domingo, 5 de maio de 2024

Midnight Mass (2021)

Recentemente tenho tido a sorte de assistir a algumas séries fantásticas, mas esta deve ser a melhor de todas. O mais frustrante é que não posso dizer porquê sem cometer spoilers. “Midnight Mass” é daquelas histórias que têm de se ir descobrindo à medida que acontecem para que o espectador possa ir tirando as suas próprias conclusões. No entanto, tenho de incluir um spoiler para que a série não passe despercebida aos amantes de uma coisa de que eu também gosto muito.
“Midnight Mass” foi o projecto mais acarinhado do realizador Mike Flanagan que tentou promovê-lo como filme, série e, na última das hipóteses, depois de muitas rejeições, tencionava publicá-lo em livro. O que só demonstra como a indústria falha em perceber o que nós queremos ver.
A história é muito ao estilo de Stephen King. Numa ilha isolada, uma vila piscatória empobrecida já perdeu a maior parte dos habitantes e está reduzida a 127 residentes. Muitos destes, mas não todos, são católicos fervorosos, mas só ao domingo. As missas diárias em St. Patrick, a igreja da vila, estão praticamente vazias. É assim que encontra a congregação o ainda jovem padre Paul, enviado para substituir o idoso e venerado Monsenhor Pruitt que sofria de demência. O padre Paul está decidido a mudar a situação e dentro em breve começam a acontecer milagres por toda a ilha: uma jovem paralítica volta a andar, os fiéis começam a rejuvenescer e a melhorar de doenças, alguns deixam de precisar dos óculos, uma idosa com Alzheimer tem uma recuperação inexplicável. A missa em St. Patrick enche diariamente. O padre Paul atribui os milagres ao Espírito Santo, mas será mesmo Deus quem está a fazê-los? Não passado muito tempo, o xerife da vila começa a receber participações de pessoas desaparecidas.
O início da série é lento e nos dois primeiros episódios parece que não está a acontecer nada de relevante, mas nos bastidores já está tudo em marcha. Aos espectadores mais impacientes garanto que a carnificina virá, e ainda mais significante porque tivemos tempo de conhecer os personagens e os seus dramas. “Midnight Mass” tem uma forte componente dramática e filosófica e alguns personagens menos crentes fazem discursos brilhantes do ponto de vista não religioso sobre o que acontece depois da morte. O que é, aliás, o tema fundamental da série: um estudo sobre o que a morte significa para nós, para Deus, para os religiosos e os ateus; de que forma encontrar consolação quando não se acredita num Além? Estas conversas e monólogos são sempre interessantes e dão peso ao que se vai seguir.
A congregação de St. Patrick não se debate com estas dúvidas existenciais. Mesmo quando as coisas se tornam estranhas, até do ponto de vista litúrgico, os fiéis acreditam no que querem acreditar. Ofuscados pelo carisma do padre Paul e pelos milagres que vêem acontecer à sua frente, já não são a Igreja Católica: são um autêntico culto. O que acontece depois é fortemente inspirado no massacre de Jim Jones e igualmente chocante. Por esta altura até o padre Paul já tinha perdido o controlo da situação, quando a sacristã (?) Bev toma as rédeas do culto, com capangas e tudo.
Ao contrário do que possa parecer, “Midnight Mass” não é uma história anti-religião. Por muito ingénuo, inocente ou movido por uma fé cega (não obstante tocar o fanatismo), o padre Paul acreditou sempre no que dizia e na origem divina dos dons distribuídos por Deus aos fiéis. (Um trabalho fantástico do actor Hamish Linklater, a quem eu não conhecia.) Acreditou demais e com demasiado optimismo, na verdade, pois até a Bíblia adverte contra os “milagres operados por meio de demónios”, assunto em que a Igreja Católica é bastante versada. Mais uma vez, os fiéis acreditam no que querem acreditar.
A conclusão última de “Midnight Mass” é de que há pessoas religiosas boas e más como em todo o lado. Alguns, crentes ou não, mesmo depois de transformados em demónios ou à beira da morte, preferiram pôr termo à vida em vez de se tornarem monstros. Nesse aspecto o padre Paul tinha razão: nunca é tarde para a redenção.
Acabo numa nota menos séria. Quando nasceu o sol, a sacristã Bev teve a ideia certa… mas não foi a tempo. Devia ter lido mais Anne Rice.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: muitas vezes

PARA QUEM GOSTA DE: Stephen King, Mike Flanagan, cultos, vampiros, drama, filosofia 


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