Para uma série que andou por aqui durante sete anos e que teve 90 e tal episódios, o que tenho a dizer é muito breve.
Vi o final de “Vikings” com aquele alívio “acabou, acabou, acabou” de ser libertada de um vício prejudicial. Ou melhor, era incontrolável como olhar para um desastre rodoviário: sangrento e horroroso. Confesso que cheguei a pensar, no fim da quinta temporada e devido ao grande hiato que aconteceu entretanto (por alguma razão passaram meses, um ano inteiro, sem aparecer na televisão?), que a série tinha acabado por causa da pandemia, e ainda bem, porque eu não queria tornar a vê-la. A minha primeira opinião não mudou, pelo contrário, foi piorando ao longo das temporadas.
“Vikings” queria ser a história de Ragnar Lothbrok e dos seus filhos, todos eles míticos e propícios a serem romanceados, mas a crítica é unânime quanto ao facto de que o enredo andou muito perdido após a morte de Ragnar, e nunca tornou a encontrar-se. Isto não era inevitável, foi simplesmente um caso de não se conseguir estabelecer os filhos de Ragnar como personagens sólidas. Tirando, talvez, Ubbe, aquele que consegue chegar mais longe, embora os seus feitos (na narrativa da série) tenham ficado em completa obscuridade. Ivar o Sem Ossos era demasiado sádico para que pudéssemos sentir empatia por ele; Hvitserk andou perdido num inferno de motivações contraditórias e dependências incapacitantes (pese embora a óptima interpretação de Marco Ilsø); Sigurd Snake in the Eye, coitado, desapareceu antes de aparecer. E Bjorn, filho mais velho de Ragnar e Lagertha, nunca conseguiu escapar à sombra do pai excepto no campo de batalha, tornando-o um personagem oco e fácil de esquecer.
A certa altura a série sacrificou o enredo e as personagens pela sumptuosidade dos cenários e nunca mais saiu dali. Não é difícil de entender. As reconstruções históricas são fabulosas. Eu própria já só assistia por causa delas. Nem me importo que quase nada tenha acontecido em Paris, na Rússia, até na Arábia (?) onde me parece que Bjorn foi parar durante alguns episódios. Só faltou termos visto Bizâncio. Esta é uma série que não precisa de enredo: vê-se só pelo espectáculo.
A porno-tortura continuou, ou não fosse uma série de Michael Hirst, até ao último episódio, em que ele próprio pôs o pé no travão. Talvez Michael Hirst receie não ter espectadores se não houver bastante porno-tortura. Mas agora, finalmente, após ver a sexta e última temporada, compreendi o que é que Michael Hirst deseja mesmo fazer. Michael Hirst quer criar as suas próprias cenas shakespearianas. E, devo admiti-lo, é nas cenas shakespearianas que ele brilha: nos monólogos e diálogos “to be or not to be”, nos momentos de surrealismo meditativo, no Vidente que volta do túmulo para fazer profecias, nas visões de Cristo no campo de batalha, no momento em que o drogado Hvitserk alucina uma serpente rastejante, monstruosa, e julga que é Ivar que veio para o matar. A sexta temporada foi cheia destes momentos e foi a melhor, na minha opinião, que adoro surrealismo.
A porno-tortura continuou e, como sempre, foi escusada. A incursão na Rússia, por exemplo, que tinha por objectivo humanizar Ivar. Menos porno-tortura antes e as atrocidades a que ele assistiu teriam tido verdadeiro impacto. Assim? O que é que ele viu que ele próprio não tivesse feito? Sim, compreendo, o efeito de espelho. Mas, no fim de contas, parece que Ivar não mudou assim tanto, simplesmente se tornou mais contido. Nem teve tempo de mostrar o que tinha mudado, na verdade. Então, de que valeu? A viagem à Rússia valeu pela arquitectura, pelas paisagens, pelos trajes, pelas cerimónias. Se isto é um elogio a uma série que devia ter enredo? Não é. Mas vê-se mesmo sem ele.
“Vikings” podia ter sido uma série grandiosa, mas auto-sabotou-se. Hirst esqueceu-se completamente do que dá vida a uma boa história: boas personagens, sólidas e consistentes. A partir daí foi tudo por água abaixo. Salvam-se os cenários.
Também não gostei do último confronto: deus cristão contra os deuses nórdicos. Não me parece plausível nem histórico. “Vikings” devia passar-se no século VIII mas foi sempre uma amálgama dos séculos VIII e IX. Mesmo assim, ainda não era o tempo das Cruzadas, das Jihads, das guerras religiosas. Este ainda era o tempo em que a Igreja era perseguida, não perseguidora. Era o tempo em que toda uma nação se convertia porque o monarca se decidia converter. O povo não se importava desde que a sua religiosidade se mantivesse. E foi assim que a Igreja teve de transformar as celebrações pagãs em dias santos, e é por isso que celebramos o Sol Invictus junto ao Solstício. Para as gentes do século VIII e IX o deus cristão não era o bicho papão que é agora. Isto foi anacrónico (à frente do tempo, neste caso).
Hirst conseguiu pelo menos uma coisa: Ivar, Ragnar, Bjorn, Lagertha, não serão esquecidos pela geração que assistiu a “Vikings”. Esse desejo de Ivar, no mínimo, foi atingido. Mas eu ainda queria ver esta história bem contada. Os filhos de Ragnar não se perderam assim tão facilmente na obscuridade do mito.
Gostei de Ubbe e da sua chegada à terra misteriosa a Oeste. Historicamente não foi ele, mas é sempre empolgante.
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