Roderick Usher é um homem acabado, com uma doença incurável que causa demência, alucinações e morte. Nos últimos 15 dias enterrou os seis únicos filhos, todos mortos em circunstâncias horríveis. Quase tínhamos pena de Roderick se não soubéssemos que este mesmo homem é o dono de um império farmacêutico, as indústrias Fortunato, responsável por vender um analgésico altamente viciante (um opióide) garantindo que é inócuo e causando milhões de dependentes de heroína em todo o mundo com as mortes consequentes. Roderick sempre soube que estava a vender uma droga perigosíssima e os efeitos que esta causava, pensando apenas no lucro. Todos os elementos da família, desde a irmã de Roderick, Madeline, aos seus filhos, estão a par da situação e não se importam de viver como bilionários à custa do sofrimento dos outros. Finalmente a Fortunato é levada a tribunal com provas substanciais pelo Procurador Auguste Dupin e uma condenação é iminente.
É exactamente a Auguste Dupin que Roderick convida uma noite à sua casa de infância, prometendo-lhe uma confissão completa. Roderick assegura a Dupin que as mortes dos seus filhos estão relacionadas e que ele, Roderick, é responsável por todas elas. Dupin, que conhece Roderick há 40 anos e que acha que não há um único Usher “bom”, pensa que Roderick está apenas a sentir-se culpado uma vez que todas as mortes foram investigadas e não existe relação entre elas. Roderick volta a insistir que há e passa a prová-lo.
“The Fall of the House of Usher”, como o nome indica, é uma série genial que reúne vários trabalhos de Edgar Allan Poe em torno da história da família Usher, o que obrigou a algumas adaptações perfeitamente compreensíveis. Cada um dos episódios é dedicado a um dos membros da família Usher e tem o nome de uma das obras de Poe, mas não vou explicar muito sobre isto por causa dos spoilers.
Quanto às mortes, digo apenas duas coisas:
1) não matem o gato preto do vosso namorado; dá muito azar. Aliás, não matem gato nenhum, dá sempre azar.
2) se acham que ter um espelho por cima da cama é sexy, um dos episódios vai de certeza fazer com que reconsiderem.
Estou a fazer humor mas não há nada de engraçado no que acontece aos membros da família Usher, e quase todos o merecem excepto a jovem Lenore. Quando se diz que o final deles é horrível não é um eufemismo e esta não é série para pessoas impressionáveis (mas tendo em conta que é inspirada em Edgar Allan Poe não era de esperar outra coisa).
Sem querer mesmo entrar em spoilers, existe de facto uma mulher misteriosa que persegue cada um dos Ushers antes da morte. A princípio não percebi o que ela era, se anjo vingador ou apenas demónio. Esta mulher apresenta-se a Roderick como Verna (um anagrama de Raven), e aparece a todos os seus filhos com uma identidade diferente, aparentemente tentando levá-los a tomar uma boa decisão e a castigá-los quando eles persistem em agir mal (todos os Ushers agem mal porque são privilegiados, prepotentes e egoístas). Mais tarde percebemos que esta entidade é ao que Arthur Gordon Pym (advogado e capanga dos Ushers) chama um demónio num sentido mais lovecraftiano.
[Neste caso é o contrário, uma vez que Lovecraft se inspirou em Poe, mas foi Lovecraft quem explorou o conceito da sua forma única e inconfundível, de tal forma que quando se fala em lugares e seres sobrenaturais “fora do tempo e do espaço” pensamos logo nele, enquanto que Poe ficou mais conhecido pela sua poesia lúgubre, funesta e desoladora.]
Episódio a episódio, vamos descobrindo o papel de Roderick e Madeline Usher na destruição do seu próprio império e linhagem. Ambiciosos, gananciosos e sem escrúpulos, são os candidatos perfeitos para um pacto com The Raven.
Apesar da antiguidade dos originais, “The Fall of the House of Usher” aborda temas modernos. Tenho para mim que a droga Ligodone vendida pela farmacêutica Fortunato é uma referência a uma droga muito real e adictiva, a Oxicodone, que os americanos tomam por tudo e por nada (e ficam dependentes). A certa altura há um toque de humor quando Verna diz que prometeu a um dos seus “clientes” que podia até dar um tiro a alguém na 5ª Avenida sem que lhe acontecesse nada. Foi engraçado.
Esta foi uma das melhores séries que vi nos últimos tempos e só lamento não poder revelar mais pormenores para evitar spoilers. É também uma excelente introdução à obra de Poe para quem não a conhece. A estes recomendo o meu conto preferido, “O Poço e o Pêndulo”, e, claro, o poema “The Raven”.
Deixo ainda um grande elogio à actriz Carla Gugino (Verna / The Raven) que também já tinha feito o papel de Olivia Crain em “The Haunting of Hill House”. Tal como Vera Farmiga, ambas têm aquela beleza e sensualidade quase maternal de mulheres mais velhas, ambas belas e por isso ainda mais perigosas. Por onde andou esta actriz durante toda a minha vida? Adoro-a, e nesta série ela brilha acima de todos.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: quantas vezes for possível aguentar vê-la
PARA QUEM GOSTA DE: Edgar Allan Poe, terror
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