domingo, 25 de julho de 2021

The Walking Dead (décima temporada, 3ª parte)

Este Covid é tão mau que até os zombies foram afectados. Nada de ajuntamentos, nada de hordas, distanciamento social de 2 metros. Chiça, até depois de morto um zombie tem de levar com o Covid!
Estou a brincar, mas é sabido que as gravações desta azarada temporada foram interrompidas e prejudicadas pela pandemia. A esta parte da terceira temporada de que falo agora até se chama 3C. Tratam-se de 6 episódios “extra”, filmados durante a pandemia, com o menor número de actores e figurantes possível. E não é que os episódios são bons?

"Home Sweet Home"
Neste episódio Maggie regressa (saída de “Whiskey Cavalier”) depois de a comunidade onde ela estava com a Georgie (lembram-se dela, dos 15 minutos que esteve em cena?) ir para o brejo. Não sei o que se passa com estas comunidades na Virginia, sempre famintas e miseráveis. Ali ao lado, no Texas, em “Fear The Walking Dead”, há comida à fartazana, balas que nunca mais acabam e walkie talkies a dar com um pau. Os nossos sobreviventes de Atlanta é que nunca mais saem da cepa torta.
Maggie traz com ela o filho de Glenn, chamado Hershel em homenagem ao avô (finalmente vimos o miúdo, já não era sem tempo!) e depara-se, em Alexandria, com um Negan à solta! Negan, o homem que esmigalhou o crânio de Glenn à cacetada! Não admira que Maggie lhe deite olhos assassinos. Negan, que até gosta de crianças, tinha aqui uma hipótese de se envergonhar do que fez, olhando o filho de Glenn que é a cara do pai (na altura até Maggie, ainda grávida, esteve na mira de Lucille). Mas Negan é irredimível, por estas e por outras, e o melhor que ele fazia era ir recomeçar junto de outra comunidade onde não o conhecessem.
Alexandria está arrasada depois do ataque dos Whisperers e todos os elementos da comunidade são necessários. Se calhar é por isso que Maggie não o mata imediatamente (Maggie, a mesma que enforcou um homem em Hilltop por muito menos), porque desta vez ela pretende ficar.
Gostei de como finalmente este episódio lidou com as consequências das acções de Negan e o confrontou com Maggie, algo que já tardava.

"Find Me"
Neste episódio, ficamos a saber que entretanto Daryl teve um romance com outra solitária dos bosques como ele, enquanto ele andava à procura do corpo de Rick. Até que enfim! Eles são mesmo feitos um para outro. Leah, é o nome dela, era a dona do cão e foi ela quem lhe chamou Dog. Quando, subitamente, Leah desaparece sem sabermos o que lhe aconteceu, Daryl fica com Dog. E é tudo o que sabemos da relação entre os dois. Simplesmente achei este romance muito apressado. Daryl é um personagem principal, merecia um tratamento mais aprofundado. Mas enfim, talvez ela reapareça.

"One More"
Este é possivelmente o melhor episódio desta série de extras. Basta dizer que envolve Robert Patrick (ex-Terminator) e uma roleta-russa. É preciso mais? O curioso é que os personagens principais são os improváveis Aaron e o padre Gabriel, e que papelão fazem ambos (e Patrick)! Andam ambos à busca de comida (Alexandria está cada vez mais miserável) quando encontram um javali selvagem preso dentro de um escritório. Grande erro, não lhes passa pela cabeça que o javali não se fechou lá sozinho e que tem dono. E quando o dono aparece, armado, a perguntar que tal estava o jantar… estão lixados.
Antes disso, confraternizando, Araon e o padre Gabriel (que aqui adquire uma profundidade que explica a mudança que temos vindo a ver na personagem e que há muito precisava de consistência) têm uma profunda e significativa discussão filosófica como já não se via em “The Walking Dead” há muito tempo. Uma discussão que faz sentido e que vem a propósito!
O episódio podia bem ser um filme, de tão bom é o script e tão independente do resto da série. O final é surpreendente, se não mesmo chocante. Aconselho vivamente.

"Splinter"
Este é o episódio em que descobrimos porque é que a primeira coisa que Princess pergunta aos sobreviventes recém-chegados quando os conhece é: “Vocês são reais?” A pergunta não era retórica. Princess é (ou o estado de coisas tornou-a) uma psicótica que fala com pessoas que não existem para lidar com a solidão. Este é um bom episódio, mas o que mais sofre com os condicionamentos pandémicos. Princess é praticamente a única personagem em cena. Mas a actriz está à altura do desafio e em questão de meia hora conseguimos empatizar com ela como não conseguimos nos episódios anteriores. Assim sim, vale a pena.

"Diverged"
"Diverged" foi de todos estes extras o episódio mais criticado porque aparentemente não acontece nada. Daryl e Carol estão zangados e vai cada um para seu lado. Dog, estupidamente, vai atrás da Carol, que não merece a companhia. Eu gostei deste episódio, próximo da comédia, que mais parece um daqueles filmes europeus de estudo de personagem. Daryl tem de arranjar a mota; Carol tem de fazer uma sopa com o pouco que existe na cozinha. Mas na cozinha anda também uma ratazana. O episódio vale a pena nem que seja pelo grito de Carol a fugir do rato, a grande Carol, a durona Carol. Eu receei que entretanto o Daryl chegasse e a ratazana acabasse na panela da sopa. Mas felizmente a ratazana fugiu antes. Final feliz.

"Here's Negan"
E chegamos finalmente ao episódio da backstory de Negan, antes do apocalipse, quando ele era um homem normal. Com defeitos, mas normal. O que ele fez de bom antes não chega para redimir o mal que fez depois. Sim, eu sei que esteve muito tempo na prisão e isso tudo, e que se calhar até mudou um pouco para melhor, mas a mim nada me convence. Toda a gente sofreu e perdeu gente, toda a gente passou por merdas e humilhações, só poucos se tornaram em sociopatas assassinos. E a mim Negan não convence e nunca convencerá.
No fim do episódio, Carol decide mudar Negan para uma cabana fora de Alexandria, porque “se ficas, a Maggie mata-te”. Mas Negan decide voltar para Alexandria e enfrentar a sua sorte. Maggie continua a deitar-lhe olhos assassinos. “Assim, o teu sangue não está nas minhas mãos”, diz ainda Carol, que lava as mãos como Pilatos, e faz ela muito bem.

Esta colecção de episódios extra foi melhor do que muitas das últimas temporadas e promete grandes confrontos para a décima primeira, que vai ser a última e terá 24 episódios. Venha de lá o final, com a qualidade que esta série já não tinha há anos!
Isto sim, seria um fim digno para uma série que já foi tão grande.

 

domingo, 18 de julho de 2021

La Vénus à la fourrure / Vénus de vison (2013)

"Vénus de vison" é um daqueles filmes intelectuais que lançam muitas questões mas não tencionam responder a nenhuma. Ou melhor, é daqueles filmes que cada espectador vai interpretar à sua maneira, de acordo com as suas convicções, preconceitos e sensibilidades. O melhor mesmo é não dar respostas.
A complexidade começa logo na sua descrição, um filme que é a adaptação de Roman Polanski da peça de teatro “Venus in Fur” do norte-americano David Ives, que é por sua vez inspirada no livro “A Vénus de Kazabaïka” de Leopold von Sacher-Masoch, esse mesmo a que o termo “masoquismo” deve o nome. É uma interpretação dentro de uma interpretação de uma interpretação.
As voltas que eu dei para encontrar o título do livro em português, “A Vénus de Kazabaïka”! Como se depreende, não é o meu género nem nunca vai ser. Embora, inescapavelmente, conheça o tema “Venus in Fur”, original dos Velvet Undeground, que me causa a mesma indiferença. (E o original dos Velvet Undeground nem é a minha versão preferida, por falar nisso.)
No fim de um dia de audições, o director da peça referida está sozinho no teatro, muito frustrado com todas as actrizes que viu, quando lhe entra pela porta uma candidata que o convence a ficar fora de horas para lhe dar uma oportunidade. Esta actriz parece uma ignorante, ou faz-se passar por isso, mas quando começam a falar das personagens e do livro torna-se cada vez mais notório que ela sabe muito mais do que deu a entender a princípio, que na verdade “domina” o tema (e nestas coisas o termo “dominar é importante), e que ali está para acusar a peça de ser sexista e pornográfica e para humilhar o seu director. A questão é: porquê, e com que objectivo? Ele próprio lhe pergunta directamente algumas vezes: “quem é você?”. Eu tenho a minha interpretação, ou melhor, a resposta que para mim, amante do sobrenatural, seria mais satisfatória: ela é a própria deusa Vénus a dar uma lição do poder da sexualidade feminina a quem não percebe nada do assunto.
Tenho a certeza de que não é esta a interpretação do realizador, nem dos críticos, mas era a que me daria mais gozo. Porque, no fim de contas, embora tenha gostado muito da conversa/confronto entre os dois, e de achar que os temas abordados são interessantes, depois de tudo espremido a verdade é que acabei com um encolher de ombros indiferente. Se calhar estes temas já me interessaram mais, quando ainda estava na idade da curiosidade, mas tudo isto já me parece tão “batido” (outra palavra nada inocente) que já não percebo o que há de novo a dizer. Ou se calhar Polanski não me conseguiu dizer nada de novo.
O que não significa que seja um mau filme. Tendo em conta que a acção se passa toda no palco do teatro, como se fosse mesmo uma peça, em que entram apenas dois actores que têm de fazer tudo sozinhos, surpreendeu-me como é que o filme me conseguiu agarrar tanto sem nunca lhe sentir momentos mortos. Só porque os temas são batidos, não quer dizer que não continuem intelectualmente estimulantes.
Mas o meu gosto pessoal quer acreditar que foi mesmo Vénus quem entrou no teatro. Se não foi, devia ter sido.

14 em 20


domingo, 11 de julho de 2021

Jurassic World: Fallen Kingdom (2018)


Este filme deixou-me deprimida. E nem sequer estou a brincar.
No primeiro “Jurassic Park”, impactante e inesquecível, os cientistas criaram os dinossauros porque os progressos técnicos o permitiram. Havia uma aura de inocência e deslumbramento, de ciência optimista e “miraculosa”. O parque foi criado para partilhar o assombro com toda a gente que pela primeira vez podia ver um dinossauro vivo após uma extinção de milhões de anos. Trinta anos depois, a inocência, o deslumbramento, o orgulho contido neste progresso, tudo isto deu lugar a um cinismo pérfido e capitalista capaz da maior vileza neste “Jurassic World: Fallen Kingdom”. Sinal dos tempos? Sem sombra de dúvida.
Perdi o episódio anterior, “Jurassic World” (2015), de que as críticas falam pessimamente. Parece que tentaram fazer um novo parque temático, desta vez contendo os dinossauros numa ilha de onde não podiam sair, o que é bem pensado. Mesmo assim, os dinossauros deram cabo do projecto, como dão sempre. Os dinossauros foram deixados em paz, até que neste filme o vulcão da pequena ilha entra em erupção e em breve a vai engolir em lava. Todos os dinossauros serão destruídos.
Coloca-se a questão ética: se foi o Homem que os criou, não deveria o Homem impedir a sua segunda extinção?
“Não”, diz o Professor Malcom (interpretado pelo veterano “jurássico” Jeff Goldblum), “devemos deixar extinguir estes magníficos animais. Não devíamos sequer tê-los criado, foi um erro, e agora a Natureza está a corrigir esse erro.”
“É então um acto de Deus?”, perguntam-lhe.
“Com todo o respeito, Deus não é para aqui chamado.”
Pois não, mas foram cientistas como o Professor Malcom que se divertiram bastante a armar-se em Deus. Quando dá para o torto, chutam para canto e responsabilizam a Natureza. Ora, parece-me que a Natureza não fez o vulcão explodir para corrigir os erros humanos. A Natureza está-se nas tintas se destrói humanos ou dinossauros. É, sim, uma incumbência duplamente ética impedir a destruição de animais que só ali estão por culpa da arrogância de cientistas como o Professor Malcom que não pensam nas consequências.
Digo “duplamente” porque é incumbência do ser humano impedir a extinção de fauna e flora que na nossa realidade muito próxima podem desaparecer devido à pressão demográfica e à destruição sistemática dos seus habitats. Os grandes carnívoros, os grandes felinos, os grandes herbívoros como as girafas, os elefantes e os rinocerontes, estão mesmo em risco de desaparecer, o que seria um delito vergonhoso, não da Natureza, mas do Homem. O filme lembrou-me disto e foi o primeiro momento depressivo que me atingiu. Neste estado de coisas, quem é que precisa de recriar animais já extintos para sofrerem de novo igual destino, quando nem os que existem conseguimos salvar? Só mesmo por arrogância, estupidez e insensibilidade.
Algo que este filme conseguiu, e que os anteriores, apresentando os dinossauros como monstros, não conseguiram ou não quiseram, foi fazer-nos empatizar com os dinossauros como os animais que realmente são.
Claire Dearing, a directora do parque da ilha jurássica no filme que eu não vi, encontra-se numa campanha de sensibilização para salvar os dinossauros. Quando tudo parece perdido, é chamada à mansão do milionário Benjamin Lockwood, aparentemente um dos sócios do projecto do primeiro Parque Jurássico, onde o executivo à frente desta grande fortuna a informa de que conseguiram comprar uma ilha que será um santuário para os animais, mas precisam da ajuda dela para capturar alguns espécimes.
Uma equipa parte para a ilha, já pressionada pelo pouco tempo que resta. O vulcão está mesmo prestes a destruir a ilha e os seus habitantes, e quem lá estiver também. É então que a equipa de resgate é traída. O executivo e os seus capangas são maus como a Máfia e dispostos a tudo, até ao homicídio, para levarem dali alguns espécimes de dinossauro (os mais “valiosos”) na intenção de os licitarem pelo melhor preço. Não existe santuário, era tudo um embuste.
Os membros da equipa são deixados para trás, quando a lava já escorre pelo vulcão abaixo. Alguns dinossauros, carnívoros e herbívoros, em desespero, lançam-se de uma falésia abaixo, procurando o mar onde morrem afogados. Mas até aqui a tragédia dos animais ainda não tinha tido tempo de bater a sério, porque os pobres coitados da equipa também se arriscavam a ficar transformados em estátuas de lava como as de Pompeia.
Quando finalmente os humanos estão a salvo, conseguindo entrar no barco que é o último transporte para fora da ilha, olham para trás. Mesmo à pontinha do cais de embarque, um grande dinossauro herbívoro olha-os a afastar-se, e chama-os e chora, nos seus roncos uivantes, enquanto a lava e a nuvem piroclástica se aproxima, devagar, devagar, e os chamamentos se tornam cada vez mais cortantes e aflitivos, até que por fim são apenas queixumes quando o animal compreende o seu fim.

Ter de assistir a isto partiu-me o coração e fiquei doente durante alguns dias. Fiz uma pausa no filme, deprimidíssima. Este animal representa todos os outros que foram deixados para trás a uma morte horrível. Isto não é coisa que alguma vez consiga esquecer na minha vida e não aconselho a pessoas sensíveis.
Os animais que foram “salvos” são directamente conduzidos para o leilão de super-ricos na mansão Lockwood, onde os dinossauros são licitados para todos os fins imaginários: farmacêuticos, bélicos, e até porque a filha de um milionário quer ter um dinossauro bebé.
Eu ia dizer que este filme me deprimiu em três momentos, mas acrescento aqui um outro. Estes animais foram “salvos” para serem “desmantelados” em partes à vontade do freguês que pagar mais. Já que os dinossauros não davam lucro como atracção circense, que ao menos rendam alguma coisa como peças de talho. Inqualificável.
Como é apanágio destes filmes, há sempre um vilão idiota que abre uma jaula sem querer, e lá escapa um super-predador. Nunca percebi porque é que estes filmes são supostamente “para crianças” porque sempre os vi como filmes de terror, e este não é excepção. A única diferença entre estes filmes e os de terror é que os maus são comidos e os bons lá conseguem sempre safar-se, para não traumatizar as criancinhas.
Desta vez quem abre todas as jaulas para os dinossauros escaparem livremente para o mundo real não é um adulto (pelo menos não foram assim tão estúpidos), mas uma criança incapaz de ponderar as consequências do seu acto de “compaixão”. E agora os dinossauros estão à solta na natureza, super-predadores que não deveriam existir.
O meu quarto e último momento de depressão foi quando um destes super-carnívoros invade um jardim zoológico e lhe sai ao caminho um orgulhoso leão. Em voz off, ouvimos ainda o depoimento do Professor Malcom: “Os dinossauros estiveram cá antes de nós e podem muito bem vir a estar cá depois de nós”. O leão não tem hipótese, os nossos magníficos animais selvagens não têm defesas contra dinossauros. E deu-me uma melancolia profunda, profunda. Entre os animais que já cá estão e os que não deviam já estar, escolho, de alma rasgada em duas, os que já cá estão.
De quem é a culpa? Não de Deus e muito menos da Natureza. Um bom final, se houvesse justiça, seria atirar aos dinossauros os cientistas que fizeram a merda para encher o ego.

Este filme deprimiu-me deveras, mas não por ser um bom filme. Os personagens são bidimensionais, os vilões são maus como as cobras (Don Corleone seria um santo ao pé deles), o enredo é igual a todos os filmes anteriores da série. Salva-se neste filme uma vertente Terror mais acentuada do que nos anteriores, e talvez uma invasão da Terra pelos dinossauros numa próxima sequela.
 
14 em 20 (porque me atingiu emocionalmente e porque os dinossauros são bastante realistas)
 

 

domingo, 4 de julho de 2021

Gravity (2013)

Este é daqueles filmes para roer as unhas do princípio ao fim. Três astronautas estão no espaço, fora da nave, numa actualização de rotina ao observatório Hubble, quando começam a ser atingidos por destroços de um satélite russo destruído por um míssil. A princípio estes destroços não deviam atingi-los, mas a trajectória muda e o pior acontece.
Nos primeiros minutos, só sabemos que não morrem todos porque o filme não pode acabar já. Mas esteve perto. E desculpem o spoiler, mas é a essência do filme: no fim a personagem interpretada por Sandra Bullock, engenheira, fica mesmo sozinha no espaço e não sabe como voltar. George Clooney, no papel do astronauta do vai-vém Explorer, diz-lhe claramente: “A doutora é que é o génio, eu só conduzo o autocarro”.
Mas Ryan Stone, a engenheira, não sabe conduzir o autocarro. Ficamos logo muito preocupados quando a vemos pegar nos manuais de bordo para se orientar. Claramente, é alguém que não sabe o que está a fazer. Alguém como nós, se nos víssemos naquela situação. O observatório é destruído, o Explorer é destruído, Stone consegue chegar à Estação Espacial Internacional, que também acaba por ser destruída. O filme é classificado como Drama, Ficção Científica e Thriller, mas não sei até que ponto não é igualmente Terror. Os corpos dos astronautas acumulam-se horrivelmente, congelados, os capacetes partidos, os rostos rachados e metidos para dentro como se o vácuo os tivesse sugado. Não existe um monstro, mas o espaço, ele próprio, é um ”monstro” indiferente que não se apieda da fragilidade da vida humana.
As comunicações com Houston estão cortadas. Seguindo as instruções do astronauta veterano, Stone consegue chegar à estação russa. E este parece ser mesmo o fim para ela, quando se apercebe de que a nave russa não tem combustível.
Desesperada, Stone começa a tentar o rádio, silencioso desde que perderam as comunicações com Houston. Aqui acontece a cena mais comovente e psicológica do filme. Stone consegue estabelecer contacto com alguém, possivelmente um rádio-amadorista em qualquer local remoto na Terra. Ele não fala inglês, não sabe quem está do outro lado e não faz ideia de que pode ser a última vez que Stone fala com alguém. Nesse momento de desespero, Stone apaga as luzes da nave russa. Como ela confessa no princípio do filme, Stone perdeu uma filha de quatro anos. Tudo o que ela conta sobre isso indica alguém que nunca conseguiu lidar com esse luto e em vez disso enfiou a cabeça no trabalho para não enfrentar a perda. Aqui, confrontada com a morte iminente, Stone tem de decidir se quer continuar a viver sem a filha. O radio-amadorista tem um bebé, a quem começa a cantar uma canção de embalar. Stone pede-lhe que não pare de cantar, que a embale até à hipotermia e à morte.
No último momento, Stone pensa numa solução, a única possível e a mais desesperada, e decide viver enquanto conseguir. O que não vai ser fácil. Por causa da chuva de destroços, ainda vamos ver a estação espacial chinesa completamente destruída. Sem querer acumular mais spoilers, até há alguns momentos de humor nervoso quando Stone percebe que tudo na estação chinesa está escrito em chinês e começa a carregar nos botões ao calhas a tentar perceber o que resulta. É o tudo por tudo.
Esta é uma história de sobrevivência filmada com tanta beleza como horror: a Terra, linda e azul como pano de fundo, ali tão perto, mas longínqua e proibitiva na falta dos meios de lá regressar. Stone, a protagonista, tem de vencer ainda outro obstáculo, interior e secreto: será que quer mesmo sobreviver? Não será que aceitou a missão com um desejo de morte? Sem motivação e sem os conhecimentos técnicos bastantes, tem ela alguma hipótese de escapar? E será que quer mesmo escapar?
Eu fiquei agarrada ao filme do princípio ao fim. É um filme curto mas a acção acontece a um ritmo tão vertiginoso que parece ainda mais curto. Só não posso dar 20 em 20 porque me parece que, para além da história de sobrevivência, excelente como ela é, faltava aqui mais qualquer coisa, algo de transcendente que só acontece nos filmes verdadeiramente geniais. “Gravity” é um drama de sobrevivência e de tragédia pessoal, mas eu queria mais.
 
17 em 20