terça-feira, 30 de abril de 2024

Balada da Praia dos Cães (1987)


Baseado no romance homónimo de José Cardoso Pires, nunca tinha visto o filme nem lido o livro e fiquei agradavelmente surpreendida.
A acção inicia-se quando o corpo de um homem é encontrado por cães semi-enterrado no areal de uma praia. Trata-se do major Dantas, foragido de uma prisão militar que escapou com a ajuda da jovem amante e de dois cúmplices. Curiosamente, a PIDE culpa os comunistas (como sempre) mas entrega o caso à Polícia Judiciária, embora tudo indique que terá sido um assassinato político. Geralmente associamos Raul Solnado a papéis cómicos, mas aqui este é Elias Santana, chefe de brigada, que tem de reconstituir e interpretar os elementos contraditórios que rodeiam a fuga.
Não li o livro, mas o filme não tem nada a ver com a PIDE (embora um dos cúmplices possua de facto uma lista de nomes anti-regime que nunca é aprofundada) ou com a luta anti-fascista. O major tem de facto ideias revoltosas e mirabolantes mas não passam de delírios à Napoleão, a quem este chega a mencionar.
Sem querer revelar mais do enredo, o crime foi passional. Quem matou o major Dantas, e porquê? Achei o filme uma mistura de Agatha Christie com film noir com uma femme fatale e tudo, mas à portuguesa, e resultou muito bem. Deu-me vontade de ler o livro.
Só não percebi porque é que se recorreu a actores estrangeiros em 1987. Certamente algo que me escapa.

20 em 20

domingo, 28 de abril de 2024

Hereafter / Hereafter - Outra Vida (2010)

[contém spoilers]

Da primeira vez que vi este filme simplesmente não “bateu” como da segunda. Se calhar estava à espera de outra coisa. Este é um filme sobre a morte. E sobre a vida. E sobre a morte.
“Hereafter” conta as histórias paralelas de três personagens. A jornalista francesa Marie Lelay está de férias na Tailândia durante o tsunami de 2004. Apanhada pela onda assassina, Marie quase se afoga e tem uma experiência de quase-morte que vai mudar todos os seus interesses profissionais. Marie tencionava escrever um livro sobre Mitterrand, mas agora está obcecada em procurar provas da vida no Além, o que lhe vale a perplexidade e até alguma troça dos colegas.
Longe, nos Estados Unidos, George Lonegan é um vidente “a sério” que abandona essa carreira lucrativa para se empregar como trabalhador fabril porque já não aguenta que “a vida seja sobre a morte”, por muito que as pessoas insistam e lhe queiram dar dinheiro para o convencer a fazer uma leitura com os entes queridos falecidos.
Na Inglaterra, dois gémeos dos seus 11 ou 12 anos têm uma mãe toxicodependente e fazem tudo para a encobrir dos Serviços Sociais para que estes não os separem. Num acidente trágico, um dos gémeos morre atropelado e o outro, Marcus, é colocado à guarda de uma família de acolhimento. Mas Marcus não se conforma e rouba todos os tostões para consultar charlatães vários (na tentativa de contactar o irmão) que não se importam de extorquir dinheiro a uma criança. Marcus já descobriu George na internet, mas este está demasiado longe.
Encontram-se na Feira do Livro de Londres, onde Marie está a apresentar o livro sobre o Além que acaba de lançar. George foi despedido num downsizing da empresa para onde trabalhava e encontra-se em Londres para tirar tempo para pensar. Marcus dá com ele e persegue-o até conseguir falar novamente com o irmão, o que George faz porque tem pena do miúdo. A certa altura não se percebe se George ainda está a falar com o Além ou a “inventar”, quando diz a Marcus que o irmão o manda esquecê-lo e seguir em frente com a sua vida, mas seja como for foi comovente.
Em suma, é esta também a mensagem do filme: acredite-se ou não no Além, não adianta ficar obcecado com o assunto. O importante é seguir em frente, mesmo quando a vida é injusta. Afinal, eventualmente toda a gente vai descobrir se o Além existe ou não.

14 em 20

domingo, 21 de abril de 2024

The Last of Us (2023 - ?)


Fiquei decepcionada com esta série. “The Last of Us” é a adaptação de um jogo de vídeo num mundo pós-apocalíptico. O que causou o apocalipse foi um fungo mutante que começou a infectar seres humanos, controlando-lhes o cérebro e tornando-os agressivos de modo a contagiarem o máximo de pessoas possível (é-nos dito no prólogo que isto acontece na natureza, mas não em seres humanos). Chamam-lhes Infectados mas na verdade são mais “colonizados”, e comportam-se como uma mente única, a do fungo, que inclusivamente tem tentáculos subterrâneos que os controlam como uma só unidade. No entanto, embora se assemelhem a zombies, estes Infectados não o são e o próprio fungo acaba por matá-los mais tarde ou mais cedo.
Devo avisar que algumas imagens de Infectados são imensamente repugnantes. O fungo aloja-se dentro do hospedeiro mas acaba por sair para fora. Numa das cenas, uma professora universitária de Micologia está a fazer uma autópsia a um deles e, ao abrir uma incisão no cadáver, o interior do corpo é só fungo. A professora fugiu disparada da sala de autópsias e eu até fiquei com comichões e com os pêlos dos braços em pé de tanto nojo. Na verdade, acredito que “The Last of Us” podia ter feito os Infectados ainda mais repulsivos (alguns fungos são bastante repelentes) mas se calhar recearam que as pessoas não conseguissem ver a série devido à reacção física de repugnância.
Com este cenário, pensei que talvez “The Last of Us” viesse a preencher o vazio deixado por “The Walking Dead”, mas isso não aconteceu por várias razões. Uma das maiores é a notória falta de Infectados. Enquanto que em “The Walking Dead” tínhamos zombies em quase todos os episódios, aqui, por alguma razão, em 9 episódios só existem 3 ou 4 confrontos com Infectados. Terá sido falta de orçamento ou uma aposta maior no drama entre os personagens? Não tenho nada contra séries dramáticas, antes pelo contrário, mas se toda a história gira em torno dos Infectados não deveríamos vê-los mais vezes?
Voltando ao enredo, vinte anos depois do início da pandemia a sociedade organizou-se numa ditadura militar dentro de centros fortemente vigiados chamados Zonas de Quarentena. As pessoas vivem mal, tendo de trocar trabalho por rações. Existe uma Resistência bastante activa mas não consegue grandes resultados. Joel, um homem de 56 anos que perdeu a filha adolescente no início da pandemia, é um deles e vive na Zona de Quarentena de Boston. Joel também trabalha, mas é mais para disfarçar a actividade de contrabandista que comporta risco de execução sumária.
Acidentalmente, a Resistência encontra uma adolescente muito especial, Ellie, que parece ser imune ao fungo. Na sequência de um ataque imprevisto, a líder da Resistência incumbe Joel (a troco de contrapartidas) de acompanhar Ellie em segurança até às instalações médicas onde, têm a certeza, Ellie será fulcral para desenvolver uma vacina ou uma cura. É este o enredo: Joel e Ellie têm de atravessar o país enfrentando Infectados, salteadores, militares, rebeliões e até fanáticos religiosos canibais (o episódio dos canibais foi o melhor).
Como acontece sempre neste tipo de história, a princípio Joel encara Ellie como mais um “trabalho”, uma mercadoria a transportar, mas obviamente o seu instinto protector e a culpa por não ter conseguido salvar a vida da filha começam a vir ao de cima e Joel acaba por desenvolver um sentimento paternal para com Ellie. Ellie, em princípio à defesa e relutante em confiar, acaba por se afeiçoar também a Joel como ao pai que nunca teve (como em “The Witcher”, na verdade, só para citar um caso em milhentos). É nesta relação que se baseia o fundo dramático da história, que acaba por suplantar os elementos pós-apocalípticos da premissa.
Agora, as razões do meu desapontamento. Para além do exíguo número de Infectados que Joel e Ellie encontram pelo caminho (e esta queixa não é só minha), o que mais me afastou da série foi mesmo a miúda (e a queixa também não é só minha). Não tenho nada contra a actriz Bella Ramsey, pelo contrário, adorei-a como Lyanna Mormont em “Guerra dos Tronos”, mas Ellie é uma miúda embirrante, armada em boa, com 14 anos mas mentalidade de 12, inculta, tem acesso a livros mas os seus preferidos são uma compilação de trocadilhos sem piada nenhuma e uma banda desenhada do mais básico possível que só um miúdo de 8 anos partilha com ela (já nem falo do “auge” da vida dela que foi jogar Mortal Kombat), e ainda por cima acha-se muito engraçada. Ainda me irrita mais quando outros personagens dizem que ela é engraçada (não é) e que tem capacidades de liderança (eu não vi nada, qual liderança, a miúda segue Joel como um cachorrinho atrás do dono). Enfim, detestei-a. Preferia muito mais que a protagonista fosse a filha de Joel, essa sim, uma personagem empática, mas infelizmente tiveram de a matar logo a princípio.
Outra coisa que me desagradou na série foram os episódios filler, isto é, de encher chouriços. Sem nunca ter visto o jogo à frente (nem vi nem quero ver) fiquei com a impressão de que não havia enredo que chegasse e tiveram de arranjar maneira de esticar a massa. Um dos exemplos mais flagrantes é logo o terceiro episódio (de uma hora e vinte minutos!) que é o flashback da relação entre Bill e Frank. Bill é um survivalista quarentão que aparentemente não sabe que é homossexual quando conhece Frank, já depois do apocalipse. Apaixonam-se, vivem felizes e envelhecem juntos apesar de tudo o que se passa no mundo. É um episódio muito bonito, muito romântico, muito comovente, mas eu tive a sensação de que estava a ver outro filme. Bill e Frank nem nunca se cruzam com Joel e Elllie e o episódio não faz nada para avançar o enredo. Quando estava a ver pensei que Bill e Frank deviam ser muito importantes para o jogo para terem direito a tanto destaque e tão pormenorizado, mas ao ler as críticas percebi que (mais uma vez) a queixa não era só minha. Frank e Bill só têm importância marginal para o enredo em geral, não são personagens assim tão relevantes. Mas não é caso único. Novo episódio, novos personagens, novo sub-plot, morrem todos, novo episódio. E a série vai assim até ao fim. Tendo em conta que são apenas 9 episódios, esperava-se uma história mais coesa e focada nos protagonistas. Isto nem vai parecer eu a falar, mas realmente faltaram Infectados e confrontos a dificultar a vida a Joel e Ellie. Os adversários que eles encontraram, em vez disso, foram outros humanos, alguns muito monstruosos, é verdade, mas isto devia ser uma série sobre um fungo que infecta humanos e não sobre a monstruosidade humana em geral. Um título mais apropriado para o drama realmente retratado na história devia ter sido “Joel e a Filha Perdida”.
E ainda outra coisa que me irritou bastante na série: ao fim de 20 anos aquelas alminhas ainda não aprenderam que a maneira mais eficiente de matar um Infectado é o inescapável tiro na cabeça (até porque é lá que o fungo se aloja e de onde controla o hospedeiro). Foi tanta a munição desperdiçada ao desbarato que se Daryl Dixon ou Carol ou até a pequena Judith vissem aquilo abanavam a cabeça em desdém: “Amadores!”
Não detestei a série mas esperava muito melhor e um enredo mais baseado na premissa. É sobre humanos controlados por fungos. O drama pode ficar à mesma, mas mostrem-nos os fungos, bolas!
Pelo menos assistimos a 15 minutos do desagregar da sociedade antes do salto temporal de vinte anos para a frente, o que eu gosto sempre de ver, mas ainda não foi desta que fiquei satisfeita. Quando é que nos vão mostrar a sociedade a desagregar-se como deve ser?

PS: Já depois de escrever o artigo, para não morrer estúpida, fui espreitar um stream do jogo, que por acaso estava precisamente na parte mais emocionante do episódio dos canibais. Não tive paciência para ver mais de um minuto. Definitivamente, não gosto de jogos.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: The Walking Dead, zombies, Young Adult, mundos pós-apocalípticos, distopia


terça-feira, 16 de abril de 2024

The Call / A Chamada (2013)

Jordan, uma operadora do 911 (linha de emergência como o 112) recebe uma chamada de uma adolescente que tem um intruso em casa, e comete um erro. Em resultado disso, a adolescente é raptada e encontrada morta.
Durante muito tempo, traumatizada com a experiência, Jordan deixa de atender chamadas e passa a ser formadora de novos operadores. Até ao dia em que uma novata recebe uma chamada semelhante. Em pânico, a principiante passa a chamada a Jordan, que por alguns indícios percebe que está a falar com o mesmo serial killer. Jordan tem de ultrapassar a insegurança e a culpa para salvar esta outra adolescente que o homem já transporta na mala do carro. A cada momento do filme, principalmente quando o raptor se apercebe do telefonema, adivinha-se outra tragédia.
“The Call” é um thriller que recordará a muitos de “Psycho” e, principalmente, de “O Silêncio dos Inocentes”. Mas o que gostei mais, admito, é como se mostra os bastidores de um call centre de elevado stress, em que cada decisão pode significar vida ou morte. Neste aspecto, o filme faz tudo o que tem de fazer. Recomendo vivamente.

14 em 20


domingo, 14 de abril de 2024

Deep Rising / O Barco do Inferno (1998)


Quem não gosta de um bom desastre num navio de luxo? (Quem disse que não está a mentir.)
Meia dúzia de mercenários têm por missão assaltar um cruzeiro, mas quando lá chegam este já tinha sido atacado por monstros marinhos e todos os passageiros tinham desaparecido. Quem é que não gosta de um navio-fantasma? (Quem disse que não também está a mentir.) Agora os mercenários têm de fugir aos monstros marinhos, se conseguirem.
Duas coisas engraçadas neste filme. Os assaltantes têm um “homem infiltrado” que procede à sabotagem do computador de bordo com três CD-Roms. Mais engraçado só se fossem disquetes.
A outra coisa engraçada foi quando alguém disse que o único mecânico de bordo era “dispensável”. Não sei quem é que teve a ideia deste diálogo desastrado, porque como o próprio filme demonstra o único mecânico de bordo é quem consegue fazer as reparações quando elas são necessárias.
“Deep Rising” é na sua essência um filme de terror, com o número obrigatório de monstros e mortes pavorosas (com os efeitos especiais possíveis à altura), mas possui o bastante de acção, os comic reliefs suficientes e até uns pozinhos de romance para poder ser visto em família desde que todos tenham mais de 10 anos.
Este é daqueles filmes que tem tudo para agradar e entreter e não chocar. Nada de original, tudo já testado e experimentado.
Parece-me que o final se destinava a preparar uma sequela tipo King Kong. Desconheço se foi feita e espero mesmo que a ideia não tenha passado do papel.

12 em 20

domingo, 7 de abril de 2024

The Fall of the House of Usher (2023)

Roderick Usher é um homem acabado, com uma doença incurável que causa demência, alucinações e morte. Nos últimos 15 dias enterrou os seis únicos filhos, todos mortos em circunstâncias horríveis. Quase tínhamos pena de Roderick se não soubéssemos que este mesmo homem é o dono de um império farmacêutico, as indústrias Fortunato, responsável por vender um analgésico altamente viciante (um opióide) garantindo que é inócuo e causando milhões de dependentes de heroína em todo o mundo com as mortes consequentes. Roderick sempre soube que estava a vender uma droga perigosíssima e os efeitos que esta causava, pensando apenas no lucro. Todos os elementos da família, desde a irmã de Roderick, Madeline, aos seus filhos, estão a par da situação e não se importam de viver como bilionários à custa do sofrimento dos outros. Finalmente a Fortunato é levada a tribunal com provas substanciais pelo Procurador Auguste Dupin e uma condenação é iminente.
É exactamente a Auguste Dupin que Roderick convida uma noite à sua casa de infância, prometendo-lhe uma confissão completa. Roderick assegura a Dupin que as mortes dos seus filhos estão relacionadas e que ele, Roderick, é responsável por todas elas. Dupin, que conhece Roderick há 40 anos e que acha que não há um único Usher “bom”, pensa que Roderick está apenas a sentir-se culpado uma vez que todas as mortes foram investigadas e não existe relação entre elas. Roderick volta a insistir que há e passa a prová-lo.
“The Fall of the House of Usher”, como o nome indica, é uma série genial que reúne vários trabalhos de Edgar Allan Poe em torno da história da família Usher, o que obrigou a algumas adaptações perfeitamente compreensíveis. Cada um dos episódios é dedicado a um dos membros da família Usher e tem o nome de uma das obras de Poe, mas não vou explicar muito sobre isto por causa dos spoilers.
Quanto às mortes, digo apenas duas coisas:
1) não matem o gato preto do vosso namorado; dá muito azar. Aliás, não matem gato nenhum, dá sempre azar.
2) se acham que ter um espelho por cima da cama é sexy, um dos episódios vai de certeza fazer com que reconsiderem.
Estou a fazer humor mas não há nada de engraçado no que acontece aos membros da família Usher, e quase todos o merecem excepto a jovem Lenore. Quando se diz que o final deles é horrível não é um eufemismo e esta não é série para pessoas impressionáveis (mas tendo em conta que é inspirada em Edgar Allan Poe não era de esperar outra coisa).
Sem querer mesmo entrar em spoilers, existe de facto uma mulher misteriosa que persegue cada um dos Ushers antes da morte. A princípio não percebi o que ela era, se anjo vingador ou apenas demónio. Esta mulher apresenta-se a Roderick como Verna (um anagrama de Raven), e aparece a todos os seus filhos com uma identidade diferente, aparentemente tentando levá-los a tomar uma boa decisão e a castigá-los quando eles persistem em agir mal (todos os Ushers agem mal porque são privilegiados, prepotentes e egoístas). Mais tarde percebemos que esta entidade é ao que Arthur Gordon Pym (advogado e capanga dos Ushers) chama um demónio num sentido mais lovecraftiano.
[Neste caso é o contrário, uma vez que Lovecraft se inspirou em Poe, mas foi Lovecraft quem explorou o conceito da sua forma única e inconfundível, de tal forma que quando se fala em lugares e seres sobrenaturais “fora do tempo e do espaço” pensamos logo nele, enquanto que Poe ficou mais conhecido pela sua poesia lúgubre, funesta e desoladora.]
Episódio a episódio, vamos descobrindo o papel de Roderick e Madeline Usher na destruição do seu próprio império e linhagem. Ambiciosos, gananciosos e sem escrúpulos, são os candidatos perfeitos para um pacto com The Raven.
Apesar da antiguidade dos originais, “The Fall of the House of Usher” aborda temas modernos. Tenho para mim que a droga Ligodone vendida pela farmacêutica Fortunato é uma referência a uma droga muito real e adictiva, a Oxicodone, que os americanos tomam por tudo e por nada (e ficam dependentes). A certa altura há um toque de humor quando Verna diz que prometeu a um dos seus “clientes” que podia até dar um tiro a alguém na 5ª Avenida sem que lhe acontecesse nada. Foi engraçado.
Esta foi uma das melhores séries que vi nos últimos tempos e só lamento não poder revelar mais pormenores para evitar spoilers. É também uma excelente introdução à obra de Poe para quem não a conhece. A estes recomendo o meu conto preferido, “O Poço e o Pêndulo”, e, claro, o poema “The Raven”.
Deixo ainda um grande elogio à actriz Carla Gugino (Verna / The Raven) que também já tinha feito o papel de Olivia Crain em “The Haunting of Hill House”. Tal como Vera Farmiga, ambas têm aquela beleza e sensualidade quase maternal de mulheres mais velhas, ambas belas e por isso ainda mais perigosas. Por onde andou esta actriz durante toda a minha vida? Adoro-a, e nesta série ela brilha acima de todos.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: quantas vezes for possível aguentar vê-la

PARA QUEM GOSTA DE: Edgar Allan Poe, terror

 

terça-feira, 2 de abril de 2024

Witch Hunt / Caça às Bruxas (2021)

Numa América dos nossos dias onde a bruxaria é ilegal e as bruxas sofrem pena de morte, uma adolescente tem de decidir de que lado está.
“Witch Hunt” é muito melhor do que devia ser, nem que seja pela tentação despropositada de lhe meter “sustos” à filme de terror, quando o terror aqui é a perseguição e a execução sumária (inclusive na fogueira) de mulheres inocentes só porque fazem magia. Sim, a magia é sobrenatural, mas isto só funcionaria se o filme mostrasse uma bruxa que usasse a magia para fazer o mal. Como as bruxas são representadas como inofensivas, o que nos incomoda é uma perseguição implacável a lembrar os piores regimes totalitários de que há memória onde as minorias são exterminadas. Por exemplo, nesta sociedade faz-se mesmo o teste da água: todas as jovens de certa idade são imersas numa piscina: se flutuarem é porque são bruxas. Pelo menos aqui, ao contrário de outros tempos, as raparigas estão atadas a uma cadeira mas têm direito a um tubo de oxigénio. Mesmo assim, algumas entram em pânico e afogam-se. Nenhuma flutua. São estes os momentos de terror, os momentos de fanatismo absurdo.
Mas “Witch Hunt” conta com um trunfo, a actriz Elizabeth Mitchell (a Juliet de “Lost”), que é a mãe da adolescente em causa e faz parte de uma Resistência para ajudar as mulheres acusadas a fugir do país. Elizabeth Mitchell ilumina o écran no momento em que aparece. (Por exemplo, quando diz a uma vizinha que na sua opinião “até deviam ter construído um muro mais alto”, é uma piada política que nem parece cómica.) Assim que vemos a Juliet de “Lost” pensamos logo que ela vai salvar tudo porque é uma durona. Mas salvará mesmo?
Uma das dicas que nos é dada é o apelido da miúda (muito óbvio para quem sabe alguma coisa dos julgamentos de Salem). Outra é o fascínio de algumas raparigas pelo filme “Thelma & Louise”. O próprio final quer fazer uma homenagem a este clássico (à mistura com ”Harry Potter”, não sei), mas não correu muito bem.
As verdadeiras cenas de tensão são aquelas tiradas da vida real, em que pessoas perseguidas são transportadas às escondidas na mala do carro e aparece alguém que o manda parar. São bruxas, mas podiam ser judeus, ou outra minoria qualquer a fugir ao extermínio.

13 em 20 (porque o fim não esteve à altura da premissa)