Fiquei felicíssima quando vi recentemente a terceira temporada de “Das Boot” (na AMC). Não estava mesmo a contar com ela. Na verdade, estava completamente convencida de que a série tinha acabado, para meu desgosto porque há muito tempo não via uma série dramática, não-sobrenatural e europeia com tanta qualidade. Eu até nem aprecio Dramas de Guerra, mas “Das Boot” é muito mais do que isso.
“Das Boot” foi uma das muitas séries prejudicadas pela pandemia. Convencida como estava de que tinha acabado, até porque o final foi bastante coeso, confesso que esqueci tudo e nunca mais pensei na história. Por exemplo, já não me lembrava mesmo se o comandante Klaus Hoffmann tinha morrido ou não depois de ser baleado nos Estados Unidos (onde ele foi parar na sequência de um motim a bordo). Para ser franca, julguei que tinham morrido todos excepto o agente da Gestapo Hagen Forster. Esse, devido à sua vilania, é difícil de esquecer.
Acabámos a segunda temporada exactamente com Hagen Forster a ter de tomar uma decisão. Devido aos seus serviços exemplares ao Partido Nazi foi-lhe oferecido um posto de direcção num campo de concentração na Polónia, uma daquelas ofertas que “não se podem recusar”. No início da terceira temporada Hagen Forster chega precisamente a Lisboa para investigar o caso de um colega da Gestapo que apareceu morto. Infelizmente, só sabemos o que aconteceu a Forster entre temporadas no último episódio e é bastante importante, portanto não posso revelar o spoiler.
Mas vamos lá ao que nos interessa mais nesta temporada. Acreditem ou não, o submarino vem a Portugal! Mas não sem antes passar por muitas aventuras.
Na Alemanha, dois rapazes menores, um deles órfão de guerra, andam a roubar carteiras. Apanhados, são obrigados a inscrever-se como “voluntários” para os submarinos (a Alemanha já não tinha homens suficientes no exército) para não irem presos (ou pior).
Entretanto, um personagem sobreviveu, afinal, das temporadas anteriores: o engenheiro naval Robert Ehrenberg, que também participou no motim que expulsou Klaus do submarino para o lançar à deriva no oceano. Tudo isto foi muito bem falsificado no diário de bordo, mas o pai de Klaus, o comandante veterano Wilhelm Hoffmann, altamente respeitado como herói de guerra, percebe que o diário de bordo é uma falsificação e exige saber o que aconteceu ao filho.
O que aconteceu ao filho é que foi parar aos Estados Unidos, onde divulga segredos técnicos sobre os submarinos em troca de exílio. Uma vez que foi descoberto, a família Hoffmann está a passar um mau bocado na Alemanha, mas tudo tem sido escondido do comandante reformado (devido, lá está, à sua condição venerada). Todos lhe dizem que o filho morreu no mar, ninguém se atreve a dizer-lhe que o filho é um traidor à pátria.
Ora, daquilo que percebi, são exactamente estes segredos técnicos que estão a inverter a batalha naval no Atlântico. Os U-Boots eram o terror dos mares, mas actualmente os aliados desenvolveram uma tecnologia que os detecta a grande profundidade e os submarinos do Reich têm sido sistematicamente dizimados pela Armada inglesa. É aqui que entra o comandante Jack Swinburne (um dos últimos papéis do falecido Ray Stevenson), um verdadeiro assassino de submarinos, que está a usar a guerra para se vingar da morte do filho, não importa os meios para atingir os fins. O seu filho, empregado na marinha mercante, pertencia a uma frota de navios que deviam ser escoltados por vasos de guerra, mas assim que chegaram os submarinos alemães os navios tiveram ordens para retirar e abandonar os barcos de mercadorias à sua sorte porque os britânicos não podiam dar-se ao luxo de perder mais navios. (Segundo as críticas que li, algo parecido com este episódio aconteceu mesmo na vida real.) Com a nova tecnologia, a dinâmica da batalha naval do Atlântico muda e agora são os navios ingleses que andam à caça de submarinos, o que Swinburne vai aproveitar por falta de outra missão na vida.
Na Alemanha, o engenheiro Robert Ehrenberg, devido às falcatruas com que pactuou no diário de bordo de Klaus, escapou a outro destacamento, mas apercebe-se de que o novo Comandante do submarino U-949 é um jovem imberbe acabado de sair da escola naval que não tem competência para comandar. Ehrenberg também sofreu uma tragédia pessoal: a sua casa foi bombardeada e a mulher e o filho morreram. Agora vive no seu próprio barco, atracado no cais. Uma coisa leva à outra e Ehrenberg voluntaria-se para um novo destacamento no U-949, onde acaba por ser ele a comandar uma tripulação inexperiente e mal preparada. Devido à incompetência do novo comandante, o submarino parte para o mar depois de sofrer um acidente indesculpável que não o deixa nas melhores condições. O leme não funciona muito bem e o U-949 tem tendência a ziguezaguear. É nestas circunstâncias que o U-949 se cruza no oceano com o implacável Swinburne que acaba de afundar uma frota de U-Boots, mas com a sua grande experiência Ehrenberg escapa-lhe por um triz. Swinburne consegue identificar o submarino fugitivo e chama-lhe jocosamente Herr ZigZag, empreendendo de seguida uma perseguição que recorda o capitão Ahab atrás da Moby Dick, o que não passa despercebido ao imediato do navio que o recorda precisamente de Moby Dick e que tenta devolver a razão ao comandante cego de vingança. Aliás, os confrontos entre o submarino U-949 e o navio de Swimburne (vai haver mais) estão muito bem filmados e dão-nos uma perspectiva muito nítida do que está a acontecer. Eu nunca mais olharei para um simples jogo de Batalha Naval da mesma maneira! Aproveito para realçar como “Das Boot”, não se focando em nazis mas nos soldados alemães recrutados para a guerra, nos consegue fazer torcer por ambos os lados. Estes marinheiros não são nazis, a maioria nem queria lá estar, e são igualmente vítimas da guerra, carne para canhão.
Entretanto, em Portugal. Lisboa, com a sua neutralidade, é um antro de espiões e o destino de toda a gente que quer fugir da guerra e obter um visto para a América. Forster chega a Lisboa para investigar um caso aparentemente simples quando descobre uma conspiração para roubar ouro alemão que vem do Japão para Portugal para comprar volfrâmio. Forster é traído e incriminado, e acaba por ter a ajuda da última pessoa no mundo que se esperava que aparecesse em Lisboa, mas não posso mesmo contar mais nada.
Aqui vou fazer outro aparte. Toda a vida ouvi falar com desdém das “fortunas à custa do volfrâmio” que se fizeram em Portugal na altura sem chegar a perceber muito bem a questão, aliás, uma questão de que se fala muito baixinho. Portugal só era neutro porque lhe dava jeito e, sim, colaborou com o regime nazi ao vender volfrâmio necessário à construção dos submarinos. Ah! Então era essa a razão da corrida ao volfrâmio. Sempre se aprende alguma coisa na televisão, até nas séries de ficção.
A série está tão bem feita que quase me enganavam, a uma alfacinha de gema, mas “Lisboa” foi filmada em Malta. A parte que quase me enganou foram umas arcadas que parecem mesmo a Praça do Comércio, mas se repararmos bem as paredes são amareladas e Lisboa resplandece de brancura (embora às vezes não pareça). O que contribui muito para esta “ilusão” de que estamos mesmo em Portugal é a presença de actores portugueses a sério, e não daqueles que aprendem umas linhas em português à pressa antes das filmagens. Aliás, um dos trunfos de “Das Boot” é que a série é falada na língua das personagens: alemão, francês, inglês e, agora, português nativo de Portugal. Gostei, gostei mesmo!
Lamento não poder explicar melhor porque é que esta série merece ser vista mas tudo o resto que podia acrescentar são spoilers. Direi apenas que não acredito no final de Forster, um final à fado, afinal, coincidente com os humores de Lisboa. Mas não penso que Forster fosse do tipo de agir assim. Por falar nisso, também não acredito que o Reich admitisse de volta um traidor, fosse por que motivo fosse. Mas se ajuda a história da próxima temporada...
Outra coisa que me incomodou as “memórias” foi a maneira como as pessoas do povo andavam vestidas em Lisboa em plenos anos 40. Isto é, andavam demasiado bem vestidas. As crianças tinham agasalhos e sapatos e tudo. Não falo dos ricos que frequentavam o casino (cônsules, embaixadores, diplomatas, espiões, empresários, amigos de Salazar, reis de Espanha no exílio…), falo da malta que se via na rua, do “povo que lava no rio”. Ora, a minha memória mais antiga é dos anos 70 e nem nessa altura o povinho andava tão bem vestido. Mas onde a minha memória não chega tenho as fotografias de família. Acho que “Das Boot” subestimou muito a miséria flagrante que se passava em Portugal (até em Lisboa), mas são realizadores alemães, que se pode esperar? Varinas a vender peixe na rua de pés descalços não lhes entra na cabeça, e isto foi 30 anos mais tarde. Mas, enfim, assim a série ficou mais bonitinha.
Piquinhices à parte, obviamente que adoro esta série. Não faço ideia se a história continua ou acaba aqui, mas com esta qualidade que venham mais temporadas.
Parece ou não parece a Praça do Comércio, assim de repente?
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PARA QUEM GOSTA DE: Das Boot, dramas de guerra, dramas históricos, espionagem, II Guerra Mundial