domingo, 25 de fevereiro de 2024

The Walking Dead: Daryl Dixon (2023 - ?)

[contém spoilers]

Pensavam que “The Walking Dead” tinha acabado? “The Walking Dead” nunca vai acabar porque, como o próprio nome indica, vai andar por cá durante séculos… ou enquanto der dinheiro. Já estava na calha um spin-off protagonizado por Daryl Dixon, em que Carol, inicialmente, era suposto ter participado também.

França: mais uma personagem
Confesso, fiquei agradavelmente surpreendida com esta série filmada em França (fui confirmar) que nem precisava de enredo, bastava Daryl a matar zombies pelos fascinantes cenários franceses, mas por acaso até tem.
Comecemos pelo princípio. Daryl dá à costa em França e põe-se a deambular por lá como um peixe fora de água (passe o trocadilho). Como é que Daryl dá à costa em França? Isto pode parecer pateta mas o penúltimo episódio explica-nos o que aconteceu. (Voltarei a isto no fim.) *
Quanto mais vejo a série mais sentido faz o contraste entre o redneck (campónio) americano Daryl, um homem sem educação nem requinte que não percebe uma palavra de francês, e a cultura de milénios onde acaba de aterrar. Não estou com isto a menosprezar ou a subestimar Daryl. Pelo contrário, parece-me que a série original é que o menosprezou em favor de personagens menos interessantes, porque em “Daryl Dixon” percebemos que Daryl até pensa e diz umas coisas muito acertadas.
O que Daryl encontra ao chegar não é muito diferente do que se passa nos Estados Unidos: zombies mortos e vivos, cidades e estradas desertas, falta de recursos. O que muda é o cenário, e que cenário! A série leva-nos a muitos locais belos, mais do que eu consigo enumerar, como um convento, um castelo medieval, um palácio barroco, as Catacumbas, a paisagem campestre francesa, Paris, o cemitério de Père-Lachaise e o túmulo de Jim Morrison, o Mont Saint Michel, entre outros lugares icónicos. A Notre Dame deve ter sido inserida por computador porque, ironicamente, ardeu no nosso mundo mas não ardeu no apocalipse zombie. A Torre Eiffel, por outro lado, sofreu um choque com um helicóptero e tem o pináculo derrubado. É quase como se França fosse mais uma personagem da história. Inclusive descobrimos que o avô de Daryl morreu no desembarque na Normandia na Segunda Guerra Mundial, o que fez com que o pai de Daryl fosse ausente e negligente, no que Daryl chama “o repetir da história”. No fim temos uma cena muito emocional em torno disto.

Voltar a casa
Mas vamos ao enredo. Daryl quer encontrar uma maneira de voltar para casa, mas mete-se logo em sarilhos. Durante uma escaramuça com os novos senhores de França, os guerriers do Pouvoir des Vivants, uma força militarizada e comandada pela implacável Madame Genet, um destes homens é morto e o irmão dele jura perseguir Daryl até à morte.
Daryl é encontrado por uma freira, Isabelle, que o leva para um convento. Antes ainda da escaramuça com os homens de Genet, Daryl fica ferido por uma espécie de zombies que ele nunca tinha visto (nem nós) que têm sangue ácido e que queima. Não é explicado se isto tem a ver com as experiências com zombies que Genet anda a conduzir (já lá vamos) ou se é uma coisa completamente diferente e característica do apocalipse zombie em França. O convento de Isabelle pertence a uma nova doutrina, uma reunião de várias religiões na Union de l’Espoir (afinal o apocalipse sempre serviu para uma coisa boa), e Isabelle tenta convencer Daryl a ajudá-la a viajar para norte onde ela pretende levar o jovem Laurent, apontado como o futuro líder da Union. Laurent é um miúdo de 12 anos, muito inteligente e puro, mas igualmente ingénuo e inocente. Quando Daryl descobre que as freiras têm um zombie fechado no convento, o venerado padre Jean que morreu, decide logo ir-se embora como quem já viu esse filme (o celeiro da segunda temporada de “The Walking Dead”). Mas, na verdade, as freiras apenas estão a viver de acordo com o que acreditam, à espera que padre Jean se “erga” outra vez. Daryl vai-se mesmo embora, mas regressa quando o convento é atacado por homens do Pouvoir. Acaba por decidir ajudar Isabelle, não por acreditar que Laurent seja um Messias, mas, bem pelo contrário, por achá-lo completamente impreparado para sobreviver no mundo fora do convento. Aqui, Daryl está a tentar fazer com que a história não se repita. Esta informação sobre o avô que morreu na guerra explica-nos muita coisa sobre o personagem. Por outro lado, Daryl quer chegar ao porto de Le Havre, de onde há rumores de navios a funcionar, e parte do caminho é coincidente.

Os vilões
Entretanto, a Union chamou a atenção do Pouvoir, que os considera inimigos. Como diz Genet, a Union vende contos de fadas e cada pessoa que se junta a eles enfraquece o Pouvoir. O Pouvoir recorda-me os regimes fascizantes do século XX. Como estes, Genet chega mesmo a dizer que o impressionismo é uma arte degenerada. E, obviamente, Genet também quer “fazer a França grande outra vez”. Para isso, pretende aniquilar “movimentos de fracos” como a Union. Durante o caminho, Daryl, Isabelle e Laurent são perseguidos pelos guerriers. Laurent, porque as pessoas acreditam nele, torna-se um alvo a abater.
O Pouvoir anda a fazer experiências sinistras com zombies, injectando-lhes um líquido que os torna super-zombies (e que provoca o tal sangue ácido), sem dúvida para tentar transformá-los em armas. Geralmente não gosto de super-zombies, mas mais uma vez  “The Walking Dead” apresenta os melhores zombies de Hollywood. Estes super-zombies não funcionam perfeitamente: alguns não resistem ao soro, outros ficam fortes e rápidos mas têm espasmos e paragens, outros atacam outros zombies. As experiências não estão a correr nada de feição para o Pouvoir.
Um segundo vilão, Quinn, antigo amante de Isabelle, é o delicioso Adam Nagaitis que interpretou o infame Mr. Hickey em “The Terror”. Quinn não é tão maléfico como Mr. Hickey, nem nada que se pareça, mas Nagaitis é um excelente actor em papéis de vilão. O que ele consegue transmitir com um simples franzir de sobrancelhas ou um esgar dos lábios! Estou encantada com o actor e queria vê-lo em muitos outros papéis.
As lutas de zombies continuam a ser do melhor que há. A certa altura Daryl é obrigado a lutar com super-zombies, como num combate de gladiadores em Roma com armas medievais, e mata um deles com a bandeira de França. No contexto em que a cena se passa, é épico em todos os sentidos. Mais tarde, Daryl e Quinn são obrigados a enfrentar mais super-zombies, desta vez agrilhoados um ao outro. Uma das manobras que empregaram lembrou-me “Spartacus”, só que em “Spartacus” a pobre vítima estava muito viva. Toda a cena das correntes recordou-me também de “The Terror”. Afinal, foi por causa de Mr. Hickey e de uma corrente que o Tuunbaq conheceu a sua desgraça.

O fenómeno Dixon
Daquilo que tenho lido, Daryl Dixon é a única personagem de “The Walking Dead” que não estava na banda desenhada original. Tenho para mim que Daryl era daqueles personagens destinados a morrer logo na primeira temporada, mas, graças à performance carismática de Norman Reedus, e àquele primeiro feito heróico em que Daryl regressa ao telhado para salvar o irmão Merle (que devia ter sido heroísmo de Rick mas que granjeou mais pontos a Daryl), o personagem ganhou a simpatia do público para sempre. É um fenómeno que uma personagem não original tenha chegado até aqui, e ainda mais que tenha alcançado tal estatuto que merece um spin-off protagonizado por ele sozinho (isto é, sem mais personagens originais de “The Walking Dead”). A popularidade de Daryl Dixon é igualmente um fenómeno. Daryl tem milhões de fãs, não apenas “em casa” como da Europa à Ásia e em qualquer lugar onde haja um televisor e passe “The Walking Dead”. Como explicar que um redneck de um estado obscuro da América, um homem sem educação, sujo e de poucas falas, se tenha tornado tão amado pelos fãs? Talvez porque Daryl sempre tenha sido menosprezado pelo pai e subestimado pelo irmão, aprendendo a desenvencilhar-se sozinho desde infância, o que o preparou invulgarmente para o apocalipse. Talvez a sua vulnerabilidade escondida, que o faz isolar-se na floresta de forma anti-social porque ter amigos é sinónimo de os perder ou de ser traído por eles. Talvez o seu bom coração debaixo daquela carapaça durona. Talvez tudo isto tenha tocado os corações de todo o mundo e criado uma empatia com os fãs. É possível, nesta altura, que Daryl tenha mais fãs do que o protagonista, Rick, que já nem está na série.
Por todos estes motivos, Daryl mereceu o seu próprio spin-off num cenário deslumbrante onde ele melhor contrasta. Não sei se a série vai ser renovada, mas eu não me importava de ver Daryl numa perambulação pela Europa toda (por exemplo, aqui vemos os primeiros dias do apocalipse em França, e os primeiros dias é o que eu gosto mais de ver, confesso), mostrando-nos o apocalipse zombie no velho continente desde o Reino Unido à Noruega. E talvez, até, neste jardim à beira-mar plantado.
“The Walking Dead: Daryl Dixon” é um spin-off que se podia ver só pelos cenários mas que, ao invés disso, tem uma componente dramática que há muito tempo não se vislumbrava na série original.

* Spoiler / teoria
Daryl Dixon é levado para França num transatlântico que transporta zombies a bordo. Isto pode parecer estúpido porque os franceses não precisam de ir à América buscar zombies mas, se pensarmos que a CRM (República Civil Militar) também estava a fazer experiências com zombies em “The Walking Dead: World Beyond” para o mesmo objectivo e que a CRM tem capacidade de comunicar por rádio (e se calhar também por satélite?), será que o navio francês foi antes buscar equipamento, conhecimento, fórmulas, o tal soro? Afinal, os cientistas franceses começaram logo a fazer as experiências durante a travessia. É a minha teoria, pelo menos, porque gosto que as coisas façam sentido.


ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 2 vezes (pelos cenários de França)

PARA QUEM GOSTA DE: The Walking Dead, zombies


terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Whiteout / Inferno Branco (2009)


Já tinha visto este filme há alguns anos e lembrei-me logo disso devido a uma certa cena de nudez algo cómica e difícil de esquecer que acontece no princípio. (Não, não é a gaja no duche, que era completamente dispensável e puramente dirigido à audiência masculina.)
Carrie é uma polícia norte-americana destacada para um complexo de pesquisa científica na Antártida, onde já passou vários invernos seguidos. Finalmente decide voltar para casa, mesmo antes da noite polar, quando aparece um corpo em circunstâncias estranhas. Tudo indica que é um homicídio. Após anos de monotonia, Carrie decide ficar e apanhar o assassino.
“Whiteout” é um filme que deve muito a “The Thing”, nem que seja pelo cenário e pela sensação de isolamento, claustrofobia e desconfiança. Basta dizer que a história começa num avião russo, em 1957, em que os tripulantes se matam uns aos outros por algo que levam na carga. Da primeira vez que vi o filme fiquei frustrada porque não saiu de lá um extraterrestre que os comesse a todos, embora nada na narrativa me levasse a concluir isso excepto as semelhanças iniciais com o filme de John Carpenter. Efectivamente, não é um filme de terror, é apenas um policial passado no Pólo Sul.
A crítica destruiu este filme (se calhar ficaram tão frustrados como eu) mas, mesmo ao segundo visionamento, não desgostei, embora já não me lembrasse nada de quem era o culpado. É verdade que algumas cenas durante o nevão na parte fulcral tornam difícil de perceber quem é quem e quem está a fazer o quê. Só se vê um véu de neve a voar ao vento, vultos à distância, e todos vestidos com parkas semelhantes, ainda por cima. Admito, foi confuso.
 “Whiteout” não mudou a minha vida, não houve aqui nada que me fizesse lembrar o filme para todo o sempre (excepto aquela cena de nudez inicial, que tem a sua piada), e ensinou-me pouco *, mas de modo geral é um filme agradável de ver. As críticas acharam o fim previsível, mas, novamente, não posso concordar. Não estava mesmo à espera daquilo. Aconselho a quem gosta de um bom policial, mas quem viu “The Thing” deve logo deixar as expectativas à porta.

13 em 20

* Minto. Se três pessoas vão a passear no Pólo Sul deserto e uma delas cai dentro de um buraco no gelo, é melhor descer só um para a ir buscar enquanto o outro fica cá em cima à espera, não vá dar para o torto e alguém precisar de ir pedir ajuda. Agora já sabem: duas pessoas num buraco instável é mau. Todas as pessoas a descerem voluntariamente ao buraco instável é estar mesmo a pedi-las. Mas aposto que este mesmo pensamento me passou pela cabeça da primeira vez que vi o filme.


domingo, 18 de fevereiro de 2024

December Boys / Os Rapazes de Dezembro (2007)

Quatro órfãos, todos nascidos em Dezembro, são convidados por um casal idoso e caridoso a passar umas férias à beira-mar longe do orfanato. Três deles ainda são miúdos (onze anos no máximo?) e ainda querem uma família acima de tudo, mas o mais velho, Maps (interpretado por Daniel Radcliffe = Harry Potter), tem no mínimo 14 anos, talvez mesmo 15 ou 16, e interesses mais adultos.
A experiência da liberdade à beira-mar, para os órfãos, é emocionante o bastante, mas toma contornos mais excitantes quando conhecem um casal sem filhos que pensa em adoptar um deles. Todos competem para ser adoptados, excepto Maps, mais interessado na filha do vizinho e quase pronto para a vida adulta em que a ideia de ter pais já não o seduz.
Este é um filme sensível, quase tirado da vida real, onde há muitas ocasiões para chorar. Eu própria dei por mim com lágrimas nos olhos uma ou duas vezes, e se calhar não as mais previsíveis.
Melhor do que falar sobre o filme é mesmo vê-lo, e recordar as crianças que nós (os mais velhos) fomos numa época diferente, mais difícil, mas ao mesmo tempo mais livre e menos protectora.

16 em 20

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Black Mirror (2011 -?)

Li muitas críticas que mencionavam esta série que já cá anda desde 2011 antes de me resolver a vê-la. “Black Mirror” é uma antologia de histórias que têm em comum a tecnologia, desde o poder das redes sociais à inteligência artificial, até à ficção científica mais avançada como o upload de consciências humanas como se fossem software para dispositivos de hardware.
Nunca é dito claramente, mas este “black mirror” tem todo o aspecto de ser o écran dos nossos telemóveis, portáteis, computadores, interfaces em geral, que nos podem vir a mostrar o espelho negro de nós próprios se deixarmos demasiada tecnologia reger as nossas vidas.
Os episódios são muito díspares e abordam vários temas, podendo ir do mais puro terror (“Playtest”, “Metalhead”, “Black Museum”), à comédia romântica e não romântica (“Demon 79”, “Joan Is Awful”, “Rachel, Jack and Ashley Too”, “Striking Vipers”) ou ao drama mais pesado (“Beyond the Sea”). Vou apenas referir os meus preferidos ou os que me atingiram mais.

The National Anthem
Este é um episódio inesquecível pelo seu fim perturbador e repugnante. Uma princesa muito popular da família real britânica é raptada e a exigência em troca da sua libertação é a de que o primeiro-ministro faça sexo com um animal em directo na televisão. A princípio a opinião pública fica escandalizada mas, quando o raptor envia à polícia um dedo cortado, as sondagens indicam que o primeiro-ministro se deve sacrificar pela vida da princesa.
O episódio é particularmente chocante na medida em que explora o voyerismo colectivo alimentado pelas redes sociais.
Achei o episódio demasiado desagradável (e não gostei que a brutalidade para com o animal não tivesse sido sequer considerada) e comecei a apreciar muito mais a série quando esta passou para a Netflix.

Nosedive
Imaginem se a vossa vida social e profissional dependesse dos likes recebidos nas redes sociais, a ponto de terem influência no preço de uma casa que pretendam arrendar? É o caso de Lacey, cuja média de likes está nos 4,2 e precisa de subir para 4,5 para arrendar uma casa num bairro só de 4,5s, isto é, de pessoas com avaliações acima de 4,5. Lacey tem uma amiga de infância que é um 4 muito elevado e quando é convidada para o casamento dela vê aí a sua oportunidade de subir as suas avaliações e tornar-se mais popular. Mas uma série de azares fazem com que a avaliação de Lacey desça para os 2 e qualquer coisa e agora a “amiga” não a quer no casamento.
Um episódio para nos fazer pensar na importância (ou não) e sinceridade dos likes que recebemos nas redes sociais.

Hated in the Nation
Garanto que ninguém se vai esquecer deste episódio, o episódio das abelhas. Foi o que me recordou mais dos “X-Files”.
Após a extinção das abelhas estas são substituídas por drones mecânicos para efeitos de polinização, até que todo o sistema cai nas mãos erradas. As abelhas começam a ser utilizadas para assassinar pessoas que têm sido alvo de ódio na internet. Mais um episódio para nos fazer pensar até que ponto queremos inteligência artificial nas nossas vidas e até que ponto a indignação “atrás de um écran” não é uma grande cobardia.

USS Callister
Os “trekkies” vão detestar este episódio em que um nerd, fanático de uma série de culto muito igual a “Star Trek”, desenvolve um jogo a partir do programa. Só que, para tripular a nave, este “Capitão Kirk” utiliza o upload das consciências de toda a gente que o chateou na empresa onde é sócio-proprietário, quer estes queiram quer não, tornando-se num tirano sádico que os maltrata e aterroriza. Muita ficção científica para o meu gosto, mas os “trekkies” (não) vão apreciar o humor.

Striking Vipers
Este foi dos episódios mais engraçados de todos. Dois amigos de longos anos, muito hetero ambos, começam a jogar “Striking Vipers”, como jogavam nos dias da faculdade, mas agora em realidade ultra-virtual. Um deles joga com uma personagem feminina e o outro com uma personagem masculina, e em vez de se porem à porrada, como dantes, começam uma relação sexual e tórrida no espaço virtual. Isto deixa-os bastante confusos porque não sentem qualquer atracção física um pelo outro na vida real (inclusive até tentam beijar-se para tirar a coisa a limpo) mas o affair no mundo virtual é o melhor sexo que já experimentaram na vida toda. Agora têm de decidir se devem continuar (até porque o jogo já começa a causar problemas no casamento de um deles) ou parar completamente.

Rachel, Jack and Ashley Too
O episódio mais engraçado de todos. Tal como disse aqui sobre Lady Gaga, esta foi a primeira vez que vi Miley Cyrus a sério e nem a reconheci. Miley Cyrus faz o papel de Ashley O, uma cantora pop com uma audiência muito jovem e mensagens muito positivas. O que eu conheci imediatamente foi o refrão de “Head Like a Hole” dos Nine Inch Nails, aqui transformado com as letras “I’m full of ambition and verve, I’m gonna get what I deserve”. “Black Mirror” tornou-se uma série tão importante que um agradecimento a Trent Reznor até aparece nos créditos.
Ashley O é dominada por uma manager (e tia) malvada que a põe em coma quando ela começa a desejar mudar o repertório para algo mais adulto e pessimista. Ashley O, como os fãs a conhecem, é a galinha dos ovos de ouro e a tia não vai permitir que isso mude. Para continuar a ganhar dinheiro com ela, transforma-a num holograma que pode actuar em muitos sítios ao mesmo tempo e mais outras vantagens.
Ashley O é salva por duas fãs miúdas (em sequências hilariantes) e acaba a cantar uma versão espectacular de “Head Like a Hole” (com as letras verdadeiras). Fabuloso! Adorei!

Joan Is Awful
Outro episódio engraçado que não teria graça nenhuma se fosse connosco. Joan é uma pessoa comum, chefe de departamento numa empresa tecnológica, a viver com o noivo mas ainda apaixonada pelo ex, que frequenta o psiquiatra. Qual não é o seu espanto quando encontra uma série numa espécie de Netflix ficcional que retrata toda a sua vida. Consequência, todos os seus segredos são expostos: perde o emprego e o noivo, e até o ex. E porquê? Porque deu permissão, naquelas letras pequeninas das licenças de software, que todas as suas conversas fossem gravadas sem ela saber, o que originou o enredo da série. Para agravar as coisas, a série não é filmada com actores verdadeiros mas antes criada por CGI, o que permite que seja feita em tempo real, isto é, ao fim do dia o episódio é sobre o que se passou nesse mesmo dia. A fazer o papel de Joan (na série ficcional) está Salma Hayek, que igualmente deu permissão para usarem a sua imagem em CGI e que não está nada contente com o papel que a põem a fazer. Há toda uma sequência hilariante numa igreja quando Joan tenta pôr fim à série sobre a sua vida, mas o melhor mesmo é ver.

Loch Henry
Este podia ser qualquer episódio de uma série de crime. A ligação à tecnologia acontece através das câmaras de filmar. Um estudante de cinema e a namorada visitam a casa da mãe dele na Escócia. A princípio ambos têm a intenção de fazer um documentário sobre um protector da natureza quando a namorada descobre que a pitoresca vila, toda rodeada de montanhas e lagos, foi cenário para um serial killer local que raptava, torturava e matava as vítimas de forma particularmente cruel. À medida que investigam, o estudante vai descobrir coisas sobre a sua família que preferia nunca ter chegado a saber.

Beyond the Sea

Dois astronautas estão no espaço mas têm réplicas mecânicas/sintéticas na Terra junto das suas famílias (estas réplicas contêm o upload das consciências dos astronautas). Todo o episódio é filmado num ambiente retro que nos remete para os anos 60/70. Neste contexto, um culto fanático entra em casa de um dos astronautas e mata a família toda, crianças e tudo, alegando que o que lá se passa é anti-natural. Este crime chocante foi claramente inspirado nos assassinatos a mando de Charles Manson e é difícil de assistir. Entretanto, no espaço, o astronauta toma conhecimento do que aconteceu à sua família. Para o animar, o colega deixa-o usar a sua réplica na Terra. “Beyond the Sea” é um episódio trágico do princípio ao fim, protagonizado por Aaron Paul (Jesse Pinkman em “Breaking Bad”) que também já tinha contribuído com a voz em “Black Mirror” numa passagem de “USS Callister”.

Mazey Day
“Mazey Day” parece um episódio banal sobre uma estrela de cinema em reabilitação perseguida por paparazzis, mas o fim é tão inesperado que não vou contar mais nada. 


 

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

After Earth / Depois da Terra (2013)

Num mundo apocalíptico… Ó meu Blogger, quantas críticas eu tenho escrito ultimamente a começar com estas palavras! É uma moda, sim senhor, e admito que já estou a ficar farta deste tema. Mas é de facto um mundo tão apocalíptico que a humanidade conseguiu poluir a Terra de tal maneira que esta se tornou inabitável e os terráqueos se mudaram para outro planeta (para o destruírem também, digo eu).
A história é muito simples. O comandante das tropas deste novo mundo e o seu filho vão a qualquer sítio numa nave espacial de modo a estreitarem os laços pai-filho quando uma chuva de meteoritos faz despenhar a nave precisamente na velhinha Terra, a nossa Terra.
Se gostei de alguma coisa neste filme foi mesmo da Terra destruída para a humanidade, onde, por exemplo, um ser humano não consegue respirar sem ajuda de comprimidos, mas onde igualmente a fauna e a flora evoluíram no que é uma autêntica selva com vegetação luxuriante e predadores que já não temem o homem. Não sei se acredito na ficção de que nas horas nocturnas a temperatura desce ao ponto de congelação mas aquela flora toda consegue adaptar-se (não são abetos), mas se calhar isso não interessa nada. Também anda um extraterrestre à solta a tentar matar os protagonistas, mas isso é que não interessa mesmo nada.
Esta é a história de um adolescente que quer provar-se à altura do pai, que é uma lenda viva. Durante o despenhamento a nave parte-se ao meio e o pai fica gravemente ferido e impossibilitado de se mexer. Tem de ser o miúdo a empreender a jornada épica até à outra metade da nave onde há (talvez) um localizador que ele pode usar para pedir socorro. Entretanto tem de evitar ser comido pelos predadores terrestres, fugir ao extraterrestre, e não morrer congelado durante a noite.
É também a desculpa para M. Night Shyamalan se armar em filósofo, como já é costume, e pôr o personagem a dizer: “O medo não existe. É uma abstracção. O perigo é real mas o medo é uma escolha”. Sim, se eu der de caras com um leão à solta vou mesmo lembrar-me disto: “O medo é uma abstracção. Tu não existes. Estás a comer-me viva mas não passas de uma escolha”. Estou a brincar mas a teoria de que “o medo é uma escolha” funciona em casos de ansiedades imaginárias, longínquas, obsessivas. Não funciona grandemente com o leão e não funciona neste filme em que o miúdo estava mesmo a arriscar a vida. O medo, tal como a dor, é um mecanismo de alerta e sobrevivência. Misturar perigos reais e imediatos com psicologia de algibeira não me parece muito inteligente.
O filme vale pela ficção daquilo em que a Terra se torna sem o Homem a estragá-la mais. E se calhar o Homem não faz cá falta nenhuma.

12 em 20

 

domingo, 4 de fevereiro de 2024

The Haunting of Hill House (livro, 1959), The Haunting (filme, 1963)

The Haunting, 1963

Mais um dos casos raros em que o filme me estragou completamente o livro. Depois de ver a série “The Haunting of Hill House” (2018), e uma vez que “The Haunting” (1963) é um dos meus filmes de terror preferidos de sempre, tive a compulsão de ir ler o livro original “The Haunting of Hill House” de Shirley Jackson, publicado em 1959. Finalmente queria descobrir o que fazia parte do livro original, do filme e da série.
Desta vez não tenho qualquer problema em dizê-lo: o filme é muito melhor do que o livro. Não só criou uma atmosfera (e história) muito mais arrepiante como cortou toda a palha desnecessária.
Eleanor Vance continua a ser a protagonista (o apelido é ligeiramente alterado no filme para Lance), uma mulher de trinta anos que sempre viveu com a irmã e que passou os últimos 11 anos a cuidar da mãe doente sem ter qualquer vida própria (onde é que estava a irmã que nunca ajudou a cuidar da mãe?). Eleanor é submissa, passiva (diria mesmo passivo-agressiva), insegura, isolada, eternamente à espera que algo de importante lhe aconteça. Finalmente algo lhe acontece, quando é convidada por um investigador do sobrenatural, o doutor Montague (Markway no filme) para um estudo experimental em Hill House. Eleanor recebe o convite devido a uma experiência documentada com um poltergeist na infância. Os outros investigadores são Theodora, uma médium (curiosamente,Theodora é lésbica no livro, no filme e na série, mas apenas declaradamente na série, sinal dos tempos), e um representante da família dos donos da casa e potencial herdeiro, Luke. São estes igualmente os protagonistas do filme. Mais tarde aparece a esposa do doutor Markway num papel ultra secundário, e ainda bem, porque a esposa do doutor Montague no livro é uma personagem execrável, ainda mais fanática pelo espiritismo do que ele, que critica, desvaloriza e trata o marido abaixo de cão. Eu, sinceramente, tive pena do homem. Se fosse a ele fechava-a no berçário e deixava-a lá para todo o sempre. Não exagero, a mulher é tão mandona e convencida (se calhar foi inserida no livro como comic relief) que nem a casa quer nada com ela. A mulher bem tenta ser assombrada mas Hill House nem lhe passa cartão, o que é dizer tudo.
Por falar em berçário, há uma diferença significativa no livro, em que Hugh Crain, o dono original de Hill House, tem duas filhas e não apenas uma. Na morte do pai, as duas irmãs digladiaram-se encarniçadamente pela herança da casa e seus conteúdos, o que nos recorda as brigas de família da série “The Haunting of Hill House” em que os irmãos quase andaram à porrada no velório da irmã.
Tanto o livro como o filme se centram fundamentalmente em torno de Eleanor, cuja fragilidade psicológica a torna presa fácil para ser possuída (ou enlouquecida, se quisermos) por Hill House, onde ela julga ter encontrado o seu lugar. Outra diferença significativa é que no livro Eleanor se interessa romanticamente por Luke enquanto que no filme os seus afectos se dirigem ao doutor Markway, o que até faz mais sentido porque um homem mais velho lhe oferece mais estabilidade emocional, estabilidade que é feita em pedaços quando Eleanor descobre que ele é casado. Tanto no livro como no filme Eleanor começa por pensar que descobriu amigos nos três companheiros e acaba a considerar que afinal não tem um lugar entre eles, que eles a gozam e subestimam (apenas na imaginação dela), exactamente como a sua família sempre fez. É caso para dizer que Eleanor nunca consegue perceber que é ela quem tem de aprender a socializar e a impor-se, com consequências trágicas. A série, até pelo formato televisivo, teve de desenvolver a história de outra maneira, mas foi buscar muita coisa tanto ao livro como ao filme.
Não considerando a série (pelo motivo referido), continuo a preferir o filme original ao livro, também porque visualmente é mais impressionante sem que envolva grandes efeitos especiais, até porque acabamos por nunca ver nenhuma assombração mas conseguimos senti-la numa casa onde os personagens se perdem a caminho do quarto para a sala de estar e onde não existe um único ângulo recto, o que é muito lovecraftiano.
Em suma, não digo a ninguém que não leia o livro, mas “The Haunting” conseguiu fazer mais e melhor.