[contém spoilers inevitáveis; aconselho a ver primeiro “The Young Pope”]
“The New Pope” é a segunda temporada de “The Young Pope”. Isto é confuso porque as temporadas têm nomes diferentes e a série não tem um título comum a ambas. O realizador Paolo Sorrentino já confirmou que haverá uma terceira, para nossa delícia.
No entanto, tenho de ser franca. Não gostei tanto desta temporada como da primeira, se calhar porque se perdeu o efeito de choque, ou porque os enredos e sub-enredos desenvolvidos não são tão interessantes. E por outra razão, que a princípio me desagradou e que pelo fim já me irritava: Paolo Sorrentino não perde uma oportunidade de mostrar nudez e cenas lascivas gratuitas sem o mínimo interesse para o desenrolar dos acontecimentos. Isto chama-se pornografia, ou soft-porno, e eu não tenho paciência para este tipo de “cinema europeu” a pisar o risco sem razão válida. Reparem que não me queixei da orgia em “The Young Pope” porque fazia muito sentido para a história e para as personagens. Aqui temos uma cena em que Jude Law está nu, de costas para a câmara, dentro de uma fonte vazia, ao ar livre, a contemplar as vestes papais. Não me importei de ver (o senhor está em grande forma para a idade), mas pergunto: porquê? Quem é que leva as vestes papais para uma fonte húmida, de aspecto musgoso? O objectivo foi mostrar o rabo de Jude Law para agradar à audiência feminina, da mesma forma que muitas mulheres são desnudadas para agradar à masculina, e isto é sinceramente mau. Graças a deus não vimos o cardeal Voiello despido, porque não me parece que seja uma visão agradável…
Não é que não tenha havido cenas absurdas e engraçadas. Por exemplo, não gostei da rave das freiras no genérico, que mais pareciam strippers de luxo a dançar à volta de um poste. Curiosamente, não havia freiras feias, nem gordas, nem velhas. Eram todas umas top models. Realismo nenhum. Isto parece-me mesmo um sonho erótico de Sorrentino e nada mais. A cena deveria supostamente salientar um dos sub-enredos da temporada, a revolta das freiras do Vaticano que exigem mais direitos, mas este sub-enredo foi tão mal aproveitado e tão depressa descartado que nem vale a pena falar dele. Não gostei da rave das freiras, verdade, mas foi uma delícia ver a madre-superiora (que é anã) a dançar em cima da secretária, ou o cardeal Assente a saracotear-se com todos os seus tiques de gay assumido.
Aliás, os créditos da série continuam a ser um dos pontos fortes. Quando fazem Jude Law emergir do mar, apenas em bikini-cueca de um branco imaculado que resplandece como uma luz divina a apertar as “jóias papais” e todas as mulheres na praia ficam de boca aberta a apreciar, foi giro. Foi sublime.
A série continua a apostar em efeitos especiais geniais e quase
surrealistas, quase à David Lynch, e quanto a isto “The Young Pope” e
“The New Pope” são das melhores séries do momento e imperdíveis para
quem gosta de boa cinematografia.
O Papa gótico
Mas vamos lá ao novo Papa. Com a ausência de Lenny (Jude Law), foi preciso eleger um novo pontífice, e as maquinações de Voiello (hilariantes) levaram os cardeais a votar no pateta Tommaso, antigo confessor de Lenny.
Tommaso é um franciscano que assume o poder e decide viver na mais abjecta pobreza, dormindo ele próprio no chão, abrindo o Vaticano aos imigrantes muçulmanos, possivelmente sírios (causando problemas inclusive com as autoridades italianas), e tentando doar todo o dinheiro da Igreja aos pobres. Tommaso não dura muito. Morre subitamente de ataque cardíaco e desconfia-se que foi assassinado. Mas terá mesmo sido? A série responde mais tarde.
O próximo elegível é Sir John Brannox (John Malkovich), católico inglês da nobreza britânica (penso que os pais são duques), erudito e dandy, que após uma carreira fulgurante que o levou a converter milhares de anglicanos ao catolicismo se retirou para a propriedade da família onde vive em reclusão, principescamente, na companhia apenas do seu mordomo e da sua cadela. Tal como Lenny, Brannox tem uma tragédia na família. Enquanto esquiavam, o seu irmão gémeo sofreu um acidente e morreu. Os pais de Brannox culpam-no e não lhe falam, chegando a fingir que ele não existe.
Brannox é um choque. Sempre elegantemente vestido, usa rímel e reclina-se languidamente nas chaises longues do seu palácio. Quando fala, mesmo de assuntos teológicos, é sempre com filosofia, poesia e intelecto, o que explica porque é que é admirado. Só os intelectuais o entendem; as pessoas comuns acham que diz coisas bonitas”. Brannox é um homem anacrónico, o poeta solitário e melancólico do século XIX que foge do mundo que o magoa para o refúgio da natureza e da fortuna de família onde vive em contemplação. Quando era adolescente, vimos a saber, teve uma fase punk, mas acho que só faltou um “bocadinho assim” para ser gótico. Perguntamo-nos, o que é que um homem destes, um esteta e um filósofo, está a fazer na Igreja? Porque os pais assim o determinaram, como acontece na realeza britânica. Um dos filhos devia ter sido cardeal, Adam, o filho preferido, o que morreu. Na falta deste ficou John, e a sua extrema passividade levou-o a seguir o caminho traçado pela família. E não é difícil para um homem como Brannox dedicar-se à vida religiosa, se ele próprio é um eremita de natureza. Mas há mais mistério aqui, especialmente a existência de uma certa caixa secreta que ajuda muito a explicar estas opções (ou a falta delas). Esta temporada devia antes chamar-se O Papa Gótico, mas duvido que Sorrentino, pelas execráveis escolhas de soundtrack da série, saiba o que é gótico. Já Brannox, pela ligação ao punk, talvez até curta uns Sisters of Mercy ou uma Siouxsie. Agora fiquei muito curiosa.
Voiello e uma delegação de cardeais vão de propósito a Inglaterra para o convencerem a aceitar o papado, o que ele faz muito relutantemente e, suspeito, só quando lhe dizem que pode conhecer pessoalmente Marilyn Manson e Sharon Stone.
E não é que Marilyn Manson aparece mesmo (sinceramente tive de ir confirmar, mas é mesmo ele)? Manson é lá bicho de recusar aparecer ao pé de um Papa, a quem oferece um dos seus quadros sombrios (de que eu gostei, confesso). Tinha esperança de que oferecesse antes o álbum “Antichrist Superstar”, muito mais apropriado. Não percebo porque não o fez.
A conversa entre Manson e Brannox é hilariante. Manson, que não percebe nada de Papas, pergunta-lhe:
“Desculpe, mas julguei-o mais novo.”
Brannox: “Está a confundir-me com Pio XIII, que viu na televisão.”
Manson: “Ah! Então quem é o senhor?”
Brannox: “Eu sou João Paulo III.”
A conversa é mais longa, mas não quero incluir spoilers.
Sharon Stone (ela mesma) também visitou o novo Papa e pediu-lhe que aceitasse o casamento homossexual. Brannox acha que isso já é demasiado progresso de uma só vez, mas, para tentar evitar os escândalos sexuais com menores, tem a intenção de permitir o casamento dos padres. Infelizmente, e aqui nota-se que a série lançou mais ideias do que realmente concretizou, esta questão nunca foi levada adiante.
Entretanto, um grupo leal ao papa Pio XIII torna-se cada vez mais fundamentalista (e mais papista do que Pio XIII). Ao mesmo tempo, repetem-se ameaças de um califa muçulmano que chama Iblis (diabo) aos cristãos, possivelmente mais uma referência ao Estado Islâmico/Síria/refugiados. Quando acontecem atentados em Lourdes e até na Capela Sistina (matando a cadela de Brannox, o que o deixa inconsolável, um paralelo com o canguru de Lenny) todos julgam os terroristas responsáveis. Mas a verdade é bem mais sórdida.
Aliás, sordidez de todos os tipos é algo que não falta a “The New Pope”. Mas, numa apreciação geral, acho que a série andou muito perdida em vários sub-enredos que não levaram a nada, como se numa exposição de artes várias que não têm forçosamente de fazer sentido, enquanto que “The Young Pope” teve mais cabeça, tronco e membros. Uma excelente série, mesmo assim, que faz mais perguntas do que dá respostas.
Saliento a última homilia do Papa João Paulo III. Acreditem, fez-me chorar. Não apenas de lágrimas nos olhos, mas de lágrimas a correr pela cara abaixo.
Brannox não era realmente homem para ser padre, muito menos Papa, e gostei do fim feliz. Viva o novo Papa, que ninguém acreditará quem é se eu disser. Mas também não digo.
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