psicologicamente. Como tal, afecta-nos a nós também.

16 em 20

 

domingo, 11 de agosto de 2024

From (2022 - ?)

Há algum tempo disse aqui que tenho tido a sorte de andar a ver algumas séries de terror excelentes, mas são do tipo de enredos em que o terror “acontece aos outros” (o que não é menos interessante). “From” é uma série verdadeiramente assustadora que nos podia acontecer a nós. Também não é o género de medo que nos assalta à noite no escuro, mas depois de cada episódio dou por mim a pensar “Chiça, ainda bem que não sou eu que estou lá!” Desde as primeiras temporadas de “The Walking Dead” que nada me assustava tanto. *
(* E mesmo assim não tinha medo ao ver os episódios de “The Walking Dead”, mas depois tinha pesadelos em que estava fechada numa casa como as da série, e na companhia de estranhos, ainda por cima, completamente cercada por zombies. É claro que isto tem explicações psicanalíticas profundas em que não vou entrar aqui.)
A história de “From” é arrepiante. Uma vila aparentemente normal onde quem entra já não sai de lá. Mas isto não é tudo.
A série começa com uma família em viagem de lazer que encontra uma árvore atravessada na estrada, seguida de um bando de corvos que rodeiam a auto-caravana. Com o caminho impedido, a família decide voltar para trás e procurar a auto-estrada. Vão parar à vila, onde os residentes estão precisamente a terminar um funeral. Pedem direcções para a auto-estrada e o xerife diz-lhes: “Sigam em frente e verão”. O que eles vêem é que por muitas voltas que dêem vão sempre parar à mesma vila. Ainda estão na estrada quando colidem com outro automóvel.
Aqui começa a parte verdadeiramente arrepiante. Os residentes fazem tudo para levar os sinistrados para o interior das casas, explicando que depois do pôr-do-sol monstros saem da floresta e que o único sítio seguro é dentro de casa, onde estão protegidos por um talismã pendurado à porta que impede os monstros de entrar. É claro que os recém-chegados não acreditam em nada disto, até que os monstros realmente aparecem.
Os monstros parecem humanos, passeiam-se pelas ruas desertas, sorriem e batem às portas e às janelas, tentando aliciar os residentes a deixarem-nos entrar. Só que quando entram, estas entidades de aparência humana transformam-se mesmo em monstros que devoram todos os que encontram até ao tutano. A série não se importa de nos mostrar as vítimas com as costelas abertas e vazias, todos os órgãos consumidos.
Os monstros não são os únicos terrores à solta. Um dos grandes perigos é quando as pessoas perdem a sanidade e os deixam entrar. Os residentes mantêm as cortinas corridas a noite toda para não se deixarem iludir.
Episódio a episódio, vamos descobrindo outros mistérios. Por exemplo, as pessoas que foram parar à vila não vieram pelo mesmo percurso nem do mesmo sítio. Pelo contrário, encontraram a árvore atravessada na estrada em vários pontos do país, mas todos encontraram a árvore e os corvos e nunca mais conseguiram sair dali. Jim, o pai da família recém-chegada, descobre que apesar de haver electricidade os fios não estão ligados a nada, que nem sequer são fios eléctricos, apenas cabos de plástico sem nada por dentro. Então, o que é que abastece a vila? Jim é engenheiro e um dos outros sinistrados no acidente do mesmo dia, Jade, é um perito de informática que acabou de vender a sua start-up por milhões de dólares e se preparava para viver a vida à grande. Inconformados, decidem construir uma antena de rádio tentando comunicar com o exterior. Uma voz responde-lhes, mas se calhar não era a voz que pretendiam.
Não vou entrar em mais mistérios, que se adensam de temporada para temporada. Muitos residentes têm teorias: foram parar a um lugar fora do tempo e do espaço, estão na caixa de Schrödinger e são eles o gato; estão a ser alvo de uma experiência militar ou alienígena; e, inevitavelmente, há quem receie que estejam todos mortos no Purgatório ou no Inferno.
Se estas teorias parecem familiares é porque muito de “From” recorda a ilha de “Lost”. Só falta aparecer o “monstro do fumo”, carinhosamente apelidado de Smokey pelos fãs. A sirene que acompanhava Smokey, pelo menos, já por lá apitou.
Mas “From” não é “Lost”. Se “Lost” era misterioso, filosófico, (pseudo)científico, “From" é puro terror. E o terror e os mistérios aumentam de temporada para temporada sem que nos seja dada uma única resposta, pelo contrário, cada mistério traz outros atrás. Isto também não é coincidência. A série foi criada por muitos nomes ligados a “Lost” e até tem um dos seus protagonistas (não direi quem, descubram-no).
O que me leva à segunda razão que me faz ter medo de “From”. Devo ser a única pessoa do mundo que gostou do final de “Lost” (não fui, mas quase) mas admito que a série da ilha nunca nos deu respostas verdadeiramente convincentes a coisa nenhuma. Temo, sinceramente, que “From” esteja igualmente a escavar buracos uns atrás dos outros (um dos quais literal) e que o enredo se torne igualmente tão rebuscado e retorcido que não haja maneira de o endireitar.
Por enquanto é demasiado cedo para dizer. Estou completamente embrenhada na série pelo que ela é e as respostas podem vir depois. Mas que venham, desta vez.
Uma última nota para a música de abertura, uma versão dos Pixies de “Que Sera, Sera” que a princípio detestei mas que acabou por se entranhar. Espero que o significado não seja tão óbvio como a letra da canção, que se pode aplicar a toda a gente em qualquer lado e a vila de “From” é tudo menos “qualquer lado”.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 2 vezes

PARA QUEM GOSTA DE: Lost, The Twilight Zone, The Outer Limits, mistério, terror, zombies, sobrenatural



 

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Room 203 / Quarto 203 (2022)

Quando se tem um buraco sinistro e malcheiroso na parede que não se deixa tapar não é boa ideia enfiar lá o braço. Mas se se enfiar o braço e se se encontrar lá dentro um colar perdido também não é boa ideia oferecê-lo à namorada.
É assim que começa “Room 203”, antes de duas jovens amigas, Kim e Izzy, se mudarem para o tal apartamento que tem o buraco sinistro na parede. (Na verdade não percebo porque é que o filme se chama “quarto 203” quando na verdade é um apartamento, mas avançando.) Assim que elas chegam, Izzy começa a ter acessos de sonambulismo e aparece no quarto de Kim como se estivesse possuída por qualquer coisa. Certa vez parece-me mesmo que a rapariga estava a sangrar da cabeça (estava escuro) mas elas julgam que foi tudo resultado das bebedeiras que Izzy apanha todas as noites e acabam por nunca falar no assunto. Até ao momento em que é impossível ignorar as coisas estranhas que se passam durante a noite e as visões de Kim relacionadas com o buraco. Kim investiga e descobre que naquele mesmo apartamento já morreram muitos residentes em circunstâncias violentas.
O que eu gostei mais neste filme é que consegue criar uma ambiente tenso e arrepiante desde o início e mantê-lo quase até ao fim sem recorrer a muitos truques de efeitos especiais e maquilhagem, quase sem que aconteça nada, e mesmo assim sentimos que o horrível pode chegar a qualquer momento. Também gostei de ver o filme fugir ao cliché da pessoa imediatamente possuída e fora de si em três tempos. Izzy e Kim têm uma relação de amizade muito forte e isso aparenta tê-la mantido controlada mais tempo, ao contrário das vítimas anteriores. Tudo considerado, chegou para me convencer e prender ao écran.
No entanto, numa análise posterior, há coisas que não fazem sentido e/ou que nunca são explicadas. Aparentemente a presença maligna no apartamento tem a ver com uma seita druida. Ok. Também existe um vitral numa das janelas que aparentemente aprisiona as almas das vítimas. Ok. Mas, pensando bem, não. O apartamento é na América. Costumava ser um prédio de um banco que entretanto foi remodelado para fins residenciais e não pode ter mais de 100 anos. De onde veio o vitral? Foi a seita que o pôs lá? E quando? O vitral tem um aspecto e design muito recente, apesar do motivo medieval. Porquê medieval? Também não sabemos. Estão a insinuar que o vitral, apesar do design recente, é medieval? Que alguém o levou de propósito da Europa para a América? Mas porque é que o vitral (recente ou antigo) foi colocado no último andar de um edifício de escritórios de um banco (pelo menos é tudo o que sabemos)? Porque é que a seita não tentaria arranjar um local mais adequado para sacrifícios humanos? E se foi depois do banco, foi quando exactamente, e porque é que haviam de escolher um edifício em remodelação? Onde é que está essa seita agora, uma vez que aparentemente deixaram o vitral e nunca mais lá voltaram? Ou foram os primeiros residentes a pôr o vitral? E porque é que o fizeram, se é que sabiam o que estavam a fazer, porque foram também as primeiras vítimas? Como é que o vitral e o buraco lá apareceram? Será que isto tudo é já a pensar na prequela?…
Felizmente estas incoerências só me surgiram depois, o que significa que o filme me manteve focada no importante e não me deixou divagar. Contudo, as incoerências estão lá e incomodam posteriormente. A não ser que isto tudo seja mesmo de propósito e já de olho no “Room 2003 - A Prequela”.
Aconselho a quem gosta de filmes de terror que se constroem mais lentamente e sem os truques fáceis do costume, mas sem esperar demais.

13 em 20

 

domingo, 4 de agosto de 2024

Annabelle (2014)

“Anabelle” foi-nos apresentada no início de “The Conjuring” pelo casal de investigadores do paranormal Ed e Lorraine Warren, pelo que é considerada um spin-off deste último filme.
Ao ler as críticas a “The Nun” tropecei em alguns comentários a “Annabelle” que não a pintavam em cores brilhantes, mas confesso que não foi por isso que já fui de pé atrás para este filme. Brinquedos possuídos lembram-me logo de Chucky, o Boneco Assassino, que não se consegue levar a sério. Chucky é para rir. Anabelle é para dormir. Tenho a certeza de que havia aqui um grande filme, mas não passa de uma catadupa de clichés previsíveis.
A acção acontece no final dos anos 60, início dos 70, quando Charles Manson e seguidores ainda eram um choque acabado de descobrir. Um jovem casal, John e Mia, espera o primeiro filho. Se antes deixavam a porta aberta, agora já a trancam quando saem de casa.
Admito que não gostei nada de Mia. John, o marido, é um estudante de Medicina que vai começar o internato e comete o erro de desabafar que se sente stressado com o início da carreira e a iminência de ser pai, deixando Mia tão ofendidinha a ponto de amuar. Mia é dona de casa. Passa os dias a coser à máquina, a ver novelas na televisão e a coleccionar bonecas sinistras. Mas é assim tão difícil de compreender o stress do marido a ponto de lhe chamar egocêntrico? Eu até o achei demasiado moderno para a época. Nessa altura era esperado que as mulheres tratassem da casa e dos filhos e que os homens ganhassem para a família. Mas o filme não tem nada a ver com isto (embora fosse interessante se tivesse). Isto é só o background.
John comprou uma boneca de colecção para oferecer a Mia (que virá a ser Annabelle). Porque é que alguém quereria ter em casa uma boneca tão horrenda também estica um bocadinho a nossa credulidade, mas enfim. Pouco tempo depois, os vizinhos de John e Mia são atacados e esfaqueados pela filha de ambos, Annabelle Higgins, e pelo namorado desta, ambos adoradores do Diabo. De seguida chegam a entrar em casa de Mia e ainda lhe dão uma facada, mas a polícia chega ao local e mata ambos. Annabelle Higgins morre agarrada à boneca e algum sangue pinga sobre esta.
Mia fica horrorizada e quer que deitem a boneca fora. É então que acontece a cena que todos já vimos: o marido a pôr a boneca no lixo, que forçosamente vai aparecer na casa deles outra vez. Mia e John mudam de casa mas a boneca chega lá também com as bagagens.
Mia começa a experimentar as assombrações do costume, vendo o fantasma de Annabelle Higgins, e começa a investigar. Uma bibliotecária explica-lhe que muito provavelmente não é um fantasma que a assombra, mas sim um demónio ligado à boneca, e que este demónio quer uma alma, muito provavelmente a alma mais pura da casa, a da menina que acabou de nascer.
“Annabelle” vai buscar coisas a “The Exorcist”, a “Rosemary’s Baby” e até a “The Omen”, e mesmo assim não acerta em nada. Tudo é previsível. Por exemplo, quando o padre se oferece para levar Annabelle da casa já sabemos que lhe vai acontecer alguma coisa (porque já vimos “este filme”) e de facto acontece. Eu estava a pedir a todos os santinhos: “Por favor não adormeças, isto já deve estar a acabar, por favor não feches os olhos”.
E então chegamos ao clímax, e o filme fez-me finalmente sentir alguma coisa, embora nada do que eu esperava. Claro que não vou contar, mas Mia já sabe que é um demónio que quer a filha dela. Enfurecida, pega na boneca, que por esta altura já estava negligenciada, desguedelhada e com os olhos raiados de sangue, e começa a espancar Annabelle desalmadamente. Foi de tal forma que de repente tive pena da pobre boneca que não tem culpa de estar possuída, que não tem culpa de ter sido criada horripilante, que não fez nada a ninguém. E foi assim que “Annabelle” me fez ter pena da vilã, o que não pode acontecer num filme de terror. Tudo estragado.
Existe uma cena boa. A certa altura, perante Mia, Annabelle levanta-se do chão sozinha e até se ergue no ar. Isto teria metido medo se durasse pouco e fizesse com que Mia duvidasse dos seus olhos, por exemplo. Mas não. Teve de aparecer um diabo chifrudo a espreitar sobre o ombro de Annabelle, o mestre da marioneta, como se nós não soubéssemos já que a boneca está possuída. Aliás, esta coisa de diabos a espreitarem por sobre o ombro já vem de “Insidious”, o filme que me pôs a rir às gargalhadas e que faz parte de todo este universo de James Wan (que não é o realizador de “Annabelle, note-se).
“Annabelle” não mete medo, fez-me ter pena da vilã, quase me pôs a dormir. A parte que gostei mais foi mesmo do ataque dos malucos satânicos, porque pelo menos pareceu um bocadinho policial. Como filme de terror “Annabelle” é um enchido previsível de clichés que já toda a gente viu.

12 em 20 (porque me fez sentir alguma coisa, embora não o que o realizador queria que eu sentisse)