“Black Water” é um filme aterrador com um crocodilo.
O casal Grace e Adam, e a irmã de Grace, Lee, estão a passar as férias de Natal na Austrália. Como turistas normais, decidem alugar um barco para pescar e passear no rio numa área de mangal. Estava tudo a correr pacatamente até que um enorme crocodilo de água salgada faz virar o barco e começa por comer o guia turístico. Grace, Adam e Lee conseguem subir a uma das árvores meio-submersas e ficar em segurança, mas quantas horas se podem aguentar lá sem tentar fugir?
O filme é baseado numa história real e é efectivamente muito realista. Aqui não há pessoas a cometerem erros estúpidos e asneiras irresponsáveis. Pode-se argumentar que o guia turístico que se ofereceu para os levar não era tão experiente como o patrão, mas percebe-se que é alguém que conhece o rio e sabe o que está a fazer. O único equívoco é que ele pensa que já não existem crocodilos naquela área, e tudo indica que a presença do réptil se deve à maré mais alta. Depois do incidente, os sobreviventes apercebem-se de que ninguém foi avisado de que tinham saído e para onde iam, mas um dia depois, na ausência do barco e do empregado, o patrão podia ter deduzido isso sozinho. Aliás, a certa altura um barco passa junto deles mas não suficientemente perto. Entretanto estas três pessoas têm de decidir o que fazer. Esperar por um salvamento que pode nunca chegar ou arriscar o rio? Seja como for, a sobrevivência depende de conseguirem sair dali.
Como disse, o filme é muito realista, excepto por um toque quase imperceptível de personificação do crocodilo que parece gostar de olhar as vítimas nos olhos antes de as atacar. Os crocodilos são traiçoeiros, escondem-se e atacam sem que a presa os veja, mas este gosta de provocar. Também gosta de acumular presas antes de as comer, mas, por outro lado, não me apercebi de nenhuma caça grossa no mangal e talvez o crocodilo esteja a apanhar as presas “para a despensa” antes que elas fujam, o que faz sentido. Pessoalmente, gostei desta personificação subtil do crocodilo. Transformá-lo num serial killer incansável torna tudo mais tenso.
A água não é negra mas é turva, e existe aqui muita coisa que pode perturbar as pessoas mais susceptíveis. Eu sei quem é que nunca irá passear num mangal depois de ver isto.
16 em 20
terça-feira, 22 de julho de 2025
Black Water (2007)
domingo, 20 de julho de 2025
The Babadook (2014)
[contém spoilers]
Os melhores filmes de terror são aqueles que nos fazem perguntar “será que isto podia acontecer comigo?”. Penso que “The Babadook” é um desses.
Amelia é a mãe viúva de Samuel, trabalha a tempo inteiro num lar de idosos, mal ganha para pagar as contas, tem uma dor de dentes que se calhar não pode tratar, anda sempre cansada e privada de sono, e é assombrada por uma tragédia: o pai de Samuel morreu num acidente de viação enquanto a levava para a maternidade. O aniversário de Samuel, que vai fazer sete anos, é também o aniversário da morte do seu pai.
Samuel é uma criança com grandes problemas de comportamento. Quando não se dedica ao ilusionismo, faz birras tremendas e constrói armas improvisadas que leva para a escola. Além disso, insiste que existe um monstro debaixo da cama ou dentro do armário, e passa a noite a acordar a mãe por causa do monstro. É também por isso que constrói as armas, para matar o monstro. Amelia não consegue tirar-lhe a ideia da cabeça, nem fazer com que Samuel obedeça e não leve as armas para a escola. Devido a isso, a escola acaba por expulsá-lo. Amelia fica por sua conta, sem o apoio da irmã que não suporta o comportamento de Samuel, em risco de perder o emprego porque não consegue acordar a horas, sozinha em casa com o filho.
Um dia, Samuel pede-lhe que leia um estranho livro infantil que, segundo ele, apareceu na estante sozinho, sobre um senhor Babadook. Amelia ainda começa a ler quando se apercebe de que não é um livro infantil mas uma história de terror. O Babadook ameaça aparecer e apossar-se de mãe e filho. A princípio Amelia não acredita e tenta livrar-se do livro, até à noite em que o Babadook aparece mesmo.
Spoilers
Não são exactamente spoilers, e eu não costumo fazer isto, mas vou interpretar. Na minha opinião não existe Babadook nenhum, esta é a história de uma mulher levada à loucura que mata o cão, o filho e até a vizinha. Isto não está no filme e alguém mais optimista pode ser levado a acreditar no final feliz, mas, pensando duas vezes, não é um final demasiado feliz para ser verdade? O que me alertou, confesso, foi aquela rosa negra que ela estava a plantar. Rosas negras existem mas são raras. Aliás, todo o esquema cromático do filme é de desconfiar. O negro está presente em todo o lado, até no lar de idosos e no parque infantil. De início não notamos muito, mas eu comecei a estranhar na festa de aniversário que mais parecia um velório. Quando vi o filme outra vez descobri coisas negras em todo o lado: nos armários, no baloiço do parque, até nas roupas e lençóis das crianças e nas pedras do jardim. E depois há o Babadook, que é a versão monstruosa de um ilusionista de capa e cartola. Será que o livro sequer existe?
Passamos o começo do filme a pensar que o problema é o miúdo, mas até que ponto não estamos a ver o mundo pela perspectiva negra e cada vez mais alucinada da mãe? Até que ponto Samuel diz que existe um monstro e começa a fabricar armas para se defender porque pressente que a mãe se está a transformar noutra coisa? Eu tirei as minhas conclusões. Li outras críticas que acreditam que o Babadook é uma metáfora para a dor mas que Amelia nunca chega tão longe. Todavia, se tudo se passou na cabeça da mãe, nada nos diz que o final não possa igualmente ser um delírio. Se a realizadora não gostar de interpretações ambíguas não devia ter introduzido a ambiguidade.
Um especial destaque para as interpretações de Essie Davis como Amelia e do jovem Noah Wiseman como Samuel. São completamente impressionantes e quase chegam para contar a história.
Ou o espectador pode preferir acreditar em contos de fadas e finais felizes.
15 em 20 (da maneira em que eu interpreto, menos um ponto pela ambiguidade)
terça-feira, 8 de julho de 2025
Exorcist II: The Heretic / Exorcista II: O Herege (1977)
Encontrei este filme num canal de cinema e fiquei em choque. Não me lembrava mesmo nada de o ver, o que só pode querer dizer uma de duas coisas: ou tinha perdido a sequela de “O Exorcista” com Linda Blair e Richard Burton, ou vi e é uma porcaria. Infelizmente, é a segunda opção.
Começa com o padre Lamont (Burton), um exorcista, a ser incumbido da investigação da morte do padre Merrin, que morreu durante o exorcismo de Regan MacNeil. As autoridades da igreja estão motivadas a dizer que Merrin morreu porque era um herege, que se lançou voluntariamente para as mãos de um demónio, se ninguém limpar o seu nome.
Regan é agora uma adolescente feliz e normal (e uma Linda Blair muito mais crescida e rechonchuda) que alega não se lembrar de nada do que se passou na altura, embora a mãe a obrigue a fazer psicoterapia. É exactamente nesta psicoterapia que Lamont e Regan decidem ser submetidos a hipnose, o momento mais aterrador do filme porque eu já não suportava aqueles holofotes a apagar e a acender e acho que se me forçassem a olhar para eles também começava a ver demónios. Mas avancemos.
Sim, esta cena aconteceu. Não me perguntem, eu também não sei o que se passa aqui.
Nesta hipnose, Lamont desconfia que Regan já não está possuída mas que ainda tem uma ligação inconsciente com Pazuzu. Através desta ligação, Lamont descobre que Merrin exorcizou um outro jovem, Kokumo, em África. O que é que Kokumo tem em comum com Regan? Ambos aparentam ter poderes de cura. Assim, foram possuídos porque são “do Bem” e Pazuzu fez deles um alvo. Lamont vai para África à procura de Kokumo e comete a tremenda estupidez de dizer aos nativos que ouviu falar dele através de Pazuzu. Quase é apedrejado e tem de fugir. Por alguma razão, Lamont decide então invocar Pazuzu para encontrar Kokumo, agora um cientista que estuda pragas de gafanhotos, um símbolo de Pazuzu que, ficamos a saber, é um Espírito do Ar.
Depois disto tudo, Lamont regressa à América e decide levar Regan à casa onde o exorcismo se passou. Lá, Pazuzu aparece na cama em forma de Regan, tentando Lamont sexualmente, e a certa altura temos uma cena em que Burton está a beijar a falsa Regan enquanto a verdadeira Regan olha com repulsa. E não é preciso contar mais nada porque já é suficientemente mau.
“Exorcist II: The Heretic” é um filme confuso e rebuscado que só foi feito para lucrar com o original e, digo eu, explorar a natureza sensual de uma Linda Blair adulta e bem desenhada (daí o beijo, e os vestidos de Blair a mostrar-lhe perfeitamente as formas, etc). Em suma, este filme é um verdadeiro horror no pior sentido. Sim, acho que afinal até o vi, mas recalquei a memória traumatizante para não manchar “O Exorcista” no meu inconsciente. Ainda por cima é um filme chato em que não acontece nada apesar das voltas todas que dá. As únicas cenas que nos conseguem assustar foram “fabricadas” a partir do original, e a única parte que nos impressiona é o regresso à casa, porque é lá que está o que nos aterrorizou e o filme sabe disso e quer explorar-nos também. Não há nada que aconteça aqui que tenha pés e cabeça. Porque é que Regan aceitaria voltar à casa depois de se lembrar de tudo? Como é que Lamont, um exorcista, se põe a invocar o demónio que matou o homem cujo nome quer limpar (tornando-o no verdadeiro “herege” da história)? Porque é que Pazuzu se manifestou em forma de Regan em vez de possuir a Regan de carne e osso que estava ali mesmo ao lado? Porque nem Pazuzu quer ter nada a ver com este enredo.
O pecado mortal do filme, no entanto, o que o tornou blasfemo para mim, foi ter tentado explicar que Regan foi possuída por ser tão boazinha. Ora, o que torna o “O Exorcista” um filme aterrador é que não há razão. Um demónio consegue apossar-se de uma criança porque pode, ponto final. A ser levado a sério, este filme destruiria tudo o que o original representou. Por esta razão, declaro que “Exorcist II: The Heretic” é uma heresia que nunca devia ter visto a luz do dia.
A única virtude desta monstruosidade foi ter fornecido informação sobre a natureza de Pazuzu, que acabou por ser melhor aproveitada em filmes posteriores. As cenas em África têm uma beleza e uma atmosfera inquietante, concedo-lhe esse mérito. Tirando isso, se não viram, ou esqueceram, também não vale a pena ir ver excepto por uma questão de arqueologia cinematográfica.
Falando em arqueologia, se calhar o filme até merece ser visto só por causa da moda dos anos 70. Os vestidos de Regan parecem camisas de dormir e a certa altura ela usa um macacão de calções em cetim brilhante que parece um pijama. Tendo em conta o contexto, eu acreditei mesmo que a miúda tinha saído para a rua de pijama porque estava perturbada, mas não, é mesmo a moda da época. Apavorante.
10 em 20 (para ser boazinha como Regan)
domingo, 6 de julho de 2025
The Conjuring 3: The Devil Made Me Do It / The Conjuring 3: A Obra do Diabo
Actualmente, em todos os filmes que tenham a mão de James Wan, fico à espera de ver o diabo chifrudo ou outro semelhante. “The Conjuring 3” surpreendeu-me por ser tão contido nesse aspecto. Por outro lado, o enredo é longo e complicado e confesso que tive de ver o filme duas vezes porque da primeira acabei por perder o fio à meada.
Seguimos mais uma vez as aventuras do casal real/ficcional Ed e Lorraine Warren no que o filme promete “um dos casos mais chocantes das suas carreiras”, mas até disso tenho dúvidas. A história começa com o exorcismo de um miúdo de oito anos, possuído. A certa altura durante o exorcismo, o namorado da irmã do miúdo, Arne, pede ao demónio que deixe o miúdo e o possua a ele. O demónio faz-lhe a vontade. Dias depois, possuído, Arne mata o senhorio à facada. No momento seguinte Arne volta a ficar normal. Depois de ser examinado pelos Warren, estes concluem que Arne já não está possuído. Então, para onde foi o demónio? Entretanto, a advogada de Arne, com a ajuda dos Warren, monta uma defesa baseada no argumento “inocente por possessão demoníaca”, que segundo li aconteceu mesmo. A defesa não pegou mas Arne foi condenado a uma pena mais leve do que teria sido de outra maneira. Esta é a parte histórica do filme, mas há mais.
Voltando ao demónio. Os Warren descobrem que houve uma “possessão por encomenda”, isto é, que a possessão aconteceu por ordem de um ocultista de uma seita satânica. Começa aqui a parte do filme que é quase um policial, em que os Warren têm de seguir pistas para chegar à seita. Inclusivamente, juntam-se à polícia na investigação de duas raparigas desaparecidas que envolvia contornos semelhantes. É aqui que o filme se torna longo e complicado, porque enquanto andamos à procura das raparigas e atrás do ocultista quase nos esquecemos de Arne, e quando finalmente voltamos ao início quase nem nos lembramos de quem ele é. Foi por esta altura que perdi o fio à meada mas admito que a culpa possa ter sido minha.
“The Conjuring 3” introduz esta faceta de “policial” nos filmes “Conjuring” de que não desgostei, especialmente das passagens em que os poderes psíquicos de Lorraine ajudaram a desvendar o crime. A nível de terror propriamente dito, tirando as cenas de exorcismos que são sempre aquilo que são (mais ou menos efeito especial), pode haver este ou aquele pormenor que nos fique na cabeça, como a mão na cortina da banheira ou o colchão de água, mas não encontrei nada de particularmente assustador (a culpa também pode ser minha).
O que é certo é que o casal fictício Ed e Lorraine Warren (ou melhor, a química entre os actores Patrick Wilson e Vera Farmiga) funciona muito bem. Se isto fosse uma série eu era capaz de assistir a episódio após episódio só para os ver a resolver crimes e mistérios sobrenaturais, essa é que é essa.
13 em 20
terça-feira, 1 de julho de 2025
Black Water: Abyss / Black Water: Abismo (2020)
Este é mais um filme sobre o que nunca fazer quando se vai em aventuras. Dois casais e um amigo decidem ir explorar um sistema de caves remoto e desconhecido no norte da Austrália. Para tal, têm de descer um poço inexplorado. Como eu já tinha dito AQUI, quando se desce por um buraco perigoso é conveniente que uma das pessoas fique à superfície não vá o diabo tecê-las, de preferência com um rádio de longo alcance para chamar ajuda se for preciso e se ficarem sem rede de telemóvel, e especialmente quando se aproxima uma tempestade tropical, o que é mesmo o caso. Mas os nossos amiguinhos acham que não vai ser nada e enfiam-se todos pelo buraco abaixo. Entretanto a tempestade abate-se sobre a superfície e as paredes da gruta subterrânea começam a verter água aqui e ali, mas Cash, o solteiro e guia turístico, diz que são só infiltrações sem importância.
Na verdade os amigos atravessam grutas muito húmidas e apertadas até chegarem a uma grande galeria com um lago subterrâneo deslumbrante. Cash já está a pensar em fazer muito dinheiro com a descoberta quando percebem que não estão sozinhos: um crocodilo monumental patrulha o lago, e os amigos encontram restos de turistas a boiar. (Aqui pode-se perguntar como é que o crocodilo foi lá parar, mas há uma explicação.) Quando tentam sair por onde entraram, uma grande enxurrada (resultado da tempestade) entra pela caverna adentro e cobre a saída. Agora alguém tem de nadar debaixo de água pela gruta inundada e tentar sair da caverna para pedir ajuda, sem ser apanhado pelo crocodilo. Pior ainda, a água não pára de subir, o que significa que em breve o crocodilo vai conseguir chegar às rochas mais altas onde os amigos procuraram abrigo. É uma corrida contra o tempo.
O filme ainda mistura um bocadinho de drama: a mulher de um casal está grávida do homem do outro, e há algumas discussões a três quando a namorada traída descobre, mas, sinceramente, o que é que isto interessa quando estão a minutos de morrerem afogados ou de serem comidos por um crocodilo?
O que gostei neste filme é que não envolve criaturas subterrâneas desconhecidas, ou alienígenas, ou empresas científicas à procura de recursos milagrosos, ou missões militares com propósitos obscuros, etc. É tudo muito simples: pessoas normais, um crocodilo normal, uma tempestade normal, e já faz dano que chegue.
Como em todos estes filmes de grutas não faltam as passagens claustrofóbicas e os momentos debaixo de água de suster a respiração, e como em todos os filmes de crocodilos não faltam as cenas arrepiantes em que… sabem o quê.
Simplesmente preferia que os personagens, apesar de não serem espeleólogos profissionais (tirando um), tivessem demonstrado mais bom senso, e já não ficariam fechados numa caverna inundada com um crocodilo, e nós já conseguiríamos importar-nos com o que lhes acontece.
13 em 20