Sequelas e prequelas têm má reputação por uma razão, mas muito esporadicamente aparece a excepção que confirma a regra. “Annabelle: Creation” é dessas excepções, talvez de onde menos a esperávamos. Tal como o título indica, esta é a história original da boneca que viria a chamar-se Annabelle. Nos anos 40 ou 50, parece-me, esta boneca foi feita à mão por um bonecreiro que tinha bastantes encomendas. (A malta da paróquia não devia ver bem para querer encomendar aquela coisa medonha, mas enfim.) A boneca pode ter sido mesmo criada à semelhança da filha do casal, chamada Annabelle (se acham que isto é demasiada coincidência com o primeiro filme, é porque não é coincidência). Digo “criada à imagem da filha” de modo geral; obviamente que a miúda não é horripilante como a boneca.
A história começa em tragédia. Num acidente estúpido, Annabelle (a criança) é atropelada. Os pais da filha única e muito amada ficam desgostosos para toda a vida.
Muitos anos depois, este mesmo casal (os Mullins) decide acolher na sua grande casa meia dúzia de raparigas órfãs de várias idades, acompanhadas pela jovem freira do orfanato onde elas estavam. Imediatamente uma delas nos chama a atenção, Janice, uma pobre miúda que teve poliomielite e que precisa de um aparelho para caminhar, o que faz com muito esforço e cansaço.
Tudo isto é um ambiente de drama, onde o Mal existencial já existe e onde o outro Mal tem o cenário pronto. (Ver sobre isto “O Exorcista II”.)
Aliás, os Mullins são estranhos. A mulher foi acometida por uma doença e nunca sai do quarto. O marido faz questão de manter trancado o quarto da filha falecida. Isto não é suspeito, tendo em conta as circunstâncias, mas desde o início achei que ele olhava de forma esquisita para as miúdas, o que me deixou na dúvida se ele as tinha convidado por compaixão ou para as sacrificar nalgum ritual para ter a filha de volta. Não estava exactamente enganada em nenhuma das hipóteses, mas também não era o que eu pensava.
Mesmo assim, durante a noite Janice encontra a porta do quarto aberta. A tentação é demasiado grande. A falecida Annabelle tinha brinquedos irresistíveis, nomeadamente uma casa de bonecas que parece a reprodução do próprio quarto com a miniatura de Annabelle junto à mobília. Entretanto, uma porta abre-se sozinha e Janice descobre a boneca lá dentro (a boneca que vai ser conhecida como Annabelle, só para clarificar).
A partir daqui Janice começa a ser assombrada pelo fantasma de Annabelle. A princípio tem pena de Annabelle, até esta lhe dizer claramente que quer a sua alma. A melhor amiga de Janice, Linda, também começa a ser perseguida, e até as raparigas mais velhas sofrem perturbações no quarto delas, embora ninguém queira admitir. Janice chega a pedir à irmã Charlotte (a freira que as acompanha) para saírem daquela casa onde sente uma “presença maléfica”, mas a freira recorda-lhe que não têm melhor para onde ir. Lentamente, vendo que ninguém consegue ajudá-la, Janice resigna-se ao seu destino.
“Annabelle: Creation” prova que não são precisos efeitos especiais histéricos para meter medo, muito pelo contrário. Como naquela cena em que não há nada debaixo do lençol. Mãezinha, o que eu teria gritado se aquilo me acontecesse a mim! O que não significa que os efeitos especiais mirabolantes não apareçam, como um mau vício. Por exemplo, na cena do elevador de mordomo (um daqueles elevadores interiores, na parede, para subir e descer comida e roupa). A certa altura a miúda mete-se nele para fugir ao demónio (quando já se sabe que não é um fantasma que as assombra) e o demónio tenta puxá-la para baixo com as patas peludas, com garras e tudo. A miúda dá-lhe uma sapatada e ele larga. Como se faz a um gato. Eu desatei-me a rir. Uma entidade maléfica desiste com a sapatada de uma fedelha? Sinceramente, realizadores. Também vemos o demónio, a dado passo, baixinho, peludinho, chifrudo, negro, assim a parecer uma daquelas iluminuras medievais. Porque esta noção de demónio é medieval e não acredito que meta medo a alguém. Não sei o que se passa com os realizadores desta série de filmes em insistirem nesta absurdidade.
O filme também é mais longo do que devia. Por mim, toda aquela cena no celeiro era cortada. Não adianta a história, não acontece às personagens principais e nem se pode dizer que é para “encher” porque o filme já está demasiado cheio.
Apesar de me ter feito rir, “Annabelle: Creation” aguentou-se muito bem depois, o que não é dizer pouco. Não é um filme que me meta medo, mas é tenso e pesado. Acima de tudo é um filme com cabeça, tronco e membros (o que vem sendo raro) que até explica em parte o original “Annabelle” (o que eu também não esperava). A aposta na empatia pelas personagens (demónios peludos à parte) fez mesmo toda a diferença.
13 em 20 (menos um ponto pelas patinhas peludas)
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