domingo, 20 de fevereiro de 2022
The Witcher (2019 - ?)
Eu queria muito gostar desta série. Uma mistura de “Sobrenatural” com “Guerra dos Tronos” e “Senhor dos Anéis”, como é que é possível não gostar? Eu também pensei assim, mas infelizmente fiquei decepcionada. E é mesmo infelizmente, porque os cenários, o world building, o guarda-roupa, tudo isso é grandioso e efectivamente enche o olho. Mas “The Witcher” lembra-me aquelas pessoas muito atraentes (muito bonitas, muito estilo) que depois não têm nada na cabeça. Uma vez disse aqui que “The Man in the High Castle” podia ser visto só pelos cenários, embora não seja o caso, e após duas temporadas de “The Witcher” chego à conclusão de que este é mesmo o caso. Para entreter e encher o olho, mas falta o fundamental: personagens cativantes.
A série é o meu primeiro contacto com o mundo Witcher. Não li os livros, não joguei os jogos. A história começa com as aventuras do caçador de monstros Geralt of Rivia, o tal Witcher. (Sam e Dean Winchester iriam adorá-lo: que pena que “Sobrenatural tenha acabado porque daria belas piadas.) Geralt of Rivia faz parte de uma espécie (a que chamam mutante) de caçadores de monstros possuidores de alguma magia que vendem os seus serviços. Ao mesmo tempo, em paralelo, o reino de Cintra é invadido e destruído por um exército inimigo, e a jovem princesa herdeira Ciri é a única a escapar. Sozinha e perseguida, é-lhe dito que tem de encontrar Geralt of Rivia para a proteger. Ficamos depois a saber que Geralt tem um dever antigo para com ela, e é assim que os dois se encontram um ao outro. Em resumo, as duas primeiras temporadas são isto. Porque é que são só isto? Porque a série segue um tipo de estrutura de monstro-da-semana que, na minha opinião, não se ajusta muito bem ao género Fantasia e só serve para atrasar a história, especialmente quando temos um mundo completamente novo a ser explicado e uma intriga política ao nível de “Guerra dos Tronos”. Ou, pelo menos, não resultou aqui pelas razões que vou apontar.
O grande problema foi mesmo esse. Dificuldade em explicar o mundo de forma natural. A cada episódio temos mais um info dump, e mais outro, e mais outro. Meia dúzia de episódios depois eu já tinha perdido o fio à meada. Para complicar ainda mais, nos primeiros três ou quatro episódios a linha temporal e espacial não se percebe, o que causa alguma perplexidade e ainda deixa o espectador mais confuso e incapaz de acompanhar o que está a acontecer, quanto mais a história de cada reino e quem são as catadupas de personagens novas que aparecem em cada episódio. Para exemplificar, no primeiro episódio Geralt chega a uma aldeia (ou vila ou cidade?) para tratar dos assuntos dele. Nas cenas seguintes, assistimos ao que se passa na corte de Cintra antes da destruição. Como nada nos diz o contrário, e como o espectador, ao contrário de todas as personagens nesta série, não é bruxo nem adivinho nem tem poderes mágicos, parte-se do princípio de que isto se está a passar ao mesmo tempo e no mesmo sítio. Isto é, que Geralt se encontra em Cintra. Este equívoco permanece durante mais dois ou três episódios, e, embora se comece a suspeitar, só temos efectivamente a certeza de que as coisas se passam em linhas temporais diferentes quando Cintra é destruída e Geralt, afinal, não está lá. Ou seja, os episódios iniciais são consumidos nesta incerteza, e entretanto o espectador tem dificuldade em perceber as conversas sobre o passado porque nem imagina que são sobre o passado. Esta seria uma confusão fácil de evitar com uma simples legenda “há X anos atrás, em Cintra”. A partir daqui fiquei na dúvida sobre tudo o que estava a ver. Passado, presente, futuro? Não sei, não li os livros e não sou adivinha. Se não me disserem, não me ponho a especular. Entretanto, a cada episódio é despejado mais um balde de informação sobre outros sítios e pessoas do passado, e mais uma catadupa de personagens novas. Foi demais, e desisti de acompanhar.
Personagens bidimensionais
Este seria o momento de ver a série de novo para apanhar todos os pormenores que perdi, mas isso não vai acontecer porque não houve uma única personagem que me cativasse o suficiente. O que é o outro grande problema da série, e ainda mais grave. Os personagens são bidimensionais, quando não são unidimensionais, o que é difícil de conseguir.
Geralt of Rivia é um tipo durão, que se expressa por grunhidos e pela palavra “fuck”. Tentam dizer-nos que os Witchers não têm emoções, mas afinal têm e Geralt até é um homem decente. Aqui está a personagem: durão com bom coração, ponto final. Quando ele fala, não é brilhante. Aliás, todos os diálogos são fracos, básicos e previsíveis, com tentativas de piadas “inteligentes” ao nível de filme de acção reles. “The Outpost”, ao lado de “The Witcher”, é uma obra-prima nos diálogos e caracterização das personagens. Pelo menos conseguiu interessar-me por algumas logo na primeira temporada.
Ciri, a princesa em apuros, é apenas isso: a donzela em apuros. Nem tem idade para ser outra coisa, porque Ciri é quase uma criança. Depois de encontrar os Witchers, Ciri decide aprender a combater, porque, é claro que sim. O que dá início às aborrecidas cenas de treino que ninguém nunca quer ver. Mas, afinal, parece que Ciri até nem precisa de aprender a lutar, porque pelos vistos ela tem a magia mais poderosa de todas. Isto vai abrir o buracão negro chamado “personagem demasiado poderosa” que vence sempre e sem surpresas. Não é promissor.
Yennefer, uma rapariga de origens tristes que se tornou a maga mais poderosa lá do sitio, devia ter sido a personagem mais simpática de todas. Infelizmente, Yennefer só pensa em poder e é capaz de traição para o conseguir, o que anula toda a simpatia que se pudesse ter para com ela. Pior um pouco: quando tentaram dar-lhe alguma humanidade, não conseguiram. Na primeira temporada, Yennefer é capaz de tudo para ter um filho, uma vez que teve de abdicar do útero em troca de beleza. Na segunda temporada Yennefer esquece-se completamente disto, sem qualquer motivo que o justifique. Geralt pergunta-lhe simplesmente, “ainda queres ter um filho?”. “Não”, responde ela. Não?! WTF, então e a temporada anterior, Yennefer, já te esqueceste? Alguém esqueceu. Lá se foi o desenvolvimento de personagem por água abaixo.
Outras personagens são tão pálidas que quase não se vêem. Como os magos da tal estrutura de poder lá do reino, todos tão iguais que não os distingo. Todos com a mesma agenda, unidimensionais. Até o bardo Jaskier, que só pensa na fama (mas neste caso conseguimos perceber alguma evolução lá para o fim da segunda temporada).
Personagens egoístas, até mesmo detestáveis, são muito comuns na Fantasia Grim Dark, como é o caso, mas, como eu digo sempre, pelo menos dêem-me uma de que gostar. Não conseguiram.
Talvez acidentalmente, a única que me interessou minimamente foi um personagem secundário, Cahir, comandante do exército que ataca Cintra. Também ele só pensa no poder, mas por motivos religiosos. O homem é um fanático, capaz de morrer por uma causa. A causa pode não ser boa, mas o importante é que ele é sincero. Pode não ser uma personagem simpática, mas achei-o algo cativante e promissor, se o tivessem desenvolvido. Como é um personagem secundário, só o tivemos esporadicamente.
Demasiada magia
A nível da história propriamente dita, as partes que mais me entusiasmaram foram aquelas que reflectem a nossa realidade. Estes invasores lembram os cristãos do tempo das Cruzadas, que querem “conquistar para libertar” e levar a verdadeira religião aos ímpios (o que é sempre interessante de ver). A perseguição aos elfos lembra obviamente a perseguição aos judeus, com as pessoas que arriscam a vida para os esconder e transportar para segurança. (É aqui que a humanidade do bardo Jaskier finalmente brilha, o que só lhe fica bem).
De resto, o excesso de magia irritou-me. Toda a gente possui alguma forma de magia que lhe facilita a vida. Neste mundo não precisam de inventar nada porque a magia faz tudo. Não precisam de inventar a electricidade, porque põem tudo a funcionar com magia. Não precisam de inventar transportes, porque se teletransportam. Até o jantar aparece feito por magia. (Onde é que se arranja isto, que dava tanto jeito?) Já é magia a mais para o meu gosto e resolve muitos problemas de forma irrealista, o que ainda me faz empatizar menos com os personagens. É tudo demasiado fácil para eles.
E depois temos incoerências. Os elfos teriam sido os possuidores originais da magia e quem a ensinou aos humanos. Se são tão poderosos, porque é que não usam a magia quando são perseguidos? Porque é que não abrem portais e se teletransportam, se toda a gente o faz? Parece que a magia só existe quando é conveniente.
O bardo
Se a “Guerra dos Tronos” nos torturava com porno-tortura, “The Witcher” consegue torturar-nos com o bardo Jaskier. Foi doloroso passar pela experiência de o ouvir cantar. Não estou a exagerar, foi doloroso para os tímpanos. Nem sequer era possível passar à frente porque as canções acontecem ao mesmo tempo da acção: não há como escapar. Jaskier deve ter sido imaginado como personagem comic relief, mas a verdade é que não tem graça nenhuma e só irrita. Na segunda temporada, até algumas personagens começam a passar-se da cabeça quando ele canta, e isso foi de facto engraçado. Um carcereiro ameaça cortar-lhe a língua, e eu estava a pedir "sim, por favor, cala-me esse gajo". É insuportável. Não sei se o actor Joey Batey (Jaskier) canta mesmo assim tão mal ou se faz de propósito. Seja como for, há que dar-lhe os parabéns. Conseguiu dar vida a uma personagem que realmente me afecta, se bem que ao contrário do pretendido (?).
A única vez que Jaskier é engraçado é quando faz uma piada aos primeiros episódios de “The Witcher”, exactamente a tal coisa de a linha temporal não se perceber. Isto significa, pelo menos, que os criadores da série deram ouvidos às críticas. Nota-se realmente alguma evolução para melhor da primeira para a segunda temporada. Era bom que tivessem conseguido o mais importante, fazer-nos interessar pelas personagens. Comigo, falharam.
“The Witcher” foi interrompido por causa da pandemia. Sinceramente, e depois daquele episódio em que Ciri é possuída por um demónio, mais um monstro-da-semana e a história a arrastar os pés quando devia andar para a frente, não me importava nada que a série simplesmente acabasse aqui. Se voltar, vou assistir por causa dos cenários e do world building, que é deveras impressionante. Não espero nada do resto. Seria uma óptima surpresa estar enganada.
Se a série regressar e eu nunca mais escrever sobre ela, já sabem o que isso significa. Fuck.
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