domingo, 14 de dezembro de 2025

Arrival / O Primeiro Encontro (2016)

Na sequência da chegada de gigantescas naves alienígenas à Terra, um grupo de peritos é enviado ao encontro dos extraterrestres para descobrir o que eles pretendem. Entre eles, a linguista Louise Banks, responsável por estabelecer contacto com a espécie a que chamam Heptapódes, que comunica de forma não-fonética. À medida que as tentativas de diálogo fracassam ou progridem a ritmo muito lento e cheio de equívocos, os líderes mundiais vêem-se obrigados a combater o pânico da população e a planear a destruição dos alienígenas mesmo sem provas de que estes sejam hostis. Louise é o único elemento da equipa capaz de interpretar a linguagem dos Heptapódes antes desse ataque aos extraterrestres que pode significar uma retaliação para a Terra.
Em princípio é esta a "história". Mas a "história" não é esta. Louise vive atormentada por memórias e visões de uma filha que nós, os espectadores, julgamos falecida. Mas a "história" também não é esta. Não é possível adiantar mais sem incorrer em spoilers, mas nada é o que parece.
Certos aspectos do filme não vão agradar aos fãs de ficção científica pura e dura porque não são cientificamente credíveis. Os alienígenas dão a Louise o que quase poderíamos chamar um "poder mágico" que só funciona com ela, aparentemente e convenientemente, de modo a que ela consiga compreender a linguagem deles, porque os Heptapódes virão a precisar da ajuda humana daí por 3000 anos. Muitas questões se levantariam aqui: se a espécie é tão evoluída que chegou à Terra sem ser detectada, de que ajuda nossa poderão precisar?... Mas a "história" também não é essa, nem tal é aprofundado. Quem está à espera de uma "Guerra dos Mundos" não a encontrará aqui.
"Arrival" é sobretudo um filme sensível sobre escolhas e perdas, sobre o que significa valer a pena viver apesar do sofrimento, em suma, sobre o que nos torna humanos. A parte pseudo-científica é a desculpa para contar uma história bonita e comovente.

13 em 20 


terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Dark Shadows / Sombras da Escuridão (2012)

Barnabas Collins é um vampiro, vítima da maldição de uma antiga amante, que esteve encarcerado durante 200 anos. Em 1972, finalmente volta a casa para ajudar a família a sair da decadência.
"Dark Shadows" foi uma série/telenovela americana de culto que metia vampiros, bruxas, lobisomens, fantasmas, e tudo o mais. Para uma série tão tresloucada, é de admirar que tenha estado no ar de 1966 a 1971. Não tenho memória de ter passado por cá, mas dos excertos que vi no Youtube só me deu para rir. A série era mesmo muito má, lenta e teatral. O fenómeno é que tenha durado tanto tempo.
Não é o caso de "Dark Shadows" do realizador Tim Burton. Já tinha visto este filme e na altura não gostei. Se calhar esperava uma história melhor, e esqueci que os filmes de Tim Burton são maioritariamente para encher o olho, extravagâncias góticas inesquecíveis com efeitos especiais impressionantes. Ou seja, este é um filme para ver Johnny Depp como um vampiro do século XVIII que não percebe nada do século XX, no ambiente gótico e deslumbrante da mansão de família, e absorver toda a beleza tétrica que Tim Burton consegue trazer para o écran. Como se não bastasse, temos o verdadeiro Alice Cooper ao vivo!
Pessoalmente, lamento que os filmes de Tim Burton sejam mais imagem do que conteúdo. O melhor filme do realizador é mesmo "Edward Scissorhands", que aliava história à cinematografia fenomenal.
"Dark Shadows" enche o olho e tem muitos momentos de humor, mas falta-lhe aqui substância, drama, emoção. É tudo fachada sem nada por trás. Não sei se a culpa é de Tim Burton mas eu gostava de vê-lo outra vez a realizar um filme bonito, como este, que não fosse só imagem mas também conteúdo.

13 em 20


domingo, 7 de dezembro de 2025

We Summon the Darkness / Estranha Escuridão (2019)

Em 1988, três amigas vão assistir a um concerto de heavy metal. Pelo caminho, conhecem três rapazes metaleiros que vão ver a mesma banda e, no fim, decidem continuar a festa na casa de campo de uma delas.
Como pano de fundo, uma série de homicídios de contornos satânicos tem vitimado fãs de metal. Na altura (e isto é verídico), cultos evangélicos acusavam o heavy metal de desencaminhar os jovens para cultos ao diabo.
[Só um momento.

Hahahahahaha!

Peço desculpa. Estou tão farta destes energúmenos culparem a música e os jogos de vídeo pelos actos violentos de alguns miúdos perturbados (como o tiroteio de Columbine) que já não tem graça nenhuma.]
Sendo este um filme de terror, já sabemos que os homicídios vão entrar na história. A parte que me surpreendeu e de que gostei é que desta vez os maus da fita não são os homens. Este vai ser mesmo o único spoiler.
Do que não gostei: as três amigas têm motivos religiosos para cometerem os crimes, mas são umas amadoras que não sabem matar como deve ser. A princípio isto foi divertido, as três amigas a planearem os homicídios como quem combina que roupa levar a uma festa, mas depressa descambou numa certa palhaçada que só prejudicou a mensagem do filme.
Uma vez chegados aqui, o filme deixa de ser tão original e transforma-se num slasher normal, com os caçadores e as presas em papéis invertidos, mas um slasher. O filme é decente e interessante de ver, se o objectivo for apenas o entretenimento. Nada mais a esperar disto.

12 em 20

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Get Out / Foge (2017)

Chris é um homem negro que vai visitar os pais da namorada branca, um neurocirurgião e uma psiquiatra de classe social elevada. A princípio, estes parecem daquelas pessoas demasiado ávidas em provar que não são racistas, cometendo argolada atrás de argolada e não falando de outra coisa, nomeadamente que votariam em Obama outra vez e que conhecem celebridades de raça negra. Tudo isto parece embaraçoso mas inofensivo, até ao momento em que Chris começa a notar coisas estranhas. Por exemplo, os comportamentos da empregada e do jardineiro negros do casal, bem como o de um convidado da família igualmente negro, que não parecem nada normais. Quando Chris se acaba por fartar e decide dar a visita por terminada, descobre que o que se passa ali é muito mais sinistro do que ele poderia imaginar.
As críticas que li, nomeadamente as americanas, incidem em força na questão da raça, da sátira social em relação à raça, e tudo sobre a raça, mas não é isso que me interessa como filme de terror. Como filme de terror, a raça é usada como pretexto, mas o filme funciona porque podia passar-se em muitos outros casos propensos a choques culturais: o namorado pobre que visita os sogros ricos, o namorado rico que visita os sogros pobres, etc. A questão aqui é o perigo do "outro", do "outro desconhecido". Vou dar três exemplos, dois recentes e um clássico. Tirando a questão da raça, "Get Out" não é diferente de "Ready Or Not" (noiva que se vê apanhada nas tradições sanguinárias de uma família rica) ou do fantástico "Midsommar" (turistas apanhados em rituais pagãos), e a nível do clássico recordo "Deliverance" (aventureiros citadinos apanhados por campónios sádicos). Os exemplos nunca mais acabam. O princípio é o mesmo, a vítima incauta que cai na armadilha.
"Get Out" é inteligente porque aproveita um pretexto actual e polémico que baste para dar muito que falar e promover o filme, mas não é propriamente um drama sério sobre as questões raciais na América.
Como filme de terror funciona muito bem e leva-me a repetir o que já disse sobre "Midsommar": se algo parece estar errado é porque está mesmo; nunca se metam a visitar desconhecidos no meio de nenhures, especialmente se dependerem de outros para fugir de lá; nunca se deixem drogar/embebedar/hipnotizar nesta situação. Conselhos para a vida!

13 em 20
 

domingo, 30 de novembro de 2025

Arcadia (2023 - ?) [segunda temporada]

Numa sociedade distópica cujo lema é "temos o que merecemos" e em que o valor da pessoa é medido por pontuação, a família Hendriks está cada vez mais ameaçada. Hannah é exilada como o pai, Alex fica em maus lençóis, e Milly também se encontra sob suspeita. Entretanto, na floresta do Exterior, o patriarca Pieter Hendriks começa a congeminar um plano para derrubar o regime.
Confesso que não esperava uma segunda temporada desta série holandesa, e muito menos que a qualidade da estreia conseguisse ser mantida. "Arcadia" não é um produto de Hollywood em termos de produção e orçamento, e às vezes nota-se no mau sentido, mas, no que é verdadeiramente relevante, a série aguenta-se bastante bem.
Fiquei muito impressionada pela maneira como nos fazem compreender os personagens, até os vilões. Podemos não concordar com eles nem gostar deles, mas percebemos porque é que a Guardiã está realmente convencida de que a repressão securitária em Arcadia é a melhor solução para a sociedade. Ver as coisas pela perspectiva do contrário ao que acreditamos faz-nos ponderar os nossos princípios mais a fundo. Ultimamente, ela diz que "já não há crime nem medo", mas alguém a recorda de que agora há outro tipo de medo. Tentar viver numa utopia/distopia em que as pessoas só são valorizadas por aquilo com que podem contribuir vai forçosamente fazer com que os mais frágeis (ou doentes, ou inadaptados) sejam excluídos e, em caso extremo, como em Arcadia, considerados inúteis e não merecedores do custo que a sociedade tem de despender com eles. É a sobrevivência do mais apto, a lei da selva, aplicada com a intenção e a racionalidade fria de que o ser humano é capaz quando põe de lado a empatia. Nestes casos, regra geral, aqueles que estão em posição dominante nunca pensam que poderão ser eles, um dia, os mais frágeis, ou tentam viciar o sistema (mesmo que inconscientemente) em que aparentemente acreditam para que as regras cruéis que aplicam aos outros nunca se apliquem a eles nem aos que lhes são próximos. Esta série despretensiosa mostra-nos a humanidade falível dos que defendem sistemas baseados em ideias erróneas de mérito social, e por isso já vale muito a pena.
No entanto, acho que a série não explicou bem o golpe de Estado que deu origem ao regime. Daquilo que percebi, estão a culpar um só homem como cabecilha do atentado e isso simplesmente não seria possível. Mesmo que houvesse uma predisposição social para aproveitar o ataque terrorista para implementar o autoritarismo, uma acção deste tipo teria de ser sempre concertada entre vários conspiradores, aliás, como até está documentado na História recente. Caso contrário, líderes autoritários fariam questão de perseguir o responsável e exibir-lhe a cabeça na praça pública como exemplo. Não cheguei a perceber se "Arcadia" falhou neste ponto ou se não conseguiu mostrar o que queria (ou se não tinha orçamento para filmar uma conspiração a larga escala), mas foi a ideia com que fiquei.
Esta série surpreendeu-me. Com poucos meios fazem-nos pensar em tanta coisa.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: Distopia, 1984, ficção científica, sociedades pós-apocalípticas

 

terça-feira, 25 de novembro de 2025

The Haunting of Sharon Tate / O Espectro de Sharon Tate (2019)

Este é um filme muito controverso, que tanto recebeu prémios como foi arrasado pela crítica por ser ofensivo à memória das vítimas.
O título em português não está muito exacto, devia ser igualmente "a assombração de (que afecta a) Sharon Tate". "The Haunting of Sharon Tate" é a reconstrução dramatizada dos assassinatos sangrentos desta actriz de apenas 26 anos e de quatro amigos, a mando de Charles Manson e executados por membros do seu culto chamado A Família. Não foram os únicos assassinatos da Família, mas foram talvez os mais mediáticos, não só por Sharon Tate ser a esposa do realizador Roman Polanski mas também por estar grávida de oito meses à altura, o que não podia ser mais chocante. Sharon Tate foi esfaqueada 16 vezes, o que nos dá uma ideia da brutalidade do crime. (Curiosamente, o homicídio não foi ordenado para Tate e amigos mas sim para o produtor discográfico Terry Melcher, que arrendava a mesma casa antes deles, por ter negado publicar a música de Charles Manson.)
Neste caso pode mesmo dizer-se que Sharon Tate estava no lugar errado na hora errada, e talvez por esta razão o filme tenha enveredado pela dramatização em que Sharon começa a ter pressentimentos, sonhos e visões com a sua morte iminente, o que a leva a ficar obcecada com o destino e a possibilidade de o alterar. Nestes sonhos, apavorantes, Sharon começa a ver os assassinatos como eles aconteceram na vida real, e aviso já que as cenas são difíceis de assistir e tão sangrentas e brutais como foram os crimes na realidade. Mas depois desta "reconstrução" fiel, ou o mais possível, o filme envereda por um "final alternativo" em que Sharon e os amigos não morrem, antes enfrentam os atacantes e sobrevivem.
É precisamente esta parte que muitos críticos acham ofensiva para as vítimas, como se isto as "culpasse" por não terem feito mais para se defenderem. Eu não diria que é ofensivo. A narrativa do filme centra-se toda na questão do destino, das escolhas, da possibilidade de vidas alternativas. Logo no início, Sharon está a ler um livro sobre reencarnação, tema muito em voga na altura. Tendo em conta este contexto, talvez se quisesse contar uma história mais optimista? A minha questão é: porquê? O que é que se queria dizer com isto? Que as coisas podiam ter sido diferentes? Talvez, mas não foram, e também não vejo o sentido de fazer "sobreviver" as vítimas de um crime tão trágico.

12 em 20 (pela reconstrução, embora dramatizada)


domingo, 23 de novembro de 2025

The Last Kingdom: Seven Kings Must Die (2023)

"Seven Kings Must Die" pretende ser um filme de epílogo para a série "The Last Kingdom", mas eu considero que isto é mais um último episódio de duas horas.
Sem querer entrar em spoilers, Aethelstan torna-se rei após a morte de Edward e enfrenta a aliança de vários soberanos pagãos e cristãos incitada pelo viking Anlaf. Uhtred é obrigado a intervir, não apenas por uma questão de vassalagem mas por lealdade ao neto de Alfred e ao ideal de uma Inglaterra unificada.
Devo dizer, fui ver "Seven Kings Must Die" com muito receio porque já tinha lido críticas alarmantes. "The Last Kingdom" acaba de modo muito satisfatório, não deixa pontas soltas, e "Seven Kings Must Die" começa logo por ser desnecessário. Quando uma série termina tão bem, com tudo resolvido, não queremos uma má sequela a estragar-nos essa recordação. Não foi exactamente o que aconteceu, mas agora compreendo as críticas.
Ao ver o episódio, a minha maior questão foi: porque é que não fizeram mais uma temporada? É aqui que todas as críticas convergem e eu concordo. Este episódio tem enredo suficiente para uma temporada inteira. Como resultado, a acção é demasiado apressada, as viagens entre localidades acontecem à velocidade da luz (custa acompanhar onde eles estão quando vão de norte a sul e de leste a oeste em 30 segundos), e não há tempo para desenvolver as personagens. Por falar nisso, uma nova temporada permitiria incluir personagens como Stiorra, filha de Uhtred, a rainha Aelswith, a monja Hild e a Lady Eadith, que aqui nem aparecem. Tudo o que era excelente na série é sacrificado ao ritmo frenético da acção porque há muitas batalhas para travar e pouco tempo de filme. Há mortes chocantes mas ninguém tem tempo de fazer o luto, nem eles nem nós. O episódio é uma correria desenfreada para conseguir condensar a história que quer contar em menos de 120 minutos.
E por isso pergunto: porquê? Uma das razões apontadas é a falta de orçamento, mas se houve dinheiro para uma batalha épica de 10 minutos não haveria dinheiro para momentos de desenvolvimento das personagens em cenários mais baratos? E, sendo uma série de sucesso e adorada pelos fãs (e muito mais bem escrita do primeiro ao último episódio do que "A Guerra dos Tronos" e "Vikings"), e se o filme foi aprovado, porque é que uma última temporada escrita pela mesma equipa não seria? Há aqui qualquer coisa que não bate certo em termos comerciais.
Se mesmo assim vale a pena ver? Vale muito a pena ver, e as boas memórias da série não vão ficar beliscadas, mas deixa-nos com uma sensação de desperdício de enredo e de incompreensível qualidade inferior.
A mim chateou principalmente a falta de desenvolvimento das personagens. Quem vir apenas este "filme" (que não é filme porque não é uma história autónoma) vai pensar que as personagens da série também eram bidimensionais como são aqui, a mudar radicalmente de ideias em questão de segundos sem que se perceba muito bem as suas motivações. Aethelstan é um vilão porque está a ser manipulado pelo amante, um monge secretamente ao serviço dos reis pagãos. Uhtred tenta abrir-lhe os olhos e Aethelstan quase o manda matar, mas uns minutos depois Aethelstan percebe o seu erro, tudo isto tão depressa que parece que só passou meia hora na vida dos personagens. Nem há tempo para respirar. Para quem não viu a série, asseguro que "The Last Kingdom" é uma história bem contada. Aliás, aconselho veementemente que não se veja este episódio sem ver a série, porque seria uma injustiça.
O que aborrece mais é que ainda assim "Seven Kings Must Die" consegue incluir, na medida do possível e do tempo do filme, pitadinhas dos elementos que tornaram a série tão boa: romance, humor, drama, a dinâmica entre os personagens principais, e uma batalha espectacular a fechar. Uhtred já não está tão burrinho como no princípio. Aparecem presságios que só percebemos no fim. A certa altura pensamos que Uhtred está a ver valquírias e ficamos gelados, mas vamos ter ainda uma visão de Valhalla, como Uhtred o imagina, mais à frente. Os últimos segundos do episódio emocionaram-me e trouxeram-me lágrimas aos olhos, o que não acontece todos os dias, e que não acontece devido ao enredo mas ao significado da história em si.
"Seven Kings Must Die", pelos defeitos, fez-me dar mais valor à qualidade e ao impacto de "The Last Kingdom". Aconselho aos apreciadores da série que desejem mais aventuras de Uhtred, Finan, Sihtric e Pyrlig, desde que se preparem para um episódio mal aproveitado.

ESTE EPISÓDIO MERECE SER VISTO: 1 vez, mas só depois de ver a série

PARA QUEM GOSTA DE: The Last Kingdom, Vikings, drama histórico

terça-feira, 18 de novembro de 2025

The Giver / O Dador de Memórias (2014)

Numa sociedade distópica, muito depois da destruição da Terra, o jovem Jonas prepara-se para assumir o papel de adulto e membro produtivo da comunidade, mas, ao contrário dos seus colegas e amigos da mesma idade, a quem são atribuídas funções de acordo com as suas personalidades, Jonas é seleccionado para ser o novo Receptor de memórias.
Esta sociedade, regulada pelo princípio da Semelhança, em que toda a gente tem de ser igual e a individualidade foi abolida, conseguiu suprimir as memórias do passado e as emoções através da medicação que todos tomam, e inclusivamente a capacidade de ver a cores (para que não haja diferenças raciais). Deste modo, o filme começa a preto e branco e vai ficando colorido à medida que Jonas se recorda das cores. Como receptor das memórias, Jonas é incumbido de receber do Dador que o precede toda a verdadeira História da Humanidade que esta sociedade esqueceu de propósito: as emoções, as cores, a paixão, os sentimentos, mas também a perda, a violência, a guerra, a morte. A sua maior dificuldade vai ser mesmo confrontar-se com a morte, algo que os habitantes da comunidade preferem ignorar que exista.
Esta sociedade podia ser uma mistura de "Admirável Mundo Novo" e "1984", com a adição de eugenia em que os velhos e os bebés considerados não "aptos" são enviados para o Outro Lugar (eufemismo para assassinados). Uma coisa aterradora! Para meu horror, no entanto, o filme desenvolveu-se como uma versão Young Adult de "Admirável Mundo Novo" + "1984" para crianças, o que não anda longe da verdade porque o filme é baseado no livro homónimo de Lois Lowry, que, segundo vi em críticas, é realmente lido às criancinhas como maneira de "preparação" para os clássicos de Aldous Huxley e George Orwell. Eu não li o livro mas não concordo nada com isto. Acho que "1984" deve ser lido a frio, por volta dos 14 anos, para a pancada acertar no sítio. Seja como for, George Orwell até nos fez o favor de escrever a versão "infantil" em "Animal Farm", e tudo o que li sobre o livro de Lois Lowry não me convenceu de que fosse melhor escolha.
Mas voltando ao filme, pelo que percebi é ainda mais Young Adult do que o livro, com o inevitável trio romântico e tudo, a assemelhar-se (colar-se) mais a "The Hunger Games" e "Divergent". Se no livro existe algum "murro no estômago", aqui fica tudo tão diluído num mundo de adolescência que nem a eutanásia de um bebé produz o efeito que merece.
No fim resume-se tudo a salvar um destes bebés enviados para Dispensa (dispensa de viver, entenda-se). A sociedade apresentada podia dar uma história sinistra, de arrepiar, mas em vez disso é tudo tão insonso que eu cheguei a torcer para que o bebé morresse à mesma só para infundir algum drama a esta seca. Ainda por cima o final não faz sentido. Tudo o que Jonas tem de fazer para restaurar as memórias à comunidade onde vive é fugir para lá da Fronteira que separa a comunidade do mundo selvagem, e as memórias regressarão. Mas regressarão como?! Parece que ele e o Dador se comunicam por telepatia, mas, do que vimos, os residentes medicados não reagem à telepatia. Aqui não há magia nem sobrenatural, é tudo ficção científica, então como é que raio o atravessar de uma Fronteira iria afectar a comunidade?
Foi doloroso ver o desperdício de actores como Jeff Bridges, Alexander Skarsgård (o Eric de "True Blood"), e, principalmente, de Meryl Streep, que (tal como Julianne Moore em "The Hunger Games") merecia estar a interpretar papéis à sua altura em vez de participar nesta chachada. Espero que lhe tenham pago bem.

11 em 20
 

domingo, 16 de novembro de 2025

Hitler: The Lost Tapes of the Third Reich / Hitler: As Gravações Perdidas do Terceiro Reich (2023)

Este é um documentário sobre a ascensão e queda de Hitler baseado em testemunhos de seus amigos, conhecidos e colaboradores.
Não é o melhor documentário que já vi sobre o tema, e já vi dezenas, mas é principalmente interessante porque temos relatos de pessoas que lidaram com Hitler como pessoa comum (vizinhos, conterrâneos, inquilinos do mesmo prédio, amigos de amigos) ainda antes de ele se envolver com o partido nacional-socialista. 
Estudar a ascensão de Hitler e do regime nazi é cada vez mais relevante. É fascinante observar como foi fácil, nas circunstâncias do pós-guerra e da Grande Depressão, convencer os alemães de que os judeus eram culpados por todos os problemas da Alemanha. Hitler parecia ter uma obsessão pessoal com os judeus desde muito novo, mas a verdade é que essa percepção encontrou eco nas massas e que os principais líderes do partido, por convicção ou oportunismo, tanto usaram o carisma do Führer como essa predisposição social para empreenderem uma campanha de propaganda simplista contra uma minoria transformada em inimigo número um e alvo a abater. Sem esta conjugação de factores a ideologia nazi nunca teria alcançado o nível de fanatismo que conseguiu arrancar das massas, num crescendo, desde os anos 30 até ao fim da guerra. 
É verdadeiramente impressionante e necessário conhecer o fenómeno a fundo numa altura em que até no nosso país se começa a reconhecer o mesmo padrão.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Insidious: The Last Key / Insidioso: A Última Chave (2018)

Parece que o franchise "Insidious" não pára de lucrar. Esta é outra prequela do primeiro "Insidious", mas também é uma sequela de "Insidious: Chapter 3", e já há outra sequela a caminho com a mesma família do filme original, que, coitados, parece que não se conseguem livrar da assombração.
A sinopse de "Insidious: The Last Key" promete que a médium Elise Rainier vai enfrentar a maior assombração da sua vida, e eu não acreditei porque já sei do que a casa gasta, mas neste caso enganei-me redondamente. Elise Rainier vai mesmo confrontar-se com o maior fantasma da sua vida e da sua infância: o seu pai. E logo isto confere a este "Insidious: The Last Key" um nível dramático que nunca existiu nos filmes anteriores em que um dos personagens recorrentes era um demónio chifrudo (ausente aqui, talvez graças ao deus Pan).
O filme começa com um flashback à infância de Elise. Logo de início, viviam numa casa contígua a uma prisão, onde cada vez que um condenado era executado na cadeira eléctrica as luzes davam sinal. Já em criança, Elise tinha o dom de falar com os mortos. A sua mãe considerava-a especial, mas o pai não gostava nada daquilo e submetia Elise a grandes tareias para a levar a dizer que não via fantasmas nenhuns e fechava-a na cave como castigo por ela insistir na verdade. Como se não bastasse, um dia Elise é enganada por um demónio a abrir uma porta, o que resultou na morte violenta da sua mãe e no aumento da brutalidade do seu pai. Por fim, não são os demónios quem expulsa Elise de casa, é ela própria, já adolescente, que foge da violência a que o pai a sujeita.
Muitas décadas depois, quando Elise já tem a companhia dos dois caça-fantasmas Tucker e Specs (que neste filme não são tão embirrantes como nos anteriores mas continuo a não lhes achar graça nenhuma), Elise recebe o pedido de ajuda de um dono de casa desesperado que é atormentado por fenómenos sobrenaturais. A casa onde ele reside é precisamente a mesma onde Elise cresceu, mas apesar do passado traumático ela não hesita em ir lá.
Aqui começa a parte do filme de que os espectadores mais impacientes não vão gostar. Durante uma boa meia hora Elise e os caça-fantasmas não fazem outra coisa senão andar pela casa a detectar presenças. Estas cenas de "detecção" costumam ser as minhas preferidas, porque já sabemos que eles vão encontrar qualquer coisa. Mas, desta vez, o que eles encontram é tão inesperado e perturbador que me fez cair o queixo, e já considero este o melhor "Insidous" que já vi. Segue-se uma morte não sobrenatural e realista, e juro que nunca mais vou olhar para um armário da mesma maneira.
Mas para quem pense que "Insidious: The Last Key" é só drama da vida real, o último terço do filme leva-nos para território mais "familiar", em que Elise tem de ir mais uma vez ao "Longínquo" para enfrentar o demónio que, aparentemente, lhe matou a mãe e que foi responsável pela violência do seu pai. Este demónio tem chaves em vez de dedos, o que podia ser simbólico das chaves que abrem as portas aos demónios de infância.
Na verdade, este podia ter sido um grande filme se esta faceta dos demónios/chaves/traumas de infância tivesse sido explorada como deve ser, mas a partir deste momento "Insidious: The Last Key" cai na mesma lengalenga dos "Insidious" anteriores: demónios monstruosos, sustos, Elise como super-heroína no plano astral. Que pena. Eu até estava a gostar.
Mesmo assim, como já disse, este pode muito bem ter sido o melhor filme do franchise todo e estabelece Elise Rainier como a personagem principal da saga, sem sombra de dúvidas.

13 em 20