Para prevenir os mais sensíveis, “Escape Room” é um filme do tipo “Saw”. No entanto, a moda dos Escape Rooms é uma coisa real, em que um grupo de pessoas, por diversão, tem de descobrir pistas e resolver enigmas para “escapar” de um lugar fechado. (Sinceramente, acho que não ia gostar, especialmente se houvesse um deadline. Para stress já me chega o trabalho, obrigadinha.) Mas vamos lá ao filme. Christen e Tyler são namorados a pensar em tornar a relação mais séria, mas não está tudo bem entre eles. Tyler tem um affair com Natasha, casada com Anderson, ambos amigos do casal. Nunca se sabe exactamente se Christen está a par do affair, mas tudo indica que sim, uma vez que no aniversário de Tyler é ela que oferece convites aos participantes no jantar para uma aventura num Escape Room. A irmã de Tyler e o namorado dela também são convidados, mas uma rapariga sem namorado não é incluída no convite… e safou-se. Os três casais são levados numa limusine para parte incerta, onde são vendados e drogados e separados em três quartos diferentes. Num écran de televisão, vêem que Christen está presa numa jaula e deduzem que o objectivo final do jogo é “salvá-la”. Para isso têm uma hora para resolver as pistas e enigmas de modo a abrir as portas e chegar até ela. Por esta altura ainda estão todos convencidos de que é tudo um jogo e uma aventura, até que a irmã de Tyler e o namorado têm uma morte horrenda sem causa aparente. É então que as tensões dentro do grupo entram em ebulição. Natasha, que já tratava o marido abaixo de cão antes de tudo acontecer, torna-se verdadeiramente ofensiva, e Tyler, considerado por todos como arrogante e egoísta, começa igualmente a tratá-la com grande desprezo. É impossível que o pobre Anderson não se tenha apercebido também do affair. Na verdade entram todos em pânico e decidem safar-se cada um por si, excepto o desgraçado Anderson que não tem melhor sorte. A aventura torna-se um pesadelo. Alguém desconhecido (?) controla o “jogo”, como em “Saw”, e nunca tencionou deixá-los escapar. A grande questão é porquê, que nunca é respondida, tornando o fim bastante frustrante. Talvez o objectivo fosse uma sequela. Algo realmente a lamentar, especialmente porque o filme apostou tanto na dinâmica tensa e vingativa entre os casais, são as más interpretações de todos os actores (e eu raramente me queixo disto). Na vida real toda aquela gente saberia do affair, tal é a falta de subtileza dos olhares trocados entre Tyler e Natasha, e os diálogos (e outros grandes “pormenores”) no Escape Room propriamente dito nem parecem de pessoas naquela situação. Existem mais filmes em torno desta premissa, talvez para a próxima me calhe melhor.
Esta é uma série de grande qualidade sobre a primeira travessia aérea do Atlântico Sul por Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Demorei um bocadinho a "entrar" na história porque conheço muito pouco sobre o período histórico (1922) e quase zero sobre aviação (sobre a exactidão técnica da travessia têm de ir ler outra pessoa). Na minha ignorância, confesso, e também falta de interesse, sem desmerecimento dos aviadores, tinha a ideia de que Gago Coutinho e Sacadura Cabral tinham voado para o Brasil numa questão de horas, como hoje. A ignorância é minha, mas é mais uma grande razão para fazer e ver esta série. Disse que conhecia muito pouco sobre o período histórico, mas mais correctamente devia ter dito que conheço muito pouco sobre este Portugal da alta sociedade dos anos 20, com jornalistas, ministros, aviadores, clubes de Charleston. O que me chegou do Portugal deste tempo, via família, foi miséria, analfabetismo, ignorância, pés descalços, fome e obscurantismo. Este é um Portugal que os meus avós nunca conheceram e nunca puderam transmitir-me. Sacadura Cabral queria ir mais longe e empreender uma circum-navegação mas não teve financiamento do Governo porque se estava em crise e "o povo tinha fome". Este já é um Portugal que eu reconheço, com a puta da crise crónica e os concursos públicos feitos "à medida", os muito pobres que mal podiam comprar um burro e os muito ricos que queriam comprar hidroaviões. No fim das contas, não foi feita circum-navegação nenhuma e o povo continuou com fome. Há qualquer coisa de muito errado com este país. Regressando à ficção, adorei a atenção aos pormenores nesta série, desde o guarda-roupa à mobília e à loiça. Muitas peças desta loiça, aliás, que não era loiça cara, era o equivalente da loiça do Continente hoje em dia, ainda me chegou como "antiguidade" a preservar porque ainda era da "mãe da avó". O guarda-roupa lembra-me as fotos de família, e respectivos amigos e colegas, em dias de "tirar fotografia", todos no melhor traje e nos uniformes bem aprumados. Ainda tive um professor de liceu que se vestia assim. Vou só apontar uma criticazinha picuinhas. Pareceu-me que as cenas no avião precisavam de mais vento. Sei que em Hollywood têm umas máquinas de vento que fazem voar os cabelos, mas imagino que isso deva ser muito caro. Também presumo que a barulheira no avião devia obrigar os aviadores a gritar uns para os outros para serem ouvidos, o que deveria implicar legendas. Não sei, digo eu. "A Travessia" é uma série imperdível para quem gosta de História recente e deixa-me muito optimista quanto ao futuro da produção portuguesa de ficção. Se calhar ainda vou ver uma série de terror de jeito feita por cá, falando muito a sério. Última nota: então a festa do Neptuno, que eu vi em "Das Boot", existia mesmo! Será que ainda existe? Alguém me esclarece nos comentários, por favor?
Quando se vê um filme chamado “Megalodonte: O Tormento”, o título não engana: vai ser um tormento. No meu caso foi mesmo uma tortura, porque demorei umas 4 ou 5 vezes até conseguir vê-lo até ao fim e só por uma questão de curiosidade mórbida em perceber até que ponto a qualidade podia descer. Este é, a todos os níveis, um dos piores filmes a que já assisti na vida: tão mau, mas tão mau, que merece que se escreva sobre ele. Para “publicitar” este filme e outros do género, o SyFy tinha um anúncio hilariante que seguia mais ou menos assim: “Gostas dos melhores, dos maiores, dos mais épicos, dos mais espectaculares filmes de Hollywood? Não estavam disponíveis. Isto é o que sobrou.” Adorei a honestidade. Pelo menos o Syfy não quer vender gato por lebre, diz logo que os filmes não valem um chavo. O “enredo” é mais ou menos este: ao mesmo tempo que um megalodonte (tubarão extinto que pode chegar aos 60 metros) anda a atacar o navio militar King (não há contexto anterior), uma instalação científica que pretende aproveitar a energia de vulcões submarinos, o Cratus, começa igualmente a ser abalroada por um megalodonte que mais tarde se descobre ser uma fêmea grávida. À medida que os cientistas se apercebem, pelas notícias, que andam uns cinco megalodontes à solta a causar carnificina, decidem prender a fêmea nas instalações submarinas e pedir ajuda ao King, que já está em más condições com falta de pessoal e sem munições. Por este motivo, o King recorre ao navio militar mais próximo, o Fragasso, que se dirige também em auxílio do Cratus. Entretanto, a megalodonte presa no Cratus começa a ficar muito irritada e a atirar-se contra as instalações, ameaçando destruí-las, o que pode causar um tsunami no Havai porque (acho eu) isso rebentaria a ligação do Cratus ao vulcão. Deste modo, os cientistas decidem antes atrair os megalodontes à Cratus e fazer explodir as instalações, fugindo no submersível. Juro que os cientistas explicaram todas estas reviravoltas de planos umas 4 ou 5 vezes e mesmo assim não consegui acompanhar o que raio é que iam fazer. Este é mais um filme feito com 10 euros e roupa emprestada. As actuações são piores do que más, do piorio mesmo. O comandante do King tem mais pinta de realizador de cinema do que de alguém que alguma vez tenha pertencido ao exército. Se quiser ser mazinha diria que o comandante do navio é o realizador do filme, a cientista é a mulher dele, a cientista-estagiária é a filha dos dois, e os muitos figurantes são colegas da faculdade que esta convenceu a aparecer no filme de graça, muitos deles com o sorriso estampado no rosto de quem diz “olá mãe, estou num filme” apesar de naquele momento correrem o risco de ser comidos por tubarões de 60 metros. É ver para crer. Logo na primeira cena estão uns marines deitados no chão a fingir que estão mortos e, palavra de honra, percebe-se logo que estão vivinhos da silva. Pelo menos espalhavam uns baldes de ketchup a fazer de sangue para mais realismo, mas nem isso. “Megalodon: The Frenzy” deve ser daqueles que andam a competir pelo título de Pior Filme de Sempre para destronar “Plan 9 From Outer Space”. Por falar nisso, os efeitos especiais são verdadeiramente… especiais. Tão especiais que parecem desenhos animados. Há uma cena paradigmática de má representação, quando a cientista-chefe, num submersível, é perseguida pelo primeiro megalodonte que aparece no filme, e que conseguiria engolir o submersível e tudo. Quando ela se apercebe de que não consegue acelerar mais pede ajuda à central de comando: “O que é que eu faço?”, pergunta, como se nem fosse nada com ela. Sei lá filha, que tal gritar histericamente, desatar a transpirar, entrar em pânico como qualquer ser humano prestes a ser comido vivo? Mas no meio desta desgraça toda encontrei dois actores que sabem o que é representar num filme. Sem ironia, são eles os ilustres desconhecidos: Jeffery Daniels, como cientista Kurt Holt, que se manteve sempre no papel com toda a seriedade enquanto a cientista-chefe ia debitando barbaridades atrás de barbaridades sem tirar os olhos do monitor (se calhar estava a ler as deixas porque não teve tempo de as decorar); Jordan Hubbard, como Kacey Keele, capitão do Fragasso, a única tentativa de inserir algum drama nisto tudo uma vez que Keele já não era o comandante do navio mas na ausência deste toma a responsabilidade de salvar os civis. Quando o actor olhava para a água fazia-nos acreditar que estava mesmo a ver os megalodontes. Nesta tragédia de filme, ambos os actores podiam ter-se abandalhado, mas não, continuaram a representar estóica e profissionalmente como se estivessem a concorrer para os Óscares. UMA GRANDE SALVA DE PALMAS PARA ELES! “Megalodon: The Frenzy” podia ter recorrido ao humor (como a série de “Sharknados”) mas insistiu em levar-se muito a sério. Eis um filme que devia ser visto em todos os cursos de futuros profissionais de cinema como exemplo do que não fazer num filme. Novamente sem ironia, salvam-se umas imagens subaquáticas de um recife que não têm nada a ver com o filme (que se passa nas profundezas): alguinhas, peixinhos coloridos, muito bonito.
Realizado por Diogo Morgado, “Solum” é um filme português que se aventura por um género pouco (ou nada?) explorado entre nós, a ficção científica. Os actores são portugueses mas o filme é falado em inglês (se não os consegues vencer junta-te a eles…), o que me leva a concluir que havia ambições de singrar no estrangeiro. Li algumas críticas de “cá” que não são muito favoráveis, mas eu não achei o filme assim tão mau, se calhar porque estou habituada a muito pior no canal Syfy e “Solum”, apesar do orçamento reduzido, até não se safa muito mal. Mas vamos ao enredo, que é o que interessa. Oito concorrentes participam num reality show numa ilha deserta (as paisagens são dos Açores). O último a desistir é o vencedor do concurso. (Muita gente comparou esta premissa aos “Hunger Games”, mas eu ainda me lembro de um concurso semelhante chamado “Survivor” nos anos 90 e acho que os “Hunger Games” não são para aqui chamados.) Depressa os concorrentes percebem que de facto estão ali para sobreviver, e com mais gravidade do que pensavam. Entretanto, dois deles parecem saber mais do que os outros, e um deles decide mesmo eliminar a competição com um arco e flechas. Este pode parecer tresloucado, mas no fim acaba por dar uma explicação plausível, concorde-se ou não. A parte que os concorrentes não sabem (e que nós também não compreendemos muito bem) é que o planeta Terra foi destruído (vemos muito ao de longe uma bomba nuclear (?) cair na Europa) e que o jogo está a ser organizado por extraterrestres que estão a “seleccionar” os melhores espécimes para… levar para o planeta deles?… Aqui é que o filme se torna realmente confuso. Este “reality show” está mesmo a acontecer na realidade, numa ilha deserta, ou é completamente virtual e os concorrentes estão metidos em pods algures numa nave espacial e não sabem? “Solum” acaba por resumir-se a uma “moral da história” muito batida, isto é, será que os seres humanos merecem uma segunda oportunidade depois de destruírem o seu próprio planeta? Nesse caso direi que o filme é demasiado optimista. Não vai haver nenhuns extraterrestres para nos salvar. Teria sido uma melhor premissa.
Eis um filme excelente para quem tem medo do escuro. Estou a brincar. É mesmo um filme para NÃO ver por quem tem medo do escuro. Martin é um miúdo que vive aterrorizado pelo escuro e com boa razão. Sophie, a mãe, para além de psicótica é perseguida pelo fantasma de uma amiga de infância que só se manifesta no escuro. Mas esta não é uma assombração vulgar. Sophie e Diana (o nome da amiga) estiveram internadas juntas num hospital psiquiátrico quando eram crianças. Diana sofria de uma sensibilidade extrema ao sol. Numa tentativa de “cura”, os médicos submeteram-na a intensa radiação solar… e a miúda morreu. Sophie conseguiu controlar a psicose com medicação e viver uma vida mais ou menos normal, mas sem os remédios começa imediatamente a receber a visita do fantasma da amiga. Na verdade, Sophie sente-se imensamente culpada por ter esquecido Diana, não quer mandá-la embora e está convencida de que a amiga jamais faria mal à sua família. Martin sabe que não é verdade e desiste de dormir de noite, o que faz com que adormeça durante as aulas. A escola tenta contactar a mãe, que não está disponível devido ao surto de psicose mais recente, e tem de recorrer a Rebecca, meia-irmã de Martin, uma jovem adulta e independente que não quer compromissos nem com o namorado. Martin não julga que a irmã acredite nele mas mesmo assim fala-lhe de Diana e, para sua grande surpresa, Rebecca não apenas acredita nele como se recorda de Diana da sua própria infância e foi mesmo por isso que se afastou da mãe e do irmão. Rebecca também sabe que Diana ataca toda a gente que considera uma ameaça que a afaste de Sophie e a partir daí decide fazer tudo para salvar Martin, nem que tenha de o retirar à mãe. Como filme de terror, penso que “Lights Out” peca em relação à vilã. Afinal, a miúda foi assassinada na infância. É-nos dito que mesmo antes disso Diana era “agressiva” mas esta agressividade nunca é explicada. Todavia, uma miúda que sofre de uma doença rara, que certamente é ostracizada pelas outras crianças a ponto de só ter uma única amiga, e que foi enfiada num hospital psiquiátrico, não é apenas normal que tenha ataques de raiva? E não é normal, como fantasma, que permaneça agarrada a essa única amiga e que se considere ameaçada por toda a gente que as tente separar? Diana só existe ainda, afinal, porque Sophie se lembra dela, e Diana quer sobreviver. É impossível não simpatizar. Logo, para mim o filme perdeu muito do elemento de terror porque tive pena da vilã. Uma vilã mais malvada teria tido mais impacto, pelo menos para mim. Desta forma, acabei por focar-me mais no drama do que no terror propriamente dito. Mesmo assim, é um filme interessante com alguns momentos de tensão, se bem que me pareça dirigido a um público muito jovem.
Então, afinal Athelstan existiu mesmo! Eu sempre pensei que fosse uma personagem ficcional de "Vikings", tal foi a falta de verosimilhança com que o retrataram. O mesmo se pode dizer de todas as personagens e até do enredo de "Vikings", algo que oscilava nas ondas da incoerência como um barco viking nas ondas do mar sem rota traçada. O mesmo não se pode dizer de "The Last Kingdom", uma história com cabeça, tronco e membros. "The Last Kingdom" é a odisseia de Uhtred de Bebbanburg, um nobre nascido saxão e criado por vikings, no objectivo de recuperar o título usurpado pelo seu tio. Apesar de todas as proezas militares ao serviço dos reis de Wessex, Alfred e Edward, isto não foi tarefa fácil porque Bebbanburg se situa no norte da (actual) Inglaterra e os reis de Wessex não arriscavam dar-lhe o apoio necessário numa época em que eram acossados por raides vikings nas suas próprias terras. Só tenho bem a dizer de "The Last Kingdom", uma história que me viciou desde o princípio. É verdade que o enredo foi "manobrado" para haver sempre uma grande batalha no início e no fim de cada temporada, mas numa série centrada à volta da conquista/invasão viking é natural que assim seja. No ínterim, temos drama, romance, humor, momentos filosóficos e passagens dignas de Shakespeare se Shakespeare tivesse escrito para a televisão (só dois exemplos na última temporada: o discurso de Lord Aethelhelm e o pranto de Lady Aelswith). Acredito mesmo que seja esta a maior diferença entre "The Last Kingdom" e "Vikings", duas séries sobre o mesmo tema, a primeira da perspectiva dos saxões, a segunda da perspectiva dos vikings. "The Last Kingdom" é uma série muito mais convencional, com personagens e circunstâncias históricas e religiosas que nos são mais familiares. Se "Vikings" era mitológico, "The Last Kingdom" está bastante mais ancorado na História como esta chegou até nós e focado na construção da futura Inglaterra. Basta dizer, sem querer entrar em muitos spoilers, que a derradeira batalha é entre saxões, embora envolvendo nórdicos instalados há gerações em terras britânicas. Aproveito para falar já das batalhas propriamente ditas. Costumo queixar-me de batalhas em que não se percebe nada do que está a acontecer, em que não se distingue quem está a fazer o quê e onde. Só tenho a dizer o contrário de "The Last Kingdom". As batalhas estão excepcionalmente bem filmadas, com perspectivas aéreas que nos permitem ver a posição dos adversários, com destaques nos confrontos entre personagens principais sem fazer parecer que a guerra parou toda para se poder ver este ou aquele duelo (outra coisa que acontece muito nos filmes de acção), sem que a importância dada a estes confrontos nunca torne a batalha lenta ou irrealista. Vindo de mim, é um elogio: nunca me senti perdida, percebi sempre o que estavam a fazer, onde se situavam os exércitos, qual era a posição e a força numérica de cada um, qual era a estratégia de defesa e ataque, quem estava a ganhar ou a perder e porquê, e quem eram os protagonistas decisivos. Todos os filmes de acção deviam pôr os olhos nisto. É assim que se filmam batalhas. A última batalha, no último episódio da última temporada, é a mais épica de todas, uma das coisas mais arrepiantes que já vi numa batalha de espadas, e não pelos horrores habituais que se podem esperar deste tipo de conflito. Recomendo a todos os verdadeiros amantes de acção que não percam isto por motivo nenhum. Mas o que gostei mais em "The Last Kingdom" foram mesmo as personagens de carne e osso, tridimensionais, com as suas forças e fraquezas, virtudes e defeitos, e motivações bem estabelecidas mesmo quando a personagem muda completamente de ideias. Por exemplo, foi penoso assistir a como Brida, uma rapariga aguerrida mas pragmática, se foi transformando numa fanática religiosa e sanguinária para justificar o seu ódio a Uhtred, quando na verdade era evidente que permanecia em negação quanto aos seus próprios erros. Estas são personagens sólidas, complexas, humanas, que nos despertam a empatia. Quando alguma morria, conseguia mesmo afectar-me, até no caso de alguns vilões. Não quero dizer quem morre, mas vou dar o exemplo de Haesten, porque sei que desde o início toda a gente vai querer ver Haesten morrer, o mais brevemente possível e o mais lentamente possível. A melhor maneira de descrever Haesten é que é um merdas. Haesten é um guerreiro viking mais cobarde do que guerreiro, sempre mais disposto a fugir do que combater, sempre a pendurar-se nas vitórias dos outros e a gabarolar-se das suas "proezas" inexistentes, um intriguista capaz de trair tudo e todos para satisfazer a cobiça e a ambição, e, pior do que tudo, por várias vezes Haesten tenta tomar mulheres à força, especialmente as prisioneiras de guerra como a princesa Aethelflaed, por quem chega a desenvolver uma obsessão muito para além das práticas normais dos vikings a ponto de arruinar tudo o que já tinha conquistado para a perseguir. Haesten personifica tudo o que há de mais baixo, egoísta, fanfarrão, ganancioso e desleal. Para que a morte dele nos afectasse, uma série menor teria recorrido a um fim agonizante ou a uma redenção-instantânea de um só gesto de compaixão. Mas "The Last Kingdom" começa a preparar a coisa mais cedo. Anos mais velho, Haesten salva a Lady Eadith de uma situação periclitante sem ter nada a ganhar com isso (embora lhe dê a entender que a queria ter como amante, mas nada que garantisse que tal ia acontecer) e tenta mesmo salvar Aelfwynn, filha da própria Aethelflaed, numa circunstância em que podia antes ter-se salvado a si próprio, o que faz dele quase uma pessoa decente. Eu sabia que Haesten tinha os dias contados (melhor gente do que ele morreu por muito menos), mas nunca me passou pela cabeça ter pena deste merdas. Aliás, quem gostou de "A Guerra dos Tronos" vai apreciar as mortes abruptas, muitas delas no momento e da maneira que menos esperávamos. Mas, ao contrário de "A Guerra dos Tronos", muitas destas mortes não valem apenas pelo efeito de choque, algumas fazem-nos mesmo sentir falta do personagem (incluindo alguns vilões, como disse acima). Resta-me falar dos momentos de humor, alguns muito subtis, como o homem que leva o porco à taberna (quase nem se dá por ele), ou aquela cena em que uma viúva cinquentona, casta como uma monja, acompanhada da neta adolescente e bonita, recebe as atenções indesejadas de um bêbedo que prefere fazer-lhe olhinhos sem ligar nada à rapariga, deixando a senhora bastante incomodada. E por falar em viúva, foi impressionante como a rainha Aelswith, mulher de Alfred, se transformou de beata fanática em mulher engenhosa e pragmática, exactamente o contrário do percurso de Brida. Como já salientei antes, "The Last Kingdom" é também uma grande produção em termos de cenários, guarda-roupa, interiores e exteriores da época. Uma delícia para quem é apaixonado por História. Uhtred, o protagonista, acaba por ser o personagem menos tridimensional, curiosamente. Tornaram-no demasiado "herói de acção" que vence sempre no fim (ou quase sempre), por muito que tenha de passar para lá chegar. Uhtred também tem virtudes e fraquezas (o orgulho e a teimosia são as que o prejudicam mais) e uma mania embirrante de culpar o destino por tudo (o célebre "destiny is all"), afirmando mesmo que nunca teve escolha, para o bem e para o mal, quando nós vemos perfeitamente que teve e que efectivamente escolheu. No entanto, compreendo que tinham de o fazer heróico. Uthred é uma personagem inesquecível e ninguém queria seguir tamanha odisseia para o ver fracassar no fim. Resta saber se consegue recuperar Bebbanburg ou se o destino lhe reserva outras recompensas. Destiny is all!
Uma última palavra para a excelente banda sonora de Eivør e John Lunn, motivo mais do que suficiente para aguardarmos ansiosamente pelo princípio e fim de cada episódio:
Quando vi que este filme é do “nosso amigo” James Wan (“Insidious”, The Conjuring”, “The Nun”, etc) fiquei logo à espera do “nosso outro amigo” diabo chifrudo. Tenho para mim que James Wan e o diabo chifrudo são amigos desde a escola primária e que Wan lhe arranja papéis em todos os filmes que faz. Mas não, nada de diabo chifrudo. A protagonista, Madison Mitchell, é atacada pelo marido abusivo e a partir desse momento começa a ter visões de homicídios como se ela própria lá estivesse. A polícia desconfia dela até ao momento em que descobre um outro suspeito a fugir do local do crime, mas qual é a relação dele com Madison? Logo no princípio do filme assistimos ao que parecem experiências com crianças num hospital que me recordou o laboratório de “Stranger Things” onde “treinavam” Eleven. Mais tarde descobrimos que Madison é adoptada e que o seu irmão gémeo pode ser o autor dos crimes cujas vítimas são precisamente os médicos do hospital que vimos no início. Confesso que o filme me “enganou” bem enganada, porque a natureza dos crimes é muito mais mirabolante do que eu podia imaginar. Li qualquer coisa sobre um caso destes algures num século passado mas, para dizer a verdade, sempre achei que era uma história da carochinha (não havia fotografias do fenómeno). E depois deste filme também não sei se acredito. Mas também não é para acreditar, pois não? Apesar das incoerências de “Malignant” (o suspeito parece ter poderes sobrenaturais como a manipulação de electricidade e aparelhos transmissores, mas nunca os usa com muita regularidade porque a sua “especialidade” é luta corpo a corpo…), parece-me que este foi o filme de James Wan que detestei menos (exceptuando “The Conjuring” que, ame-se ou odeie-se, é um bom filme). O enredo é rebuscado, direi mesmo tresloucado, se não impossível de todo, e a crítica arrasou-o, mas eu diverti-me.
Uma família de posses, pai, mãe, filha adolescente e filho mais novo, compram um casarão na Irlanda no meio de nenhures que mais parece um hotel. (A sério, porque é que uma família de quatro pessoas compra uma casa tão grande? Só os custos de manutenção – limpeza, electricidade, jardim – são um filme de terror.) Curiosamente, a cave parece bastante pequena para uma casa tão grande: só espaço para meia dúzia de vassouras, duas estantes de vinhos e pouco mais. Certa noite em que os pais têm uma reunião de trabalho e a filha mais velha, Ellie, fica a tomar conta do irmão, falta a luz em toda a casa. Num telefonema com a mãe, Keira, esta convence Ellie a descer à cave para ligar os disjuntores, indicando que são apenas 10 degraus e incentivando Ellie a contá-los um a um para não ter medo. Só que quando Ellie chega ao fim continua a contar, a contar, e desaparece na cave sem deixar rasto. A polícia e o pai não dão muita importância ao desaparecimento porque Elllie já tinha fugido antes e voltava sempre a casa, mas a mãe suspeita que algo de muito diferente se passou desta vez. Keira começa a notar coisas estranhas na casa, nomeadamente símbolos desconhecidos em cima de cada porta e uma equação misteriosa no último degrau das escadas da cave. (Eu percebi logo que os símbolos eram letras hebraicas. É muita Bíblia, meus amores, muita Bíblia! Quanto à equação, embora eu esteja convencida de que a matemática é obra do Demo, não faço ideia.) Outras coisas sinistras se passam na casa, nomeadamente falta a luz quando é mais necessária, existe um gramofone antigo que reproduz a equação e uma série de números, portas abrem-se para divisões onde não devia existir nada e o miúdo mais novo parece hipnotizado e tenta dirigir-se a elas, objectos movem-se sozinhos (como as contas de um velho ábaco que se deslocam de um lado para o outro), enfim, o costume numa casa assombrada. Keira começa a investigar o antigo dono da casa, um tal de Dr. Fetherston, matemático, ocultista e alquimista, e descobre que toda a família do Dr. Fetherston também desapareceu em circunstâncias misteriosas. Keira procura a universidade do Dr. Fetherston e fala com o seu sucessor, Dr. Fournet, um génio matemático. Este não reconhece a equação mas identifica-a como parte de uma sequência incompleta. Também é ele quem lhe diz que Dr. Fetherston foi colega de Erwin Schrödinger (sim, o sádico do gato), e a partir daqui eu acredito que ambos andavam a tramar tudo o que é maléfico, maligno e malvado em geral. Mais tarde, o Dr. Fournet contacta Keira e informa-a de que encontrou outra sequência da equação numa casa belga, de onde igualmente desapareceu uma família inteira. Também é ele quem descobre que as letras hebraicas na casa de Keira formam a palavra Leviatã. O “grande Leviatã”, aqui associado a Baphomet, é um dos nomes bíblicos para o Diabo, mas eles só descobrem quase no fim do filme. (Muita matemática, pouca Bíblia, dá nisto.) Quando finalmente Keira percebe que existe algo de maléfico na casa, mais propriamente na cave, já é tarde demais. Há duas cenas arrepiantes neste filme pouco original. O disco do gramofone tem o poder de hipnotizar quem o ouve. A certa altura Keira encontra o filho e, mais perigoso ainda, o marido, completamente possuídos pela força maléfica que os quer levar para a cave e eu pensei num cenário tipo Amityville. A outra cena é a própria cave. Como disse a princípio, com as luzes acesas esta parece demasiado pequena para aquela enormidade de casarão, mas com as luzes apagadas os degraus parecem estender-se até um infinito de vastidão ameaçadora. É verdadeiramente assustador e eu não desceria aquela escada por motivo nenhum, especialmente por ser tão enganadora com a luz acesa. “The Cellar” tem bastantes elementos para um grande filme de terror e obviamente que uma força demoníaca quer capturar aquela família (e outras), mas nunca chegamos a entender porquê nem para quê, o que não nos ajuda a perceber a história, se é que podemos falar em história se não existe um fim minimamente compreensível. O filme parece antes uma manta de retalhos (ou clichés) que são promissores de início mas que nunca se transformam num todo com cabeça, tronco e membros. Foi pena.