Os amantes de sagas, como eu, adoram regressar a um universo familiar e agradável que os encantou. É como encontrar velhos amigos, ou inimigos, conforme o caso. Foi esta a minha sensação ao ler o quarto livro da série Sevenwaters, “Heir to Sevenwaters”, de Juliet Marillier.
Já conheço a família toda. O que me fez muita espécie foi que Ciarán* está lá com eles, embora não na mesma casa porque decidiu retomar os estudos como druida, o que ele já queria ser desde jovem. Pergunto-me por que raio é que um feiticeiro do calibre dele quer ser um druida, mas acho que são sonhos de infância ou uma parvoíce assim. Também me pergunto o que raio faz ele em Sevenwaters depois da velhacaria que Conor, Sean e Red lhe fizeram e a Niamh. Sim, o nosso amado Red, marido de Sorcha e pai de Sean, a quem perdoo mais porque foi o único que foi fazer justiça pela filha com as próprias mãos. (Por alguma razão ele é o nosso amado Red.) Mas, mesmo assim, velhacaria. Conor até tem alguma desculpa, tendo passado tanto tempo com cérebro de pássaro não pode ter ficado muito bem, mas Sean (actual senhor de Sevenwaters) não tem desculpa nenhuma. Logo, o que está Ciarán lá a fazer? A família é uma coisa muito viciante e tóxica, é só o que posso concluir. Eu nunca mais os queria ver, nem que fosse para os transformar em lagartixas. E até tenho a certeza de que Ciarán também teria feito justiça por Niamh se ela o tivesse deixado. Mas o tempo que tiveram juntos foi tão escasso, se calhar não valia a pena desperdiçá-lo. Por outro lado, Fainne, a filha de ambos, também teve para onde ir, e Ciarán ficou mais ou menos sozinho (se exceptuarmos o corvo Fiacha que não me parece grande companhia). Voltar aos planos antigos talvez lhe tenha ocorrido por alguma razão que não é aqui explicada.
Nota-se quem é o meu personagem preferido, não nota? Esta história não é sobre ele, mas de certa forma implica a partida de Fainne para uma ilha sagrada onde será a guardiã de não sei o quê (nunca prestei muita atenção aos aspectos religiosos). Com ela foi, se me lembro correctamente, a Senhora da Floresta e o Senhor dos Cabelos de Fogo. E isto já tem a ver com o quarto livro da série.
Na ausência da Senhora da Floresta (a tal que “ajudou” Sorcha em “A Filha da Floresta”), instala-se na floresta de Sevenwaters (isto é, no Otherworld de Sevenwaters, o reino dos Fair Folk, ou, mais tradicionalmente, das fadas) um príncipe sem escrúpulos chamado Mac Dara. Ora, se os Fair Folk nunca foram muito de fiar, Mac Dará só não é mais violento porque não precisa. Basta-lhe um feitiço e já está. Mas já lá vamos.
O início do livro pode parecer lento e até aborrecido. Nada de interessante acontece. Deirdre, uma das filhas de Sean e Aisling, vai casar-se com um nobre importante. Os guerreiros de Inis Eala, inclusive Johnny (filho de Liadan, irmã gémea de Sean) estão presentes para a boda. A irmã gémea de Deirdre, Clodagh, parece namorar com um destes guerreiros com quem partilha o gosto pela música, e detestar o amigo dele, Cathal, um jovem sardónico que nunca parece ter nada de bom a dizer.
Entretanto, Aisling encontra-se à espera de uma criança, o que na idade dela pode ser muito perigoso. Felizmente, tudo corre bem e nasce um menino, chamado Finbar em homenagem ao tio-avô. Uma vez que Sean não tinha filhos, Johnny, seu sobrinho, seria o herdeiro de Sevenwaters, mas agora há um filho varão.
Até este momento, como eu dizia, pouco acontece. E, de repente, o livro começa a disparar em todos os cilindros. Cathal conta a Clodagh, ao pormenor, a possibilidade de um ataque a uma propriedade de Sean no norte. O pior é que este ataque acontece mesmo. Cathal decide ir-se embora e despedir-se de Clodagh sem dizer nada a mais ninguém. Clodagh estava a tomar conta de Finbar, e, assim que vira costas, num ápice, Finbar desaparece. No lugar dele foi deixado (e agora vai ser difícil explicar isto) um boneco feito de paus, com olhos de pedras e cabelo de musgo. Um changeling.
Não temos palavra em português que equivalha a changeling porque não temos este mito. Quando muito, um “trocado”. Mas na Irlanda e na Escócia, segundo vi em “Outlander”, acreditava-se piamente que as fadas roubavam as crianças e deixavam as delas, os tais changelings.
É claro que cai tudo em cima de Clodagh, e que Cathal é altamente suspeito. Para piorar as coisas, e isto também vai ser difícil de explicar, o changeling é uma espécie de criança, e Clodagh é a única que o ouve chorar e pedir comida. Todos a julgam louca. Todos menos Sibeal, a irmã vidente, que acredita em Clodagh. Clodagh acaba por se afeiçoar à criatura e chama-lhe Becan.
Clodagh e Cathal não são os únicos a quem os dedos são apontados. Já não é a primeira vez que noto como esta família de Sevenwaters é disfuncional. As suspeitas até chegam a recair no próprio Johnny, sobrinho de Sean. Não conhecemos assim tanto de Johnny, mas do que conhecemos é-nos bastante difícil de imaginar que fosse capaz de raptar uma criança (matar, até, o próprio primo) para ser ele o herdeiro de Sevenwaters. Esta família devia ir toda ao psiquiatra.
Entretanto, Clodagh decide que há apenas uma coisa a fazer: procurar um portal para o Otherworld e trocar o irmão pelo changeling, custe o que custar. Parte sozinha e à toa, quando subitamente encontra nada mais nada menos do que Cathal, que está a ser perseguido pela floresta pelos homens de armas de Sevenwaters, aparentemente sem saber porque é que o perseguem.
Aqui as coisas tornam-se estranhas. Cathal sabe muito mais do que diz, mas teima em manter-se em silêncio. No entanto, também ele consegue ouvir Becan, e, mais surpreendentemente, garante a Clodagh que consegue encontrar um portal para o Otherworld. Obviamente, Cathal esconde um segredo qualquer.
E em termos da história fico por aqui porque o resto são spoilers.
Já tinha dito de Juliet Marillier que se consegue sempre encontrar um ou outro elemento perturbador nas suas Fantasias Românticas, e se calhar é mesmo por isso que as leio. Em “Heir to Sevenwaters”, a certa altura (não vou dizer quando), desejei mesmo que a história enveredasse completamente pelo género do Terror, o meu preferido. E teve os seus momentos, se calhar porque são géneros que se tocam bastante e podem derivar um no outro a qualquer instante. Claro que não é o género de Marillier e as coisas suavizaram-se logo de seguida. Mas Marillier conseguiu pôr-me lágrimas nos olhos, o que não tinha acontecido em nenhuma das histórias anteriores (é preciso muito para me tocar tanto).
Por outro lado, fiquei muito triste ao ver que Marillier voltou a usar a palavra “piquenique”, como já não acontecia desde o livro de estreia. Isto põe-me os cabelos em pé. Não havia piqueniques no século VIII. Havia merendas e refeições ao ar livre. O que me chateia mais é que não era preciso usar esta palavra anacrónica. Outra palavra que me fez confusão foi “manequim” para descrever Becan. Não conheço o suficiente de inglês antigo (nem que língua falavam na Irlanda neste tempo) para saber se era uma palavra comum à época, mas às vezes o mais importante é a conotação que a palavra tem na compreensão do leitor moderno, e para um leitor moderno a palavra manequim soa estranha no contexto histórico. Mais uma vez, desnecessariamente. “Boneco”, ou mesmo “pequeno espantalho”, servia muito bem e até dava uma ideia mais clara do changeling. Gostaria muito que Marillier prestasse tanta atenção a estes pormenores como presta aos outros.
Por último, ia falar de Mac Dara, mas apercebi-me de que não há nada que possa acrescentar sem incorrer em spoilers. O que posso dizer é que quando tudo parecia perdido quem é que salvou a situação, quem foi? Ora, quem podia ser senão o meu adorado Ciarán (e já agora o corvo Fiacha também ajudou, mas não sei porquê nunca consegui ir à bola com ele). Ciarán conhece o novo príncipe do Otherworld e diz especificamente “ainda não é a minha altura de fazer guerra com Mac Dara”, o que dá a entender que a altura vai chegar. Se eu fosse a Mac Dara não deixava escrever a sequela, porque dava corda aos sapatos e fugia. Ciarán, filho da malvada feiticeira Oonagh, com quem aprendeu “as artes”, é um feiticeiro tão poderoso que causou uma tempestade para os Vikings não invadirem a terra onde ele morava. Ciarán tem com ele a sua filha Fainne, outra feiticeira de meter medo, e são ambos meio-Fair Folk.
Será que, mais uma vez, Marillier está a introduzir um segundo sentido no título, porque o herdeiro de Sevenwaters (ou do mundo oculto de Sevenwaters), por agora, é Mac Dara? Isto levanta hipóteses interessantes, mas não gosto de especular.
Às vezes penso que o único problema dos universos de Marillier é mesmo a Fantasia Romântica que os rege, porque, na minha opinião, muitos destes romances não faziam falta nenhuma à história.
Até admito mais. Disseram-me que os livros seguintes a “Filha da Floresta” não eram tão bons, mas quanto mais a série se embrenha no universo dos Fair Folk mais me interessa. Afinal, quanto mais Dark Fantasy melhor. A Dark Fantasy é a irmã mais “bem-comportada” do Terror. Um ou outro, é mesmo para mim.
*Por alguma razão atarantada, parece que passei as críticas aos livros anteriores da série a chamar “Chiaran” ao personagem Ciarán, ainda por cima o meu preferido. Acho que se calhar me “apossei” dele e até lhe mudei o nome. As minhas desculpas.
domingo, 25 de setembro de 2022
Heir to Sevenwaters, de Juliet Marillier
domingo, 18 de setembro de 2022
Outlander (2014 - ?)
Comecei a ver esta série por engano, confundindo o título com “Highlander”. Queria ver se era desta que percebia porque é que “só pode haver um”. (Ainda não percebi. Quem quiser explicar, gentilmente deixe em comentários.)
“Outlander” não é nada disso, embora se passe na Escócia (pelo menos a princípio).
No pós-Guerra, uma enfermeira da linha da frente reúne-se enfim com o seu marido, Frank Randall, numa tentativa de reanimar o casamento após a longa separação imposta pela guerra. Decidem visitar a terra dele, a Escócia, onde este tem parentes e conhecidos e onde vivem uma segunda lua-de-mel enquanto visitam as ruínas e paisagens da região. Claire, é o nome dela, assiste acidentalmente a uma dança de druidas em torno de um círculo de pedras durante um festejo pagão. Tomada de curiosidade, ou atraída ao círculo de pedras por motivos misteriosos, regressa no dia seguinte e toca na pedra principal. E puff! É transportada para o século XVIII.
O marido, Frank, procura-a durante anos, embora todos o tentem convencer de que o mais provável é que Claire tenha fugido com outro homem. E aqui há um enorme plot hole que a série nunca resolveu, embora já vá na 6ª temporada (e sabe-se lá quantas mais se seguirão). Frank não sabe que a esposa foi transportada para o passado, mas na véspera, à noite, repara num homem escocês, todo vestido a preceito e à antiga, a olhar para a janela do quarto deles. Inclusivamente, Frank farta-se de falar disto às autoridades, suspeitando que o estranho tenha raptado Claire, o que só convence mais as pessoas de que Claire o deixou por este suposto amante.
Ora, nós sabemos o que acontece no passado e como Claire se apaixona por Jamie, o homem da sua vida, pelo que sempre pensei que este observador seria Jamie, também ele a viajar no tempo, que de alguma forma a foi ver de longe após ela ter voltado ao tempo dela.
Afinal não, nada disto aconteceu, e o tal estranho misterioso nunca mais foi explicado. (Se alguém percebeu isto, já sabem: comentários.)
Entretanto, no século XVIII, e depois de recobrar do choque de se encontrar 200 anos no passado (e que choque deve ter sido), Claire é apanhada no conflito histórico entre ingleses e escoceses que daria lugar à sangrenta batalha de Culloden em que estes últimos são definitivamente derrotados. Claire apaixona-se por um fora-da-lei (porque combate os ingleses), Jamie Fraser, que é implacavelmente perseguido pelo oficial Jack Randall. Jack Randall é um violador e um sádico, mas Claire tem de impedir a todo o custo que alguém o mate precisamente porque este Randall é antepassado de Frank, o seu marido no futuro que Claire ama igualmente, e se Jack morrer Frank nunca chega a nascer. Paradoxos das viagens no tempo.
Tanto Jack como Frank são interpretados por Tobias Menzies. Gostei muito de o ver outra vez, e de o ver inteiro, porque da última vez que o vi só lhe vi uma bota, em “The Terror”...
Menzies é um óptimo actor e a série aproveita-o ao máximo. Em “Outlander”, assisti a cenas chocantes que jamais julguei ver numa história maioritariamente romântica (com todo o erotismo e mais algum) dirigida sobretudo a um público feminino. Aqueles kilts sem nada por baixo, aqueles peitos viris a desafiarem o frio das montanhas…
Mas admito: estou farta deste tipo de heroína, a que alguns chamam Mary Sue, a mulher atraente (todos a querem, mesmo todos), talentosa, forte, boa amante, que faz sempre e diz sempre o mais acertado, que não tem fraquezas, que em alguns casos até possui super-poderes. E até super-poderes Claire possui, porque depois ficamos a saber que não é qualquer pessoa que pode “passar pelas pedras”. Como cereja no topo do bolo, Claire é enfermeira mas acaba por ser também médica e cirurgiã. É a perfeita Mary Sue.
Por outro lado, Jamie Fraser não lhe fica atrás em termos de estereótipos. Jamie é um sonho molhado de heroísmo e masculinidade. Nas primeiras temporadas Fraser é um combatente, pelo que as proezas militares são de esperar, mas numa temporada mais à frente Fraser consegue comandar um navio durante uma tempestade medonha, dando ordens aos marujos como se fosse um experiente capitão de mar e guerra. Ora, tenham dó! Jamie pode ser um bom guerreiro, um bom líder, um bom lavrador, e como tal é perfeitamente possível que tenha jeito para cavalos (muitas vezes trabalha como moço de cavalariça para ocultar a sua identidade), mas um navio durante uma tempestade no oceano é outra fruta. E ainda bem que ele lá estava, ou teríamos Super-Claire a fazer também o papel de Capitã Gancho.
É óbvio que esta série é para senhoras (e alguns senhores) que gostam de aventuras românticas, realidade à parte. Eu continuei a ver quando percebi que Claire ia regressar ao seu tempo, os anos 50, depois de passar por experiências inigualáveis numa Escócia quase medieval. Como premissa, é muito interessante. Penso mesmo que a série deveria supostamente ter acabado aí, mas o sucesso fez com que renovassem. Claire volta ao passado de vez para ficar com Jamie, e é assim que as temporadas se têm estendido interminavelmente. Jamie e Claire têm andado a percorrer o mundo muito à custa de enredos “à medida” para empurrar a história para a frente, e nem sempre são os desenvolvimentos mais orgânicos e naturais. Nota-se a marosca. Ademais, surgem personagens a torto e a direito que tão depressa aparecem como vão à vida delas. Por esta altura já perdi a conta e já não sei quem é quem. (O que também se passa com outra série estendida artificialmente, “The Walking Dead”.)
“Outlander” tinha uma boa premissa: viajantes do futuro que tentam alterar o curso da História e falham inevitavelmente, mas actualmente “Outlander”é uma telenovela. Isso mesmo, uma telenovela erótica e de época, mas uma telenovela.
O pior é que uma pessoa fica viciada nestas coisas e não consegue largar (que é o objectivo de qualquer telenovela). Na última temporada Claire e Jamie estabeleceram-se na América, o que foi interessante porque pudemos ver o início da colonização, mas ambos sabem que vem aí a Revolução e uma vez mais Jamie vai ter de combater os britânicos. Essa parte, pelo menos, é consistente. Tudo o resto dá a entender que alguém vai inventando histórias de episódio para episódio, o que nunca é bom. As séries da Starz (“Spartacus”, “Black Sails”) costumam manter padrões de qualidade muito superiores, tanto em termos de enredo como de personagens. Só compreendo as seis temporadas de “Outlander” (e mais virão) numa lógica comercial. Teve sucesso, continua-se.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez
quarta-feira, 14 de setembro de 2022
Pumas at the end of the world: Birth
Quando vemos um documentário de vida animal não estamos à espera de poesia. Esta é a história de quatro crias de puma que perdem a mãe numa avalanche traiçoeira. Mas o que põe lágrimas nos olhos é a escrita, os presságios aqui e ali, as verdades que nos tocam a nós também. Transcrevi as partes mais importantes mas aconselho fortemente o visionamento do filme.
Muitos parabéns a quem compôs estas linhas:
Escrito por Dereck Joubert
National Geographic Wild 2020
There is a place near the end of the world, in the shadow of the ice mountains, where an ancient heartbeat seems to whisper its secrets. Ghostly tails, part seem part imagined, swirl through the snow like cries from the mountains. There are listeners and there are the watchers. A place to confound the senses, lost in the confusion between sky and ice. This is where the South American big cats roam, merging like spirits in and out of the landscape. Those that live here must be highly adapted to the harshness, the wind, the cold, the loneliness that comes from the endless struggle to survive. The wind carries rumours of ambushes waiting to turn your bones into frozen dust. But though the whispered warnings may be imagined, the footprints in the snow are very real, and these cats have a story of their own. They’re pumas at the end of the world.
Ancient legends tell us that here, beneath these eerie Patagonian mountains, the pumas are sacred. (…) The ancients also talk of the messengers to the gods: condors. So many of their stories tell of that connection between heaven and earth. (…)
Torres del Paine, the towering mountains of blue ice. And it’s here that our story begins. A mother puma has brought her kittens out into the world for the first time (…) We’ll call her Solitaria, a solitary mother and an expert huntress. Pumas like her have been wandering these hills for two million years (…) Solitaria is having to find food for five. And the cubs’ incessant energy makes that job so much harder (…) These precious little months as a family make all the difference to a puma’s survival.
But the voices of the ice mountains are not silent for long. Change happens here in a wink of an eye, and all species, especially the more delicate, must be attuned to what’s coming. Solitaria has tucked her cubs away in a cave and watches the change, looking down into the valley for opportunity (…) The wind from the southern ice fields adds to the recipe, as it buffets against the mountains and freezes the air. Everything moves as if on fragile glass and crystallizes everything into immobility. (…)
The condors of Torres del Paine will watch the development of this family from their lofty perch. Down below the puma cubs bundle up, expand their fur to capture heat and steal what they can from Solitaria. Patagonia is not for the weak.
But the full brunt of winter is yet to arrive. (…) The time to take extra care here is in late September, the Patagonian thaw, when the wind chills below freezing and yet the sun starts to melt the snow and ice. It’s misleading. Benign looking ice mutates into the fangs of foreboding. (…) But change is always dangerous and unsettling in a land where even lakes become hidden demons, trapped in time and restless for their freedom (…)
Up in the mountains, there’s a different, more violent process going on. Each drop adds to the warmth, and ever more rapidly raises the temperature of the streams and lakes. (…)
Hunting is a challenge when tumbling scree can give you away. Without the deadening effect of the snow, Solitaria is forced to range further and further down the valley, following the ebb and flow of the guanaco herds.
It’s Spring. (…) The warmer air currents of the mountains lift the condors and increase their range as they glide higher and higher with their 3 metre wing span. But when the wind picks up from the ice fields, quite suddenly all changes, as the bad weather strips the last snow from the mountain tops, lashing the residents, and bringing instability back to the valleys.
It catches the cubs out, down at the lake, where the wind comes hurling through the valley. It’s a nasty surprise but after all these are pumas of the ice mountains. The snow will hide their scent, even from Solitaria, so they’ll have to behave and stay exactly where she left them. She’ll find them, if they don’t stray. (…) Eventually, the storm becoming too much for them, the cubs began drifting away to find cover.
But the problem is bigger than their survival in the late snow storm. They wait, huddled together, listening to the voices in the wind.
Solitaria has moved into the next valley, travelling from crack to crack, searching for food, focused on her hunts, and perhaps unaware of the unstable conditions erupting all around.
[som de avalanche; todas as crias levantam a cabeça]
Melting snow, piled on the ledges, begins a slide that erupts into explosive avalanches. The violence released is a reminder that the ice mountain is almost a living being, a force never to be trusted.
The voice of the blue mountains that day was a roar. But their [the cubs’] only defence if they’re to obey instructions to stay, is to huddle together for warmth and security, as they listen to the exploding ice falls.
And when it’s over, the condors take to the sky to scout the damages. Down valley, they will find a few carcasses that mark the limit of the avalanche, a few battered victims discarded at the end of its run. (…)
Condors are often considered bad omens here. There are moments when they seem to hover, waiting, as if knowing that something has or is about to change. Something in the omen’s clouds.(…)
[as crias esperam]
There are some silences you remember forever. The quiet that fills the void where a mother puma’s call should reverberate off the mountains. (…)
There’s a kind of nothingness when a mother’s scent begins to fade. (…) Nothing to do but fill your days with nothing but time, watching and listening to and for something carried on the wind.
Some say there are ghosts here, their breath coming from their laughter at any sentiment of emotion of loss.
domingo, 11 de setembro de 2022
Almost Famous / Quase Famosos (2000)
Confesso que esperava mais deste filme tão aclamado pela crítica da altura, mas também não fiquei desapontada. “Almost Famous” retrata o famoso “sex, drugs and rock’n’roll” do universo dos anos 70, com as mega-bandas, as groupies e os roadies, e os jornalistas que os podiam destruir ou levar ao estrelato. Por alguma razão os jornalistas são chamados “o Inimigo”.
O filme tem uma grande dose de humor. Um rapaz nos seus precoces 15 anos, William Miller, é contratado, por equívoco, para escrever uma peça sobre a banda (fictícia) Stillwater para a revista Rolling Stone. Como única ajuda, William conta com o editor da revista “Creem”, Lester Bangs (personagem real), o mentor que lhe diz que um jornalista/crítico de música tem de ser “honesto e impiedoso”. Daí o epíteto não muito simpático de “o Inimigo”.
William Miller cai de pára-quedas num mundo demasiado adulto para a sua idade (mas aguenta-se bem) onde se movem grandes monstros da música como os Led Zeppelin, os Black Sabbath, os Deep Purple, Bob Dylan, e até uma breve aparição de David Bowie escondido pelos guarda-costas. Apaixonado pela groupie Penny Lane (nome fictício), William fica chocado pela maneira como o guitarrista da banda Stillwater a usa e deita fora. Se William via os seus heróis musicais como mitos, agora apercebe-se de que são bastante humanos.
Tudo isto desapareceu para não voltar, e por mim ainda bem. Todo este glamour do “sex, drugs and rock’n’roll” não era saudável para as bandas. Os chamados “gate keepers” (revistas, jornais, rádios) escolhiam que bandas vingavam ou desapareciam. Não havia o "Do It Yourself" do tempo do punk. Grandes bandas significavam um manager, uma escolta de roadies, um estúdio de gravações, um contrato. Muito dinheiro também, para os que chegavam ao topo. Muito dinheiro geralmente mal gasto.
Vivemos numa época em que é fácil produzir música e colocá-la directamente à venda ao público, embora com muito menos lucro, mas as bandas fazem-no pela arte e não pelo dinheiro ou pela fama. Já ninguém idolatra ninguém. O público é o único a decidir quem vinga e quem desaparece. É tudo mais sadio e respirável, na minha opinião.
“Almost Famous” é um filme de época que certamente fará as delícias de quem viveu as grandes bandas dos anos 70. Confesso que pessoalmente não me diz muito. Não vivi, não estive lá, nem sequer gosto da música. Mas é interessante visitar e ver de longe.
15 em 20 (pelo documento de época)
quinta-feira, 8 de setembro de 2022
Crítica ao livro "Nepenthos", de D. D. Maio - por Calhariz (Goodreads)
Directamente do Goodreads:
Já li quase todos os livros deste universo, menos “Vanda”. Quando acabei o “Elysion” senti que não queria abandonar os personagens e este universo, que era altura para reler “Nepenthos”. Que leitura. Uma história intensa com personagens variados, reais e palpáveis, além de reviravoltas e surpresas. O que mais me impressionou foram as personagens e a densidade da psicologia delas. O sofrimento psicológico retratado é real, existe, mesmo que as pessoas nem sempre se dêem a conhecer. Andam por aí muitas pessoas como a Reena, Nannaka, Rurik ou Eric por exemplo. Recomendo fortemente.
Toda a informação AQUI
domingo, 4 de setembro de 2022
The Young Pope (2016)
A homilia de abertura de “The Young Pope” é tudo o que a geração actual espera de um Papa jovem (cerca de 50 anos, para um Papa, é bastante jovem). Mas há um problema. Esta homilia é um sonho (ou um pesadelo) de Lenny Bernardo, o primeiro Papa americano. Esta cena inicial diz-nos logo que nem tudo o que estamos a ver é necessariamente realidade. Na orla do surreal, a série utiliza sonhos, memórias, flashbacks e fantasias. Se algo nos parece um sonho, é porque geralmente o é. E depois há o mistério, o que apenas a fé de cada um pode decidir como real.
[Nota: “The Young Pope” é uma mini-série de 2016, com Jude Law, a não ser confundida com a continuação de 2019, com John Malkovich, “The New Pope”. A semelhança de títulos presta-se à confusão.]
A história começa com o mistério do Conclave. Somos guiados aos bastidores obscuros do Vaticano, onde aprendemos que a eleição do Papa obedece a políticas previamente estabelecidas para benefício dos cardeais. Durante um impasse, subitamente, Bernardo começa a receber votos sem que nada fosse combinado para tal. Até os cardeais mais cínicos concordam, contra tudo o que acreditam, que foi o Espírito Santo que elegeu o novo Papa. É a perplexidade! Nem o novo Papa acredita que o Espírito Santo o elegeu.
Mas Lenny não é um Papa como os outros. Ao contrário do esperado pelos cardeais que não quiseram eleger o mentor de Lenny por o acharem demasiado “conservador”, Lenny é um extremista ainda pior. “Não sabem que os jovens são mais extremistas?”, rebenta o cardeal Spencer, o que devia ter sido eleito.
Lenny é mais do que dogmático: é retrógrado, arrogante, pomposo, convencido. Lenny decide fechar a Igreja: acabou-se a tolerância, o ecumenismo, a evangelização. Nada de uniões de facto, nada de abortos, nada de divórcios. É a doutrina pura e dura. “Somos cimento, e o cimento não se move nem tem janelas”. Lenny recusa aparecer em público e, na primeira homilia, da famosa janela na Praça de São Pedro, revela-se de costas, à noite, em silhueta, e lança o sermão mais castigador que já se ouvia em séculos. Por fim, abandona a janela com as palavras “Vocês não me merecem”.
É o escândalo! E a partir daí cada vez pior. Lenny tem uma aversão a homossexuais que parece homofobia, mas na verdade está a seguir as coisas à letra. Ou é doutrina, ou não é doutrina. E Lenny é tudo menos hipócrita. (Embora esta aversão se deva mais a uma confusão entre homofobia e pedofilia na cabeça dele, como se verá mais tarde.) A Igreja volta a celebrar missas em latim, o sacerdote virado de costas para os fiéis; as igrejas estão vazias; os turistas escasseiam; a imprensa crucifica o Vaticano; o Vaticano perde receitas; o Papa entra em conflito aberto com o primeiro-ministro de Itália que ameaça aumentar os impostos do Vaticano. Lenny não se importa. Só importa Deus. Mais vale poucos fiéis do que fiéis em part-time, diz ele. É altura de a Igreja voltar a ser misteriosa, proibitiva, fechada. Os fiéis voltarão. Só que não voltam.
Lenny é profundo e perturbado. Abandonado por pais hippies num orfanato, é a ausência deles que compensa com a ausência/presença de Deus (quando Lenny acredita que Ele existe, porque na maior parte das vezes tem dúvidas); é no frio e na escuridão, no sacrifício e no sofrimento que os fiéis têm de encontrar Deus.
O Papa começa logo por recrutar o pobre pateta confessor do Vaticano para lhe contar todos os segredos, coisa que este, Don Tommaso, faz porque acredita na infalibilidade papal (e não é muito esperto, benza-o Deus). Desta forma, Lenny parece ter super-poderes.
Mas o que nós sabemos e que mais ninguém sabe é que Lenny realmente faz milagres: três, que nós saibamos. Três milagres são a prova de santidade para o Catolicismo. Alguns comentários aventaram que se calhar quem faz os milagres é o “outro lado”. Aliás, “diabólico” é como o assessor do primeiro-ministro se refere ao Papa, e o primeiro-ministro, após o encontro entre ambos, é forçado a concordar. Mas por mais interessante que seja esta teoria, a outra é ainda mais interessante: e se Lenny faz milagres porque Deus o aprova, porque Deus é tão fechado, dogmático e arrogante como Lenny? Esta é que é a questão inquietante.
Curiosamente, ou de propósito, talvez pelo formato mais quadrado da cruz que o Papa usa, ou pela maneira como está pendurada de um fio, a mim dá-me a ideia de uma cruz cristã invertida. O que ele faz também não ajuda a não dar esta ideia.
Os créditos de abertura, geniais, são uma boa metáfora para a ascensão de Lenny: à medida que ele passa à frente de alguns quadros clássicos do imaginário religioso, a estrela de Belém, a do Presépio, cresce, eleva-se e torna-se um cometa que destrói tudo por onde passa.
Os adversários entram em campo
Como contraponto à seriedade do papa, o Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Voiello, serve muitas vezes como comic relief. Este é um homem que tem pensamentos impuros com a Vénus de Willendorf, vários livros publicados a falar dele (de que ele muito se orgulha), é um adepto do Nápoles que assiste aos jogos vestido com o uniforme da equipa e a rezar o terço, que se recusa a invocar o nome de Deus em vão (Maradona), e que tem por objectivo livrar-se de Lenny, nem que seja preciso recorrer à chantagem mais vil. A princípio, Voiello parece o vilão. O filho da empregada pergunta-lhe “Excelência, posso brincar com os meus carrinhos no tapete?” Ao que Voiello responde: “Excelência é a tua mãezinha; a mim chamas-me Eminência”: Parece bruto, mas quando o conhecemos melhor sabemos que Voiello passa as noites a tomar conta de um jovem com paralisia cerebral severa, preso a uma cadeira de rodas, que não fala nem entende, e que Voiello considera o único ser livre de pecado, porque nem o consegue imaginar. A amizade é recíproca.
O que Voiello faz é por amor à Igreja, que Lenny está a destruir pouco a pouco. A certa altura, até o braço direito de Lenny, a Irmã Maria, antiga directora do orfanato onde o Papa cresceu, decide aliar-se a Voiello (que se apaixona por ela, o que também é mais cómico do que parece, até porque ela não é nada o tipo Vénus de Willendorf, mas o amor não entende lógica) para forçar o Papa a resignar, pois, como ela diz, não consegue ver o homem que mais ama no mundo a destruir-se desta maneira e a destruir a instituição que ela ama mais do que a si própria: a Igreja Católica Romana.
Lenny está sozinho, obcecado pelos seus sonhos infantis de órfão que nunca cresceu e que só deseja conhecer os pais verdadeiros (a presença, constante, na ausência, exactamente a sua percepção de Deus). Eventualmente, até o idiota Tommaso deixa de lhe obedecer, com o simples: “O Santo Padre não acredita em Deus”. No mundo limitado de Tommaso é tudo branco ou preto, não há áreas cinzentas. A psique imensa de Lenny, a sua concepção de um Deus inescrutável, é demasiado complicada para Tommaso.
Mas eu acho que o ponto de viragem foi mesmo o canguru. A Austrália ofereceu um canguru ao Papa recém-eleito. Os funcionários do Vaticano queriam mandá-lo para um jardim zoológico mas Lenny opõe-se e deixa o canguru andar à solta nos jardins. (Nota: penso que já não se pode fazer isto, retirar um animal selvagem do seu habitat, mas ecoa os tempos medievais em que presentes exóticos, como leões e rinocerontes, eram oferecidos aos Papas. Muitas vezes esta série faz coisas de propósito que representam um Vaticano intemporal: o que é e o que foi, da mesma maneira que sobrepõe sonhos e memórias de Lenny quando são mais importantes para ele do que a própria realidade.) Alguém mata o canguru com um tiro no peito. Isto foi odioso. O bicho não fazia mal a ninguém, nem se aproximava das pessoas, limitava-se a espreitar por detrás de árvores e sebes. Nunca é explicado quem deu o tiro ao canguru, mas penso que é óbvio que foi um ataque ao Papa como retaliação. Ora, meus amigos, se eu fosse Papa era aqui que ficava fula e desatava a excomungar a torto e a direito. Querem matar o Papa, matem, mas não se vinguem no animalzinho indefeso.
Não posso dizer com certeza se o assassinato do canguru teve este impacto todo, mas foi a gota de água que fez transbordar o balde à medida que Lenny percebe que até os mais leais o começam a abandonar. Lenny portou-se como uma criança mimada a brincar aos reis. É altura de crescer e de se tornar homem, mesmo que isso implique fazer finalmente o luto dos pais vivos que o deixaram para trás.
Agora a parte mais misteriosa: Lenny pode ser de facto o escolhido de Deus. Pressionado para lidar com os casos de pedofilia nos Estados Unidos (personificados por um monsenhor fictício), o Papa manda o cardeal Gutierrez à América com a missão de provar a culpa do pedófilo. Gutierrez é alcoólico, medroso, nascido para ser antes um monge do que um cardeal, um tipo que tem ataques de pânico ao sair à rua, e um homossexual encoberto, ainda por cima, o que não agradaria ao novo Papa. E é a este sujeito improvável que Lenny manda lidar com o caso mais grave da Igreja. Por tal, foi criticado desalmadamente. Ninguém acredita em Gutierrez. Mas não é que Lenny tinha razão? Gutierrez sai do Vaticano um medricas e volta um durão. Isto, para mim, é um milagre, e foi Lenny quem o fez.
Para um público inesperado
Quando comecei a ver esta série pensei que iria aconselhá-la a pessoas que se interessam pelos bastidores do Vaticano, pelos meandros da Igreja Católica, pelos assuntos da fé em geral. Nunca pensei que acabaria a aconselhá-la a quem gostou de “Os Tudors”, “Os Bórgias” ou “A Guerra dos Tronos”. Não há aqui porno-tortura, é verdade (e graças a todos os Santos!), mas há intriga que chega para nos agarrar de episódio para episódio, e uma das cenas de sexo a três mais pornográficas que eu já alguma vez vi fora de um filme porno-gay. Não é com Lenny. Lenny existe numa esfera demasiado intelectual/espiritual para ceder às tentações da carne. Mas o mais irónico é que a cena nos mostra como às vezes podemos perceber tudo e mais alguma coisa do que se passa à nossa volta e ser tão cegos em relação aos mais próximos, aos que consideramos família e amigos.
Por último, uma nota para a ponta solta que a série deixou de fora. Tonino Pettola, um pastor seboso e devoto, acredita (fervorosamente, não a fingir nem por dinheiro) que vê a Virgem Maria numa das suas ovelhas e que através dela (da Nossa Senhora, não da ovelha) consegue fazer milagres. Pede insistentemente ao Vaticano que os milagres sejam reconhecidos, mas é ignorado. Nunca se sabe o que aconteceu exactamente a Tonino Pettola, mas digo apenas que ser “agraciado” com a presença deste Papa na própria casa é mais assustador do que receber uma visita da Máfia. Penso que Tonino Pettola daria um sub-plot hilariante, mas se calhar foi o próprio realizador que o abandonou porque a série é demasiado dramática para estas palhaçadas. Adorava que retomassem o sub-plot, mesmo assim, na sequela “The New Pope”, pelo menos para sabermos o que aconteceu a Tonino Pettola, coitado.
A última cena é uma obra de arte cinematográfica: a câmara parte de uma janela em Veneza e vai-se elevando, e depois vemos a cidade, e depois Itália, e depois a Europa, e depois a Terra vista do Espaço, como Deus é suposto vê-la. Sei que não é a primeira vez que é feito, mas é sempre empolgante.
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