"The Moon Pool” é um livro de 1919 e nota-se. Durante a leitura perguntei-me muitas vezes porque é que tinha ido fazer este download ao Projecto Gutenberg. Foi numa altura em que andava à procura dos clássicos iniciais do vampirismo. "The Moon Pool” é efectivamente um deles, mas na minha opinião um dos piores. Este livro é uma salada de Géneros. Terror, Fantasia, Ficção Científica, Acção, Aventura, e, note-se, até Intriga Internacional e Distopia ele conseguiu lá meter! É obra. O problema é que nenhum dos géneros sai bem feito e o livro acabou por se perder nesta salsada toda.
O início até é promissor, uma típica história de Terror. A linguagem é antiquada e datada, mas suporta-se. (Li o livro em inglês.) Um grupo de cientistas vai estudar umas ruínas numa ilha remota do Pacífico. Durante várias noites, na ilha, começam a desaparecer um por um. Os nativos das ilhas próximas são supersticiosos e recusam-se a passar uma noite na ilha em causa, e quando há Lua Cheia nem se querem aproximar dela. Os cientistas estão por sua conta. Apenas um sobrevive, e consegue fugir antes de “desaparecer” também, na intenção de ir buscar ajuda para resgatar os colegas e a mulher. De volta à civilização, já a bordo do navio que o levará a procurar equipamento e ajuda, encontra o narrador desta história, o Dr. Goodwin, outro cientista, a quem conta tudo o que se passou. Goodwin aceita regressar com o amigo e ajudá-lo a encontrar a expedição perdida. Mas, a meio do oceano, um «ser» brilhante de luz aproxima-se do navio através de um feixe de luar, e leva também, nos seus tentáculos de energia, o cientista sobrevivente. Goodwin ainda fica mais determinado a encontrar as ruínas malditas e salvar o amigo.
No caminho encontra um tenente irlandês, piloto na Primeira Guerra Mundial, e um marinheiro nórdico, a quem o mesmo «ser de luz» tinha igualmente levado a mulher e a filha. A este «ser de luz» chamam o Dweller das ruínas.
E aqui está uma história de terror com bases pseudo-científicas. Mas depois as coisas mudam de tom. Os três salvadores, com o uso de engenhocas, conseguem penetrar no túnel secreto do Dweller, que por sua vez os leva ao mundo subterrâneo de Muria, onde existe uma civilização desconhecida. Aqui já estamos no reino da Fantasia. Mas não foram sozinhos. Com eles entrou também um outro personagem de intenções duvidosas, um cientista russo que não parece estar do lado dos nossos heróis.
Ora, desde Júlio Verne que tudo o que são mundos no centro da Terra me dá urticária. Talvez fosse interessante em 1919, mas actualmente considero isto tudo uma patetice. Mesmo assim alinhei, porque na Fantasia temos de fazer cedências. Neste mundo de Muria há uma Distopia em que as pessoas são escolhidas para a elite ou para as massas só por causa da cor de cabelo. Os de cabelo loiro prateado são sacerdotes do Shining One, nome que eles dão ao Dweller, a quem adoram como a um deus. Uma raça de anões também faz parte desta elite. E a elite são todos uma cambada de malvados. Os desgraçados das massas, além de trabalharem e servirem a elite, ainda são oferecidos como sacrifício ao Shining One. Estes desgraçados vivem aterrorizados. O Shining One é mesmo uma espécie de vampiro que enche as vítimas de êxtase e terror ao mesmo tempo. (Não percebi como, mas avançando.)
Tanto estes sacerdotes louros e belíssimos, como os anões, fizeram-me pensar se Tolkien não leu isto também. Foi como entrar no mundo do Senhor dos Anéis, só que com Elfos e Anões malvados. Aliás, o próprio Merritt usa a palavra “élfico” para descrever os sacerdotes.
Os três salvadores têm de lidar com esta civilização sem serem dados como sacrifício ao Shining One, ao mesmo tempo que procuram os amigos desaparecidos. Mas, e aqui entra a parte da intriga internacional/espionagem, o cientista russo está em Muria para arranjar aliados para a Rússia e, com a ajuda do tenebroso Shining One, tomar conta do mundo.
Perda de tempo
O ambiente de terror inicial perde-se num instante e até os sacrifícios ao Shining One são tratados com tanto distanciamento que não causam impacto ao leitor. A história transforma-se depressa em Aventura, sendo o fim escapar de Muria e/ou combater os maus. As personagens são bidimensionais. Apesar de ser uma história narrada em primeira pessoa nem assim conseguimos estabelecer uma relação com o protagonista que nunca passa do cliché do homem de ciência. Os bons são muito bons e muito heróicos, os maus são muito maus. Tudo a preto e branco. Até o vilão russo é explicado “porque a Rússia já fez tantas atrocidades”. Aqui ri-me um bocadinho. Antes da Segunda Guerra Mundial, antes da Guerra Fria. Malvados dos Russos.
A explicação de todos estes fenómenos (a civilização no centro da terra, o ser de energia, etc) cabe no campo da ficção científica, embora completamente risível. O autor é palavroso, muito palavroso. A Wikipedia diz que Merritt influenciou Lovecraft, e vice-versa, mas se em Lovecraft o excesso de palavras funciona para criar um ambiente de terror, aqui em “The Moon Pool” só serve para encher. Um quarto do livro extirpado e não se perdia nada.
A leitura foi efectivamente aborrecida. O que me trouxe a este livro, o vampirismo, existe de facto, à sua maneira, mas quase como algo de secundário. Pior, nunca faz sentido. É-nos dito que as vítimas do Shining One/Dweller ficam exangues. Mas como? Que necessidade de sangue tem um ser feito de energia? Como é que ele consumia o sangue e onde é que o metia? Para que é que o queria? Mais importante ainda, para que é que ele queria as vítimas, afinal, se não precisava delas para coisa nenhuma? Se isto não faz sentido, nada na história faz sentido.
Obviamente, não gostei nada deste livro, embora reconheça ao autor a imaginação, a criatividade e a originalidade tendo em conta a data em que foi escrito.
Não recomendo “The Moon Pool” a ninguém, excepto àqueles interessados em “arqueologia literária”, como eu, que gostam de descobrir os primórdios dos seus géneros preferidos. De resto, uma descomunal perda de tempo.
Teria muito mais a criticar em “The Moon Pool”, mas só vou gastar um último instante a falar do que detestei mais neste livro. Também há Romance, para ajudar à salsada. Um romance muito mau. Merritt consegue colocar as duas protagonistas femininas, a vilã e a boazinha, a lutar pelo irlandês. Porque uma mulher não pode passar sem um homem, e este irlandês é pintado como a oitava maravilha deste mundo e do mundo subterrâneo. Só que, palavra de honra, o irlandês é irritante até dizer chega. Não só como é descrito por Goodwin, mas também quando abre a boca. Para dizer a verdade, as duas protagonistas também são super-irritantes. E este péssimo romance foi para mim o último prego que selou o caixão.
Tenho mesmo de começar a praticar a arte de abandonar os livros a meio.
domingo, 29 de novembro de 2020
The Moon Pool, de A. Merritt (Abraham Merritt)
domingo, 22 de novembro de 2020
Bates Motel [segunda temporada]
Quando fiz aqui a crítica à primeira temporada, questionei-me até que ponto a série ia conseguir convencer-nos de que este puto adorável, Norman, se ia transformar num serial killer. Nesta segunda temporada começamos a chegar lá. A mente de Norman está cada vez mais fragmentada, os episódios dissociativos são cada vez mais frequentes e graves. E continuamos a sentir simpatia por ele porque, afinal de contas, Norman não sabe o que faz. No seu estado normal, Norman não era capaz de fazer mal a uma mosca. Mesmo assim, quando Norman está zangado, o actor Freddie Highmore transfigura-se e mete medo. Ele semicerra os olhos, as pestanas escuras a encobri-los, de uma maneira que os próprios olhos parecem ficar totalmente negros, tudo isto sem efeitos especiais, ao mesmo tempo que contorce os lábios num esgar de raiva que pode rebentar a qualquer momento. Não admira que o jovem actor tenha conseguido este papel. Quando ele faz isto vimos o verdadeiro Norman Bates, aquele que é capaz de matar. Nesta segunda temporada somos levados a crer que ele já matou durante um dos seus apagões dissociativos, e não vou revelar quem, ou pelo menos ele está convencido disso devido a memórias que recordou. A questão é que também não podemos confiar nas memórias de alguém que frequentemente tem alucinações. Continuo sem saber se de facto ele já matou alguém ou se apenas fantasiou essa “memória”. Na série ainda não o vimos cometer o acto propriamente dito, excepto em legítima defesa ou para defender a mãe.
Mas começa a ser óbvio que Norman está a piorar. Se ainda não matou, pouco falta.
Norma
Esta série podia chamar-se “The Vera Farmiga’s” show. Norma continua a mesma de sempre, quando mais esbraceja mais se afoga. Não conhecia esta actriz e fico boquiaberta com a versatilidade com que ela faz tudo, dos apontamentos cómicos às cenas dramáticas mais pesadas. Graças a Vera Farmiga e Freddie Highmore, conseguimos ver a relação cada vez mais imprópria desenrolar-se entre mãe e filho e perceber como é que eles chegaram até ali. O que mesmo assim não se torna menos desconfortável quando os vemos discutir como um casal de namorados, ou deitarem-se lado a lado na cama e dormirem abraçadinhos, ou quando dançam juntos, ou aquele beijo nos lábios com que Norma beija o filho. Para eles é tudo tão puro e platónico que nem se apercebem de como aquela relação já ultrapassou todos os limites do que é saudável, pouco a pouco, um gesto e uma palavra de cada vez.
Dylan, o xerife Romero, e os outros bandidos
Nesta segunda temporada a série já não comete erros como os das escravas sexuais chinesas. Finalmente encontrou o seu espaço e sabe onde pisa. O sub-plot do tráfico de droga e da cidade em que toda a economia vive de actividades ilegais está lá apenas como pano de fundo, mas graças a Dylan, irmão mais velho de Norman, acaba por se integrar nos problemas da família, magnificando-os.
A primeira temporada enganou-me quanto ao xerife Romero. Podia ter jurado que era ele próprio o grande chefão da droga, acima de todos os chefões. E de certa forma não me enganei assim tanto. Romero não é um criminoso, mas é ele quem manda em todas as actividades ilegais de White Pine Bay para que elas não passem de certos limites. E quando é preciso o xerife não olha a meios para atingir os fins, mesmo que não sejam os meios mais legais. De outra forma, como ele diz, toda a cidade estava atrás das grades. Romero quer impedir isso. Dylan está em White Pine Bay há pouco tempo, mas até ele percebe que com Romero não se brinca. O xerife é mesmo o chefão lá do sítio.
Mas isto é cenário. Tudo o que interessa e empolga nesta série acontece entre quatro paredes, na casa dos Bates, onde a família continua a aprofundar uma dinâmica disfuncional que psicólogo nenhum já poderia resolver.
Apesar de a primeira temporada ter andado ali um bocado aos tropeções, “Bates Motel” está cada vez melhor e recomendo vivamente.
Tenciono voltar a comentar aqui a série inteira depois de ver as cinco temporadas.
segunda-feira, 16 de novembro de 2020
domingo, 15 de novembro de 2020
A Febre das Bruxas, de Leif Esper Andersen
Este conto é a história de Esben, um rapaz cuja mãe foi queimada por bruxaria. A acção passa-se algures em terras nórdicas, o que sabemos pelos fiordes, pela toponímia e pelos nomes dos personagens (o autor é dinamarquês). Nunca nos é dada uma data. Mas nada disto realmente interessa excepto que aconteceu, e aconteceu em todo o lado.
A mãe de Esben era uma curandeira, conhecedora de medicina popular. As pessoas iam procurá-la quando estavam doentes. Certa vez alguém lhe levou uma menina com tuberculose e a Mãe disse que não a conseguia curar. A menina morreu. A mãe da menina foi ao padre dizer que a Mãe era uma bruxa. Para “piorar” a situação, Esben e a Mãe tinham uma vaca que era a inveja dos vizinhos. Também o facto de a vaca dar mais leite do que as outras foi considerado prova de pacto com o demónio. A Mãe foi queimada viva e a vaca foi leiloada.
Esben tem de fugir, porque já o queriam apanhar também por ser “filho do Diabo”, e na sua fuga encontra Hans, um homem sábio e solitário que vive na encosta do fiorde. É a ele que Esben conta a sua história, aos bocadinhos de cada vez, uma história dolorosa de contar e de ler. Hans é igualmente um curandeiro e sabe que um dia virão por ele também. Mas Hans fugiu a vida toda e não quer fugir mais. “Talvez um dia haja lugar para aqueles que são diferentes. Talvez.” Mas ainda não será tão cedo, e quando vêm efectivamente buscar Hans, na febre da caça às bruxas, Esben tem de fugir outra vez.
Eu adquiri este livro através do Círculo de Leitores quando era ainda miúda. A tiragem é de 1981, o que significa que o li quando tinha uns 10 anos. Esta é uma leitura pesada e perturbadora que não é de todo para crianças, e eu sabia disso, e preparei-me psicologicamente para o que ia ler, mas sempre tive um fascínio pelo Mal. Não um fascínio no sentido em que me atrai. Pelo contrário, um fascínio no sentido em que o Mal tem de ser compreendido e explicado. A perseguição a estas pessoas que praticavam medicina, sob a alegação de bruxaria e pacto com o Diabo, sempre foi uma coisa que me fez muita confusão. Anos mais tarde li um longo livro espanhol dedicado à Inquisição e outras perseguições, e foi o mesmo em todo o lado. Superstição e ignorância, sim, mas estas perseguições foram também motivadas por invejas, cobiça e conflitos entre vizinhos. Por causa de uma vaca que dava mais leite do que as outras, por exemplo.
Neste livro, Hans diz que “todos nós temos um bocadinho de caçador de bruxas”. Eu diria que todos nós temos uma natureza negra e perigosa, debaixo da normalidade, que só precisa de uma desculpa para vir à superfície. Não conhecer isto é não conhecer nada da natureza humana.
Há pouco tempo, e de repente, lembrei-me novamente deste livro, assim do nada. (Nunca nada vem do “nada”, mas quase pareceu assim.) Ao longo dos anos tive de dar vários livros por questões de espaço, e senti-me tomada de pânico de ter dado este também. Mas não dei. Assim que abri o baú (é mesmo um baú) encontrei-o logo à minha frente, como se quisesse saltar-me para as mãos. Era um livro em que eu não pensava há décadas. Ainda bem que o guardei porque a segunda leitura ainda me disse mais do que a primeira, como era de esperar. É curioso como naquela altura eu fiquei com a ideia de que o livro era muito maior. Afinal é um conto que nem chega às 20 mil palavras, num livro decorado por ilustrações igualmente sombrias como a da capa, que se lê numa hora. Mas apesar de ser um livro curto é um grande livro.
Aconselho a toda a gente que gosta de conhecer a natureza humana, nem que seja preciso encontrar este livro em segunda mão.
terça-feira, 10 de novembro de 2020
O método resulta! – como nasceu “Nepenthos”
“The method works!” é uma faixa da banda sonora do filme “O Perfume, história de um assassino”. Aconselho vivamente, tanto a banda sonora como o filme como o livro homónimo de Patrick Süskind. “The method works!” é um tema ao mesmo tempo sinistro e empolgante, o tema em que o protagonista descobre como preservar o perfume das suas vítimas.
Mas este post não é sobre nada disto, excepto que também fala sobre o momento eureka que um criador sente quando descobre o método que funciona.
Começou com uma troca de ideias sobre métodos de escrita com a autora Patrícia Morais, que usa o método do planning. E depois a conversa foi por ali fora.
O conceber de um livro
Vou também revelar o meu método, ou pelo menos tentar. Já conhecia o método de planning, mas, honestamente, só de olhar para ele me dá arrepios. Isto não quer dizer que eu seja desorganizada, embora a alguém de fora pareça irracional e caótico. Mas até não. Eu gosto de chamar ao meu método de escrita “apaixonado”. Pode não parecer mas sou uma pessoa muito apaixonada. Sem paixão não consigo fazer grande coisa, em todas as áreas da minha vida.
Como é que isto se aplica à minha escrita? Também só consigo escrever uma história que me apaixone. Às vezes tenho ideias que nunca chego a desenvolver porque falta ali o “clic”, a química, a necessidade de escrever para contar a história.
Começo por ver a história na minha cabeça como se fosse um filme. Ou melhor, uma série de episódios. Começa com uma pequena cena, depois vou vendo mais cenas, como quem está a ver uma série, e deixo que a história toda chegue até mim. Nunca escrevo nada sem saber o fim. Acho que nem sequer um post do blog eu escrevo sem saber o fim. Se calhar é este o meu grande “segredo”.
Por falar em segredo, enquanto estou a conceber a história esta é um segredo só meu. Acho que é isto a que alguns escritores chamam “dar à luz” um livro. Quando chega a um certo ponto de maturação, a história tem de nascer. Pode ser um parto fácil ou pode demorar dez anos. Algumas cenas até podem ser concebidas, como embriões, mas perdem-se pelo caminho sem que se tornem histórias. Prefiro que fiquem em segredo.
Só falo nas histórias quando elas já estão escritas. Até lá, são o meu prazer secreto, o visionamento do “filme” em exclusivo só para mim, em que começo a conhecer os personagens, a ver os cenários, a sentir o ambiente, a ouvi-los falar. Escrever é pôr tudo isto no papel, quando já vi o filme todo e gostei. Às vezes tenho a sensação de que as histórias me são transmitidas e me aparecem na cabeça. Charles Dickens também dizia isto.
Pode demorar meses ou anos. “Nepenthos”, ou melhor, a história de Reena, na suas versões mais antigas, foi algo que eu comecei a inventar (ou a “ver”, prefiro assim) desde os doze anos. À medida que eu ia crescendo as primeiras versões do filme já não me agradavam, mas a ideia continuava lá, em semente, à espera de ter terreno fértil onde se desenvolver. Esse “terreno fértil” só chegou com a maturidade.
Mesmo assim, apesar deste método demorado, escrevi o primeiro draft em três meses. Trezentas mil palavras, o que dá uma média de cem mil palavras por mês. E já lá estava tudinho, até estavam coisas a mais que tive de cortar…
Na altura eu não sabia nada de técnicas de escrita. Ia pelo instinto. A história estava muito mais contada do que mostrada. Passei nove anos a corrigir, e a ler sobre escrita (em inglês) e a aprender com as dicas que encontrava. Fiz o percurso ao contrário: primeiro escrevi, depois é que fui aprender porque não estava satisfeita com o draft e não sabia como resolver. Andei doida à procura de beta readers. Encontrei alguns, poucos mas bons.
Agora já consigo escrever um primeiro draft muito mais limpo e apresentável, mas também demora mais tempo. Mas o método de escrita, quando me sento para escrever, não se alterou. Quando começo, nada me faz parar. Desapareço durante meses, ponho tudo em stand by, não falo com ninguém. É como viver uma paixão, tal e qual, entre mim e a história. Só nós duas, em segredo. Desta paixão resulta o tal nascimento, que é o livro.
Só depois é que partilho o meu “bebé” com os outros. Com os beta readers, primeiro, e só muito mais tarde, depois de muitas revisões, quando o meu trabalho está completo e não consigo melhorar mais, com o público. Não chega ao público sem um trabalho que demora sempre anos. Mas não espero que um leitor entenda isto.
O que eu tenho em comum com o planning, embora eu nunca pense nisto racionalmente quando estou a ver o “filme”, é o personagem começar num ponto A e acabar num ponto B. É como se eu visse a primeira cena, e me contassem como vai ser o fim, e eu fizesse a pergunta: o que é que lhe acontece para ele chegar do ponto A ao ponto B? E então começam-me a ser transmitidos mais “episódios” que eu vou vendo, como numa série de televisão, como se eu não tivesse influência no enredo e fosse apenas uma espectadora. Quando gosto muito do “filme” tenho de o escrever e partilhar, porque o filme não se encontra em mais lado nenhum senão na minha cabeça. Posso demorar muito tempo a começar a escrever (ou não), mas quando começo é para escrever tudo de uma vez e até ao fim.
Sem ser uma planner, também não estou a improvisar. Está tudo organizado, no tal filme que vi na minha cabeça. O complicado é escrever o filme em palavras. Imagina o teu filme preferido. Imagina que o viste numa realidade paralela. Imagina que gostaste tanto do filme que tens de o partilhar com a nossa realidade nem que seja a última coisa que fazes na vida, mesmo que não saibas se alguém mais vai gostar tanto como tu. É assim que funciona para mim.
Eu “culpo” por este método duas coisas:
1, sou filha única. Não sei o que é a experiência de ter irmãos, mas todos os filhos únicos sabem que tinham de arranjar coisas com que se entreter sozinhos. Se calhar foi assim que comecei a ver os “filmes”, para me entreter. Ainda hoje arranjo desculpas para ficar sozinha e abstraída e ligar a minha “televisão mental” para ver os filmes “exclusivos”, feitos de propósito para o meu gosto pessoal. Dito assim, até pode parecer que eu tinha vontade era de fazer filmes em vez de escrever livros, mas não. Ao contrário dos filmes, os livros permitem entrar dentro da mente dos personagens e contar as coisas que os filmes não conseguem mostrar.
2, sou da geração em que a televisão era a nossa baby sitter. Punham-nos em frente à televisão e nós ficávamos ali entretidos o dia todo, a ver tudo, a absorver tudo, até coisas que não eram para a nossa idade mas que naquela altura passavam sem preocupações a qualquer hora do dia. Há quem diga que a televisão estupidifica mas para mim a televisão é como uma mãe. Quando não a tenho, sinto tanta falta dela. Por televisão, aqui, estou a dizer écran. Écran onde ver coisas. Se calhar esta educação “televisiva” teve influência na forma como a minha imaginação se manifesta em filmes e cenas e episódios, com uma narrativa mais visual do que escrita. É bem possível. Mas agora já é uma questão para a psicologia. Como cobaia criada à frente da televisão, acho que não me prejudicou nada.
Gostei tanto de escrever este email que acho que o vou aproveitar para um post. Há muito tempo que eu queria contar isto a alguém para ter “desculpa” de escrever isto tudo.
E contei, e aqui está.
domingo, 8 de novembro de 2020
The Purge / A Purga (2013)
Mais uma distopia a juntar às muitas que têm aparecido nos últimos anos. Para resolver o alto nível de criminalidade na América, uma nova ordem política institui uma noite chamada A Purga, em que durante 12 horas todos os crimes são autorizados, incluindo o homicídio. O objectivo é dar vazão aos instintos violentos da população nesta noite apenas, reduzindo assim –ou mesmo eliminando, não percebi bem– o crime durante todo o ano.
Primeiro comentário: compreendo a lógica subjacente, mas não acredito que isto resultasse. Muito do crime violento não obedece a qualquer lógica, e aquele que obedece, o crime profissional, digamos assim, “trabalha” o ano todo. Esta seria apenas mais uma noite de violência, e ainda por cima uma noite pior do que as outras.
Mas esquecendo esta objecção, a noite da Purga é o cenário perfeito para o terror que já se adivinha que vai sair daqui.
Na noite da Purga, os Sandin, uma família de classe média alta, barricam-se em casa, protegidos por um sistema de segurança semelhante a um bunker. O pai de família é precisamente um vendedor destes sistemas de segurança e o ano correu-lhe particularmente bem (alguém lucra com a Purga). O pai e a mãe explicam ao filho mais novo, ainda um miúdo, os benefícios da Purga do ponto de vista de quem conheceu as coisas “como eram dantes”. Declaram-se ambos apoiantes da medida, mas nota-se que nem a mãe nem o pai estão perfeitamente convencidos do que dizem, especialmente a mãe. O puto, definitivamente, não está nada convencido. Na televisão, em voz-off, alguém comenta que os detractores da Purga acusam o governo de pretender desembaraçar-se assim dos fracos, pobres e doentes que não se conseguem defender. (Uma ideia tanto mais perigosa porque até já foi aplicada por certos regimes durante a História e nada nos garante que não volte a ser.)
Mais tarde, durante a noite, um homem aparece na rua de vivendas desta classe média alta, perseguido por alguém que o quer matar, implorando que lhe dêem abrigo. Sem que os pais saibam, o puto abre-lhe a porta e deixa que o homem se esconda. Mais tarde vimos a saber que o homem é um sem-abrigo, embora sinceramente não pareça (ou os nossos sem-abrigo são muito mais miseráveis do que os sem-abrigo americanos), mas não é um sem-abrigo qualquer porque usa uma chapa de identificação de veterano de guerra. Aqui percebi logo que este acto de altruísmo ia ter repercussões quando fosse preciso salvar a família. Previsível e “subtil” que nem um calhau. Ainda por cima o homem em questão, pobre e perseguido, é negro. Ainda por cima é um ex-militar, abandonado pelo país que serviu, como “Rambo – A Fúria do Herói”. Podia haver maior cliché?
Pouco depois, um grupo sinistro bate à porta dos Sandin a exigir que lhes “devolvam” a presa, o tal homem que o miúdo escondeu. Senão, serão os Sandin a presa. Este grupo, composto por jovens de classe alta, é especialmente arrepiante porque foram sem qualquer dúvida inspirados nos seguidores de Charles Manson. Já o líder deles é a versão rica e privilegiada do psicopata de “A Laranja Mecânica”. O grupo de psicopatas só quer uma coisa, matar e divertir-se, divertir-se a matar. Os Sandin, que no princípio da noite pareciam tão protegidos, estão agora em grande perigo. E coloca-se-lhes a questão moral: devem entregar um inocente a um bando de assassinos que dizem descaradamente que “a única razão da existência dessa gente é para serem purgados por nós” e outras atrocidades do género? Afinal os Sandin não são assim tão adeptos da Purga como se julgavam.
Não vou revelar o fim, mas a reviravolta final também não me surpreendeu. Pelo contrário, até já estava à espera dela. No fim, são os vizinhos que querem matar os Sandin, invejosos do seu sucesso. Eu até me pergunto como é que ainda não tinham planeado, todos juntos, matar os Sandin mais cedo.
Este filme não é subtil, mas é um bom filme que pretende chamar a atenção para a parte mais negra da natureza humana se lhe for dada oportunidade de se manifestar impunemente. Como filme de terror cumpre a sua obrigação de manter a tensão do princípio ao fim, apesar dos clichés e do enredo previsível. Como filme de comentário social, era preciso muito mais para me chocar. Só podia ficar chocada se não conhecesse a natureza humana, e a natureza humana já fez muito pior do que isto.
Mesmo assim, um filme interessante para reflectir nas coisas antes que elas nos aconteçam a nós.
14 em 15, por ser tão previsível
segunda-feira, 2 de novembro de 2020
–GIVE AWAY– “Nepenthos”, de D. D. Maio
Este vai ser um give away especial, em que os leitores podem receber os capítulos iniciais de “Nepenthos”, a Primeira Parte inteira, ou até o livro todo!
Como?
Primeira fase
Para leitores interessados em tomar contacto com o livro. Para receber os capítulos iniciais de “Nepenthos” basta escrever-me – email d.d.maio.email@gmail.com – e pedir o exemplar para divulgação (ebook em formato epub). Mais nada.
Segunda fase
Para leitores que leram os primeiros capítulos e gostaram. Basta escrever-me e convencer-me de que gostaram. A Primeira Parte, na sua totalidade, será enviada. Mas, ressalvo, só se me convencerem!
Terceira fase
Para leitores que já estão em pulgas para ler o livro todo. Agora é que é preciso mesmo convencer-me! “Nepenthos” não é um livro gratuito mas será enviado aos verdadeiros fãs. Em troca peço uma crítica na vossa rede social e/ou uma avaliação no Goodreads (basta ter conta no Goodreads e ir lá pôr as estrelinhas).
A minha página no Goodreads: www.goodreads.com/author/show/19718238.D_D_Maio
“Nepenthos” está disponível em papel e ebook em www.bubok.pt/livros/12182/Nepenthos
Esta promoção vai acontecer até ao fim do mês de Novembro.
NEPENTHOS
© 2020 D. D. Maio
Sinopse
Num gesto de encoberta bondade, o jovem imperador salva uma rapariga da ignomínia na taberna da vila. Devia ter sido inconsequente, mas o encontro muda para sempre as suas vidas.
Acaso, escolha ou destino?
Reena deseja morrer. Serva órfã, presa de abuso em menina e forçada à prostituição desde jovem, há muito que o desespero lhe sussurra ao ouvido. A súbita oferta de uma vida melhor no castelo do imperador não é o trabalho digno que teria almejado, mas dá-lhe esperança de vir a conquistar uma humilde posição de criada. No castelo, Reena experimenta uma liberdade que nunca lhe tinha sido permitida e recorda sonhos de rapariguinha, de um amor e de uma família. Mas sucessivos envolvimentos românticos, fracassados, tornam a lançá-la na escuridão da derradeira escolha. Por muito que tudo ainda melhore, conseguirá alguma vez resgatar-se a si mesma desse inimigo oculto no âmago da sua alma?
Eric, o imperador, já desceu demasiado baixo. Enraivecido por uma infância de abandono, endurecido por um passado de guerra, envereda voluntariamente pelos nefastos caminhos de que talvez não haja regresso. Um último passo na direcção errada desmorona o homem de pedra que já não o quer continuar a ser. Mas não será demasiado tarde para mudar?
Tão afastados nos extremos do destino, Eric e Reena partilham difíceis veredas na busca da longínqua felicidade que não lhes parece reservada. Para ambos, nenhuma felicidade poderá ser vulgar.
“Nepenthos” é um drama em Low Fantasy, pesado e realista, por vezes desconfortável, mas com bastantes tons de romântico.
Tudo sobre “Nepenthos”: ddmaio.blogspot.com/p/nepenthos.html