Já me pediram, as vezes bastantes, para fazer uma listagem das bandas que um gótico não pode deixar de ouvir. Penso que entretanto já bastante gente o fez, pelo que não é isso que vou fazer.
O concerto dos Rosa Crux lembrou-me que a música não acabou nos anos 80 e que nunca aqui falei da música de que passei a gostar desde aí. Tenho reparado que pouca gente o faz. É difícil, confesso, mas graças ao leitor de música digital, onde consegui colocar toda a música que possuo, toda mesmo!, tornou-se mais fácil não esquecer ninguém.
[Nos meus tempos, para fazer uma listagem destas, era preciso andar a revirar CDs, discos e K7s! Como é fácil a música hoje em dia!]
Não vou falar dos Sisters of Mercy, nem dos Fields of the Nephilim, nem dos Dead Can Dance, nem dos Christian Death, nem dos Bauhaus, nem de Peter Murphy, nem dos Mission, nem dos Cult, nem dos All About Eve, nem de Joy Division, nem de Siouxie & the Banshees, nem de Nick Cave (com ou sem Bad Seeds), nem de Red Lorry Yellow Lorry, nem de Mão Morta, que foram as bandas que formaram o meu gosto musical para todo o sempre e eternamente terão um lugar no meu coração e todos os álbuns gravados no meu cérebro, onde de vez em quando começa a tocar este ou aquele tema destes senhores e senhoras.
Muito menos vou falar dos que nunca gostei, como os Cure, embora toda a gente ouvisse, nem dos Smiths, por quem não morria de amores embora toda a gente me matraqueasse com eles. Do punk, infelizmente, nunca me vou esquecer de tanto que tive de o suportar, mas tento!
E não vou mencionar os nomes clássicos de que só gosto de algumas músicas, como os Alien Sex Fiend, os Chameleons, os Cocteau Twins, os Echo & The Bunnymen, os Jesus & Mary Chain, os Love & Rockets, os Virgin Purnes, os Depeche Mode, os Rose of Avalanche e muitos outros.
E obviamente não vou falar dos que conheço mas de que nem sequer existe uma única música no meu leitor de música.
Porque a música para mim é um amor. Não se ama um bocadinho. Ou se ama ou se deita fora. Não há meio termo.
Do que vou falar é daquelas bandas e artistas que desde esses tempos iniciais de espanto e pavor me embalaram durante os momentos maus (e os bons) e tornaram a existência menos insuportável. Nem todos são góticos. Na verdade, desenvolvi uma inclinação pelo neo-folk, como poderão constatar, que também não é assim tão estranha considerando que Dead Can Dance estão lá em cima no topo da lista.
Vou falar, enfim, dos que passei a gostar depois de 1990. Heresia. Confissão. Danação.
Aqui vai, em ordem alfabética, porque depois dos que estão no topo da lista ninguém os conseguiu ultrapassar nem adianta tentar distinguir favoritos.
Adrian Alexis
Não sei o que aconteceu a este senhor. Grande música gótica, rock e electrónico, conheci-o através da Radio Ghoul School com o clássico "I want to be a vampire", segui os links. Não há nada que este senhor tenha feito de que eu não goste. Na altura o próprio Adrian Alexis disponibilizava música online pelo que tenho uma vasta colecção. Depois, desapareceu. Retirou o site, retirou as músicas. Pelo que percebi dos posts dele, tinha uma personalidade aberta e simpática, muito humilde para tamanho génio. O senhor é esquizofrénico e partilhava muita informação sobre a sua... condição. Não gosto de lhe chamar doença. É do conhecimento geral que muitas vezes o génio anda de mãos dadas com a loucura. Este é um dos casos.
Se quiserem procurar, ainda conseguem ouvir.
Por exemplo,
aqui.
Vale a pena procurar.
Arcana
Conheci-os muito recentemente, devido ao Entremuralhas, e percebi o que andava a perder. Neoclassic darkwave. Não consigo parar de ouvir o álbum "Le Serpent Rouge". Uma paixão assim deixa sequelas.
Frank the Baptist
Catalogados como rock gótico/alternativo. Gosto do álbum "The New Colossus". Parece-me, todo ele, música de bêbedos para bêbedos. Aquelas coisas verdadeiras que só os embriagados conseguem dizer e só os embriagados sentem intensamente. Muito amor, muito ressentimento.
The Golden Palominos
The Golden Palominos, para mim, foi um projecto e um álbum. Já existiam antes, mas apenas quando o mentor do projecto Anton Fier compôs a música para a poetisa Nicole Blackman surgiu o álbum "Dead Inside". O último, o perfeito. Música, sons e spoken word. Entrou e mim e completou-me e faz parte de mim. Há mais nesta história. Faz parte da minha identidade, literalmente. Há coisas assim, que parecem ser feitas de propósito para alguém.
Grinderman
Eu disse que não falaria de Nick Cave, mas não na verdade não estou a falar do Nick Cave dos anos 80 mas do Nick Cave de agora. Continua, com os Grinderman, e os Bad Seeds, a fazer música e letras como antes, senão melhores porque amadurecidas. E cá está ele, muito vivo. Nos anos 80 ninguém lhe adivinharia semelhante futuro, não por falta de génio mas pelo resultado previsível a que conduzem os abusos. Ainda bem que esta excepção confirma a regra.
Hamza El Din
Hamza El Din, músico núbio já desaparecido, é considerado um dos pioneiros da world music. Conheci-o por acaso do genérico final de um filme, "Uma Paixão no Deserto", e, como tantos outros, fiquei presa à sua música hipnótica. Como disse a princípio, os meus gostos têm-se inclinado na direcção do étnico e do folk. O que não é estranho. Os Sisters of Mercy têm uma das melhores canções de todos os tempos na versão de "Temple of Love" cantada (ou melhor, encantada) por Ofra Haza (também desaparecida, precocemente). Existe em Hamza El Din uma melancolia do deserto, uma espiritualidade que alcança um divino em que a língua não é barreira. Começar a ouvi-lo, nos anos 90, pode ter aberto as minhas portas a um outro tipo de música. Folk, ou neo-folk, mas sempre melancólico.
Irfan
Vieram com os Arcana. Neo folk búlgaro. Na altura mencionei a banda mas desde aí descobri mais. Durante muito tempo, bandas como os Irfan não conseguiam ultrapassar o meu preconceito de "imitação de Dead Can Dance". Tendo "crescido" musicalmente com o original, não era fácil entregar-me aos seguidores. Nada fácil. Havia mesmo uma resistência, uma feroz fidelidade, uma recusa. Foi preciso muito tempo, muito tempo mesmo, para ouvir "Hagia Sofia" e reconhecer a perfeição numa canção que podia ser cantada por Lisa Gerrard, mas não é, e não deixa de ser boa por não ser. Mas, para mim, durante muito tempo, não foi.
Le Mystère Des Voix Bulgares
Nem de propósito, e ainda por cima a seguir alfabeticamente aos Irfan, e para mal dos Irfan, também "cresci" a ouvir Le Mystère Des Voix Bulgares como me foram apresentadas pela editora mítica 4AD, música sombria e bela e alternativa. Tão fantasmagórica que causava arrepios na espinha. E também acho que desde esse mítico primeiro álbum (homónimo) as senhoras de Le Mystère Des Voix Bulgares se venderam. Mas continuei à procura, e continuei a ouvir. Para mal dos Irfan, digo eu, porque catalogava estes últimos como mistura de Dead Can Dance e Voix Bulgares, duas imitações em um. Não é fácil competir com os mitos da infância. Mas voltando às Voix Bulgares, porque acho que se venderam? Porque se viu que o filão rendia e começou a massificar-se. Apanhei-as a cantar um tema em espanhol (vendidas)! Mas também as apanhei a cantar uma cantiga de amigo, sim, leram bem, uma cantiga de amigo que estudei na escola. "Tih vyater vee" não é mais do que uma versão das "ondas do mar de Vigo". Em galaico-português, com sotaque búlgaro. Aquilo é tão triste, tão arrastado, que se percebe melhor de onde veio o fado. "Ai Deus, se viste
s meu amigo"... Bebi muito, e ouvi muitas vezes.
Lisa Gerrard
Para mim, é a voz da Deusa. Quem leu "As Brumas de Avalon", ou mesmo quem não leu mas quem sabe à mesma quem é a Deusa, percebe-me. Não é um anjo, não é humano, é Ela quem fala pela voz de Lisa Gerrard, e porventura, por isso, Lisa Gerrard não canta palavras de língua humana... Depois dos Dead Can Dance Lisa Gerrard continuou a solo, num registo mais semelhante aos Dead Can Dance do que aquele por que decidiu enveredar Bryan Perry, não tão completo porque falta a magia do duo, e muito mais comercial do que era, na minha opinião, mas num registo igualmente obscuro que deve calar de perplexidade os "normais" que a ouvem por acaso na banda sonora de um filme e têm duas reacções: ou gostam muito mas nem sabem o que procurar ou fogem de medo. Acontece muito, quando se ouve a voz da Deusa.
A solo, alguns dos meu temas preferidos de Lisa Gerrard são "Sailing To Byzantium" e "The Rite", mas soa tão fútil dizer uma coisa destas quando todos os versículos são sagrados...
Como poderiam uns Arcana, uns Irfan, competir com uma devoção assim?
Marilyn Manson
No deserto dos anos 90, porque aquilo foi um verdadeiro e interminável deserto em que só se ouvia grunge e as velhas glórias dos anos 80, cada vez mais decadentes e decepcionantes, Marilyn Manson foi uma lufada de ar fresco. Ou melhor, uma lufada de verdadeiro ar envenenado, que era o que se precisava. Eu não assisti a Marilyn Manson como os adolescentes dos anos 90 assistiram, nem podia. Eu tinha uma memória musical que evocava a teatralidade de David Bowie e Peter Murphy, a blasfema heresia dos Chistian Death, o halloweenismo de Alice Cooper. Como poderia eu olhar para Marilyn Manson e não apreciar o espectáculo com um sorriso? Não é assim para os adolescentes em relação aos seus primeiros amores. Para eles, é muito sério. Ou amam ou odeiam. É preciso criar distanciamento para gozar o espectáculo. Se Marilyn Manson é genuíno? É genuíno como um filme é genuíno. O filme é verdadeiro; o que se passa dentro do filme é ficcional. De modo que sorria com condescendência quando os nascidos para a música nos anos 90 lhe chamavam "poseur". Os amores e os ódios que Marilyn Manson despertava originavam-se nesse equívoco. Nos anos 90 assistiu-se a um fenómeno estranho em que se disse que "o alternativo se tornou comercial", e isto de alguma forma foi verdade e criou preconceitos que eu não partilhava. Para alguns, Marilyn Manson era muito "comercial". Mas esses, dentro da cena, esqueciam-se de que para a grande maioria das pessoas (os normais) Marilyn Manson era, e é, insuportável.
Tentemos colocar-nos nos anos 90. Antes da massificação da internet. Havia grunge, muito grunge, havia uns malucos como os Cradle of Filth, e havia o gothic metal a inundar a cena a um ponto que era eu quem considerava insuportável, e de repente surge um homem, maquilhado, teatral, a fazer música com melodia e refrões que realmente pegavam! Claro que gostei. Adorei. Tirando os Rammstein, Marilyn Manson foi o único projecto de que me tornei fan nos anos 90. [Quando digo fan não me refiro a gostar de um tema ou dois; falo da globalidade da obra.]
O que me leva a mencionar rapidamente os Nine Inch Nails, banda próxima, de que não gosto particularmente, e que ninguém queria dançar numa pista de dança gótica nos anos 90. Era tudo gothic metal. Neste deserto, eu abracei Marilyn Manson. Quando já não acreditava que houvesse vida depois do gótico. O gótico, para a imprensa, já não era alternativo, já não era a vanguarda, aliás, a própria palavra "vanguarda" tinha saído do dicionário musical como obsoleta (e saiu mesmo e nunca mais voltou) e nunca mais se ouviu falar de qualquer banda gótica depois dos anos 90. Existiam mas não se falava dos que as pessoas andavam a fazer. O gótico tinha sido abafado pela imprensa, e pelas rádios, mesmo as alternativas. (Eventualmente, também a imprensa e as rádios alternativas desapareceram. Lembram-se da XFM, lembram-se do Blitz jornal?) Pergunto-me mesmo se a cena não teria desaparecido se não fosse o estrondo da internet em todos os lares, de repente, a provar que afinal havia gente. Que há gente. Que está aqui. E ali, e ali.
Marilyn Manson foi, para mim, a única banda a fazer música que se ouvia nos anos 90 (antes dos Rammstein), e abracei-o(s) com ambos os braços.
Os últimos álbuns não têm sido tão bons como os primeiros mas continuo a ouvir.
Miranda Sex Garden
Esta foi uma banda que começou a cantar
a capella e descarrilou, para nossa delícia, no álbum "Fairytales of Slavery", entre o ethereal, o darkwave e as guitarras cortantes. Não sei se elas imaginaram que estavam a fazer música para góticos, mas eu leio as letras sombrias e sei que não pertencem noutro lado nenhum. Tudo indicam que acabaram.
Moonspell
Gostei muito dos primeiros álbuns. Gothic metal português como nunca tínhamos ouvido na vida. Obviamente, gostei muito. Doía-me, contudo, ouvir um jovenzinho falar dos Fields of the Nephilim e dizer que lembravam os Moonspell. Doía, porque mostrava a que ponto tinha chegado o desprezo da imprensa pela cena gótica. Já não havia ninguém a elucidar os mais novos de que se havia semelhanças tinham sido os Moonspell a crescer com os Nephilim e não o contrário. Com a internet, este lapso foi corrigido. Mas não graças à imprensa. [A internet, os fóruns, os sites pessoais, os blogs, os webzines, têm sido os únicos divulgadores da cena e da música que agrada à cena. Tudo se tornou, após o ano 2000, o "do it yourself" de que falava o punk.]
Pessoalmente, acho que o gothic metal teve o seu tempo, abusou do seu tempo, e ultrapassou o seu tempo. O metal tem tendência a fazer isso, motivo pelo qual os Iron Maiden ainda mexem. Por mim, estou farta de gothic metal. Foi como o punk. Demais.
Nephilim
Eu disse que não ia falar dos Fields of the Nephilim, porque são os Nephilim. Um único álbum, "Zoon", 1996. Estilo: industrial. Demorei uns dez anos a encaixar aquilo. Tive a sorte de os ver ao vivo e de sentir o chão estremecer. E continuar a não conseguir encaixar aquilo. Depois, foi interessante. Quando finalmente encaixei compreendi que tinha sido avançado demais para o seu tempo. E eu a pensar, erroneamente, que era a pior coisa de sempre saída dos lados de Carl McCoy. Hoje em dia, até considero "Zoon" levezinho. Já consigo ouvir as melodias. Ah! Estão lá, debaixo do barulho! Era muito barulho para aquele tempo.
Lembra-me uma cena de "Regresso ao Futuro", em que o protagonista, vindo dos anos 80, sobe ao palco nos anos 60 e se põe a tocar rock'n'roll com uma guitarra. Toda a gente gosta muito até ele começar com os solos à heavy metal. Não era falta de gosto. Simplesmente não estavam preparados.
Nirvana
Ouvi Nirvana. Ouvi tudo de Nirvana. Nunca gostei de Nirvana como os adolescentes dos anos 90 gostaram de Nirvana, mas gostei muito de Nirvana. Para eles, foi o primeiro amor. Para mim foi um amor interessante. Mas faltava ali qualquer coisa. Faltava o sublime maior do que a vida. No grunge, a morte é a morte. No gótico, a morte é sempre algo mais. Falta ao grunge a beleza de querer ir ter com ela.
Pensei que era só eu mas muita gente me diz que ainda não consegue ouvir Nirvana. Eu também não consigo. É amargo.
Para ser completamente honesta, também gostei/gosto muito de
Alice In Chains, mas não lhes vou reservar uma categoria própria. É a mesma coisa. Amargo. Preso à realidade de que o grunge queria escapar através das drogas. Mas, sem o sublime, a tristeza é apenas depressiva. O grunge era sobre a realidade. O gótico não é.
O Quam Tristis
Os meus gostos têm andado por caminhos por que jamais suspeitaria enveredar nos tempos do rock gótico dos anos 80. Banda electrónica com voz de igreja a cantar em latim? Sem sequer perceber o que eles dizem? Mas não é assim tão estranho. Por opção, eu estudei música na escola. Cantei aquelas litanias dos monges da Idade Média. Só podia dar nisto, na verdade.
Paradise Lost
Aqui está o exemplo de uma banda que melhorou com os anos. Na minha opinião, isto é. Cada vez menos metal, cada vez mais gothic. "One Second" foi um bálsamo nos deserto dos anos 90. Ficarei eternamente grata. Já não ouço muitas vezes.
PJ Harvey
Sempre pensei que ia gostar mais dela mas o nosso romance ficou-se por "To Bring You My Love".
Prodigy
Gostei de algumas músicas dos Prodigy. Achava-os capazes do mais perfeito e do mais parvo. Guardei o perfeito mas tenho vindo a reparar que envelhece depressa.
Rammstein
Das primeiras vezes que os ouvi quase sofri do mesmo efeito que me provocou "Zoon" dos Nephilim. Muito barulho. Eu estava habituada a procurar primeiro a melodia e só então prestar atenção à caixa de ritmos. (Vícios de fan dos Sisters.) A passagem do rock dos anos 80 para o industrial/electrónico dos anos 90 foi, na minha opinião, um problema de barulho. Não falo de decibéis, que disso a gente já gostava. Falo de percussão tão pesada que ofuscava a melodia. Era difícil encontrá-la e apreciá-la debaixo do barulho.
Há dúvidas sobre se os Rammstein são góticos, mas não há dúvida de que os góticos gostam dos Rammstein. Quanto às dúvidas, vou expô-las. A música, tecnicamente, e não penso que haja grande controvérsia sobre isto, define-se mais como industrial do que electrónico. Mas as letras contam uma história completamente diferente. Lembro-me, por exemplo, de "Klavier", que é toda fantasmagórica. E de "Sonnen", apocalíptica. Neste tempo de fusões, não arrisco a inclinar-me para uma opinião. Que os Rammstein se expõem a ser amados pelos góticos, com aquelas letras, com aquela música, expõe-se. Nos últimos anos da década de 90 e primeiros da década seguinte, os Rammstein assumiram o papel de ídolos, e continuaram por ali fora até às brincadeiras que a gente sabe ("Te Quiero Puta!"). Ouço regularmente. Mas não como ídolos, pois os meus ídolos são outros, e caíram, e não podem ser substituídos.
Rosa Crux
Descobri-os tão recentemente (embora tardiamente) que ainda não tive tempo de os processar melhor do que fiz
aqui. Posso dizer, no entanto, que me motivaram a fazer esta lista. E que me levam a pensar em quantos mais tesouros ficaram enterrados na voragem de tudo o que os anos 90 abafaram.
Rubicon
Não posso fazer esta resenha e não mencionar os Rubicon, apesar da sua efemeridade. Os Rubicon foram a banda formada pelos outros Fields of the Nephilim quando se separaram de McCoy. Durou pouco, teve um grande álbum, "What Starts, Ends", e de facto não demorou muito a acabar. As guitarras dos Fields estavam lá mas faltavam as letras místicas de McCoy. Ainda assim, um grande álbum. E continuo a ouvir, e continuo a gostar, o que deve querer dizer alguma coisa. Afinal, era o núcleo musicalmente criativo dos Fields que ali estava.
Soundgarden
Grunge com atitude. Estes não queriam dar um tiro na cabeça. Estes esperneavam e davam luta. Por isso, também, gostei deles.
Suicide Commando
Devo confessar que comecei a ouvir os Sucide Commando por sugestão de um amigo e que os considerava demasiado electrónicos para levar a sério (outro preconceito), por isso usava-os como som para fazer ginástica em casa. Não, não estou a brincar. Ainda uso. E os
VNV Nation também. Mas entretanto, "Die Motherfucker Die", descobri nos Sucide Commando uma homicida agressividade que vem mesmo a calhar ao espírito dos tempos. Cada vez gosto mais deles.
The Creatures
Até fica mal falar aqui de The Creatures (porque me faz parecer tremendamente musicalmente ignorante) mas a verdade é que só os descobri já depois de 2000. The Creatures é uma banda paralela aos Siouxsie & The Banshees. Com uma longevidade notável para uma banda paralela! Contudo, apesar de conhecer a sua existência, talvez porque a moda nos anos 80 fosse mesmo a Siouxsie, nunca tive oportunidade de os ouvir a sério. Simplesmente nunca aconteceu. Mas também não era fácil acontecer. O acesso à música era a todos os níveis limitado. Primeiro, era preciso saber que existia. Só se conhecia o que tinha destaque na imprensa ou nos fanzines ou quando os amigos recomendavam e emprestavam. Passando essa primeira fase, a de saber que existia, começava outra mais difícil, que era ter acesso à música em si, o que dependia sobretudo do acaso e da sorte. Falamos de tempos em que a música alternativa se produzia em poucos exemplares e menos ainda chegavam ao nosso mercado (quando chegavam e não era preciso ir comprá-los fora, o que não era para todos). As primeiras edições esgotavam e não voltavam a ser reeditadas. Com alguma sorte, encontrava-se um disco ou até mesmo um CD em segunda mão. O que nos ia safando eram os catálogos de K7s. E ainda assim, ler o nome de uma banda num catálogo, numa
qualquer fanzine feita em papel A4 fotocopiado e vendida por encomenda por 100$
mais portes de correio, não era o mesmo que seguir links e clicar. Muita coisa
despertava a curiosidade mas não havia por onde ir. The Creatures foram daquelas bandas de que eu sabia a existência, mas por uma razão ou outra a música nunca me chegou. Faltaram, sobretudo, recomendações. Não me lembro de ler na imprensa sobre os The Creatures os artigos elogiosos que acompanhavam os lançamentos de Siouxsie & The Banshees. O círculo de amigos e conhecidos também não lhes prestava atenção.
O que é muito estranho, porque agora posso dizer que se calhar até gosto mais dos The Creatures do que de Siouxsie & The Banshees. Há coisas esquisitas assim. Porque estava a ouvi-los e a pensar: porque raio passavam Siouxsie em todo o lado e não passavam isto? Todos aqueles anos a ser massacrada com punk a torto e a direito quando isto já existia! É o inexplicável. Os gostos, maioritariamente, eram mesmo outros. Arrisco até uma explicação. As canções melódicas dos The Creatures eram muito possivelmente recebidas com rejeição pela base punk de fans da Siouxsie como "som demasiado comercial". Compreendo, por isso, que The Creatures tenham sido a banda fantasma, e não ao contrário.
The March Violets
Estes são outros que me fazem parecer ignorante, mas apenas aparentemente. Na verdade, conheci-os quase ao mesmo tempo que os Sisters of Mercy, porque Andrew Eldritch publicou-lhes uns EPs pela editora Merciful Release (e até consta que eram amigos, até se chatearem, como não podia deixar de ser). Tenho a certeza de que andou por aqui uma K7 de March Violets, mas não sobreviveu muito tempo. Descobri-os, a sério, há poucas semanas. Porque estava de férias e tive tempo de pesquisar. O interessante da coisa é que a música envelheceu bem. Se ouvi, na altura, e não gostei, gostei agora. Não produziram muito mas o que produziram merece ser conhecido. Talvez tenham sido daqueles demasiado avançados para o tempo deles, porque se os tivesse ouvido ia achar, na altura, que eram pop insuportável. O erro foi que tentaram vendê-los como gótico. E na altura, à sombra dos Sisters of Mercy no seu auge, não tinham hipótese nenhuma. E se calhar foi exactamente o que aconteceu à gravação: não teve hipótese.
The Offspring
Isto pode parecer contraditório depois de tudo o que disse do punk, mas amei perdidamente dois álbuns de Offspring: "Smash" e "Ixnay on the Hombre". Chamaram-lhes neo-punk mas eu, que conheço o punk, digo antes que tomara o punk ter sido tão bom! (Neste momento há quem que me queira bater, e eu sei disso, e não me ralo.) Gostei intensamente, e depois eles venderam-se ou amoleceram, qualquer coisa do género. As letras deixaram de me dizer o que diziam. Abandonei.
Throwing Muses
Conheci-os também através da 4AD (não é por nada que se lhe chama "editora mítica") e continuei a seguir-lhes a pista. Rock alternativo americano que mais ninguém faz. Penso que acabaram.
Type O Negative
E no deserto que eram os anos 90, era refrescante ouvir uma banda de gothic metal a gozar com o gothic metal, e com a cena, e com aquilo tudo. Aliás, tem havido muitos clássicos na cena que são a gozar com a cena, o que só prova que a cena vive e não tem medo de se rir de si própria. O humor continuou negro até ao mais negro final.
Violent Femmes
A estes também conheci tarde. "Bateram forte" nos anos 90. Comprei os álbuns todos. Foi uma paixão. E falando dos Violent Feemes, a nenhuma banda se aplica melhor o termo "paixão". Foi amor quase à primeira audição. Porém, não sei se teria gostado deles durante a minha adolescência. Provavelmente não. Andava a ouvir coisas muito diferentes. O nome Violent Femmes não aparecia na coluna certa do catálogo. Literalmente. E também não me surpreende que os temas abordados pelos Violent Femmes, tirando o irritante e repetido "Blister in the sun", não agradem a muitos e por isso permaneçam pouco divulgados. O que inocentemente parece típica insegurança adolescente consegue ser muito mais retorcido do que o vulgar dos mortais tem capacidade para suportar. Definitivamente, não é para toda a gente.
Woven Hand
Esta é uma banda que descobri há coisa de dois anos. Continuo a achar que a definição (?) da Wikipedia ainda é a melhor: "combines elements of neofolk, alternative country, post-rock, punk, industrial music, folk rock, old-time music and native American music, among other influences". Como é que se define uma coisa assim? A nível das letras, ainda não decidi o que pensar. Digamos apenas, por exemplo, que em "Winter Shaker" ele canta "halleluia" de maneira propositada a fazer parecer dialecto de índio norte-americano durante um ritual. Tive dificuldade em acreditar nos meus ouvidos. Adivinharei bem a intenção: o Grande Espírito é um só? No entanto, as letras dos álbuns têm-se tornado cada vez mais religiosas, com expressões retiradas da Bíblia, e dos seus livros menos propensos a citação, como Rute, que implicam que o letrista conhece o Livro de trás para a frente. Se é assim, e a fé é genuína, pergunto-me porque é que aquilo não se tornou uma banda de rock evangélico, dirigida a um público muito mais vasto e certamente muito mais grato. E intrigam-me, intrigam-me muito. Diria mesmo que me assustam pelas ressonâncias que encontro em mim. Considero-os uma das bandas mais interessantes e originais da actualidade, mas não os percebo. Apetecia-me perguntar-lhes se não é convidar o pecado e a tentação frequentar antros alternativos, dar concertos para descrentes, ou se o objectivo é mesmo evangelizar os pecadores... E não, não estou a ironizar. Nem eles estão. É a sério, é tudo a sério. E intriga-me.
Os regressos
Foi mais difícil não me esquecer dos regressos porque também se encontram em ordem alfabética juntamente com os lançamentos antigos. Espero não esquecer nenhum.
Saliento três, já neste milénio:
Nick Cave & the Bad Seeds ("Dig Lazarus Dig" 2008)
, Bauhaus ("Go Away White" 2008)
, The Fields of the Nephilm ("Mourning Sun" 2005)
.
Sobre o primeiro, Nick Cave & the Bad Seeds, não tenho nada a acrescentar que não tenha dito sobre os Grinderman.
Bauhaus. Bem, Bauhaus foi uma surpresa. O novo álbum soa a Bauhaus ressuscitados. Sem tirar nem pôr. É este o grande forte e ao mesmo tempo a grande fraqueza do álbum. O estilo Bauhaus, que era uma explosão de originalidade e criatividade nos anos 80, já não o é agora. O génio não se conseguiu superar a si próprio. Digo-o sem desilusão, mas tinha esperança de ser arrebatada outra vez. Não fui.
Por fim, o que eu considero o melhor álbum destes três regressos, The Fields of the Nephilim. Para falar de "Mourning Sun" prefiro fazer uma analogia com a literatura. Imaginem que "Elizium" era um romance. Imaginem que "Mourning Sun" é a sequela desse romance quando ninguém a esperava. Porque "Mourning Sun" começa exactamente onde "Elizium" acaba. E quem gostou do primeiro muito dificilmente não gostará igualmente do segundo. Ao estilo da saga. Aliás, há muito que os Fields nos prometiam uma "Sequel". É mesmo coisa deles. Por mim, que venha a trilogia.
Este artigo foi maior do que eu previa e menor do que eu temia. Contava falar de meia dúzia de bandas, e afinal falei de mais, mas temi que se fosse por esse caminho, o das bandas que foram importantes, o artigo nunca mais acabasse. Afinal acabou. Não foram muitas as bandas que tiveram impacto em mim depois dos anos 80 a ponto de as mencionar como "importantes". Com certeza muita coisa faz efeito a nível inconsciente, a nível geracional, mas não pessoal. Às vezes não é fácil distinguir uma coisa da outra.
Referi-me muitas vezes aos anos 90 como um deserto musical, e foi. Talvez seja injusto dizer isto depois de uma década musicalmente fora de série como foram os anos 80 (como já tinham sido, por exemplo, os anos 60). Muitos projectos ficaram à sombra, foi inevitável. A nível da cena gótica, então, foi uma década terrível para se fazer chegar ao público aquilo que se fazia.
No entanto, causa-me ainda maior estranheza a falta de criatividade que permeou toda a primeira década de 2000. Houve muito seguidismo, mas pouca originalidade. Como se as pessoas que fazem música sofressem do medo de não ter lugar se arriscassem ser diferentes. Se nos anos 90 o alternativo é que era comercial, por acidente, dá a impressão que na primeira década de 2000 o alternativo se guiou por fins comerciais, de propósito. Como se as próprias bandas/projectos se auto-espartilhassem para agradar ao gosto do público, já compartimentado, que queriam alcançar. A nível musical, isto nunca é bom.
Até prova em contrário, considero que a primeira década do milénio já não foi um deserto em quantidade, mas deixou muito a desejar em criatividade. Talvez nesta segunda década, agora que a internet já não é nova e os mercados musicais se aprendem a organizar, comece algo novo a borbulhar como não temos há muito tempo.
Espero sinceramente que este artigo tenha sido útil a alguém. Deixo já aqui o desafio, a quem me lê, que publique igualmente uma lista de descobertas após 1990. Para que os tesouros não fiquem por desenterrar.
Eu, por exemplo, estou interessadíssima nessas listas e nesses tesouros. Não se esqueçam de partilhar.