quinta-feira, 29 de abril de 2010

Lost - This place is death



A princípio, provavelmente como toda a gente, pensei que esta era mais uma série sobre sobrevivência em ambiente selvagem e hostil, numa Babilónia explosiva de personagens de vários cantos do mundo que além das dissensões entre eles próprios se têm de haver também com um inimigo comum (os Outros). Julguei, na altura, que era uma metáfora para o planeta cada vez mais bélico e perigoso em que vivemos neste fim de século e princípio de milénio, um mundo que se tornou refém de um inimigo sem rosto que é o terrorismo. Escrevi sobre isso aqui.
Pela terceira temporada da série, comecei a perceber que na ilha se passava mais do parecia a princípio. Os elementos sobrenaturais (monstros, visões, visitas fantasmagóricas), que de início se diriam introduzidos eles próprios como metáfora ou manobra de distracção, começaram a assumir um papel tão preponderante que deixaram de ser secundários. Convenci-me de que a única explicação lógica era esta só: os supostos sobreviventes acreditam que continuam vivos mas afinal morreram e encontram-se numa espécie de limbo, ou purgatório, entre a vida e a morte, exactamente por se recusarem a acreditar que estão mortos. (É de salientar que as crianças do grupo desaparecem, supostamente levada pelos Outros -- quem são estes Outros, afinal? -- pois as crianças não sofrem o purgatório.) Deste modo, os intervenientes continuam a viver como se nada fosse, perplexos perante os fenómenos sobrenaturais com que são confrontados mas sem se esforçarem muito por encontrar explicação para estes (talvez temam demasiado descobrir a verdade). Encontros com gente já falecida, curas milagrosas, recordações do passado, tudo isto se torna compreensível se a percepção do corpo, e da vida deste, é apenas imaginária. Em suma, são as almas que continuam a viver, e a acreditar que ainda têm um corpo físico. Porque é que isto acontece com algumas personagens e outras não? Acontece especialmente com aquelas que têm assuntos pendentes que as atormentam. Nesse caso, pergunta-se, porque muitas personagens morrem ou são mortas durante a série? E eu pergunto: morrem ou acreditam que morrem? Não estavam já mortos? Veja-se a morte de Mr. Eco, em que este se deixa levar pelo monstro de fumo como se acreditasse que estava a ser arrastado para o inferno, até porque devido às suas convicções religiosas se julgava condenado a esse castigo no Além. Tenho a teoria, para a morte de certas personagens, que estas não morrem, simplesmente "avançam" para o nível seguinte quando para tal estão preparadas. Os Outros são os guardiões deste Limbo, anjos ou demónios, ou simplesmente o equivalente ao que chamamos seres celestiais, ou guias espirituais, o que explica o "rapto" das crianças -- os inocentes -- para o nível seguinte. Da mesma forma, na ilha não há nem pode haver nascimentos, e muito menos concepções. É na terra que se nasce, não no "Céu". No "Céu" não se nasce, nem se vive, simplesmente se espera.
Isto que estou a dizer não é só opinião minha, e muito menos teoria própria. Muitos outros espectadores, em todo o mundo, interpretaram assim. A tal não é alheio o facto de aparecer na série a palavra "dharma", que nos remete imediatamente para a espiritualidade oriental. Segundo esta, as almas morrem e reencarnam, mas antes deste eterno retorno passam algum tempo a purificar-se, no que a religião ocidental chama purgatório ou limbo, até estarem preparadas para regressar à existência terrestre. Na existência terrestre, enquanto encarnadas, realizam o Dharma, isto é, o caminho para a verdade superior, o destino. Mas sofrem também as consequências do karma, a lei de causa e efeito, a recompensa e o castigo pelo que fizeram em outras encarnações. O karma tornou-se muito conhecido, o Dharma nem por isso. A experiência Dharma (ou "Iniciativa Dharma") podia ser o nome de código que Deus deu à Criação. Dharma, o destino; Karma, a Justiça.
São as almas mais atormentadas, as que têm mais assuntos pendentes, as que maior urgência sentem em voltar a reencarnar, para saldar o seu karma e cumprir o seu dharma. Na série, personagens como Kate, Jack, Sawyer, Sahid. Outras, menos "carregadas" ou mais evoluídas, sentem-se impelidas a não regressar, a passar para o lado dos Outros, como é o caso de Jonh Locke.
Nesta dinâmica, muitas vezes não se percebe se os Outros são anjos ou demónios. Tenho para mim que o manipulador Ben Linus é o Diabo, ou um seu agente, ou algo que o valha. Repare-se que ele não obriga ninguém a fazer nada. Ele tenta, ele convence, mas as personagens agem segundo o seu livre-arbítrio.
Muito bem, esta é a teoria. Os produtores da série negam-na veementemente. Não estão nada mortos, não estão nada no Limbo, são personagens de carne e osso. Eu acho que mentem com todos os dentes, para não afastarem da série os espectadores de inclinação mais científica, mas mentem de facto, e vou explicar porque o afirmo.
Nas temporadas seguintes, algumas personagens conseguem sair da ilha e regressar "ao mundo dos vivos". É a tão aguardada "reencarnação". Depressa descobrem, porém, que todos os problemas voltaram com eles, se não os mesmos outros piores que os anteriores. Jack e Kate tentam ficar juntos, mas Jack já não encontra sentido para a sua existência e torna-se dependente de comprimidos. Hurley prefere refugiar-se num hospício. Sahid continua a viver o inferno que deixara para trás ao chegar à ilha, e vê-se novamente transformado num assassino: "trabalho para um genocida", confessa. Sun vive em desgosto e amargura, completamente dominada por desejos de vingança, e ainda e sempre separada do marido que tinha já perdido antes de chegar à ilha. John Locke, de novo remetido a uma cadeira de rodas (tudo muda e tudo se repete) tenta enforcar-se. Em suma, o karma continua a exigir o pagamento da dívida. As personagens continuam a não cumprir o seu dharma, o seu destino. Mais uma encarnação desperdiçada.
É por isso que regressam à ilha, sem necessidade de grandes justificações, nem a si próprios. O seu caminho foi interrompido, necessitam de enfrentar os factos e os erros e de uma profunda purificação. Jack chega a desejar a morte, como se depois da última experiência na ilha, ou no pós-morte, compreenda que o seu espírito está demasiado evoluído para a existência terrena que tem experimentado até aí. Jack está, na minha opinião, em vias de se tornar também um Outro.
Nas temporadas 5 e 6, os produtores tentam embrulhar todo este misticismo em ficção científica. Viagem no tempo, sobreposição de dimensões, física quântica. Não convencem. E duvido que queiram convencer. Tentarei não ser um spoiler para quem ainda não não viu o final da série 6, mas quem já pensava que o misterioso Jacob não é outro senão Deus, terá uma chocante surpresa ao ver as suas suspeitas confirmarem-se. Jacob é o Guardião, se não mesmo o Arquitecto da ilha. A surpresa é que tudo indica que não é o único. Outro Ser Antigo se lhe opõe e com ele rivaliza. Parecem Deus e o Diabo, a discutir o destino da humanidade. Deus e o diabo ou dois deuses, deuses gémeos, um que acredita na humanidade e na sua capacidade de evoluir para um nível superior, o outro que de tanto observar já condenou o ser humano à sua permanente natureza animal, e que o julga incapaz de ultrapassar a baixeza do conflito. Dir-se-ia que o primeiro é o criador e o segundo o crítico que escarnece do fracasso do primeiro. E esse fracasso somos nós, a humanidade, meros peões nesta aposta entre deuses caprichosos e voyeristas. (Leia-se o Livro de Jó.)
Sempre quero ver como é que os produtores tencionam descalçar esta bota com física quântica. Talvez seja uma questão de fé acreditar na ciência. Eu acredito que toda a série é uma simbologia do caminho das almas, e do eterno retorno, e se os produtores tentaram fazer algo diferente foi exactamente nisso que acabaram por cair. O que me agrada bastante mais do que a mal amanhada explicação científica.

Gostaria muito de trocar impressões com outros espectadores da série para partilha de teorias. Duas cabeças pensam sempre melhor do que uma só.

sábado, 17 de abril de 2010

Maio. 22.

 Sandro Boticelli, "Vénus e Marte", 1482-83
 

Sou daquelas pessoas que têm no seu tema natal a raríssima conjunção Marte/Vénus.
No dia 22 de Maio esta conjunção vai-se repetir. Vénus vai estar em conjunção com Vénus e Marte, Marte vai estar em conjunção com Marte e Vénus. A própria conjunção vai estar em conjunção com ela própria.

Conjunção
VÉNUS - VÉNUS
Excelente período para o amor. Se ainda não se cruzou com ele, saiba que vai, com certeza, encontrá-lo durante este período.

Conjunção
VÉNUS - MARTE
Sentir-se-à muito atraída pelo sexo oposto. Encontrará alguém que será exactamente o tipo de pessoa que procura, uma pessoa com uma personalidade muito forte.

No meu caso, o sexo até nem tem de forçosamente ser o "oposto". O tempo esgota-se. Não sei quando terei esta "janela de oportunidade" novamente.

Senhores e senhoras, se alguma vez pensaram no assunto, é agora.
Respostas para a morada do costume.

sábado, 3 de abril de 2010

The Prime Gig (2000)



Já tinha visto bocados deste filme, sem nunca me embrenhar nele, até ao dia em que tudo aquilo começou a fazer sentido. Uma cambada de intrujões a impingir vendas fraudulentas por telefone. Será motivo sequer para fazer um filme? O pior é que é. Não é sequer pela ganância, mas pela mentira, que este filme é chocante. E o que é chocante é que há de facto pessoas por aí fora, pessoas bem reais, capazes de mentir a este nível, sem escrúpulos nem remorsos, destruindo tudo o que se interpõe entre eles e a sua ambição. Alguns até o justificam: todos nós somos capazes de ser tudo o que desejarmos ser. Sim. Sem escrúpulos, sem moral, sem decência. Deviam acrescentar ao slogan: "Somos bem sucedidos e somos imorais e não queremos saber porque somos egoístas e só pensamos em nós." Claro que nunca o acrescentariam porque além de gananciosos e imorais, são também mentirosos, e negá-lo-ão até à morte. Até que ponto a mentira não é uma doença do foro mental, pergunto-me?
Este filme faz-nos pensar nisso, e por isso o recomendo vivamente.


17 em 20.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

A (não) comunidade gótica em Portugal: mais algumas reflexões

Aqui há uns tempos perguntaram-me o que achava da recente explosão de fóruns e comunidades góticas na internet. Pensei muito sobre o assunto. (Já não pensavas que respondia, pois não?... Mas isto de ser uma "gurua" tem que se lhe diga, e se houve coisa que aprendi ao longo destes -- vergonha!!! -- vinte anos de cena gótica é que nunca é demais ser comedida nas palavras e cautelosa nos juízos.) Em especial, perguntaram-me o que pensava sobre o fórum Comunidade Gótica Portuguesa que, a bem ou a mal, conseguiu ultrapassar os primeiros e difíceis anos de vida -- geralmente, tenho observado, estas coisas aparecem e desaparecem em questão de meses.
Vamos então por partes.
A internet, já o disse aqui, nesta última década, veio trazer ao movimento gótico uma visibilidade que nunca tinha tido. Passámos dos fanzines clandestinos e dos cartazes (fotocópias) afixados nas paredes do Bairro Alto, e do antes crucial "boca em boca", para a era das redes sociais, dos blogs, dos fóruns, dos flyers cuidados e transmitidos por email, e, porque não dizê-lo, passe a publicidade, aos portais dedicados a promover os eventos relevantes à cena, como o nosso Pórtico. Tudo isto é muito mais eficaz do que os meios antigos, até porque a informação chega mais longe, até ao pobre e único gótico de Alguidares-de-Baixo, se porventura lá houver algum.
Vamos então ao fenómeno do fórum Gothik.PT, auto-intitulado "Comunidade Gótica Nacional". Para começar, e digo-o com uma certa tristeza após vinte anos disto (na verdade já são mais de vinte anos), não há comunidade gótica nenhuma, pelo menos em Portugal. Desconheço, infelizmente, a realidade dos outros países, mas aqui, definitivamente não existe tal coisa. O que existe, isso sim, é uma quantidade de gente que vai aos bares, e aos eventos, e às festas, e aos concertos, e que são sempre os mesmos, e cada vez mais novos, e cujas caras todas conhecemos de vista. O que aconteceu aos mais velhos? A verdade é esta, eles existem, e por esta altura já conhecem o que podem encontrar na internet, mas não andam por aí online. A partir de uma certa altura, a realidade da vida: emprego, filhos, supermercados, trânsito, não se compadece com horas em chats e fóruns. Muitos, também, são apenas os nostálgicos, que só saem de casa com o seu velhinho casaco de cabedal quando há um concerto de uma velha glória dos anos 80, e pararam por aí. (Digo cabedal porque esta gente deixou a cena nos anos 90 e nunca chegou a conhecer o PVC.) Tomem atenção, vê-los-ão nos concertos.
Ora, nunca houve e não me parece que vá existir nenhuma "comunidade". Talvez o futuro me venha a provar errada mas duvido. Pelo que tenho observado, e também não é a primeira vez que o digo, 95% das pessoas abandona o estilo aos vinte e poucos anos, quando dizem "já estou farto disto". Se eu tivesse um euro por cada vez que ouvi esta frase!!! É por isso também que não acredito em góticos "menores de 25 anos", e aqui também já o disse.
Mas não vou comentar a presunção de chamar a um fórum com meia dúzia de participantes regulares "comunidade nacional". Chamem-lhe o que quiserem. O verdadeiro teste é o do tempo. Veremos quanto dura.
Algumas pessoas criticaram a obsessão pelas fotografias, e pelos meetings, e -- como evitá-lo -- pelo objectivo de engate que se transpira em sites deste tipo. O que dizer? Quem o expôs preto no branco foi o Klatuu/Lord of Erehwon, quando respondeu (noutras palavras que não cito) que fazem muito bem em aproveitar a idade que têm porque esta não se repete e agora é que é. Avançando.
No movimento gótico, meus amigos, sempre houve o "grupinho dos populares". É mesmo assim, como nos liceus americanos. Não preciso de dizer quem são. Reconhecem-se à distância porque são sempre os mais exagerados nas roupas e na maquilhagem, para provarem que são realmente góticos. Na internet não podia ser diferente. "Nós é que somos, os outros são poseurs, blá, blá, blá". Ironicamente -- o que eu me tenho rido! -- acabam por ser estes os primeiros a dizer "estou farto disto". A maioria dos membros dos "grupinhos populares" que conheci ao longo dos anos pode ser encontrado hoje no Lux, ou quejandos, ou casou e assentou e já nem sequer sai de casa. Muitos ainda guardam nostalgia mas a grande maioria já nem se identifica com o movimento gótico e diz que foi uma fase da juventude.
Nada disto é novo e nada disto vai acabar. É como as marés, enchem e vazam. É como a lua, enche e mingua.
O que é de facto novo, e digno de reflexão, é um outro fenómeno bem mais recente e a necessitar de análise urgente. Nestes últimos dez anos, como dizia, tenho notado que graças à internet há gente cada vez mais nova a chegar ao movimento, e a ter acesso a temas, e conversas, que pelo seu teor adulto não são para a sua idade. Falo de pessoas com menos de 16 anos, até com menos de 13 e 14. São putos que têm um computador, cujos pais se calhar nem sabem ligar ou desligar, que não têm o menor controle parental. Nasceram por cerca de 1995, ou depois, e chegam à cultura do movimento gótico muito mais cedo do que alguns de nós poderia imaginar no nosso tempo. Têm acesso aos conteúdos, e sabem mais do que nós sabíamos, mas não têm capacidade de compreender certas questões que até para os adultos permanecem um mistério. Digo que é urgente pensar nisto porque é um fenómeno novo mas imprevisível, e cabe aos mais velhos -- não aos putos que mal chegaram à adolescência, mas a nós, os que andam nisto há muito tempo e temos idadezinha para sermos responsáveis -- cabe a nós "guiar" estas crianças (porque são crianças) não digo para fora do movimento, porque obviamente eles já cá estão (pelo menos no mundo virtual, sem dúvida que estão) e não se vão embora porque os mandam, mas no sentido de preveni-los dos perigos que correm e a desviá-los subtil e veementemente do que não é para a sua idade. Eis um desafio novo e carregado de responsabilidade de que nós, os mais velhos, não nos podemos furtar, até porque somos os únicos que lá estão. Muito carinho para com estas pessoas! Podem muito bem nunca vir a ser góticos (sabe-se lá o que vão ser), mas se aos 12, 13, 14 anos já pensam nas sombras e na morte, algo de errado se passa com eles, e necessitam de toda a compreensão que, muito provavelmente, e para não fugir à tradição, não é em casa que encontram.