domingo, 31 de janeiro de 2021

Orquídeas Silvestres da Arrábida, de Armando Frazão

“Orquídeas Silvestres da Arrábida” é o primeiro livro não ficcional de Armando Frazão. Sem cair em inconfidências, sei que o autor tem uma grande paixão pela natureza e pela fotografia e que tem continuado a pesquisa na serra da Arrábida. Este livro é o juntar do útil ao agradável.
“Orquídeas Silvestres da Arrábida” é aconselhado aos amantes da natureza e da botânica, e pode ser levado no bolso durante as caminhadas no ar puro da serra.

Divulgação no press release:

Desde sempre que as orquídeas fascinam os seres humanos, seja pela sua beleza ou pelas suas estratégias de sobrevivência e reprodução. No reino vegetal estão num patamar de evolução equivalente à espécie humana no reino animal.

A Arrábida tem a característica única de concentrar cerca de metade de todas as espécies de orquídeas silvestres portuguesas. Neste livro encontrará fotografas fascinantes e muita outra informação sobre todas elas. Use-o para admirar a beleza particular de cada flor ou para lhe servir de guia de identificação quando passear por estes montes e vales.

A primeira parte do livro tem um enquadramento da área geográfica e uma introdução didáctica aos vários aspectos da biologia das orquídeas, sempre acompanhados de fotografias e ilustrações. A segunda, e a maior parte, é o guia de campo das orquídeas silvestres da Arrábida, com cuidadas fotografias de página inteira e outras que se 'intrometem' com o texto para ilustrar os diversos aspectos identificativos de cada planta.

É um livro bilingue, em português e inglês, para responder também ao turismo da natureza que existe na Arrábida.

 

Tudo sobre “Orquídeas Silvestres da Arrábida” aqui: armandofrazao.wordpress.com/2021/01/24/orquideas-silvestres-da-arrabida-press-release 
Aqui: armandofrazao.wordpress.com/2020/09/26/orquideas-silvestres-da-arrabida
E mais pormenores sobre o livro aqui: orchids.armandofrazao.com/orquideas_pt.html
O livro pode ser adquirido aqui: armandofrazao.com/shop


domingo, 24 de janeiro de 2021

Christ the Lord The Road to Cana, de Anne Rice

Tanto a dizer! Como já tinha referido ao fazer a crítica ao primeiro livro desta série, “Christ The Lord Out Of Egypt”, fui daquelas que estremeceu de medo ao saber que Anne Rice estava a escrever a vida de Jesus. E em primeira pessoa, para ser ainda mais controverso.
Este segundo livro veio tranquilizar-me completamente de que Anne Rice adoptou uma postura respeitosa e reverente, recontando os episódios bíblicos da perspectiva de Yeshua como alguém que lá esteve e os viveu. Nada é esquecido, mas tudo é desenvolvido de maneira que nos surpreende como se nem conhecêssemos a história.
O livro começa não com a última mas com a primeira tentação de Cristo: uma rapariga. Yeshua é agora um homem de trinta anos, carpinteiro de profissão, tal como o pai José e os irmãos adoptivos, de mãos calejadas do trabalho árduo a lixar tábuas e assentar chãos em casas mais ricas do que aquela onde mora a sua família em Nazaré. Yeshua tem um sonho com Avigail, a rapariga, sua parente afastada que o ama. Mas Yeshua afasta o sonho com a conclusão: talvez isto não seja algo para o filho de Deus conhecer.
Nesta altura Yeshua ainda não compreende qual é exactamente o seu propósito divino (especificamente, aquilo que tem de fazer), mas sabe que o tem e sabe quem é.
Anne Rice descreve a vida prosaica de Jesus e da sua família alargada, uma família normal da Palestina ocupada por Roma, mas é quando explora personagens extraordinários que a escrita de Anne Rice brilha. Nenhum personagem poderia ser mais extraordinário do que Jesus, Deus encarnado para alguns, apenas divino para outros. Anne Rice transmite-nos esta dimensão divina em Yeshua mas faz-nos ao mesmo tempo empatizar com o homem. Yeshua é acima de tudo um homem bom, um homem decente, a quem não queremos que aconteça mal nenhum.
Quando chegamos à parte de João Batista no Jordão, a minha vontade era gritar à personagem: não vás! Se vais, é o princípio do teu fim! Fica em Nazaré, casa com a Avigail, esquece lá os pecados do mundo que não são culpa tua. Sê feliz porque mereces.
E aqui eu estaria a falar como o Tentador, o que não é nada bom para a minha pessoa.
Por falar em Tentador, mais uma vez o ponto alto do livro é quando este aparece para tentar Jesus após os quarenta dias no deserto. Anne Rice tem experiência a escrever do ponto de vista de diabos, mas nunca fica claro se Memnoch é o diabo ou apenas um diabo. Aqui, sem dúvida nenhuma, é mesmo o Diabo, Lúcifer, Satanás, o tentador do Jardim do Éden. Lúcifer aparece a Jesus fisicamente igual a ele, mas vestido como um rei. Tal como no primeiro livro, existe em Lúcifer um misto de curiosidade, medo e inveja, mas também atracção, que o torna muito complexo. (Este Lúcifer recordou-me o vampiro Armand no seu primeiro encontro com Louis e Lestat. Ou melhor, e mais certo, o vampiro Armand é que terá sido inspirado na ideia que Anne Rice faz do Diabo, o que é completamente natural tendo em conta a personagem.)
Lúcifer não está ali para antagonizar Yeshua nem para o levar a desistir. Lúcifer pensa que Yeshua vai liderar um exército contra Roma e, sendo o Príncipe deste mundo (está na Bíblia), oferece a sua ajuda. Yeshua rejeita-o, é claro, e Lúcifer tem um ataque de cólera:
“Vais amaldiçoar o dia em que me recusaste! Não vais conseguir fazer isto sem mim! Vais morrer numa cruz romana.”
Lúcifer estava enganado quanto ao propósito do homem cujo nascimento esteve rodeado de “maravilhas e sinais”, mas ao dizer isto Lúcifer não está a fazer uma ameaça. Está a deixar um aviso.
O livro termina na altura em que Yeshua já assumiu o seu papel divino e começa a chamar a si os apóstolos. Jesus diz a Pedro: “Segue-me e far-te-ei um pescador de homens”. Mateus diz a Yeshua: “José contou-me os prodígios e sinais que aconteceram quando nasceste. Se me deres permissão, gostava de os escrever”. E escreveu. Gostei muito que o jovem rico a quem Jesus diz “se queres vir comigo, abandona as tuas riquezas e segue-me” não fosse um estranho qualquer como no episódio bíblico. Aqui ainda tem mais peso. E surpreendeu-me o casamento de Canaã, as bodas de outra personagem que nunca me passaria pela cabeça. Não vou revelar para não estragar a surpresa.
Gostei do surgimento da verdadeira Maria de Magdala, possessa, de quem Jesus expulsa os demónios. (Ao contrário do mito popular, Maria Madalena não era prostituta. O mito decorreu da confusão com outra Maria que também seguia Jesus.) É tudo tão bem encadeado que os episódios bíblicos ganham vida sem nunca perderem solenidade. Anne Rice está a superar-se com esta obra.
Ou melhor, estava. Agora que eu estava a gostar mesmo muito da sua interpretação da vida de Cristo, e decidida a ler o resto até ao fim, Anne Rice já anunciou que não vai continuar a série, originalmente planeada para quatro livros, devido à potencial controvérsia que os livros seguintes poderiam gerar.
Compreendo perfeitamente a posição da autora. Qualquer interpretação da vida de Cristo é polémica. Este mesmo livro, onde eu pessoalmente não encontrei nada de desrespeitoso, pode ser encarado como blasfemo por algum fundamentalista só porque Yeshua pensou (e nada mais fez senão pensar) no que seria uma vida normal com Avigail. Noutros tempos, escrever (e ler) um livro destes era caso para sermos queimados vivos na fogueira. Por isso compreendo perfeitamente a posição de Anne Rice de estar farta de lançar pérolas a porcos. Tenho esperança de que ela tenha continuado a série, nem que seja em segredo, para ser publicada postumamente quando já ninguém a puder chatear. É triste, em pleno século XXI, que fundamentalismos religiosos continuem a obstruir a criação artística a ponto de levarem um autor a perder a paciência e a deixar de escrever.
Recomendo muito os dois livros existentes. Lamento não termos os seguintes.



domingo, 17 de janeiro de 2021

Mary Shelley's Frankenstein / Frankenstein, de Mary Shelley (1994)

Sinceramente não me lembro se já tinha visto este filme. Mas aposto que daqui por vinte anos também não me vou lembrar de o ter visto agora. Lembro-me de ler uma crítica na altura que chamava “histérico” a Kenneth Branagh (protagonista Victor Frankenstein e realizador). Na altura ri-me, mas agora concordo. Não é só Branagh que é histérico, todo o filme é histérico.
Como o título indica, este filme tenta ser (?) a adaptação fiel do livro de Mary Shelley, mas a sensação que me deu é que foi buscar mais inspiração aos clássicos de monstros de Hollywood dos anos 30: "Frankenstein" (1931), "The Bride of Frankenstein" (1935). O guarda roupa e cenários são igualmente anacrónicos e mais próprios de um qualquer filme de fantasia de Tim Burton do que de um filme realista de época. (Mas se todo o mal fosse esse até não era grave.)
“Frankenstein” de Mary Shelley não é um livro histérico. Pessoalmente, nem o considero um livro de terror. Considero-o um drama filosófico que me fez chorar de empatia com o “monstro” que não pediu para existir.
O monstro, que não tem nome, ou Criatura, chamemos-lhe antes assim (interpretado por um Robert De Niro irreconhecível), foi mesmo o melhor momento do filme e o mais fiel ao livro. Mas durou pouco, na ganância de mostrar muitos efeitos especiais, muita electricidade a faiscar, muitas morgues e pedaços de cadáveres e outros elementos de gosto duvidoso. O livro da autora é subtil e convida-nos a simpatizar com a Criatura, e é por isso que é um clássico. Este filme não consegue fazer nada disso (a Criatura transforma-se demasiado facilmente num homem malvado e caprichoso), e é por isso um filme esquecível.
Recomendo antes a leitura do livro, melhor e mais interessante.

14 em 15, para ser generosa 



quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

A Revolta de Tuong, de Armando Frazão

“A Revolta de Tuong” é um livro de ficção científica hard que vai agradar a quem gosta de acção, especialmente acção militar.
A história passa-se no futuro. O capitão Andrew MacGregor, ou Tuong, como lhe chamam os extraterrestres, é um oficial humano que se voluntaria para ser “modificado” por tecnologia alienígena de modo a combater melhor os movimentos anarquistas que ameaçam a paz do Estado Mundial. Os alienígenas, Tuarianos, tinham chegado à Terra para oferecer ajuda, mas com o tempo Andrew MacGregor apercebe-se de que têm uma agenda muito mais sinistra. Só lhe resta, a ele e ao seu batalhão, iniciar uma revolta para os desmascarar. Mas a tecnologia alienígena é muito mais avançada do que a terrestre e terão de usar de toda a astúcia para atingir os seus fins. Conseguirão, ou serão derrotados?
Acima de tudo, esta é uma história que opõe o engenho humano à tecnologia superior. Uma boa leitura para quem gosta de ficção científica, extraterrestres e acção.

“A Revolta de Tuong” pode ser adquirido aqui: www.amazon.co.uk/Revolta-Tuong-Armando-Frazão/dp/B08Q6NZZBR

Tudo sobre o livro no blog do autor, aqui: armandofrazao.wordpress.com/2021/01/06/a-revolta-de-tuong-press-release


domingo, 10 de janeiro de 2021

A História de Lisey, de Stephen King

Embora conheça a obra de Stephen King através dos filmes, dele só tinha lido "Salem's Lot", publicado em 1975, e não fiquei bem impressionada com a escrita a ponto de querer ler mais. Para um autor competente, mas com personagens bidimensionais, os filmes chegavam muito bem.
Este livro de 2006, “A História de Lisey”, é outra conversa. É outra escrita. É grande literatura. É certo que se passaram 31 anos desde “Salem’s Lot”, e muita evolução como escritor, sem dúvida, mas há aqui uma liberdade de linguagem, de narrativa, até de construção, que só o estatuto permite a Stephen King. Uma editora nunca publicaria este livro a um autor desconhecido, muito menos sendo um livro de “género”. Num livro de Terror espera-se que o autor conte a história decentemente, provoque alguns sustos, e acabe depressa, para consumo rápido. “A História de Lisey” é tudo menos consumo rápido e não é para leitores impacientes ou que gostam de muita acção e muitos sustos.
Mas aos leitores que gostam de boa escrita, de uma estrutura fora-da-caixa, de personagens bem construídos, de uma viagem ao psiquismo de cada um deles, este livro é para vocês.
Começa logo com o tamanho. O formato do livro que li é dos mais pequenos e tem 600 páginas, mas as letras são minúsculas. Isto noutro formato talvez não chegasse às seiscentas, mas andaria igualmente pelas quinhentas e muitas.
Durante um terço do livro não acontece praticamente nada. Lisey é a viúva de um escritor de sucesso, Scott Landon, e dois anos após a morte dele ainda não decidiu o que fazer com o espólio do marido, apontamentos, livros, teses, jornais e revistas, e nem sabe se existe no meio daquela tralha toda um romance inédito. Lisey não é exactamente uma intelectual e nunca acompanhou de perto a obra do marido. Pior um pouco, ela própria admite que nunca gostou muito dos livros dele (Terror, dá-se a entender), e ele sabe disso. Lisey diz a certa altura que “Atracção Fatal” é que é um filme como deve ser que já viu muitas vezes, “nada daquelas tretas suecas com legendas”. Esta admissão diz-nos tudo o que precisamos de saber sobre a personagem. Questionei-me muito por que motivo tinha um intelectual casado com uma pessoa com encanto zero, na minha opinião, e não vou explicitar as conclusões a que cheguei.
Duzentas páginas a ler sobre uma personagem assim é violento. Lisey tem três irmãs (não percebi se são mesmo três ou quatro, era preciso ler de novo, o que não vai acontecer) e as primeiras duzentas páginas são quase só isto, drama familiar entre elas, memórias do marido, a exasperação de Lisey perante os interessados no espólio que ela nunca mais se decide a partilhar. O que nos prende é a maneira como King nos manipula, transformando-a numa narradora não confiável. A certa altura ela começa a falar com o marido. Em pensamentos, ou ouve mesmo a voz dele? E ouve a voz dele porque está a pirular? Lisey é uma mulher de meia-idade, não é nenhuma garota. Pode bem estar a pirular. O que eu não senti dela, nesta fase, foi desgosto. Só consegui sentir desgosto no fim, seiscentas páginas depois. O que me passou dela foi uma mulher banal, sem saber o que fazer à vida sem o marido (não tem qualquer ocupação), e ainda por cima demasiado preguiçosa para arrumar as coisas dele. Dois anos passados!
A primeira coisa que acontece que é digna de meter medo, é certa passagem em que ela julga que o marido possuiu o corpo da irmã, catatónica, para falar com ela. Mas por esta altura já a julgamos tão maluquinha que temos dificuldade em acreditar nisto. Se não fosse um livro de Stephen King nem me passaria pela cabeça que o que estava a acontecer podia de facto ter origem sobrenatural. E não haveria nada de errado nisto. Stephen King tem todo o direito de escrever um drama familiar com uma personagem a perder a sanidade.
Por esta altura também, já no segundo terço do livro, Lisey começa a ser perseguida por um fã obcecado e tresloucado, que a quer obrigar a abdicar do espólio do marido, seja por que meios forem. O fã obcecado é uma imagem de marca de Stephen King (“Misery”) que me faz pensar como é que ele não tem medo de escrever. Outra imagem de marca, infelizmente, é a mulher que vive em função do marido. É que Stephen King também é um homem “antigo”. Cresceu com mulheres a viver em função dos homens na sua vida. Mulheres como Lisey.
O que realmente mete medo é o que acontece lá para o meio, quando sabemos que tanto o pai como o irmão de Scott sofriam de alguma doença e/ou maldição que os transformava em monstros a certa altura das suas vidas. Quase como lobisomens, mas não são lobisomens. Sim senhor, meteu medo, e os leitores de Terror não vão sair deste livro defraudados.
A partir daqui, as coisas tornam-se mirabolantes. Não apenas uma, como várias personagens, têm o “poder” de ir a uma dimensão paralela apenas ao fecharem os olhos e quererem lá ir. Stephen King já escreveu tantos livros que desconheço se a explicação está algures na sua obra prolífica, mas mesmo assim eu acho que uma coisa destas merecia uma explicação aqui. Ficou inexplicado e é pena, porque por aquela altura eu já estava convencida de que estávamos a viver completamente no mundo de fantasia da cabeça de Lisey. Não me teria surpreendido se ela acabasse por revelar que tinha sido ela a matar o marido (o que a tinha levado a pirular), ou que Lisey fosse uma personagem numa história de Scott (o marido também não batia bem da bola), ou que Lisey acabasse no manicómio com todas as irmãs a olharem para ela com piedade, ou outra coisa ainda mais estrambólica. Neste aspecto, fiquei decepcionada com o fim. Pelo menos compreendi o título, e porque é que se chama “A História de Lisey” em vez de só “Lisey”, mas mesmo assim o motivo não me convenceu muito.
“A História de Lisey” vale sobretudo pela escrita e pela estrutura não-linear, complexa, que nos obriga a ir completando o puzzle por nós próprios. Stephen King atinge aqui uma maturidade como autor que até lhe permite ir tecendo comentários sobre o mundo da literatura e da escrita que muito provavelmente só outros escritores vão compreender na sua totalidade. “A realidade é o Ralph” foi uma das que me fez rir para dentro.
Só lamento que a protagonista seja tão desenxabida (sem gracinha nenhuma). Mas a realidade é o Ralph, e as desenxabidas desta vida, e Stephen King retratou-a muito bem.


domingo, 3 de janeiro de 2021

Better Call Saul

[contém spoilers de “Breaking Bad”]

 

Que série tão boa! Deve ser a primeira vez que faço a crítica a uma série antes de acabar de ver a primeira temporada. É que já estou convencida e ainda não vi o último episódio.
“Better Call Saul” é um spin off e uma prequela de “Breaking Bad”, a história do homem que viríamos a conhecer por Saul Goodman, advogado amoral e sem escrúpulos.
Em “Breaking Bad”, Saul Goodman era em todas as suas aparições o comic relief de uma tragédia. Por isso também parti para esta série enganada, à espera talvez de uma série humorística. E de facto “Better Call Saul” tem momentos verdadeiramente hilariantes, mérito do actor Bob Odenkirk e dos criadores Vince Gilligan e Peter Gould, mas afinal é a história dramática do homem chamado Jimmy McGill. Aproveitamos para aprofundar também outra personagem de peso de “Breaking Bad”, Mike Ehrmantraut, que nunca chegámos a conhecer verdadeiramente porque não era pessoa de muitas falas e muito menos confidências.
Vimos “Better Call Saul” e perguntamo-nos: como é que nunca se percebeu a grande personagem que aqui estava em Saul Goodman? Fácil. Porque em “Breaking Bad” todas as personagens eram grandes, mas nenhuma conseguia brilhar ao lado da estrela poderosa Walter White. Walter White, como um buraco negro, sugava todas as atenções. De tal modo que ver “Better Call Saul” me levou a visionar algumas partes de episódios de “Breaking Bad” e decidi ver esta última série outra vez. O apelo de Walter White é demasiado magnetizante para olharmos para o lado.
Mas aqui, Saul Goodman, ou melhor, Jimmy McGill, pode brilhar à vontade. Esta é uma série completamente focada nas personagens, que nos consegue manter interessados mesmo quando eles estão a discutir pormenores da lei e casos de tribunal de que não percebemos nada. As personagens são tão realistas que quase sinto que as conheço. Por exemplo, a relação de amizade entre Jimmy e Kim, que às vezes parece a de dois ex-namorados, outras vezes nem parece ter chegado tão longe. São apenas dois amigos que mandam bocas um ao outro e se ajudam mutuamente, lealmente, quando é necessário. Amizade pura, muito mais interessante do que qualquer envolvimento romântico.
Jimmy McGill pode não ser o génio científico que Walter White era, mas não deixa de ser um génio à sua maneira.*
[*Aliás, e perdoem-me outra referência e spoiler de “Breaking Bad”, que Saul Goodman seja um génio não é de admirar. Só uma inteligência acima da média conseguiria escapar com vida (literalmente, com vida) à devastação nuclear que a implosão de Whalter White provocou em seu redor.]
Sempre um grande espertalhão, passou uma juventude de expedientes e burlas até decidir seguir as pisadas do irmão mais velho, a quem põe num pedestal, e tira um curso de Direito por correspondência. Ou melhor, agora chama-se “à distância”, como ele nos recorda. E é então que aparece McGill o advogado, ainda sem os cartéis mas já o animal feroz que viremos a conhecer como Saul Goodman.
Jimmy McGill vive nas traseiras de um salão de beleza, nuns arrumos, a sua “casa” e “escritório”, e faz das tripas coração para se assumir na profissão, licitamente, a ganhar uma ninharia como defensor público. E Jimmy McGill é um advogado genial, mas tem sempre algo a travá-lo.
Nesta primeira temporada percebemos que foi uma traição que o impediu de progredir, uma traição de partir o coração. Uma traição cheia de ingratidão, que Jimmy McGill não merecia. A traição de quem mais tinha o dever de estar do seu lado.
Nem preciso de mais nada para perceber como é que o bem-intencionado Jimmy McGill se transforma no cínico Saul Goodman que conhecemos na série original. Está explicado. Mas isto não acaba aqui. “Better Call Saul” já vai na quinta temporada, um verdadeiro sucesso tendo em conta que começou como spin off e prequela. Episódios tão bem equilibrados entre o dramatismo e o humor são coisa de verdadeiro génio. Esta é uma série para ver e para rever. Por esta altura, já não espero outra coisa do criador Vince Gilligan.