janeiro 12, 2004
Ainda a definição de “gótico”
Disse Alma: “Até hoje ainda não tinha lido uma definição tão clara :) acerca dos góticos. É incrivel como poderemos ser incompreendidos ...” e disse Anubis: “Acho que a tua definição de gótico é excelente e muito esclarecedora.O facto das pessoas "normais" não nos compreenderem e aceitarem na nossa diferença é de facto horrível”.
Obrigada pelas palavras simpáticas mas as minhas tentativas de descrever, não definir, o gótico, ainda se ficam pelos apontamentos soltos aqui e ali, conforme me for lembrando.
É difícil definir um movimento ao qual próprios elementos negam pertencer. Daí que, quando falamos no conjunto, seja possível apenas expor os traços gerais. Os góticos já são bastante individualistas por natureza e gostam muito de pensar que são únicos e indefiníveis. A arrogância também é um traço geral. ;)
Quanto a serem incompreendidos, não sei se concorde. Não sei se os góticos são mais ou menos incompreendidos do que os outros grupos sociais. A verdade é que pouca gente se esforça por compreender seja o que for que fique fora do seu pequeno mundo. Se há preconceitos sobre os góticos, também os há sobre outros grupos sociais. Porque havemos de dizer que os góticos são incompreendidos? Não o somos todos?...
Publicado por _gotika_ em 07:11 AM | Comentários: (2)
Aula de comunicação
Agora que fiz a boa acção do mês já posso ser mázinha à vontade.
Vem isto a propósito do comentário deixado por scumofthehearth ao post “Outra consideração sobre o movimento gótico - to be or not to be?”, que reza assim:
“ai ai... olha lá.... e se andassemos todos nus? hein?”
Olha a porta a que vieste bater! Eu até faço topless na praia. Naturismo não, porque ainda não calhou. Talvez um dia.
Mas isto levanta considerações de ordem mais abrangente e cultural, por isso listen to me carefully, I shall say this only once. Depois da dissertação socio-historico-antropológica que vou dar a seguir, se alguém voltar a deixar comentários imbecis sobre a roupa que as pessoas vestem, será imediatamente chamado de inculto, ignorante e estúpido. Estou a avisar.
É que nem é preciso um curso superior para aprender isto. Eu estudei esta matéria no liceu, antes do 12º ano. O que andaram lá a fazer? A tirar macacos do nariz e a colar nas carteiras? Tanta ignorância é culpa vossa, por isso é imperdoável. Não terei misericórdia.
A roupa que as pessoas vestem é uma convenção social. No princípio, o homem andava nu. Não me refiro ao princípio bíblico, à história do Adão, da parra e da serpente. Não. O homem (homo sapiens) andava nu porque teve origem nas savanas de África. Sabiam, não sabiam, que todos nós somos africanos e que por isso o racismo é disparate?... Claro que sabiam. São muito cultos. Nas savanas de África, dizia eu, o homo sapiens preocupava-se em procurar alimento e água, não em cobrir o corpo. Tal como os animais, andava em liberdade, aproveitando o clima quente do continente. Devido à desertificação, o nosso antepassado viu-se forçado a migrar para Norte, onde o clima era mais frio, e começou a cobrir-se com as peles dos animais caçados. Não por vergonha, mas mesmo por ter frio. Criatura inteligente e espiritualmente desenvolvida, inventou uma coisa chamada “adorno” e uma coisa chamada “pintura corporal” para usar e mostrar o seu estatuto dentro da comunidade. Com o desenvolvimento destas estruturas rudimentares de civilização, passou a ser proibido aos caçadores usarem os adornos e pinturas dos feiticeiros da tribo, e vice versa. Feitos de ossos de animais e pedras esmagadas, estes adornos e pinturas tornaram-se numa forma de linguagem não verbal que ainda hoje existe. A certa altura, deixou de ser importante usar roupa por estar frio mas sim porque a roupa usada descrevia de forma inequívoca o estatuto social de quem a usava. Por exemplo, o rei usava coroa, e não era para proteger a cabeça. Ninguém mais a podia usar, só o rei.
A roupa que se veste faz parte da comunicação não verbal entre seres humanos. A comunicação não verbal é mais vasta e mais importante do que a própria comunicação verbal, e engloba a roupa, o penteado, o cheiro, os gestos, as expressões faciais e corporais, o tom de voz, etc. Todos nós lhe damos mais importância do que àquilo que as pessoas dizem. Um exemplo rápido e tosco: uma pessoa pode falar muito bem mas se chegamos ao pé dela e cheirar a suor, provoca em nós um impacto mais negativo do que uma pessoa que não sabe falar mas não cheira mal. A comunicação não verbal tem as mesmas regras da comunicação verbal. É a sociedade que as define. Na Escócia, os homens usam kilt. No Oriente, a cor do luto é o branco. Regras sociais, nada mais. A nossa aparência diz mais de nós do que as próprias palavras, quer queiramos quer não. Pela aparência conseguimos determinar quase imediatamente a classe social, o estatuto, a profissão, a idade, a personalidade e até a nacionalidade do indivíduo. As tribos urbanas como o gótico e o freak, por exemplo, permitem até determinar que tipo de música a pessoa ouve. Se formos ao pormenor dos adornos, se usa uma cruz ou uma cruz invertida, ou determinado símbolo, até conseguimos perceber aquilo em que a pessoa acredita.
Os grupos e os sub-grupos vão determinando as regras desta comunicação até que por vezes as palavras são desnecessárias. Não porque sejam telepatas (como dizia outro comentário “inteligente”) mas porque a profusão de símbolos utilizados já formam um discurso bastante elaborado sobre a personalidade de cada um. Discurso esse que só é compreensível pelos membros do mesmo grupo, que conhecem as regras da sua linguagem interna.
Isto passa-se nas empresas, nas famílias, nas nações, nos grupos de amigos, nos grupos religiosos, enfim, em todo o lado.
Agora não me deixem mais comentários idiotas sobre a roupa, ou conhecei a minha ira.
Vamos é aos temas verdadeiramente interessantes.
Publicado por _gotika_ em 06:55 AM | Comentários: (7)
domingo, 25 de novembro de 2012
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
A música que descobri depois de 1990
Já me pediram, as vezes bastantes, para fazer uma listagem das bandas que um gótico não pode deixar de ouvir. Penso que entretanto já bastante gente o fez, pelo que não é isso que vou fazer.
O concerto dos Rosa Crux lembrou-me que a música não acabou nos anos 80 e que nunca aqui falei da música de que passei a gostar desde aí. Tenho reparado que pouca gente o faz. É difícil, confesso, mas graças ao leitor de música digital, onde consegui colocar toda a música que possuo, toda mesmo!, tornou-se mais fácil não esquecer ninguém.
[Nos meus tempos, para fazer uma listagem destas, era preciso andar a revirar CDs, discos e K7s! Como é fácil a música hoje em dia!]
Não vou falar dos Sisters of Mercy, nem dos Fields of the Nephilim, nem dos Dead Can Dance, nem dos Christian Death, nem dos Bauhaus, nem de Peter Murphy, nem dos Mission, nem dos Cult, nem dos All About Eve, nem de Joy Division, nem de Siouxie & the Banshees, nem de Nick Cave (com ou sem Bad Seeds), nem de Red Lorry Yellow Lorry, nem de Mão Morta, que foram as bandas que formaram o meu gosto musical para todo o sempre e eternamente terão um lugar no meu coração e todos os álbuns gravados no meu cérebro, onde de vez em quando começa a tocar este ou aquele tema destes senhores e senhoras.
Muito menos vou falar dos que nunca gostei, como os Cure, embora toda a gente ouvisse, nem dos Smiths, por quem não morria de amores embora toda a gente me matraqueasse com eles. Do punk, infelizmente, nunca me vou esquecer de tanto que tive de o suportar, mas tento!
E não vou mencionar os nomes clássicos de que só gosto de algumas músicas, como os Alien Sex Fiend, os Chameleons, os Cocteau Twins, os Echo & The Bunnymen, os Jesus & Mary Chain, os Love & Rockets, os Virgin Purnes, os Depeche Mode, os Rose of Avalanche e muitos outros.
E obviamente não vou falar dos que conheço mas de que nem sequer existe uma única música no meu leitor de música.
Porque a música para mim é um amor. Não se ama um bocadinho. Ou se ama ou se deita fora. Não há meio termo.
Do que vou falar é daquelas bandas e artistas que desde esses tempos iniciais de espanto e pavor me embalaram durante os momentos maus (e os bons) e tornaram a existência menos insuportável. Nem todos são góticos. Na verdade, desenvolvi uma inclinação pelo neo-folk, como poderão constatar, que também não é assim tão estranha considerando que Dead Can Dance estão lá em cima no topo da lista.
Vou falar, enfim, dos que passei a gostar depois de 1990. Heresia. Confissão. Danação.
Aqui vai, em ordem alfabética, porque depois dos que estão no topo da lista ninguém os conseguiu ultrapassar nem adianta tentar distinguir favoritos.
Adrian Alexis
Não sei o que aconteceu a este senhor. Grande música gótica, rock e electrónico, conheci-o através da Radio Ghoul School com o clássico "I want to be a vampire", segui os links. Não há nada que este senhor tenha feito de que eu não goste. Na altura o próprio Adrian Alexis disponibilizava música online pelo que tenho uma vasta colecção. Depois, desapareceu. Retirou o site, retirou as músicas. Pelo que percebi dos posts dele, tinha uma personalidade aberta e simpática, muito humilde para tamanho génio. O senhor é esquizofrénico e partilhava muita informação sobre a sua... condição. Não gosto de lhe chamar doença. É do conhecimento geral que muitas vezes o génio anda de mãos dadas com a loucura. Este é um dos casos.
Se quiserem procurar, ainda conseguem ouvir.
Por exemplo, aqui.
Vale a pena procurar.
Arcana
Conheci-os muito recentemente, devido ao Entremuralhas, e percebi o que andava a perder. Neoclassic darkwave. Não consigo parar de ouvir o álbum "Le Serpent Rouge". Uma paixão assim deixa sequelas.
Frank the Baptist
Catalogados como rock gótico/alternativo. Gosto do álbum "The New Colossus". Parece-me, todo ele, música de bêbedos para bêbedos. Aquelas coisas verdadeiras que só os embriagados conseguem dizer e só os embriagados sentem intensamente. Muito amor, muito ressentimento.
The Golden Palominos
The Golden Palominos, para mim, foi um projecto e um álbum. Já existiam antes, mas apenas quando o mentor do projecto Anton Fier compôs a música para a poetisa Nicole Blackman surgiu o álbum "Dead Inside". O último, o perfeito. Música, sons e spoken word. Entrou e mim e completou-me e faz parte de mim. Há mais nesta história. Faz parte da minha identidade, literalmente. Há coisas assim, que parecem ser feitas de propósito para alguém.
Grinderman
Eu disse que não falaria de Nick Cave, mas não na verdade não estou a falar do Nick Cave dos anos 80 mas do Nick Cave de agora. Continua, com os Grinderman, e os Bad Seeds, a fazer música e letras como antes, senão melhores porque amadurecidas. E cá está ele, muito vivo. Nos anos 80 ninguém lhe adivinharia semelhante futuro, não por falta de génio mas pelo resultado previsível a que conduzem os abusos. Ainda bem que esta excepção confirma a regra.
Hamza El Din
Hamza El Din, músico núbio já desaparecido, é considerado um dos pioneiros da world music. Conheci-o por acaso do genérico final de um filme, "Uma Paixão no Deserto", e, como tantos outros, fiquei presa à sua música hipnótica. Como disse a princípio, os meus gostos têm-se inclinado na direcção do étnico e do folk. O que não é estranho. Os Sisters of Mercy têm uma das melhores canções de todos os tempos na versão de "Temple of Love" cantada (ou melhor, encantada) por Ofra Haza (também desaparecida, precocemente). Existe em Hamza El Din uma melancolia do deserto, uma espiritualidade que alcança um divino em que a língua não é barreira. Começar a ouvi-lo, nos anos 90, pode ter aberto as minhas portas a um outro tipo de música. Folk, ou neo-folk, mas sempre melancólico.
Irfan
Vieram com os Arcana. Neo folk búlgaro. Na altura mencionei a banda mas desde aí descobri mais. Durante muito tempo, bandas como os Irfan não conseguiam ultrapassar o meu preconceito de "imitação de Dead Can Dance". Tendo "crescido" musicalmente com o original, não era fácil entregar-me aos seguidores. Nada fácil. Havia mesmo uma resistência, uma feroz fidelidade, uma recusa. Foi preciso muito tempo, muito tempo mesmo, para ouvir "Hagia Sofia" e reconhecer a perfeição numa canção que podia ser cantada por Lisa Gerrard, mas não é, e não deixa de ser boa por não ser. Mas, para mim, durante muito tempo, não foi.
Le Mystère Des Voix Bulgares
Nem de propósito, e ainda por cima a seguir alfabeticamente aos Irfan, e para mal dos Irfan, também "cresci" a ouvir Le Mystère Des Voix Bulgares como me foram apresentadas pela editora mítica 4AD, música sombria e bela e alternativa. Tão fantasmagórica que causava arrepios na espinha. E também acho que desde esse mítico primeiro álbum (homónimo) as senhoras de Le Mystère Des Voix Bulgares se venderam. Mas continuei à procura, e continuei a ouvir. Para mal dos Irfan, digo eu, porque catalogava estes últimos como mistura de Dead Can Dance e Voix Bulgares, duas imitações em um. Não é fácil competir com os mitos da infância. Mas voltando às Voix Bulgares, porque acho que se venderam? Porque se viu que o filão rendia e começou a massificar-se. Apanhei-as a cantar um tema em espanhol (vendidas)! Mas também as apanhei a cantar uma cantiga de amigo, sim, leram bem, uma cantiga de amigo que estudei na escola. "Tih vyater vee" não é mais do que uma versão das "ondas do mar de Vigo". Em galaico-português, com sotaque búlgaro. Aquilo é tão triste, tão arrastado, que se percebe melhor de onde veio o fado. "Ai Deus, se vistes meu amigo"... Bebi muito, e ouvi muitas vezes.
Lisa Gerrard
Para mim, é a voz da Deusa. Quem leu "As Brumas de Avalon", ou mesmo quem não leu mas quem sabe à mesma quem é a Deusa, percebe-me. Não é um anjo, não é humano, é Ela quem fala pela voz de Lisa Gerrard, e porventura, por isso, Lisa Gerrard não canta palavras de língua humana... Depois dos Dead Can Dance Lisa Gerrard continuou a solo, num registo mais semelhante aos Dead Can Dance do que aquele por que decidiu enveredar Bryan Perry, não tão completo porque falta a magia do duo, e muito mais comercial do que era, na minha opinião, mas num registo igualmente obscuro que deve calar de perplexidade os "normais" que a ouvem por acaso na banda sonora de um filme e têm duas reacções: ou gostam muito mas nem sabem o que procurar ou fogem de medo. Acontece muito, quando se ouve a voz da Deusa.
A solo, alguns dos meu temas preferidos de Lisa Gerrard são "Sailing To Byzantium" e "The Rite", mas soa tão fútil dizer uma coisa destas quando todos os versículos são sagrados...
Como poderiam uns Arcana, uns Irfan, competir com uma devoção assim?
Marilyn Manson
No deserto dos anos 90, porque aquilo foi um verdadeiro e interminável deserto em que só se ouvia grunge e as velhas glórias dos anos 80, cada vez mais decadentes e decepcionantes, Marilyn Manson foi uma lufada de ar fresco. Ou melhor, uma lufada de verdadeiro ar envenenado, que era o que se precisava. Eu não assisti a Marilyn Manson como os adolescentes dos anos 90 assistiram, nem podia. Eu tinha uma memória musical que evocava a teatralidade de David Bowie e Peter Murphy, a blasfema heresia dos Chistian Death, o halloweenismo de Alice Cooper. Como poderia eu olhar para Marilyn Manson e não apreciar o espectáculo com um sorriso? Não é assim para os adolescentes em relação aos seus primeiros amores. Para eles, é muito sério. Ou amam ou odeiam. É preciso criar distanciamento para gozar o espectáculo. Se Marilyn Manson é genuíno? É genuíno como um filme é genuíno. O filme é verdadeiro; o que se passa dentro do filme é ficcional. De modo que sorria com condescendência quando os nascidos para a música nos anos 90 lhe chamavam "poseur". Os amores e os ódios que Marilyn Manson despertava originavam-se nesse equívoco. Nos anos 90 assistiu-se a um fenómeno estranho em que se disse que "o alternativo se tornou comercial", e isto de alguma forma foi verdade e criou preconceitos que eu não partilhava. Para alguns, Marilyn Manson era muito "comercial". Mas esses, dentro da cena, esqueciam-se de que para a grande maioria das pessoas (os normais) Marilyn Manson era, e é, insuportável.
Tentemos colocar-nos nos anos 90. Antes da massificação da internet. Havia grunge, muito grunge, havia uns malucos como os Cradle of Filth, e havia o gothic metal a inundar a cena a um ponto que era eu quem considerava insuportável, e de repente surge um homem, maquilhado, teatral, a fazer música com melodia e refrões que realmente pegavam! Claro que gostei. Adorei. Tirando os Rammstein, Marilyn Manson foi o único projecto de que me tornei fan nos anos 90. [Quando digo fan não me refiro a gostar de um tema ou dois; falo da globalidade da obra.]
O que me leva a mencionar rapidamente os Nine Inch Nails, banda próxima, de que não gosto particularmente, e que ninguém queria dançar numa pista de dança gótica nos anos 90. Era tudo gothic metal. Neste deserto, eu abracei Marilyn Manson. Quando já não acreditava que houvesse vida depois do gótico. O gótico, para a imprensa, já não era alternativo, já não era a vanguarda, aliás, a própria palavra "vanguarda" tinha saído do dicionário musical como obsoleta (e saiu mesmo e nunca mais voltou) e nunca mais se ouviu falar de qualquer banda gótica depois dos anos 90. Existiam mas não se falava dos que as pessoas andavam a fazer. O gótico tinha sido abafado pela imprensa, e pelas rádios, mesmo as alternativas. (Eventualmente, também a imprensa e as rádios alternativas desapareceram. Lembram-se da XFM, lembram-se do Blitz jornal?) Pergunto-me mesmo se a cena não teria desaparecido se não fosse o estrondo da internet em todos os lares, de repente, a provar que afinal havia gente. Que há gente. Que está aqui. E ali, e ali.
Marilyn Manson foi, para mim, a única banda a fazer música que se ouvia nos anos 90 (antes dos Rammstein), e abracei-o(s) com ambos os braços.
Os últimos álbuns não têm sido tão bons como os primeiros mas continuo a ouvir.
Miranda Sex Garden
Esta foi uma banda que começou a cantar a capella e descarrilou, para nossa delícia, no álbum "Fairytales of Slavery", entre o ethereal, o darkwave e as guitarras cortantes. Não sei se elas imaginaram que estavam a fazer música para góticos, mas eu leio as letras sombrias e sei que não pertencem noutro lado nenhum. Tudo indicam que acabaram.
Moonspell
Gostei muito dos primeiros álbuns. Gothic metal português como nunca tínhamos ouvido na vida. Obviamente, gostei muito. Doía-me, contudo, ouvir um jovenzinho falar dos Fields of the Nephilim e dizer que lembravam os Moonspell. Doía, porque mostrava a que ponto tinha chegado o desprezo da imprensa pela cena gótica. Já não havia ninguém a elucidar os mais novos de que se havia semelhanças tinham sido os Moonspell a crescer com os Nephilim e não o contrário. Com a internet, este lapso foi corrigido. Mas não graças à imprensa. [A internet, os fóruns, os sites pessoais, os blogs, os webzines, têm sido os únicos divulgadores da cena e da música que agrada à cena. Tudo se tornou, após o ano 2000, o "do it yourself" de que falava o punk.]
Pessoalmente, acho que o gothic metal teve o seu tempo, abusou do seu tempo, e ultrapassou o seu tempo. O metal tem tendência a fazer isso, motivo pelo qual os Iron Maiden ainda mexem. Por mim, estou farta de gothic metal. Foi como o punk. Demais.
Nephilim
Eu disse que não ia falar dos Fields of the Nephilim, porque são os Nephilim. Um único álbum, "Zoon", 1996. Estilo: industrial. Demorei uns dez anos a encaixar aquilo. Tive a sorte de os ver ao vivo e de sentir o chão estremecer. E continuar a não conseguir encaixar aquilo. Depois, foi interessante. Quando finalmente encaixei compreendi que tinha sido avançado demais para o seu tempo. E eu a pensar, erroneamente, que era a pior coisa de sempre saída dos lados de Carl McCoy. Hoje em dia, até considero "Zoon" levezinho. Já consigo ouvir as melodias. Ah! Estão lá, debaixo do barulho! Era muito barulho para aquele tempo.
Lembra-me uma cena de "Regresso ao Futuro", em que o protagonista, vindo dos anos 80, sobe ao palco nos anos 60 e se põe a tocar rock'n'roll com uma guitarra. Toda a gente gosta muito até ele começar com os solos à heavy metal. Não era falta de gosto. Simplesmente não estavam preparados.
Nirvana
Ouvi Nirvana. Ouvi tudo de Nirvana. Nunca gostei de Nirvana como os adolescentes dos anos 90 gostaram de Nirvana, mas gostei muito de Nirvana. Para eles, foi o primeiro amor. Para mim foi um amor interessante. Mas faltava ali qualquer coisa. Faltava o sublime maior do que a vida. No grunge, a morte é a morte. No gótico, a morte é sempre algo mais. Falta ao grunge a beleza de querer ir ter com ela.
Pensei que era só eu mas muita gente me diz que ainda não consegue ouvir Nirvana. Eu também não consigo. É amargo.
Para ser completamente honesta, também gostei/gosto muito de Alice In Chains, mas não lhes vou reservar uma categoria própria. É a mesma coisa. Amargo. Preso à realidade de que o grunge queria escapar através das drogas. Mas, sem o sublime, a tristeza é apenas depressiva. O grunge era sobre a realidade. O gótico não é.
O Quam Tristis
Os meus gostos têm andado por caminhos por que jamais suspeitaria enveredar nos tempos do rock gótico dos anos 80. Banda electrónica com voz de igreja a cantar em latim? Sem sequer perceber o que eles dizem? Mas não é assim tão estranho. Por opção, eu estudei música na escola. Cantei aquelas litanias dos monges da Idade Média. Só podia dar nisto, na verdade.
Paradise Lost
Aqui está o exemplo de uma banda que melhorou com os anos. Na minha opinião, isto é. Cada vez menos metal, cada vez mais gothic. "One Second" foi um bálsamo nos deserto dos anos 90. Ficarei eternamente grata. Já não ouço muitas vezes.
PJ Harvey
Sempre pensei que ia gostar mais dela mas o nosso romance ficou-se por "To Bring You My Love".
Prodigy
Gostei de algumas músicas dos Prodigy. Achava-os capazes do mais perfeito e do mais parvo. Guardei o perfeito mas tenho vindo a reparar que envelhece depressa.
Rammstein
Das primeiras vezes que os ouvi quase sofri do mesmo efeito que me provocou "Zoon" dos Nephilim. Muito barulho. Eu estava habituada a procurar primeiro a melodia e só então prestar atenção à caixa de ritmos. (Vícios de fan dos Sisters.) A passagem do rock dos anos 80 para o industrial/electrónico dos anos 90 foi, na minha opinião, um problema de barulho. Não falo de decibéis, que disso a gente já gostava. Falo de percussão tão pesada que ofuscava a melodia. Era difícil encontrá-la e apreciá-la debaixo do barulho.
Há dúvidas sobre se os Rammstein são góticos, mas não há dúvida de que os góticos gostam dos Rammstein. Quanto às dúvidas, vou expô-las. A música, tecnicamente, e não penso que haja grande controvérsia sobre isto, define-se mais como industrial do que electrónico. Mas as letras contam uma história completamente diferente. Lembro-me, por exemplo, de "Klavier", que é toda fantasmagórica. E de "Sonnen", apocalíptica. Neste tempo de fusões, não arrisco a inclinar-me para uma opinião. Que os Rammstein se expõem a ser amados pelos góticos, com aquelas letras, com aquela música, expõe-se. Nos últimos anos da década de 90 e primeiros da década seguinte, os Rammstein assumiram o papel de ídolos, e continuaram por ali fora até às brincadeiras que a gente sabe ("Te Quiero Puta!"). Ouço regularmente. Mas não como ídolos, pois os meus ídolos são outros, e caíram, e não podem ser substituídos.
Rosa Crux
Descobri-os tão recentemente (embora tardiamente) que ainda não tive tempo de os processar melhor do que fiz aqui. Posso dizer, no entanto, que me motivaram a fazer esta lista. E que me levam a pensar em quantos mais tesouros ficaram enterrados na voragem de tudo o que os anos 90 abafaram.
Rubicon
Não posso fazer esta resenha e não mencionar os Rubicon, apesar da sua efemeridade. Os Rubicon foram a banda formada pelos outros Fields of the Nephilim quando se separaram de McCoy. Durou pouco, teve um grande álbum, "What Starts, Ends", e de facto não demorou muito a acabar. As guitarras dos Fields estavam lá mas faltavam as letras místicas de McCoy. Ainda assim, um grande álbum. E continuo a ouvir, e continuo a gostar, o que deve querer dizer alguma coisa. Afinal, era o núcleo musicalmente criativo dos Fields que ali estava.
Soundgarden
Grunge com atitude. Estes não queriam dar um tiro na cabeça. Estes esperneavam e davam luta. Por isso, também, gostei deles.
Suicide Commando
Devo confessar que comecei a ouvir os Sucide Commando por sugestão de um amigo e que os considerava demasiado electrónicos para levar a sério (outro preconceito), por isso usava-os como som para fazer ginástica em casa. Não, não estou a brincar. Ainda uso. E os VNV Nation também. Mas entretanto, "Die Motherfucker Die", descobri nos Sucide Commando uma homicida agressividade que vem mesmo a calhar ao espírito dos tempos. Cada vez gosto mais deles.
The Creatures
Até fica mal falar aqui de The Creatures (porque me faz parecer tremendamente musicalmente ignorante) mas a verdade é que só os descobri já depois de 2000. The Creatures é uma banda paralela aos Siouxsie & The Banshees. Com uma longevidade notável para uma banda paralela! Contudo, apesar de conhecer a sua existência, talvez porque a moda nos anos 80 fosse mesmo a Siouxsie, nunca tive oportunidade de os ouvir a sério. Simplesmente nunca aconteceu. Mas também não era fácil acontecer. O acesso à música era a todos os níveis limitado. Primeiro, era preciso saber que existia. Só se conhecia o que tinha destaque na imprensa ou nos fanzines ou quando os amigos recomendavam e emprestavam. Passando essa primeira fase, a de saber que existia, começava outra mais difícil, que era ter acesso à música em si, o que dependia sobretudo do acaso e da sorte. Falamos de tempos em que a música alternativa se produzia em poucos exemplares e menos ainda chegavam ao nosso mercado (quando chegavam e não era preciso ir comprá-los fora, o que não era para todos). As primeiras edições esgotavam e não voltavam a ser reeditadas. Com alguma sorte, encontrava-se um disco ou até mesmo um CD em segunda mão. O que nos ia safando eram os catálogos de K7s. E ainda assim, ler o nome de uma banda num catálogo, numa qualquer fanzine feita em papel A4 fotocopiado e vendida por encomenda por 100$ mais portes de correio, não era o mesmo que seguir links e clicar. Muita coisa despertava a curiosidade mas não havia por onde ir. The Creatures foram daquelas bandas de que eu sabia a existência, mas por uma razão ou outra a música nunca me chegou. Faltaram, sobretudo, recomendações. Não me lembro de ler na imprensa sobre os The Creatures os artigos elogiosos que acompanhavam os lançamentos de Siouxsie & The Banshees. O círculo de amigos e conhecidos também não lhes prestava atenção.
O que é muito estranho, porque agora posso dizer que se calhar até gosto mais dos The Creatures do que de Siouxsie & The Banshees. Há coisas esquisitas assim. Porque estava a ouvi-los e a pensar: porque raio passavam Siouxsie em todo o lado e não passavam isto? Todos aqueles anos a ser massacrada com punk a torto e a direito quando isto já existia! É o inexplicável. Os gostos, maioritariamente, eram mesmo outros. Arrisco até uma explicação. As canções melódicas dos The Creatures eram muito possivelmente recebidas com rejeição pela base punk de fans da Siouxsie como "som demasiado comercial". Compreendo, por isso, que The Creatures tenham sido a banda fantasma, e não ao contrário.
The March Violets
Estes são outros que me fazem parecer ignorante, mas apenas aparentemente. Na verdade, conheci-os quase ao mesmo tempo que os Sisters of Mercy, porque Andrew Eldritch publicou-lhes uns EPs pela editora Merciful Release (e até consta que eram amigos, até se chatearem, como não podia deixar de ser). Tenho a certeza de que andou por aqui uma K7 de March Violets, mas não sobreviveu muito tempo. Descobri-os, a sério, há poucas semanas. Porque estava de férias e tive tempo de pesquisar. O interessante da coisa é que a música envelheceu bem. Se ouvi, na altura, e não gostei, gostei agora. Não produziram muito mas o que produziram merece ser conhecido. Talvez tenham sido daqueles demasiado avançados para o tempo deles, porque se os tivesse ouvido ia achar, na altura, que eram pop insuportável. O erro foi que tentaram vendê-los como gótico. E na altura, à sombra dos Sisters of Mercy no seu auge, não tinham hipótese nenhuma. E se calhar foi exactamente o que aconteceu à gravação: não teve hipótese.
The Offspring
Isto pode parecer contraditório depois de tudo o que disse do punk, mas amei perdidamente dois álbuns de Offspring: "Smash" e "Ixnay on the Hombre". Chamaram-lhes neo-punk mas eu, que conheço o punk, digo antes que tomara o punk ter sido tão bom! (Neste momento há quem que me queira bater, e eu sei disso, e não me ralo.) Gostei intensamente, e depois eles venderam-se ou amoleceram, qualquer coisa do género. As letras deixaram de me dizer o que diziam. Abandonei.
Throwing Muses
Conheci-os também através da 4AD (não é por nada que se lhe chama "editora mítica") e continuei a seguir-lhes a pista. Rock alternativo americano que mais ninguém faz. Penso que acabaram.
Type O Negative
E no deserto que eram os anos 90, era refrescante ouvir uma banda de gothic metal a gozar com o gothic metal, e com a cena, e com aquilo tudo. Aliás, tem havido muitos clássicos na cena que são a gozar com a cena, o que só prova que a cena vive e não tem medo de se rir de si própria. O humor continuou negro até ao mais negro final.
Violent Femmes
A estes também conheci tarde. "Bateram forte" nos anos 90. Comprei os álbuns todos. Foi uma paixão. E falando dos Violent Feemes, a nenhuma banda se aplica melhor o termo "paixão". Foi amor quase à primeira audição. Porém, não sei se teria gostado deles durante a minha adolescência. Provavelmente não. Andava a ouvir coisas muito diferentes. O nome Violent Femmes não aparecia na coluna certa do catálogo. Literalmente. E também não me surpreende que os temas abordados pelos Violent Femmes, tirando o irritante e repetido "Blister in the sun", não agradem a muitos e por isso permaneçam pouco divulgados. O que inocentemente parece típica insegurança adolescente consegue ser muito mais retorcido do que o vulgar dos mortais tem capacidade para suportar. Definitivamente, não é para toda a gente.
Woven Hand
Esta é uma banda que descobri há coisa de dois anos. Continuo a achar que a definição (?) da Wikipedia ainda é a melhor: "combines elements of neofolk, alternative country, post-rock, punk, industrial music, folk rock, old-time music and native American music, among other influences". Como é que se define uma coisa assim? A nível das letras, ainda não decidi o que pensar. Digamos apenas, por exemplo, que em "Winter Shaker" ele canta "halleluia" de maneira propositada a fazer parecer dialecto de índio norte-americano durante um ritual. Tive dificuldade em acreditar nos meus ouvidos. Adivinharei bem a intenção: o Grande Espírito é um só? No entanto, as letras dos álbuns têm-se tornado cada vez mais religiosas, com expressões retiradas da Bíblia, e dos seus livros menos propensos a citação, como Rute, que implicam que o letrista conhece o Livro de trás para a frente. Se é assim, e a fé é genuína, pergunto-me porque é que aquilo não se tornou uma banda de rock evangélico, dirigida a um público muito mais vasto e certamente muito mais grato. E intrigam-me, intrigam-me muito. Diria mesmo que me assustam pelas ressonâncias que encontro em mim. Considero-os uma das bandas mais interessantes e originais da actualidade, mas não os percebo. Apetecia-me perguntar-lhes se não é convidar o pecado e a tentação frequentar antros alternativos, dar concertos para descrentes, ou se o objectivo é mesmo evangelizar os pecadores... E não, não estou a ironizar. Nem eles estão. É a sério, é tudo a sério. E intriga-me.
Os regressos
Foi mais difícil não me esquecer dos regressos porque também se encontram em ordem alfabética juntamente com os lançamentos antigos. Espero não esquecer nenhum.
Saliento três, já neste milénio: Nick Cave & the Bad Seeds ("Dig Lazarus Dig" 2008), Bauhaus ("Go Away White" 2008), The Fields of the Nephilm ("Mourning Sun" 2005).
Sobre o primeiro, Nick Cave & the Bad Seeds, não tenho nada a acrescentar que não tenha dito sobre os Grinderman.
Bauhaus. Bem, Bauhaus foi uma surpresa. O novo álbum soa a Bauhaus ressuscitados. Sem tirar nem pôr. É este o grande forte e ao mesmo tempo a grande fraqueza do álbum. O estilo Bauhaus, que era uma explosão de originalidade e criatividade nos anos 80, já não o é agora. O génio não se conseguiu superar a si próprio. Digo-o sem desilusão, mas tinha esperança de ser arrebatada outra vez. Não fui.
Por fim, o que eu considero o melhor álbum destes três regressos, The Fields of the Nephilim. Para falar de "Mourning Sun" prefiro fazer uma analogia com a literatura. Imaginem que "Elizium" era um romance. Imaginem que "Mourning Sun" é a sequela desse romance quando ninguém a esperava. Porque "Mourning Sun" começa exactamente onde "Elizium" acaba. E quem gostou do primeiro muito dificilmente não gostará igualmente do segundo. Ao estilo da saga. Aliás, há muito que os Fields nos prometiam uma "Sequel". É mesmo coisa deles. Por mim, que venha a trilogia.
Este artigo foi maior do que eu previa e menor do que eu temia. Contava falar de meia dúzia de bandas, e afinal falei de mais, mas temi que se fosse por esse caminho, o das bandas que foram importantes, o artigo nunca mais acabasse. Afinal acabou. Não foram muitas as bandas que tiveram impacto em mim depois dos anos 80 a ponto de as mencionar como "importantes". Com certeza muita coisa faz efeito a nível inconsciente, a nível geracional, mas não pessoal. Às vezes não é fácil distinguir uma coisa da outra.
Referi-me muitas vezes aos anos 90 como um deserto musical, e foi. Talvez seja injusto dizer isto depois de uma década musicalmente fora de série como foram os anos 80 (como já tinham sido, por exemplo, os anos 60). Muitos projectos ficaram à sombra, foi inevitável. A nível da cena gótica, então, foi uma década terrível para se fazer chegar ao público aquilo que se fazia.
No entanto, causa-me ainda maior estranheza a falta de criatividade que permeou toda a primeira década de 2000. Houve muito seguidismo, mas pouca originalidade. Como se as pessoas que fazem música sofressem do medo de não ter lugar se arriscassem ser diferentes. Se nos anos 90 o alternativo é que era comercial, por acidente, dá a impressão que na primeira década de 2000 o alternativo se guiou por fins comerciais, de propósito. Como se as próprias bandas/projectos se auto-espartilhassem para agradar ao gosto do público, já compartimentado, que queriam alcançar. A nível musical, isto nunca é bom.
Até prova em contrário, considero que a primeira década do milénio já não foi um deserto em quantidade, mas deixou muito a desejar em criatividade. Talvez nesta segunda década, agora que a internet já não é nova e os mercados musicais se aprendem a organizar, comece algo novo a borbulhar como não temos há muito tempo.
Espero sinceramente que este artigo tenha sido útil a alguém. Deixo já aqui o desafio, a quem me lê, que publique igualmente uma lista de descobertas após 1990. Para que os tesouros não fiquem por desenterrar.
Eu, por exemplo, estou interessadíssima nessas listas e nesses tesouros. Não se esqueçam de partilhar.
O concerto dos Rosa Crux lembrou-me que a música não acabou nos anos 80 e que nunca aqui falei da música de que passei a gostar desde aí. Tenho reparado que pouca gente o faz. É difícil, confesso, mas graças ao leitor de música digital, onde consegui colocar toda a música que possuo, toda mesmo!, tornou-se mais fácil não esquecer ninguém.
[Nos meus tempos, para fazer uma listagem destas, era preciso andar a revirar CDs, discos e K7s! Como é fácil a música hoje em dia!]
Não vou falar dos Sisters of Mercy, nem dos Fields of the Nephilim, nem dos Dead Can Dance, nem dos Christian Death, nem dos Bauhaus, nem de Peter Murphy, nem dos Mission, nem dos Cult, nem dos All About Eve, nem de Joy Division, nem de Siouxie & the Banshees, nem de Nick Cave (com ou sem Bad Seeds), nem de Red Lorry Yellow Lorry, nem de Mão Morta, que foram as bandas que formaram o meu gosto musical para todo o sempre e eternamente terão um lugar no meu coração e todos os álbuns gravados no meu cérebro, onde de vez em quando começa a tocar este ou aquele tema destes senhores e senhoras.
Muito menos vou falar dos que nunca gostei, como os Cure, embora toda a gente ouvisse, nem dos Smiths, por quem não morria de amores embora toda a gente me matraqueasse com eles. Do punk, infelizmente, nunca me vou esquecer de tanto que tive de o suportar, mas tento!
E não vou mencionar os nomes clássicos de que só gosto de algumas músicas, como os Alien Sex Fiend, os Chameleons, os Cocteau Twins, os Echo & The Bunnymen, os Jesus & Mary Chain, os Love & Rockets, os Virgin Purnes, os Depeche Mode, os Rose of Avalanche e muitos outros.
E obviamente não vou falar dos que conheço mas de que nem sequer existe uma única música no meu leitor de música.
Porque a música para mim é um amor. Não se ama um bocadinho. Ou se ama ou se deita fora. Não há meio termo.
Do que vou falar é daquelas bandas e artistas que desde esses tempos iniciais de espanto e pavor me embalaram durante os momentos maus (e os bons) e tornaram a existência menos insuportável. Nem todos são góticos. Na verdade, desenvolvi uma inclinação pelo neo-folk, como poderão constatar, que também não é assim tão estranha considerando que Dead Can Dance estão lá em cima no topo da lista.
Vou falar, enfim, dos que passei a gostar depois de 1990. Heresia. Confissão. Danação.
Aqui vai, em ordem alfabética, porque depois dos que estão no topo da lista ninguém os conseguiu ultrapassar nem adianta tentar distinguir favoritos.
Adrian Alexis
Não sei o que aconteceu a este senhor. Grande música gótica, rock e electrónico, conheci-o através da Radio Ghoul School com o clássico "I want to be a vampire", segui os links. Não há nada que este senhor tenha feito de que eu não goste. Na altura o próprio Adrian Alexis disponibilizava música online pelo que tenho uma vasta colecção. Depois, desapareceu. Retirou o site, retirou as músicas. Pelo que percebi dos posts dele, tinha uma personalidade aberta e simpática, muito humilde para tamanho génio. O senhor é esquizofrénico e partilhava muita informação sobre a sua... condição. Não gosto de lhe chamar doença. É do conhecimento geral que muitas vezes o génio anda de mãos dadas com a loucura. Este é um dos casos.
Se quiserem procurar, ainda conseguem ouvir.
Por exemplo, aqui.
Vale a pena procurar.
Arcana
Conheci-os muito recentemente, devido ao Entremuralhas, e percebi o que andava a perder. Neoclassic darkwave. Não consigo parar de ouvir o álbum "Le Serpent Rouge". Uma paixão assim deixa sequelas.
Frank the Baptist
Catalogados como rock gótico/alternativo. Gosto do álbum "The New Colossus". Parece-me, todo ele, música de bêbedos para bêbedos. Aquelas coisas verdadeiras que só os embriagados conseguem dizer e só os embriagados sentem intensamente. Muito amor, muito ressentimento.
The Golden Palominos
The Golden Palominos, para mim, foi um projecto e um álbum. Já existiam antes, mas apenas quando o mentor do projecto Anton Fier compôs a música para a poetisa Nicole Blackman surgiu o álbum "Dead Inside". O último, o perfeito. Música, sons e spoken word. Entrou e mim e completou-me e faz parte de mim. Há mais nesta história. Faz parte da minha identidade, literalmente. Há coisas assim, que parecem ser feitas de propósito para alguém.
Grinderman
Eu disse que não falaria de Nick Cave, mas não na verdade não estou a falar do Nick Cave dos anos 80 mas do Nick Cave de agora. Continua, com os Grinderman, e os Bad Seeds, a fazer música e letras como antes, senão melhores porque amadurecidas. E cá está ele, muito vivo. Nos anos 80 ninguém lhe adivinharia semelhante futuro, não por falta de génio mas pelo resultado previsível a que conduzem os abusos. Ainda bem que esta excepção confirma a regra.
Hamza El Din
Irfan
Vieram com os Arcana. Neo folk búlgaro. Na altura mencionei a banda mas desde aí descobri mais. Durante muito tempo, bandas como os Irfan não conseguiam ultrapassar o meu preconceito de "imitação de Dead Can Dance". Tendo "crescido" musicalmente com o original, não era fácil entregar-me aos seguidores. Nada fácil. Havia mesmo uma resistência, uma feroz fidelidade, uma recusa. Foi preciso muito tempo, muito tempo mesmo, para ouvir "Hagia Sofia" e reconhecer a perfeição numa canção que podia ser cantada por Lisa Gerrard, mas não é, e não deixa de ser boa por não ser. Mas, para mim, durante muito tempo, não foi.
Le Mystère Des Voix Bulgares
Nem de propósito, e ainda por cima a seguir alfabeticamente aos Irfan, e para mal dos Irfan, também "cresci" a ouvir Le Mystère Des Voix Bulgares como me foram apresentadas pela editora mítica 4AD, música sombria e bela e alternativa. Tão fantasmagórica que causava arrepios na espinha. E também acho que desde esse mítico primeiro álbum (homónimo) as senhoras de Le Mystère Des Voix Bulgares se venderam. Mas continuei à procura, e continuei a ouvir. Para mal dos Irfan, digo eu, porque catalogava estes últimos como mistura de Dead Can Dance e Voix Bulgares, duas imitações em um. Não é fácil competir com os mitos da infância. Mas voltando às Voix Bulgares, porque acho que se venderam? Porque se viu que o filão rendia e começou a massificar-se. Apanhei-as a cantar um tema em espanhol (vendidas)! Mas também as apanhei a cantar uma cantiga de amigo, sim, leram bem, uma cantiga de amigo que estudei na escola. "Tih vyater vee" não é mais do que uma versão das "ondas do mar de Vigo". Em galaico-português, com sotaque búlgaro. Aquilo é tão triste, tão arrastado, que se percebe melhor de onde veio o fado. "Ai Deus, se vistes meu amigo"... Bebi muito, e ouvi muitas vezes.
Lisa Gerrard
Para mim, é a voz da Deusa. Quem leu "As Brumas de Avalon", ou mesmo quem não leu mas quem sabe à mesma quem é a Deusa, percebe-me. Não é um anjo, não é humano, é Ela quem fala pela voz de Lisa Gerrard, e porventura, por isso, Lisa Gerrard não canta palavras de língua humana... Depois dos Dead Can Dance Lisa Gerrard continuou a solo, num registo mais semelhante aos Dead Can Dance do que aquele por que decidiu enveredar Bryan Perry, não tão completo porque falta a magia do duo, e muito mais comercial do que era, na minha opinião, mas num registo igualmente obscuro que deve calar de perplexidade os "normais" que a ouvem por acaso na banda sonora de um filme e têm duas reacções: ou gostam muito mas nem sabem o que procurar ou fogem de medo. Acontece muito, quando se ouve a voz da Deusa.
A solo, alguns dos meu temas preferidos de Lisa Gerrard são "Sailing To Byzantium" e "The Rite", mas soa tão fútil dizer uma coisa destas quando todos os versículos são sagrados...
Como poderiam uns Arcana, uns Irfan, competir com uma devoção assim?
Marilyn Manson
No deserto dos anos 90, porque aquilo foi um verdadeiro e interminável deserto em que só se ouvia grunge e as velhas glórias dos anos 80, cada vez mais decadentes e decepcionantes, Marilyn Manson foi uma lufada de ar fresco. Ou melhor, uma lufada de verdadeiro ar envenenado, que era o que se precisava. Eu não assisti a Marilyn Manson como os adolescentes dos anos 90 assistiram, nem podia. Eu tinha uma memória musical que evocava a teatralidade de David Bowie e Peter Murphy, a blasfema heresia dos Chistian Death, o halloweenismo de Alice Cooper. Como poderia eu olhar para Marilyn Manson e não apreciar o espectáculo com um sorriso? Não é assim para os adolescentes em relação aos seus primeiros amores. Para eles, é muito sério. Ou amam ou odeiam. É preciso criar distanciamento para gozar o espectáculo. Se Marilyn Manson é genuíno? É genuíno como um filme é genuíno. O filme é verdadeiro; o que se passa dentro do filme é ficcional. De modo que sorria com condescendência quando os nascidos para a música nos anos 90 lhe chamavam "poseur". Os amores e os ódios que Marilyn Manson despertava originavam-se nesse equívoco. Nos anos 90 assistiu-se a um fenómeno estranho em que se disse que "o alternativo se tornou comercial", e isto de alguma forma foi verdade e criou preconceitos que eu não partilhava. Para alguns, Marilyn Manson era muito "comercial". Mas esses, dentro da cena, esqueciam-se de que para a grande maioria das pessoas (os normais) Marilyn Manson era, e é, insuportável.
Tentemos colocar-nos nos anos 90. Antes da massificação da internet. Havia grunge, muito grunge, havia uns malucos como os Cradle of Filth, e havia o gothic metal a inundar a cena a um ponto que era eu quem considerava insuportável, e de repente surge um homem, maquilhado, teatral, a fazer música com melodia e refrões que realmente pegavam! Claro que gostei. Adorei. Tirando os Rammstein, Marilyn Manson foi o único projecto de que me tornei fan nos anos 90. [Quando digo fan não me refiro a gostar de um tema ou dois; falo da globalidade da obra.]
O que me leva a mencionar rapidamente os Nine Inch Nails, banda próxima, de que não gosto particularmente, e que ninguém queria dançar numa pista de dança gótica nos anos 90. Era tudo gothic metal. Neste deserto, eu abracei Marilyn Manson. Quando já não acreditava que houvesse vida depois do gótico. O gótico, para a imprensa, já não era alternativo, já não era a vanguarda, aliás, a própria palavra "vanguarda" tinha saído do dicionário musical como obsoleta (e saiu mesmo e nunca mais voltou) e nunca mais se ouviu falar de qualquer banda gótica depois dos anos 90. Existiam mas não se falava dos que as pessoas andavam a fazer. O gótico tinha sido abafado pela imprensa, e pelas rádios, mesmo as alternativas. (Eventualmente, também a imprensa e as rádios alternativas desapareceram. Lembram-se da XFM, lembram-se do Blitz jornal?) Pergunto-me mesmo se a cena não teria desaparecido se não fosse o estrondo da internet em todos os lares, de repente, a provar que afinal havia gente. Que há gente. Que está aqui. E ali, e ali.
Marilyn Manson foi, para mim, a única banda a fazer música que se ouvia nos anos 90 (antes dos Rammstein), e abracei-o(s) com ambos os braços.
Os últimos álbuns não têm sido tão bons como os primeiros mas continuo a ouvir.
Miranda Sex Garden
Esta foi uma banda que começou a cantar a capella e descarrilou, para nossa delícia, no álbum "Fairytales of Slavery", entre o ethereal, o darkwave e as guitarras cortantes. Não sei se elas imaginaram que estavam a fazer música para góticos, mas eu leio as letras sombrias e sei que não pertencem noutro lado nenhum. Tudo indicam que acabaram.
Moonspell
Gostei muito dos primeiros álbuns. Gothic metal português como nunca tínhamos ouvido na vida. Obviamente, gostei muito. Doía-me, contudo, ouvir um jovenzinho falar dos Fields of the Nephilim e dizer que lembravam os Moonspell. Doía, porque mostrava a que ponto tinha chegado o desprezo da imprensa pela cena gótica. Já não havia ninguém a elucidar os mais novos de que se havia semelhanças tinham sido os Moonspell a crescer com os Nephilim e não o contrário. Com a internet, este lapso foi corrigido. Mas não graças à imprensa. [A internet, os fóruns, os sites pessoais, os blogs, os webzines, têm sido os únicos divulgadores da cena e da música que agrada à cena. Tudo se tornou, após o ano 2000, o "do it yourself" de que falava o punk.]
Pessoalmente, acho que o gothic metal teve o seu tempo, abusou do seu tempo, e ultrapassou o seu tempo. O metal tem tendência a fazer isso, motivo pelo qual os Iron Maiden ainda mexem. Por mim, estou farta de gothic metal. Foi como o punk. Demais.
Nephilim
Eu disse que não ia falar dos Fields of the Nephilim, porque são os Nephilim. Um único álbum, "Zoon", 1996. Estilo: industrial. Demorei uns dez anos a encaixar aquilo. Tive a sorte de os ver ao vivo e de sentir o chão estremecer. E continuar a não conseguir encaixar aquilo. Depois, foi interessante. Quando finalmente encaixei compreendi que tinha sido avançado demais para o seu tempo. E eu a pensar, erroneamente, que era a pior coisa de sempre saída dos lados de Carl McCoy. Hoje em dia, até considero "Zoon" levezinho. Já consigo ouvir as melodias. Ah! Estão lá, debaixo do barulho! Era muito barulho para aquele tempo.
Lembra-me uma cena de "Regresso ao Futuro", em que o protagonista, vindo dos anos 80, sobe ao palco nos anos 60 e se põe a tocar rock'n'roll com uma guitarra. Toda a gente gosta muito até ele começar com os solos à heavy metal. Não era falta de gosto. Simplesmente não estavam preparados.
Nirvana
Ouvi Nirvana. Ouvi tudo de Nirvana. Nunca gostei de Nirvana como os adolescentes dos anos 90 gostaram de Nirvana, mas gostei muito de Nirvana. Para eles, foi o primeiro amor. Para mim foi um amor interessante. Mas faltava ali qualquer coisa. Faltava o sublime maior do que a vida. No grunge, a morte é a morte. No gótico, a morte é sempre algo mais. Falta ao grunge a beleza de querer ir ter com ela.
Pensei que era só eu mas muita gente me diz que ainda não consegue ouvir Nirvana. Eu também não consigo. É amargo.
Para ser completamente honesta, também gostei/gosto muito de Alice In Chains, mas não lhes vou reservar uma categoria própria. É a mesma coisa. Amargo. Preso à realidade de que o grunge queria escapar através das drogas. Mas, sem o sublime, a tristeza é apenas depressiva. O grunge era sobre a realidade. O gótico não é.
O Quam Tristis
Os meus gostos têm andado por caminhos por que jamais suspeitaria enveredar nos tempos do rock gótico dos anos 80. Banda electrónica com voz de igreja a cantar em latim? Sem sequer perceber o que eles dizem? Mas não é assim tão estranho. Por opção, eu estudei música na escola. Cantei aquelas litanias dos monges da Idade Média. Só podia dar nisto, na verdade.
Paradise Lost
Aqui está o exemplo de uma banda que melhorou com os anos. Na minha opinião, isto é. Cada vez menos metal, cada vez mais gothic. "One Second" foi um bálsamo nos deserto dos anos 90. Ficarei eternamente grata. Já não ouço muitas vezes.
PJ Harvey
Sempre pensei que ia gostar mais dela mas o nosso romance ficou-se por "To Bring You My Love".
Prodigy
Gostei de algumas músicas dos Prodigy. Achava-os capazes do mais perfeito e do mais parvo. Guardei o perfeito mas tenho vindo a reparar que envelhece depressa.
Rammstein
Das primeiras vezes que os ouvi quase sofri do mesmo efeito que me provocou "Zoon" dos Nephilim. Muito barulho. Eu estava habituada a procurar primeiro a melodia e só então prestar atenção à caixa de ritmos. (Vícios de fan dos Sisters.) A passagem do rock dos anos 80 para o industrial/electrónico dos anos 90 foi, na minha opinião, um problema de barulho. Não falo de decibéis, que disso a gente já gostava. Falo de percussão tão pesada que ofuscava a melodia. Era difícil encontrá-la e apreciá-la debaixo do barulho.
Há dúvidas sobre se os Rammstein são góticos, mas não há dúvida de que os góticos gostam dos Rammstein. Quanto às dúvidas, vou expô-las. A música, tecnicamente, e não penso que haja grande controvérsia sobre isto, define-se mais como industrial do que electrónico. Mas as letras contam uma história completamente diferente. Lembro-me, por exemplo, de "Klavier", que é toda fantasmagórica. E de "Sonnen", apocalíptica. Neste tempo de fusões, não arrisco a inclinar-me para uma opinião. Que os Rammstein se expõem a ser amados pelos góticos, com aquelas letras, com aquela música, expõe-se. Nos últimos anos da década de 90 e primeiros da década seguinte, os Rammstein assumiram o papel de ídolos, e continuaram por ali fora até às brincadeiras que a gente sabe ("Te Quiero Puta!"). Ouço regularmente. Mas não como ídolos, pois os meus ídolos são outros, e caíram, e não podem ser substituídos.
Rosa Crux
Descobri-os tão recentemente (embora tardiamente) que ainda não tive tempo de os processar melhor do que fiz aqui. Posso dizer, no entanto, que me motivaram a fazer esta lista. E que me levam a pensar em quantos mais tesouros ficaram enterrados na voragem de tudo o que os anos 90 abafaram.
Rubicon
Não posso fazer esta resenha e não mencionar os Rubicon, apesar da sua efemeridade. Os Rubicon foram a banda formada pelos outros Fields of the Nephilim quando se separaram de McCoy. Durou pouco, teve um grande álbum, "What Starts, Ends", e de facto não demorou muito a acabar. As guitarras dos Fields estavam lá mas faltavam as letras místicas de McCoy. Ainda assim, um grande álbum. E continuo a ouvir, e continuo a gostar, o que deve querer dizer alguma coisa. Afinal, era o núcleo musicalmente criativo dos Fields que ali estava.
Soundgarden
Grunge com atitude. Estes não queriam dar um tiro na cabeça. Estes esperneavam e davam luta. Por isso, também, gostei deles.
Suicide Commando
Devo confessar que comecei a ouvir os Sucide Commando por sugestão de um amigo e que os considerava demasiado electrónicos para levar a sério (outro preconceito), por isso usava-os como som para fazer ginástica em casa. Não, não estou a brincar. Ainda uso. E os VNV Nation também. Mas entretanto, "Die Motherfucker Die", descobri nos Sucide Commando uma homicida agressividade que vem mesmo a calhar ao espírito dos tempos. Cada vez gosto mais deles.
The Creatures
Até fica mal falar aqui de The Creatures (porque me faz parecer tremendamente musicalmente ignorante) mas a verdade é que só os descobri já depois de 2000. The Creatures é uma banda paralela aos Siouxsie & The Banshees. Com uma longevidade notável para uma banda paralela! Contudo, apesar de conhecer a sua existência, talvez porque a moda nos anos 80 fosse mesmo a Siouxsie, nunca tive oportunidade de os ouvir a sério. Simplesmente nunca aconteceu. Mas também não era fácil acontecer. O acesso à música era a todos os níveis limitado. Primeiro, era preciso saber que existia. Só se conhecia o que tinha destaque na imprensa ou nos fanzines ou quando os amigos recomendavam e emprestavam. Passando essa primeira fase, a de saber que existia, começava outra mais difícil, que era ter acesso à música em si, o que dependia sobretudo do acaso e da sorte. Falamos de tempos em que a música alternativa se produzia em poucos exemplares e menos ainda chegavam ao nosso mercado (quando chegavam e não era preciso ir comprá-los fora, o que não era para todos). As primeiras edições esgotavam e não voltavam a ser reeditadas. Com alguma sorte, encontrava-se um disco ou até mesmo um CD em segunda mão. O que nos ia safando eram os catálogos de K7s. E ainda assim, ler o nome de uma banda num catálogo, numa qualquer fanzine feita em papel A4 fotocopiado e vendida por encomenda por 100$ mais portes de correio, não era o mesmo que seguir links e clicar. Muita coisa despertava a curiosidade mas não havia por onde ir. The Creatures foram daquelas bandas de que eu sabia a existência, mas por uma razão ou outra a música nunca me chegou. Faltaram, sobretudo, recomendações. Não me lembro de ler na imprensa sobre os The Creatures os artigos elogiosos que acompanhavam os lançamentos de Siouxsie & The Banshees. O círculo de amigos e conhecidos também não lhes prestava atenção.
O que é muito estranho, porque agora posso dizer que se calhar até gosto mais dos The Creatures do que de Siouxsie & The Banshees. Há coisas esquisitas assim. Porque estava a ouvi-los e a pensar: porque raio passavam Siouxsie em todo o lado e não passavam isto? Todos aqueles anos a ser massacrada com punk a torto e a direito quando isto já existia! É o inexplicável. Os gostos, maioritariamente, eram mesmo outros. Arrisco até uma explicação. As canções melódicas dos The Creatures eram muito possivelmente recebidas com rejeição pela base punk de fans da Siouxsie como "som demasiado comercial". Compreendo, por isso, que The Creatures tenham sido a banda fantasma, e não ao contrário.
The March Violets
Estes são outros que me fazem parecer ignorante, mas apenas aparentemente. Na verdade, conheci-os quase ao mesmo tempo que os Sisters of Mercy, porque Andrew Eldritch publicou-lhes uns EPs pela editora Merciful Release (e até consta que eram amigos, até se chatearem, como não podia deixar de ser). Tenho a certeza de que andou por aqui uma K7 de March Violets, mas não sobreviveu muito tempo. Descobri-os, a sério, há poucas semanas. Porque estava de férias e tive tempo de pesquisar. O interessante da coisa é que a música envelheceu bem. Se ouvi, na altura, e não gostei, gostei agora. Não produziram muito mas o que produziram merece ser conhecido. Talvez tenham sido daqueles demasiado avançados para o tempo deles, porque se os tivesse ouvido ia achar, na altura, que eram pop insuportável. O erro foi que tentaram vendê-los como gótico. E na altura, à sombra dos Sisters of Mercy no seu auge, não tinham hipótese nenhuma. E se calhar foi exactamente o que aconteceu à gravação: não teve hipótese.
The Offspring
Isto pode parecer contraditório depois de tudo o que disse do punk, mas amei perdidamente dois álbuns de Offspring: "Smash" e "Ixnay on the Hombre". Chamaram-lhes neo-punk mas eu, que conheço o punk, digo antes que tomara o punk ter sido tão bom! (Neste momento há quem que me queira bater, e eu sei disso, e não me ralo.) Gostei intensamente, e depois eles venderam-se ou amoleceram, qualquer coisa do género. As letras deixaram de me dizer o que diziam. Abandonei.
Throwing Muses
Conheci-os também através da 4AD (não é por nada que se lhe chama "editora mítica") e continuei a seguir-lhes a pista. Rock alternativo americano que mais ninguém faz. Penso que acabaram.
Type O Negative
E no deserto que eram os anos 90, era refrescante ouvir uma banda de gothic metal a gozar com o gothic metal, e com a cena, e com aquilo tudo. Aliás, tem havido muitos clássicos na cena que são a gozar com a cena, o que só prova que a cena vive e não tem medo de se rir de si própria. O humor continuou negro até ao mais negro final.
Violent Femmes
A estes também conheci tarde. "Bateram forte" nos anos 90. Comprei os álbuns todos. Foi uma paixão. E falando dos Violent Feemes, a nenhuma banda se aplica melhor o termo "paixão". Foi amor quase à primeira audição. Porém, não sei se teria gostado deles durante a minha adolescência. Provavelmente não. Andava a ouvir coisas muito diferentes. O nome Violent Femmes não aparecia na coluna certa do catálogo. Literalmente. E também não me surpreende que os temas abordados pelos Violent Femmes, tirando o irritante e repetido "Blister in the sun", não agradem a muitos e por isso permaneçam pouco divulgados. O que inocentemente parece típica insegurança adolescente consegue ser muito mais retorcido do que o vulgar dos mortais tem capacidade para suportar. Definitivamente, não é para toda a gente.
Woven Hand
Esta é uma banda que descobri há coisa de dois anos. Continuo a achar que a definição (?) da Wikipedia ainda é a melhor: "combines elements of neofolk, alternative country, post-rock, punk, industrial music, folk rock, old-time music and native American music, among other influences". Como é que se define uma coisa assim? A nível das letras, ainda não decidi o que pensar. Digamos apenas, por exemplo, que em "Winter Shaker" ele canta "halleluia" de maneira propositada a fazer parecer dialecto de índio norte-americano durante um ritual. Tive dificuldade em acreditar nos meus ouvidos. Adivinharei bem a intenção: o Grande Espírito é um só? No entanto, as letras dos álbuns têm-se tornado cada vez mais religiosas, com expressões retiradas da Bíblia, e dos seus livros menos propensos a citação, como Rute, que implicam que o letrista conhece o Livro de trás para a frente. Se é assim, e a fé é genuína, pergunto-me porque é que aquilo não se tornou uma banda de rock evangélico, dirigida a um público muito mais vasto e certamente muito mais grato. E intrigam-me, intrigam-me muito. Diria mesmo que me assustam pelas ressonâncias que encontro em mim. Considero-os uma das bandas mais interessantes e originais da actualidade, mas não os percebo. Apetecia-me perguntar-lhes se não é convidar o pecado e a tentação frequentar antros alternativos, dar concertos para descrentes, ou se o objectivo é mesmo evangelizar os pecadores... E não, não estou a ironizar. Nem eles estão. É a sério, é tudo a sério. E intriga-me.
Os regressos
Foi mais difícil não me esquecer dos regressos porque também se encontram em ordem alfabética juntamente com os lançamentos antigos. Espero não esquecer nenhum.
Saliento três, já neste milénio: Nick Cave & the Bad Seeds ("Dig Lazarus Dig" 2008), Bauhaus ("Go Away White" 2008), The Fields of the Nephilm ("Mourning Sun" 2005).
Sobre o primeiro, Nick Cave & the Bad Seeds, não tenho nada a acrescentar que não tenha dito sobre os Grinderman.
Bauhaus. Bem, Bauhaus foi uma surpresa. O novo álbum soa a Bauhaus ressuscitados. Sem tirar nem pôr. É este o grande forte e ao mesmo tempo a grande fraqueza do álbum. O estilo Bauhaus, que era uma explosão de originalidade e criatividade nos anos 80, já não o é agora. O génio não se conseguiu superar a si próprio. Digo-o sem desilusão, mas tinha esperança de ser arrebatada outra vez. Não fui.
Por fim, o que eu considero o melhor álbum destes três regressos, The Fields of the Nephilim. Para falar de "Mourning Sun" prefiro fazer uma analogia com a literatura. Imaginem que "Elizium" era um romance. Imaginem que "Mourning Sun" é a sequela desse romance quando ninguém a esperava. Porque "Mourning Sun" começa exactamente onde "Elizium" acaba. E quem gostou do primeiro muito dificilmente não gostará igualmente do segundo. Ao estilo da saga. Aliás, há muito que os Fields nos prometiam uma "Sequel". É mesmo coisa deles. Por mim, que venha a trilogia.
Este artigo foi maior do que eu previa e menor do que eu temia. Contava falar de meia dúzia de bandas, e afinal falei de mais, mas temi que se fosse por esse caminho, o das bandas que foram importantes, o artigo nunca mais acabasse. Afinal acabou. Não foram muitas as bandas que tiveram impacto em mim depois dos anos 80 a ponto de as mencionar como "importantes". Com certeza muita coisa faz efeito a nível inconsciente, a nível geracional, mas não pessoal. Às vezes não é fácil distinguir uma coisa da outra.
Referi-me muitas vezes aos anos 90 como um deserto musical, e foi. Talvez seja injusto dizer isto depois de uma década musicalmente fora de série como foram os anos 80 (como já tinham sido, por exemplo, os anos 60). Muitos projectos ficaram à sombra, foi inevitável. A nível da cena gótica, então, foi uma década terrível para se fazer chegar ao público aquilo que se fazia.
No entanto, causa-me ainda maior estranheza a falta de criatividade que permeou toda a primeira década de 2000. Houve muito seguidismo, mas pouca originalidade. Como se as pessoas que fazem música sofressem do medo de não ter lugar se arriscassem ser diferentes. Se nos anos 90 o alternativo é que era comercial, por acidente, dá a impressão que na primeira década de 2000 o alternativo se guiou por fins comerciais, de propósito. Como se as próprias bandas/projectos se auto-espartilhassem para agradar ao gosto do público, já compartimentado, que queriam alcançar. A nível musical, isto nunca é bom.
Até prova em contrário, considero que a primeira década do milénio já não foi um deserto em quantidade, mas deixou muito a desejar em criatividade. Talvez nesta segunda década, agora que a internet já não é nova e os mercados musicais se aprendem a organizar, comece algo novo a borbulhar como não temos há muito tempo.
Espero sinceramente que este artigo tenha sido útil a alguém. Deixo já aqui o desafio, a quem me lê, que publique igualmente uma lista de descobertas após 1990. Para que os tesouros não fiquem por desenterrar.
Eu, por exemplo, estou interessadíssima nessas listas e nesses tesouros. Não se esqueçam de partilhar.
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música gótica
terça-feira, 20 de novembro de 2012
Gotika: arquivos Janeiro 2004
janeiro 11, 2004
The more that you fear us the bigger we get
E para acabar de vez com esta merda toda...
The Fight Song
Marilyn Manson
(não, não me esqueci de falar dele, fica para outra vez)
Nothing suffocates you more than
The passing of everyday human events
Isolation is the oxygen mask you make
Your children breath into survive
But I'm not a slave to a god
That doesn't exist
But I'm not a slave to world
That doesn't give a shit
And when we were good
You just closed you eyes
So when we are bad
We're going to scar your minds
Fight! Fight! Fight! Fight!
You'll never grow up to be a big -
Rock - star - celebrated - victim - of - your - fame
They'll just cut our wrists like
Cheap coupons and say that death
Was on sale today
And when we were good
You just closed you eyes
So when we are bad
We're scar your minds
But I'm not a slave to a god
That doesn't exist
But I'm not a slave to world
That doesn't give a shit
The death of one is a tragedy
The death of one is a tragedy
The death of one is a tragedy
But death of a million is just a statistic
FIGHT! FIGHT! FIGHT! FIGHT!
Publicado por _gotika_ em 08:39 AM | Comentários: (0)
Outra consideração sobre o movimento gótico - to be or not to be?
No outro dia, estava eu na ginástica, comecei a sentir-me desconfortável. A professora é hiperactiva. É normal. Só uma pessoa hiperactiva teria pica para ser professora de ginástica. Mas é também desbocada. Abusa dos nomes das pessoas: “Bem, Maria! Mais para cima, Antónia! Olha a respiração, Joana!” Enfim, saí de lá farta de ouvir o meu nome e o nome das outras. Era preciso chamar as pessoas pelos nomes? Não pode simplesmente dizer “Pernas em cima! Olhem a respiração!”, assim, no geral, sem particularizar? E quando ela me elogia, e diz o meu nome, e elogia, com o meu nome incluído?... O que é que ela quer, que as outras olhem para mim e batam palmas? Ou pelo contrário, que comentem “olha, a Fulana não sabe fazer o pino”.
Estive a pensar neste meu desconforto. Mais uma vez, faz parte da cultura gótica. Os góticos não gostam de dar nas vistas. Principalmente no meio de estranhos. Vão achar isto uma contradição devido à aparência de um gótico normal. Pensarão vocês que uma pessoa que não gosta de dar nas vistas se veste de forma a ficar “invisível” entre a multidão. Idealmente, sim. Essa é uma das maiores contradições que todos os góticos têm de enfrentar. Alguns vestem-se mesmo de forma a ficar “invisíveis” no meio da multidão. Mas isso, por outro lado, e não tenhamos ilusões, é encarado no meio gótico como sinal de fraqueza. A verdade é que aqueles que gostam de estar “invisíveis” também gostam de ver o estilo dos que se vestem de forma mais extravagante, só que não têm coragem de fazer o mesmo.
Porque é que é encarado como forma de fraqueza? Bolas, já basta a sociedade a tentar fazer-nos ficar invisíveis, era só o que faltava que pessoas supostamente do nosso meio não queiram sair das meias tintas, do agradar a gregos e a troianos. Por muito boas pessoas que sejam, ou têm coragem ou não têm. Se não têm, se a sociedade vos castrou assim tanto, não venham com desculpas esfarrapadas. Admitam: “eu não tenho coragem” porque “a mãe não deixa” ou “o patrão não deixa”. É muito mais bonito e só vos fica bem.
Tive uma amiga, até um bocado espalhafatosa, que tinha um sério problema com isto. Por um lado gostava de vestir-se de forma extravagante; por outro, não suportava que olhassem para ela na rua.
Não há melhor maneira de expor a situação do que citar o ditado popular “não se pode ter sol na eira e chuva no nabal”. O mundo ideal para o gótico era aquele em que pudesse vestir-se como quisesse e ninguém reparasse nisso. Que as pessoas se habituassem a ver estilos esquisitos.
Essa sociedade está longe, e muito mais longe quando falamos de Portugal. Mas uma coisa vos digo: também não ajudam se contribuírem para reforçar a mentalidadezinha de província. Assim é que nunca mais saímos da mediocridade!
É difícil, mas se pensam que a mudança começa pelos outros, é caso para dizer que se não fazem parte da solução fazem parte do problema.
Portanto não, o gótico não quer ser contraditório quando se veste da maneira que veste e mesmo assim preferia não dar nas vistas. O gótico queria era que a sociedade evoluísse de tal forma que não parecessem formiguinhas todas iguais, todas invisíveis.
Vou contar-vos um caso paradigmático. Outro dia, estava eu na paragem do autocarro para o Bairro Alto, à noite, quando apareceram dois casais, aí nos quarentas ou cinquentas, que tinham provavelmente vindo de um restaurante. Estavam tão bem vestidos, mas tão bem vestidos, que mais pareciam espanhóis. Ficou a paragem toda a olhar, todos de queixo caído, eu inclusive. Os homens de sobretudo, as senhoras de cabelo arranjado. Mas não era o arranjado “bimbo”. Era o arranjado chique. Meteram-se no seu Mercedes (tive o cuidado de reparar) e arrancaram para um outro sítio. Com certeza devem ter sentido todos aqueles esgares de boi a olhar para um palácio.
Escusado será dizer-vos que não eram góticos (caso dúvida restasse). Deviam ser pessoas da alta sociedade, viajadas, que não têm de andar nos transportes públicos a sofrer a invejazinha do povo português. O povo português não os inveja só porque são ricos. Também os inveja porque são bonitos. É isto que me passa da cabeça. O ódio que o povo português tem à beleza.
Não é futilidade da minha parte. É mesmo ódio à vossa fealdade voluntária.
E por falar em futilidade, se ao menos fossem feios mas cultos... Mas se o lema de Portugal é “todos feios, todos ignorantes”, não há ponta por onde se pegue!
Publicado por _gotika_ em 08:22 AM | Comentários: (5)
Mais considerações sobre o movimento gótico - a (não) violência
De facto a cultura gótica não é só andar de preto e ouvir música depressiva (tenho lido essa ideia aqui em alguns comentários e em comentários de outros blogs assumidamente góticos). Isso é mesmo de quem está completamente por fora.
Nem acredito que me tenha esquecido deste “pormenorzinho” tão importante na minha grande dissertação anterior sobre o movimento gótico. Podia dizer “imperdoável” mas é impossível lembrar-me de tudo ao mesmo tempo. É de facto uma cultura muito complexa.
Tudo isto para dizer que os góticos são um grupo pacífico. Apesar do aspecto, são pessoas que evitam a todo o custo meter-se em confusão e, principalmente, em agressões físicas. Não quero dizer que não haja uma ou outra ovelha ranhosa (há sempre) mas que vocês (estranhos ao movimento) fiquem bem cientes que a violência física é altamente condenada no meio gótico.
Ninguém vai ter com a pessoa em causa e lhe diz “fizeste mal em andar à porrada”, mas também não é preciso. Um indivíduo com má reputação de briguento vê rapidamente as costas voltarem-se e as portas dos sítios góticos a fecharem-se. Ninguém gosta de rufiões! Ninguém quer ali brigas! Não só dá mau nome ao local e às pessoas, como, pior que tudo, estraga o ambiente.
Já disse e repito: os góticos gostam de sair para apreciar a música. A última coisa que querem é uma besta qualquer a armar confusão. Não há desculpa. A bebedeira não é desculpa, antes pelo contrário.
Nem todos os jovens aspirantes a góticos sabem que a violência física é a melhor maneira de serem corridos do meio, mas com o tempo os mais velhos vão socializando os mais novos.
Estou a bater nesta tecla porque actualmente a violência está espalhada pela noite em geral. Muitos pais têm medo de deixar sair os filhos. Eu percebo. Quando se chega ao ponto de haver tiroteio porque o porteiro não deixa as pessoas entrarem na discoteca...
Também se aprende a evitar o perigo. Nestes anos todos aprendi a “cheirar” no ar se a noite está perigosa. Mas ninguém pode evitar ir muito bem na rua e apanhar um tiro de um bêbedo qualquer. São coisas que acontecem.
Voltando o meio gótico, sou absolutamente contra que os locais deixem entrar gente estranha. Já não é por se vestirem mal, por não saberem dançar, por pensarem que ali se vai para o engate, isso são pormenores. A probabilidade de haver merda (vulgo, porrada, ou roubos) é exponencialmente proporcional à presença de gente de fora. E quando há porrada, e quando partem coisas, a malta gótica ri-se dos donos dos bares. Na tentativa de fazerem mais dinheiro, prejudicam-se e dão mau nome à casa. “Ah, a gente não sabia que o gajo era perigoso”, é a desculpa. Então, não? Entram dois ou três gajos ramelosos, malcheirosos, com o cabelo a escorrer óleo que até mete nojo, a olhar para as gajas como se nunca tivessem visto uma mulher, com a mania que são machões... Estavam à espera de quê?
Como se dá a coisa? É simples. Para explicar o fenómeno vou voltar a analisar a psicologia do gótico. Talvez algum seboso esteja a ler isto. O que duvido, porque tenho abusado das palavras difíceis, mas tentarei ser mais simples. Talvez assim o seboso perceba (ou algum de vocês lhe explique, se fizerem o obséquio, obrigada).
Nestes anos todos, e já são bastantes no life span de um gótico, só vi porrada entre góticos (homens) por causa de mulheres. É sempre. É certinho. Quando virem dois góticos à porrada, questionem-se “quem é ela?”. Cherchez la femme.
Os góticos são machistas. É um facto. Basta entrar numa casa de banho de góticos (homens) para perceber que o conceito de limpeza ficou em casa, com as mãezinhas. - Sim, eu já entrei, em momentos de aflição superior, e quase saí intoxicada com o cheiro a mijo. Já a casa de banho das góticas é bastante limpa. Mas as casas de banho ficam para outro dia. - Como eu dizia, os góticos são machistas. Bem, tendencialmente machistas. Tem a ver com a ideia do herói romântico, o cavaleiro andante, o vampiro com o seu harém de vampiras...
Quando alguém, gótico ou não, ofende ou parece ofender a sua dama... É melhor sair da frente. Geralmente as brigas acontecem porque a respectiva dama se vai queixar, coitadinha, que um cavalheiro estranho elogiou de forma lasciva o rego do seu decote proeminente e isso basta para o gótico ofendido ir pedir explicações... Sim, sim, é um bocado à século passado. Não sei porque é que a comunidade tolera estas brigas. Talvez porque são pessoais e raramente acontecem dentro do local. Se vi meia dúzia, nestes anos todos, foi muito.
Um gótico não bate às mulheres (pelo menos, em público - em privado, não sei).
E as góticas não andam a bater umas às outras. Nunca - mas nunca - vi duas góticas engalfinhadas a puxarem os longos cabelos ou a arranharem a pele acetinada uma à outra. Se calhar até era giro, mas simplesmente não acontece. Há outras formas mais subtis de passar a mensagem, formas essas tão subtis que não são para o público em geral.
Disse que os góticos são machistas. Mas as góticas não são santas. Alguém acredita que a menina ofendida com a ousadia do tal cavalheiro não esteve a provocar? Ninguém, a não ser o parvo do namorado.
Isto se estamos a falar de uma gótica e dois góticos. Vou chamar-lhe a situação A.
Eis a situação B: um seboso entra num local gótico. Só por isso já merecia levar uma tareia. Se o seboso se atreve a encostar-se a uma rapariga que, por azar, tem ali o namorado, leva porrada e é bem feita. E é bem feita por três razões:
1, é seboso
2, encostou-se à namorada
3, as duas anteriores.
Outro motivo para começar a porrada. Os góticos exprimem a violência pela dança, o que é uma bela maneira de sublimar os instintos baixos. Pela arte, com certeza. Músicas mais metaleiras podem originar um turbilhão na pista de dança. O que é mais interessante, quiça até digno de ser estudado cientificamente, é que conseguem dançar aos saltos sem se aleijarem. Eu sei porque estive lá algumas vezes, geralmente a dançar Marilyn Manson, e não sou propriamente uma cavalona, mas arrisquei-me, temendo ser pisada e tudo, mas não, não toquei em ninguém nem ninguém me tocou. Isso sim, é um fenómeno. Uma vez levei lá o meu amigo Geek - ele pode, porque vai comigo, embora se vista à bimbo, mas vai comigo, tem o selo de qualidade. Foi dançar Rammstein para a pista e veio queixar-se que tinha levado com os cabelos de alguém na cara. “Só com os cabelos?”, perguntei eu, “Tens sorte em ninguém te ter caído para cima”.
Posto isto, e que é certo que a violência se exprime na pista de dança, imaginem um seboso ali parado, de copinho na mão, armado em parvo a pensar que as raparigas boazonas gostam da pinta dele.
Parado, na pista de dança!
Começa uma música mais metaleira. A malta dá-lhe encontrões porque:
1, é um seboso
2, entrou num local gótico
3, está parado no meio do movimento
4, veste-se mal
5, não sabe dançar
6, contnua parado no meio do movimento quando a música já está a meio e não percebe que tem duas alternativas: dançar também ou sair dali
7, está a estorvar
8, além de seboso, é estúpido
9, todas as anteriores
O seboso não gosta dos encontrões, não percebe a mensagem (se fosse muito esperto não se vestia tão mal), e começa a bater em alguém. Depois leva. E é bem feita. E é bem feita porque... ver razões acima.
Um seboso pode começar uma briga por muito menos. É o célebre: “Are you talking to me? Are you fucking talking to me?”
Os sebosos também não percebem porque é que as raparigas góticas preferem os outros góticos. Realmente, é preciso um Einstein para perceber isto! Sentem-se inferiores, arranjam confusão, tentam provar pela porrada que são muito homens...
Em suma, SEBOSOS FORA DO MEIO GÓTICO!
E que fique bem explícito: Qualquer gajo que vá para lá arranjar confusão é um SEBOSO. Não interessa a camisinha de marca. É SEBOSO à mesma.
Chega de falar dos sebosos. Depressa percebem que o sítio deles não é ali. Não sei se acontece por o meio ser pequeno e todos se conhecerem pelo menos de vista, mas talvez por isso se tenha aprendido a tolerar a presença dos outros (até de quem não gostamos particularmente) pelo bem da comunidade em geral. Algo que é difícil aprender no maralhal que é a noite das grandes cidades. Como não têm escolha, os góticos preferem não armar confusão com os outros que partilham do mesmo meio. Porque já se sabe que se vão encontrar muitas e muitas e muitas vezes. Acho que isso tornou as pessoas mais evoluídas. Há tantas outras maneiras de magoar quem não gostamos! Aposto que os góticos têm dentro deles uma violência desmedida (como podem ver nas minhas palavras que não são meiguinhas) mas só as pessoas pouco inteligentes precisam de recorrer à violência física. Partindo deste pressuposto, “andar à porrada é estúpido”, não apetece muito aos góticos dar essa ideia (mesmo que o sejam).
Perguntem a qualquer gótico ou pessoa que o pareça: os góticos só querem que os deixem em paz.
Repito: em paz
(para os mais lerdos, é o contrário de “em violência”).
Voltarei ao tema, com toda a certeza.
Publicado por _gotika_ em 07:28 AM | Comentários: (3)
Outra gracinha
Parece de propósito! 1111, como o quarteto do José Cid. :) E como não se vê muitas vezes, registei.
Publicado por _gotika_ em 03:52 AM | Comentários: (0)
The more that you fear us the bigger we get
E para acabar de vez com esta merda toda...
The Fight Song
Marilyn Manson
(não, não me esqueci de falar dele, fica para outra vez)
Nothing suffocates you more than
The passing of everyday human events
Isolation is the oxygen mask you make
Your children breath into survive
But I'm not a slave to a god
That doesn't exist
But I'm not a slave to world
That doesn't give a shit
And when we were good
You just closed you eyes
So when we are bad
We're going to scar your minds
Fight! Fight! Fight! Fight!
You'll never grow up to be a big -
Rock - star - celebrated - victim - of - your - fame
They'll just cut our wrists like
Cheap coupons and say that death
Was on sale today
And when we were good
You just closed you eyes
So when we are bad
We're scar your minds
But I'm not a slave to a god
That doesn't exist
But I'm not a slave to world
That doesn't give a shit
The death of one is a tragedy
The death of one is a tragedy
The death of one is a tragedy
But death of a million is just a statistic
FIGHT! FIGHT! FIGHT! FIGHT!
Publicado por _gotika_ em 08:39 AM | Comentários: (0)
Outra consideração sobre o movimento gótico - to be or not to be?
No outro dia, estava eu na ginástica, comecei a sentir-me desconfortável. A professora é hiperactiva. É normal. Só uma pessoa hiperactiva teria pica para ser professora de ginástica. Mas é também desbocada. Abusa dos nomes das pessoas: “Bem, Maria! Mais para cima, Antónia! Olha a respiração, Joana!” Enfim, saí de lá farta de ouvir o meu nome e o nome das outras. Era preciso chamar as pessoas pelos nomes? Não pode simplesmente dizer “Pernas em cima! Olhem a respiração!”, assim, no geral, sem particularizar? E quando ela me elogia, e diz o meu nome, e elogia, com o meu nome incluído?... O que é que ela quer, que as outras olhem para mim e batam palmas? Ou pelo contrário, que comentem “olha, a Fulana não sabe fazer o pino”.
Estive a pensar neste meu desconforto. Mais uma vez, faz parte da cultura gótica. Os góticos não gostam de dar nas vistas. Principalmente no meio de estranhos. Vão achar isto uma contradição devido à aparência de um gótico normal. Pensarão vocês que uma pessoa que não gosta de dar nas vistas se veste de forma a ficar “invisível” entre a multidão. Idealmente, sim. Essa é uma das maiores contradições que todos os góticos têm de enfrentar. Alguns vestem-se mesmo de forma a ficar “invisíveis” no meio da multidão. Mas isso, por outro lado, e não tenhamos ilusões, é encarado no meio gótico como sinal de fraqueza. A verdade é que aqueles que gostam de estar “invisíveis” também gostam de ver o estilo dos que se vestem de forma mais extravagante, só que não têm coragem de fazer o mesmo.
Porque é que é encarado como forma de fraqueza? Bolas, já basta a sociedade a tentar fazer-nos ficar invisíveis, era só o que faltava que pessoas supostamente do nosso meio não queiram sair das meias tintas, do agradar a gregos e a troianos. Por muito boas pessoas que sejam, ou têm coragem ou não têm. Se não têm, se a sociedade vos castrou assim tanto, não venham com desculpas esfarrapadas. Admitam: “eu não tenho coragem” porque “a mãe não deixa” ou “o patrão não deixa”. É muito mais bonito e só vos fica bem.
Tive uma amiga, até um bocado espalhafatosa, que tinha um sério problema com isto. Por um lado gostava de vestir-se de forma extravagante; por outro, não suportava que olhassem para ela na rua.
Não há melhor maneira de expor a situação do que citar o ditado popular “não se pode ter sol na eira e chuva no nabal”. O mundo ideal para o gótico era aquele em que pudesse vestir-se como quisesse e ninguém reparasse nisso. Que as pessoas se habituassem a ver estilos esquisitos.
Essa sociedade está longe, e muito mais longe quando falamos de Portugal. Mas uma coisa vos digo: também não ajudam se contribuírem para reforçar a mentalidadezinha de província. Assim é que nunca mais saímos da mediocridade!
É difícil, mas se pensam que a mudança começa pelos outros, é caso para dizer que se não fazem parte da solução fazem parte do problema.
Portanto não, o gótico não quer ser contraditório quando se veste da maneira que veste e mesmo assim preferia não dar nas vistas. O gótico queria era que a sociedade evoluísse de tal forma que não parecessem formiguinhas todas iguais, todas invisíveis.
Vou contar-vos um caso paradigmático. Outro dia, estava eu na paragem do autocarro para o Bairro Alto, à noite, quando apareceram dois casais, aí nos quarentas ou cinquentas, que tinham provavelmente vindo de um restaurante. Estavam tão bem vestidos, mas tão bem vestidos, que mais pareciam espanhóis. Ficou a paragem toda a olhar, todos de queixo caído, eu inclusive. Os homens de sobretudo, as senhoras de cabelo arranjado. Mas não era o arranjado “bimbo”. Era o arranjado chique. Meteram-se no seu Mercedes (tive o cuidado de reparar) e arrancaram para um outro sítio. Com certeza devem ter sentido todos aqueles esgares de boi a olhar para um palácio.
Escusado será dizer-vos que não eram góticos (caso dúvida restasse). Deviam ser pessoas da alta sociedade, viajadas, que não têm de andar nos transportes públicos a sofrer a invejazinha do povo português. O povo português não os inveja só porque são ricos. Também os inveja porque são bonitos. É isto que me passa da cabeça. O ódio que o povo português tem à beleza.
Não é futilidade da minha parte. É mesmo ódio à vossa fealdade voluntária.
E por falar em futilidade, se ao menos fossem feios mas cultos... Mas se o lema de Portugal é “todos feios, todos ignorantes”, não há ponta por onde se pegue!
Publicado por _gotika_ em 08:22 AM | Comentários: (5)
Mais considerações sobre o movimento gótico - a (não) violência
De facto a cultura gótica não é só andar de preto e ouvir música depressiva (tenho lido essa ideia aqui em alguns comentários e em comentários de outros blogs assumidamente góticos). Isso é mesmo de quem está completamente por fora.
Nem acredito que me tenha esquecido deste “pormenorzinho” tão importante na minha grande dissertação anterior sobre o movimento gótico. Podia dizer “imperdoável” mas é impossível lembrar-me de tudo ao mesmo tempo. É de facto uma cultura muito complexa.
Tudo isto para dizer que os góticos são um grupo pacífico. Apesar do aspecto, são pessoas que evitam a todo o custo meter-se em confusão e, principalmente, em agressões físicas. Não quero dizer que não haja uma ou outra ovelha ranhosa (há sempre) mas que vocês (estranhos ao movimento) fiquem bem cientes que a violência física é altamente condenada no meio gótico.
Ninguém vai ter com a pessoa em causa e lhe diz “fizeste mal em andar à porrada”, mas também não é preciso. Um indivíduo com má reputação de briguento vê rapidamente as costas voltarem-se e as portas dos sítios góticos a fecharem-se. Ninguém gosta de rufiões! Ninguém quer ali brigas! Não só dá mau nome ao local e às pessoas, como, pior que tudo, estraga o ambiente.
Já disse e repito: os góticos gostam de sair para apreciar a música. A última coisa que querem é uma besta qualquer a armar confusão. Não há desculpa. A bebedeira não é desculpa, antes pelo contrário.
Nem todos os jovens aspirantes a góticos sabem que a violência física é a melhor maneira de serem corridos do meio, mas com o tempo os mais velhos vão socializando os mais novos.
Estou a bater nesta tecla porque actualmente a violência está espalhada pela noite em geral. Muitos pais têm medo de deixar sair os filhos. Eu percebo. Quando se chega ao ponto de haver tiroteio porque o porteiro não deixa as pessoas entrarem na discoteca...
Também se aprende a evitar o perigo. Nestes anos todos aprendi a “cheirar” no ar se a noite está perigosa. Mas ninguém pode evitar ir muito bem na rua e apanhar um tiro de um bêbedo qualquer. São coisas que acontecem.
Voltando o meio gótico, sou absolutamente contra que os locais deixem entrar gente estranha. Já não é por se vestirem mal, por não saberem dançar, por pensarem que ali se vai para o engate, isso são pormenores. A probabilidade de haver merda (vulgo, porrada, ou roubos) é exponencialmente proporcional à presença de gente de fora. E quando há porrada, e quando partem coisas, a malta gótica ri-se dos donos dos bares. Na tentativa de fazerem mais dinheiro, prejudicam-se e dão mau nome à casa. “Ah, a gente não sabia que o gajo era perigoso”, é a desculpa. Então, não? Entram dois ou três gajos ramelosos, malcheirosos, com o cabelo a escorrer óleo que até mete nojo, a olhar para as gajas como se nunca tivessem visto uma mulher, com a mania que são machões... Estavam à espera de quê?
Como se dá a coisa? É simples. Para explicar o fenómeno vou voltar a analisar a psicologia do gótico. Talvez algum seboso esteja a ler isto. O que duvido, porque tenho abusado das palavras difíceis, mas tentarei ser mais simples. Talvez assim o seboso perceba (ou algum de vocês lhe explique, se fizerem o obséquio, obrigada).
Nestes anos todos, e já são bastantes no life span de um gótico, só vi porrada entre góticos (homens) por causa de mulheres. É sempre. É certinho. Quando virem dois góticos à porrada, questionem-se “quem é ela?”. Cherchez la femme.
Os góticos são machistas. É um facto. Basta entrar numa casa de banho de góticos (homens) para perceber que o conceito de limpeza ficou em casa, com as mãezinhas. - Sim, eu já entrei, em momentos de aflição superior, e quase saí intoxicada com o cheiro a mijo. Já a casa de banho das góticas é bastante limpa. Mas as casas de banho ficam para outro dia. - Como eu dizia, os góticos são machistas. Bem, tendencialmente machistas. Tem a ver com a ideia do herói romântico, o cavaleiro andante, o vampiro com o seu harém de vampiras...
Quando alguém, gótico ou não, ofende ou parece ofender a sua dama... É melhor sair da frente. Geralmente as brigas acontecem porque a respectiva dama se vai queixar, coitadinha, que um cavalheiro estranho elogiou de forma lasciva o rego do seu decote proeminente e isso basta para o gótico ofendido ir pedir explicações... Sim, sim, é um bocado à século passado. Não sei porque é que a comunidade tolera estas brigas. Talvez porque são pessoais e raramente acontecem dentro do local. Se vi meia dúzia, nestes anos todos, foi muito.
Um gótico não bate às mulheres (pelo menos, em público - em privado, não sei).
E as góticas não andam a bater umas às outras. Nunca - mas nunca - vi duas góticas engalfinhadas a puxarem os longos cabelos ou a arranharem a pele acetinada uma à outra. Se calhar até era giro, mas simplesmente não acontece. Há outras formas mais subtis de passar a mensagem, formas essas tão subtis que não são para o público em geral.
Disse que os góticos são machistas. Mas as góticas não são santas. Alguém acredita que a menina ofendida com a ousadia do tal cavalheiro não esteve a provocar? Ninguém, a não ser o parvo do namorado.
Isto se estamos a falar de uma gótica e dois góticos. Vou chamar-lhe a situação A.
Eis a situação B: um seboso entra num local gótico. Só por isso já merecia levar uma tareia. Se o seboso se atreve a encostar-se a uma rapariga que, por azar, tem ali o namorado, leva porrada e é bem feita. E é bem feita por três razões:
1, é seboso
2, encostou-se à namorada
3, as duas anteriores.
Outro motivo para começar a porrada. Os góticos exprimem a violência pela dança, o que é uma bela maneira de sublimar os instintos baixos. Pela arte, com certeza. Músicas mais metaleiras podem originar um turbilhão na pista de dança. O que é mais interessante, quiça até digno de ser estudado cientificamente, é que conseguem dançar aos saltos sem se aleijarem. Eu sei porque estive lá algumas vezes, geralmente a dançar Marilyn Manson, e não sou propriamente uma cavalona, mas arrisquei-me, temendo ser pisada e tudo, mas não, não toquei em ninguém nem ninguém me tocou. Isso sim, é um fenómeno. Uma vez levei lá o meu amigo Geek - ele pode, porque vai comigo, embora se vista à bimbo, mas vai comigo, tem o selo de qualidade. Foi dançar Rammstein para a pista e veio queixar-se que tinha levado com os cabelos de alguém na cara. “Só com os cabelos?”, perguntei eu, “Tens sorte em ninguém te ter caído para cima”.
Posto isto, e que é certo que a violência se exprime na pista de dança, imaginem um seboso ali parado, de copinho na mão, armado em parvo a pensar que as raparigas boazonas gostam da pinta dele.
Parado, na pista de dança!
Começa uma música mais metaleira. A malta dá-lhe encontrões porque:
1, é um seboso
2, entrou num local gótico
3, está parado no meio do movimento
4, veste-se mal
5, não sabe dançar
6, contnua parado no meio do movimento quando a música já está a meio e não percebe que tem duas alternativas: dançar também ou sair dali
7, está a estorvar
8, além de seboso, é estúpido
9, todas as anteriores
O seboso não gosta dos encontrões, não percebe a mensagem (se fosse muito esperto não se vestia tão mal), e começa a bater em alguém. Depois leva. E é bem feita. E é bem feita porque... ver razões acima.
Um seboso pode começar uma briga por muito menos. É o célebre: “Are you talking to me? Are you fucking talking to me?”
Os sebosos também não percebem porque é que as raparigas góticas preferem os outros góticos. Realmente, é preciso um Einstein para perceber isto! Sentem-se inferiores, arranjam confusão, tentam provar pela porrada que são muito homens...
Em suma, SEBOSOS FORA DO MEIO GÓTICO!
E que fique bem explícito: Qualquer gajo que vá para lá arranjar confusão é um SEBOSO. Não interessa a camisinha de marca. É SEBOSO à mesma.
Chega de falar dos sebosos. Depressa percebem que o sítio deles não é ali. Não sei se acontece por o meio ser pequeno e todos se conhecerem pelo menos de vista, mas talvez por isso se tenha aprendido a tolerar a presença dos outros (até de quem não gostamos particularmente) pelo bem da comunidade em geral. Algo que é difícil aprender no maralhal que é a noite das grandes cidades. Como não têm escolha, os góticos preferem não armar confusão com os outros que partilham do mesmo meio. Porque já se sabe que se vão encontrar muitas e muitas e muitas vezes. Acho que isso tornou as pessoas mais evoluídas. Há tantas outras maneiras de magoar quem não gostamos! Aposto que os góticos têm dentro deles uma violência desmedida (como podem ver nas minhas palavras que não são meiguinhas) mas só as pessoas pouco inteligentes precisam de recorrer à violência física. Partindo deste pressuposto, “andar à porrada é estúpido”, não apetece muito aos góticos dar essa ideia (mesmo que o sejam).
Perguntem a qualquer gótico ou pessoa que o pareça: os góticos só querem que os deixem em paz.
Repito: em paz
(para os mais lerdos, é o contrário de “em violência”).
Voltarei ao tema, com toda a certeza.
Publicado por _gotika_ em 07:28 AM | Comentários: (3)
Outra gracinha
Parece de propósito! 1111, como o quarteto do José Cid. :) E como não se vê muitas vezes, registei.
Publicado por _gotika_ em 03:52 AM | Comentários: (0)
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
Gotika: arquivos Janeiro 2004
Lovecraft - quem?!
Aqui há dias recebi um mail de um escritor português que diz ter encontrado o este blog através de uma busca no Google sobre H. P. Lovecraft. Isso surpreendeu-me. Não apenas porque nunca aqui falei dele, mas mais ainda porque NUNCA li Lovecraft (os amigos não tinham para emprestar).
Fui repetir a pesquisa no Google para me encontrar no meio de Lovecraft. Até agora sem sucesso.
Vi a sua bibliografia. Nunca li nada, confirmo. Mas já tinha ouvido falar muito do homem, não sei exactamente em que contexto. Uma pesquisa pela sua obra e reparei que afinal os seus conceitos não me eram estranhos e chegaram até mim através da banda gótica - gótico mais gótico não há - "Fields of the Nephilim". Agora já sei quem é a Kathula. Finalmente! E ao que eles se referem quando falam do "reanimator". E os próprios Nefilins, que eu só conhecia da Bíblia. E aposto que isso está relacionado com a cultura Suméria...
"O bom da iliteracia é que há sempre coisas para descobrir" (esta não é minha). Torna-se complicado por vezes descobri-las porque as coisas que valem a pena (para mim, pelo menos), já não se encontram no mainstream, ao sol das FNACs e dos Colombos. Muito obrigado ao senhor que me despertou para o autor. Já vi que tenho muito que ler. E revisitar certos conceitos que conheço em segunda mão. Vai ser interessante. Respondo-lhe assim que puder.
Entretanto, descobri este testezinho. Se quiserem divertir-se...
You are Herbert West, Reanimator. How lucky for
you, you sick bastard. Making zombies out of
people, that is just sick (but cool in its own
way).
What Lovecraft Character Are You?
brought to you by Quizilla
Nota: Ainda não me encontrei a mim mas já vi "The Old Man" na listagem. Ele há coisas da breca!...
Publicado por _gotika_ em 06:24 AM | Comentários: (3)
~~§~~
Comentário:
O teste já não existe.
Lovecraft, entretanto, inundou o meu inconsciente.
~~§~~
Carta de uma menina especial
Ela escreveu, eu respondi. Aqui fica a parte que gostava que lessem.
Em relação ao texto "Eu, Gótica":
Estou na fase da adolescência, e o texto deixou-me mais alivíada. É que +/- há 3 meses, agora cada vez mais, tenho sentido uma atracção por tudo o que é gótico, tanto a nível estético (até já dizem que só visto preto), também tenho ouvido muita música gótica, mas é principalmente a minha mudança a nível espiritual que que me tem surpreendido e assustado. É como se sentisse alguma força a puxar-me para baixo. Dou comigo a escrever poemas tristes e obscuros, choro muito. Fico maravilhada (e sinto uma paz) quando vejo arte gótica: os monumentos, as fotografias artísticas, as roupas, a época
medieval, e até os cemitérios; e também pessoas, sinceramente, acho lindo!
Também gosto muito mais da noite que do dia, mas isso acontece. Não sei de onde poderá vir esta influência, pois nunca conheci ninguém gótico (muito pelo contrário) nem nunca falei disto com ninguém. Talvez também seja por isso que esteja a escrever, é que não tenho ninguém que fale comigo disto, e também tenho um pouco de medo do que possam pensar. É como se isto fosse um desabafo.
É uma grande responsabilidade escrever-te, quero que saibas isso, mas também não quero entrar num paternalismo excessivo. Até porque não te conheço, não sei o teu percurso, vou ficar pelas palavras mais simples que me ocorrem e que são estas:
Na adolescência é normal passarmos por uma fase de inadequação, de tristeza, de sentimentos extremos, até de depressão. A sério, é normal. Basta leres umas coisas sobre adolescência para veres que não és a única. Aliás, garanto-te que também lá estive. Mas também garanto que isso passa. A fase, isto é. A depressão nem sempre. A tendência para a melancolia também não passa. E também não é defeito, é feitio. Se as pessoas à tua volta não te entenderem, não percas tempo, procura outras. Há pessoas que não compreendem a melancolia, temos de aceitar que são mesmo assim, tal como pedimos para nos aceitarem como nós somos. É uma questão de tolerância.
Se estiveres deprimida, procura ajuda. Não é vergonha procurar ajuda. O que é na minha opinião uma vergonha é ter vergonha de procurar ajuda. E depois vê-se o resultado, gente recalcada, que nunca se analisou, que tem vergonha de olhar para dentro... Por fazermos terapia não quer dizer que sejamos loucos. Loucos são os que pensam que são perfeitos. E depois, como eu disse, vê-se o resultado...
E pronto, esta era a parte de facto preocupante do teu mail. Quanto a...
No entanto nunca disse a ninguém que era gótica ou nada parecido, porque não sou, nem nunca tive intenção de ser (Nunca se sabe... Mas deve ser só um estado de espírito), e também nunca dei isso a entender a ninguém, a ponto de alguém suspeitar de alguma coisa (acho eu). Apenas duas grandes amigas minhas mais chegadas me disseram que o estilo me fica bem e tem a ver comigo.
De facto, não vejo nada de preocupante aqui. :)
A adolescência é uma fase de experiências e de riscos e de rebeldia. Se os riscos e a rebeldia se ficarem pelas roupas que vestes e a música que ouves os teus pais podem ficar descansados (embora eles provavelmente achem que não).
Agora a conversa de gaja mais velha para gaja mais nova: não experimentes droga (podes lá ficar), o álcool não é água e a SIDA anda aí. De resto, conversa de gótica para menina: não te deixes usar por ninguém mas também não te feches no teu mundo sem deixar ninguém entrar por medo de sofrer, porque o sofrimento faz-nos mais fortes.
Com admiração:
(tenho 15 anos e estou no 10º ano)
Eu é que tenho de admirar uma menina de 15 anos, no 10º ano, que já escreve tão bem. Hoje em dia começa a ser raro.
Agora queria pedir-te que me deixes transcrever esta parte do teu mail e da minha resposta para o blog (sem o teu nome, claro!) porque pode ser que responda a mais alguém...
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Ela deixou, e aqui está.
Um dia vou contar como conheci o movimento gótico e como foi a minha primeira vez. A minha primeira vez no mundo gótico, claro! (lá tinha que vir a piadinha brejeira)
Nunca tive grandes dúvidas sobre a minha pessoa, nem inquietações do tipo "será que sou isto? será que sou aquilo?". O que sempre me perturbou foi o não conseguir fazer isto ou aquilo: as minhas realizações, não o meu ser. De modo que estas dúvidas nunca me assaltaram. Será por isso que tive uma adolescência espectacular? Bem, alguma vantagem há-de haver na precocidade.
Publicado por _gotika_ em 02:17 AM | Comentários: (8)
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H. P. Lovecraft
domingo, 11 de novembro de 2012
Rosa Crux ao vivo na Caixa Económica Operária 3.11.2012 [actualizado: foto]
[Foto de Nuno Consciência, gentilmente cedida via Abismo Humano.]
Publicado originalmente no Pórtico.
Estive quase para não ir ver. Muitos factores. Cansaço sobretudo. Antes de anunciado o concerto o nome da banda era-me apenas familiar. Não conhecia a música. Nisto entram ainda mais factores que não vou enumerar, mas saliento acima de tudo a falta de tempo para procurar música nova que me interesse (era diferente nos anos da adolescência, e este tema dava pano para mangas, mas não me vou alongar).
Os concertos têm tido, pelo menos para mim, o efeito de motivar a pesquisa. Foi o que fiz e descobri os Rosa Crux. Quanto mais os ouvia e via (existem online suficientes vídeos de performance ao vivo) mais me convencia de que devia ir.
Que o devia a mim própria.
Que o devia aos Rosa Crux.
Que uma banda como os Rosa Crux merece um obrigado presencial. E o apoio necessário para continuar.
Foi tudo cinco estrelas. Só faltou o público. Várias razões podem explicar que a Caixa Económica Operária estivesse a um terço da sua capacidade. Festas de Halloween, primeiro concerto de Dead Can Dance em Portugal a 24 de Outubro na Casa da Música, fim-de-semana propício a ponte que pode ter levado muitos (dos que têm possibilidade de ir) para fora de Lisboa, e, last but not least, a fatídica falta de dinheiro (dos que não têm possibilidade, ponto final).
Os Rosa Crux não se incomodaram com a escassez de público. Um público, porém, talvez demasiado tímido, o que motivou a que o vocalista pedisse às pessoas para se aproximarem do palco. As pessoas aproximaram-se. Timidez talvez de parte a parte uma vez que exceptuando o "bon soir", o pedido que não se fumasse para não prejudicar a voz, e o anúncio da música final, a que se seguiu o encore com mais dois ou três temas instrumentais, Olivier Tarabo sorriu muitas vezes mas não falou. Se problemas havia, com a voz, esta foi bem poupada porque não se notou qualquer falha.
Não tenho uma lista de temas (aliás, temeria errar se me aventurasse por aí) mas ouviram-se certamente os mais conhecidos, e até os outros, de tão bons, não pareciam desconhecidos. Não faltou a performance "La danse de la terre". Melhor do que descrever o que existe amplamente em imagens na internet, convido os leitores que não conhecem e/ou nunca viram ao vivo a ver por si próprios. Ao vivo não faz a poeirada que parece. Diria mesmo mais, eu que não sou nada adepta de performances teatrais deste género, logo completamente insuspeita de favorecimento, achei que a performance se passou com uma naturalidade que não colocou pessoas menos "teatralmente interactivas" (como eu) pouco à vontade. Confesso que tinha receio que acontecesse qualquer cena propícia a fobia social como o público ser convidado a participar. [Alguns artistas não compreendem que algum público não quer participar. Felizmente, não foi o caso.]
O facto de existirem na internet tantos exemplos do que a audiência pode actualmente esperar dos Rosa Crux (inclusive da participação no Entremuralhas 2011) suscita-me a inutilidade de entrar em mais pormenores. Tudo o que virem em vídeo é melhor ao vivo. Está tudo dito. Foi um bom concerto. Um grande concerto. Um dos melhores que já vi. Faltou o público. A banda não se importou. Merecia mais.
Rock gótico
Muitas vezes me perguntam o que é o gótico. Não vou responder a isso agora.
Muitas vezes me perguntam o que é a música gótica. A resposta é tão complexa que costumo responder que a música gótica é a música que os góticos ouvem. Tecnicamente não é bem assim, mas serve. Hoje, ao falar dos Rosa Crux, posso afirmar: isto é música gótica. Mais especificamente, rock gótico. Guitarra, contrabaixo, piano, sinos, coros, temas épicos, ritualísticos, melancólicos, sempre cobertos de obscuridade (no caso dos Rosa Crux tamanha obscuridade que as próprias letras são em latim), e acompanhamento electrónico suficiente. Pode não parecer importante, para ouvidos mais jovens, mas o rock gótico dos anos 80 (isto é, quando o rock gótico hoje chamado "clássico" foi inventado) era descrito como "voz grave, guitarra, baixo, caixa de ritmos". Na altura, o uso da caixa de ritmos a substituir a bateria era algo de inovador e ousado! Lembro-me de uma discussão sobre se os Cult eram ou não góticos porque usavam bateria em vez de caixa de ritmos. Os Fields of the Nephilim idem. É difícil explicar isto a ouvintes mais recentes mas nos anos 80 os géneros musicais também eram catalogados consoante os instrumentos que usavam. Era tudo muito compartimentado. As bandas de rock não usavam sintetizadores, as bandas de rap não usavam riffs de heavy metal, as bandas de heavy metal não usavam vocalizações pop. Era a Lei. Tudo o que saía destas "caixas" era um bicho de sete cabeças. Eram tempos simples, em que os Depeche Mode faziam música electrónica, ponto final, Madonna fazia música pop, ponto final, os U2 faziam rock, ponto final. Imaginem a nossa surpresa quando aparecem, nos anos 90, umas bandas esquisitas como os Rammstein, a usar sintetizadores e guitarras! Seria electrónico, seria rock, seria industrial?
Tudo isto para explicar porque digo que os Rosa Crux, embora o primeiro álbum date de 1995, seguem a base clássica "voz grave, guitarra, baixo, bateria e/ou electrónico", logo, o rock gótico como o conhecíamos. Sem preconceitos ou receios. É curioso notar que os Rosa Crux existem desde 1984, mas talvez o público não estivesse pronto para os Rosa Crux. [Outras bandas, como os Alien Sex Fiend, sofreram devido ao mesmo génio.] Eu própria me imaginaria, na altura, a torcer o nariz a toda a imagética de sinos, velas, caveiras, rituais, e a remetê-los para a secção "demasiado religioso para o meu gosto".
Os gostos, na altura, e maioritariamente, eram outros, não preciso de os enumerar agora, mas talvez seja mais do que tempo de reconhecer aos Rosa Crux o estatuto que merecem.
Se me pedissem um exemplo de rock gótico, presente, alive and kicking, dificilmente encontraria melhor.
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sábado, 10 de novembro de 2012
Gotika: arquivos Janeiro 2004
janeiro 09, 2004
Ena! E eu estava online para ver isto! Que espectáculo!
Publicado por _gotika_ em 10:47 AM | Comentários: (2)
Ena! E eu estava online para ver isto! Que espectáculo!
Publicado por _gotika_ em 10:47 AM | Comentários: (2)
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
Gotika: arquivos Dezembro 2003
janeiro 02, 2004
Uma canção
How long will it take
Before you see
There is no room for you
Inside of me
Deep in our hearts
We are alone
Deep in our blind hearts
Skin and bone
In many ways
You've lost your dignity
Hey girl, give up
Your hopeless ecstasy
Deep in our hearts
We are alone
Deep in our blind hearts
Skin and bone
Kiss high heaven
Kiss one other
Kiss the earth
And kiss the sea
Everything instead of me
Everything instead of me
Kiss your precious destiny
Deep in our hearts
We are alone
Deep in our blind hearts
Skin and bone
Deep in our hearts
We only know
Deep in our blind hearts
Skin and bone
Bone of contention
Bone of contention
Bone of contention
We only know
Blind Hearts
Clan of Xymox
Publicado por _gotika_ em 12:00 PM | Comentários: (4)
Um filme e uma peça
“O Diário de Bridget Jones”. Ora aqui está um bom exemplo de tudo o que eu não sou, de tudo em que eu não acredito, de tudo o que eu acho estúpido, medíocre e fútil, de tudo o que eu não quero ser quando for grande, de tudo o que, em suma, eu abomino.
É por isso que é bom ver filmes destes. Põe tudo de novo na perspectiva adequada.
Bem, então quando é que repetem “O Senhor dos Anéis”? Desta vez à noite, si vous plais...
Por outro lado, outro dia apanhei por acaso, na SIC, uma peça de Shakespeare. O “Hamlet”. Embora estejamos todos fartos de ouvir pedacinhos da peça, nem que seja o célebre “ser ou não ser”, confesso que nunca tinha visto a peça toda do princípio ao fim por falta de interesse. Desta vez, talvez porque a adaptação fosse excepcional ou a qualidade dos actores fora de série ou outro factor qualquer, fiquei ali agarrada ao enredo, como se não o conhecesse. Shakespeare é complexo e digna-se a várias interpretações. Aqui fica a minha, e vou contar-vos a história à minha maneira.
Hamlet, um príncipe dinamarquês, é visitado pelo fantasma do seu pai, o rei, que lhe conta que foi envenenado pelo irmão e exige vingança. O irmão do rei cometeu o fratricídio por ambicionar o trono e desejar a rainha. O homicida conseguiu de facto tornar-se rei e casar com a mulher do irmão (mãe de Hamlet) que, tudo indica, não conhece a natureza sórdida do novo marido. Hamlet, perturbado, não quer agir sem ter provas de que aquilo que o fantasma lhe contou é verdade. Questiona-se sobre a sua lucidez e a veracidade das palavras do espectro. E se foi um demónio, e não o seu pai, que o visitou para o atormentar? Organiza, portanto, uma peça de teatro em que é representado um drama semelhante ao contado pelo fantasma e manda-o representar em frente à corte. Observa a reacção do tio, o rei. Este fica bastante nervoso. Para Hamlet, é prova suficiente de que é culpado. Contudo, sente ainda problemas de consciência em agir. E se os seus olhos lhe mostram o que ele quer ver? Entretanto, é melhor fingir-se de louco para que o tio não perceba as suas suspeitas. O destino prega-lhe uma partida quando, discutindo com a mãe, acaba por expor os seus pensamentos e matar um conselheiro da corte, pensando tratar-se do tio. Este homem é o pai da amada de Hamlet, Ofélia. Por esta razão, Ofélia enlouquece. Torturado pela culpa, Hamlet profere o célebre discurso “to be or not to be, that’s the question”. Agir, vingar-se, e sofrer as consequências dos seus actos, ou pura e simplesmente deixar tudo como está para não causar mais sofrimento aos outros? Eis a questão. A sua vingança já causou sofrimento à inocente Ofélia. Mais inocentes sofrerão. Por exemplo, a rainha, que parece ignorar que o marido foi assassinado e está feliz com o novo marido. E Hamlet questiona-se se o simples mortal suportaria a tirania, a injustiça, a crueldade deste mundo, sem se vingar, se não tivesse medo da vida que vem depois da morte, da simples hipótese que a morte não seja fim de tudo...?
Não vos conto o final. Digo-vos apenas que as suspeitas de Hamlet se confirmam quando descobre que o tio o deseja condenar à morte. Seja como for, a peça está toda aqui e neste simples pensamento: aceitamos o destino sem nos queixar para sermos recompensados na vida futura, ou fazemos justiça aqui na terra porque não existe Justiça Divina? E onde é que paramos na nossa demanda de justiça, uma demanda terrestre, humana, correndo o risco de ser parcial, imponderada e igualmente injusta?
Publicado por _gotika_ em 07:20 AM | Comentários: (0)
Que noite!
(Yupiiiii!, já tenho internet outra vez!!! Já nem sei como era a vida antes da internet!)
Este fim de ano não foi divertido. Mas foi uma noite para pensar, para pensar muito. Aqui estão algumas reflexões.
Primeiro que tudo, achei as pessoas tristes. Não falo dos góticos mas das pessoas em geral. Não notei verdadeira alegria nos rostos. Estive a ver o fogo de artifício na Praça do Comércio onde, segundo a televisão, estiveram 60 mil pessoas, e notei que a “alegria” era forçada, e alimentada a cerveja. Anda tudo deprimido. Eu, bem, como devem calcular, não tinha (tenho) grandes razões para exultar de alegria. Parece que muita gente está na mesma. Não vamos tapar o sol com a peneira. Há crise e é bem grande.
O fogo de artifício, coitadinho... Vi melhor no Algarve, quando tinha dinheiro para ir para lá, numa daquelas noites quentes na praia... Enfim, acho que já fiz vida de princesinha e aproveitei todos os momentos. (Isto de ir para o Algarve não é de todo gótico, muito menos gostar de praia como eu gosto, mas tecerei mais considerações sobre o assunto lá para o Verão, se ainda andar por cá.)
Deixemos a gente normal e voltemos aos góticos. Vi muita gente que já não via há muito tempo. Inclusive uma senhora muito gótica que, reparei eu, já deve andar nos seus trintas e muitos, quarentas, ali na pista de dança a curtir o som, sem perder a majestade.
O meu primeiro pensamento foi preconceituoso até dizer chega. “Coiso e tal, tão velha, coiso e tal...” Mas isto de sermos cultos obriga-nos, não só a sermos politicamente correctos, como também a sabermos porque o somos. Lembrei-me do que li n’”As Brumas de Avalon” e de repente tudo fez sentido. A Deusa pagã tem três faces: a Virgem, a Mãe, a Velha. As três faces da Mulher. Ou as três fases da vida. Cada fase tem o seu encanto e o seu encanto é diferente. A sociedade que nos rodeia concentra toda a importância na primeira fase, a da mulher jovem, adolescente, viçosa, bonita. Desde há alguns anos, começou-se a dar importância também à segunda fase, a da Mulher-Mãe. Eu ainda sou do tempo em que era uma vergonha uma mulher grávida exibir a barriga nua em público, como agora se vê na praia ou na capa das revistas. No tempo em que a minha mãe andava grávida de mim, por exemplo, as mulheres grávidas usavam uns fatos de banho com folhinho à volta da barriga, mesmo as que andavam de biquini antes da gravidez. Mostrar a barriga grávida era feio. Hoje não. Hoje achamos bonito, terno, respeitável. Vejam como muda a mentalidade e a noção do que é estético num espaço relativo de poucos anos.
Isto tudo a propósito da senhora gótica. Não vou pegar no cliché do que o que importa é ser jovem de espírito porque já todos sabemos isso (ou devíamos saber). Está na hora da sociedade redescobrir o valor dos mais velhos, dos anciãos, como aqueles que podem aconselhar e ajudar os mais novos. Também admito que os mais velhos, a certa altura, deixaram de ser respeitados porque ficaram agarrados a uma moral decrépita que já não fazia sentido, se é que alguma vez fez. Falo da grande década dos conflitos geracionais, os anos 60. Os jovens foram longe demais (e a prova disso é que acabaram por voltar atrás) e os velhos não cederam um milímetro. Espero que tenhamos aprendido alguma coisa dessa experiência e que saibamos aproveitá-la para nosso benefício. Que tentemos aprender com as gerações mais velhas e as gerações mais novas. Que nos esforcemos por tirar partido da sabedoria de uns e da rebeldia de outros.
A senhora muito gótica impõe respeito. Não vos dizia que há uma espécie de hierarquia à vampiro em que os mais velhos não se afrontam? Afinal, não esteve ela no princípio de tudo, não foi uma pioneira, talvez até punk? Não tem uma história muito mais intensa e preenchida que a minha?
Lembrei-me de Viviane, d’”As Brumas de Avalon”, a velha senhora do lago a quem Morgaine está destinada a suceder. Esta anónima é uma espécie de Viviane para mim. Não um modelo, porque gótico que é gótico é suficientemente arrogante para usar os modelos em vez de os seguir, para tirar deles o que acha aproveitável e desprezar o resto, mas uma figura de referência incontornável.
Gostei de a ver. Gostava de a ver mais vezes por lá. Gosto tanto de a ver como aos miúdos que lá aparecem pela primeira vez, demasiado pintados, inseguros, excessivos. Entre a Virgem e a Velha, acho que isso me torna a Mãe. Hmmmm... Acho que temos de readaptar a Deusa pagã para o século XXI. Até porque nos tempos de Viviane e Morgaine toda a gente morria aos 40, 50 anos. Actualmente, aos 30 somos uns jovens com 60 anos (no mínimo) pela frente. O que transtorna, e muito, a nossa velha noção do que é um “ancião”... Naquele tempo, eu já deveria ter uma dúzia de filhos e estar de pés para a cova. Olhem como as coisas mudam.
Há uma particularidade gótica que é não falarmos uns com os outros. Muito menos com estranhos. Por falar em estranhos, aqui fica um encarecido apelo: só porque gostam de me ler, só porque eu tenho ideias estranhas e uma perspectiva diferente, não apareçam por lá! A sério! Nós não gostamos de estranhos. Só porque não vos tratamos mal e vos toleramos não quer dizer que gostemos de vos ver no meio de nós. São um dó de alma! Eu gosto de sair para ver a minha “beautiful people”. Camisas às risquinhas e ténis, poupem-me! O que vão fazer para lá, gente de Deus? Há música muito melhor nas Docas, na 24 de Julho, na casa dos amigos. Olhem, já experimentaram bares de karaoke? Dizem-me que é muito giro. Mas não vão lá para nos ver. Não somos nós a atracção zoológica, é mais ao contrário... Também escusam de se vestir de preto. Não conseguem. A sério, não conseguem. Não é assim tão simples. Mas se tiverem que ir, não se queixem que os góticos são frios. São frios sim senhor, digo-vos eu. Nós nem falamos uns com os outros, porque havemos de falar convosco?
Mas, acima de tudo, não se ponham na pista de dança, parados, feitos semáforos de trânsito. Podem não perceber mas os góticos gostam de facto de música, vão ali por causa da música e gostam mesmo de dançar. Não se limitam a ir abanar a careca para o meio da pista para engatar a boazona da cruz invertida. A boazona da cruz invertida é um extra, a música é que é importante. Vejam se metem isso na cabeça por amor de Deus! Estão a empatar, não percebem? A malta quer dançar e vocês não deixam! A malta precisa de espaço. Vocês estragam o ambiente! Se a malta não dança deixa de ir lá, se deixa de ir lá começam a entrar mais estorvos e a malta ainda deixa de ir mais!... Enfim, perceberam.
Há pessoas que conheço há quase vinte anos e com quem nunca troquei uma palavra. Sinto por eles e elas um carinho estranho, e sei que o sentem também por mim, mas nunca trocámos uma palavra. Acho que é de propósito. Para quê estragar uma bela amizade cúmplice com as palavras que nos podem magoar? Digam o que disserem, os góticos percebem de psicologia. Somos poucos, temos de saber viver uns com os outros e sabemos que as palavras podem magoar muito. (“Words are very unnecessary, they can only do harm”, Depeche Mode) O silêncio, os olhares, dizem tudo. Palavras para quê?
Lembro-me de situações em que encontrei algumas dessas pessoas fora do nosso ambiente natural. Fingimos que não nos conhecemos de lado nenhum. É interessante. Não sei explicar porquê. Procurem a resposta nos livros da Anne Rice. (Será que ela se inspirou nos góticos para criar os vampiros ou foram os góticos que se inspiraram nos vampiros?... Boa questão. Talvez nenhuma das respostas. Nem nenhuma das perguntas. Talvez seja coincidência.) Por outro lado, fora do nosso ambiente natural, e quando houve problema, aí sim nós falámos pela primeira vez, pessoas que se conheciam há anos sem trocar uma palavra, como se fôssemos amigos íntimos, talvez para nunca mais voltar a falar.
Digam lá que não têm inveja? Ah, pois, eu sei que têm. Mas, como eu disse, nós somos poucos e damos valor ao pouco que nos une. Às vezes é mesmo bem pouco, acreditem.
Publicado por _gotika_ em 07:19 AM | Comentários: (3)
Uma canção
How long will it take
Before you see
There is no room for you
Inside of me
Deep in our hearts
We are alone
Deep in our blind hearts
Skin and bone
In many ways
You've lost your dignity
Hey girl, give up
Your hopeless ecstasy
Deep in our hearts
We are alone
Deep in our blind hearts
Skin and bone
Kiss high heaven
Kiss one other
Kiss the earth
And kiss the sea
Everything instead of me
Everything instead of me
Kiss your precious destiny
Deep in our hearts
We are alone
Deep in our blind hearts
Skin and bone
Deep in our hearts
We only know
Deep in our blind hearts
Skin and bone
Bone of contention
Bone of contention
Bone of contention
We only know
Blind Hearts
Clan of Xymox
Publicado por _gotika_ em 12:00 PM | Comentários: (4)
Um filme e uma peça
“O Diário de Bridget Jones”. Ora aqui está um bom exemplo de tudo o que eu não sou, de tudo em que eu não acredito, de tudo o que eu acho estúpido, medíocre e fútil, de tudo o que eu não quero ser quando for grande, de tudo o que, em suma, eu abomino.
É por isso que é bom ver filmes destes. Põe tudo de novo na perspectiva adequada.
Bem, então quando é que repetem “O Senhor dos Anéis”? Desta vez à noite, si vous plais...
Por outro lado, outro dia apanhei por acaso, na SIC, uma peça de Shakespeare. O “Hamlet”. Embora estejamos todos fartos de ouvir pedacinhos da peça, nem que seja o célebre “ser ou não ser”, confesso que nunca tinha visto a peça toda do princípio ao fim por falta de interesse. Desta vez, talvez porque a adaptação fosse excepcional ou a qualidade dos actores fora de série ou outro factor qualquer, fiquei ali agarrada ao enredo, como se não o conhecesse. Shakespeare é complexo e digna-se a várias interpretações. Aqui fica a minha, e vou contar-vos a história à minha maneira.
Hamlet, um príncipe dinamarquês, é visitado pelo fantasma do seu pai, o rei, que lhe conta que foi envenenado pelo irmão e exige vingança. O irmão do rei cometeu o fratricídio por ambicionar o trono e desejar a rainha. O homicida conseguiu de facto tornar-se rei e casar com a mulher do irmão (mãe de Hamlet) que, tudo indica, não conhece a natureza sórdida do novo marido. Hamlet, perturbado, não quer agir sem ter provas de que aquilo que o fantasma lhe contou é verdade. Questiona-se sobre a sua lucidez e a veracidade das palavras do espectro. E se foi um demónio, e não o seu pai, que o visitou para o atormentar? Organiza, portanto, uma peça de teatro em que é representado um drama semelhante ao contado pelo fantasma e manda-o representar em frente à corte. Observa a reacção do tio, o rei. Este fica bastante nervoso. Para Hamlet, é prova suficiente de que é culpado. Contudo, sente ainda problemas de consciência em agir. E se os seus olhos lhe mostram o que ele quer ver? Entretanto, é melhor fingir-se de louco para que o tio não perceba as suas suspeitas. O destino prega-lhe uma partida quando, discutindo com a mãe, acaba por expor os seus pensamentos e matar um conselheiro da corte, pensando tratar-se do tio. Este homem é o pai da amada de Hamlet, Ofélia. Por esta razão, Ofélia enlouquece. Torturado pela culpa, Hamlet profere o célebre discurso “to be or not to be, that’s the question”. Agir, vingar-se, e sofrer as consequências dos seus actos, ou pura e simplesmente deixar tudo como está para não causar mais sofrimento aos outros? Eis a questão. A sua vingança já causou sofrimento à inocente Ofélia. Mais inocentes sofrerão. Por exemplo, a rainha, que parece ignorar que o marido foi assassinado e está feliz com o novo marido. E Hamlet questiona-se se o simples mortal suportaria a tirania, a injustiça, a crueldade deste mundo, sem se vingar, se não tivesse medo da vida que vem depois da morte, da simples hipótese que a morte não seja fim de tudo...?
Não vos conto o final. Digo-vos apenas que as suspeitas de Hamlet se confirmam quando descobre que o tio o deseja condenar à morte. Seja como for, a peça está toda aqui e neste simples pensamento: aceitamos o destino sem nos queixar para sermos recompensados na vida futura, ou fazemos justiça aqui na terra porque não existe Justiça Divina? E onde é que paramos na nossa demanda de justiça, uma demanda terrestre, humana, correndo o risco de ser parcial, imponderada e igualmente injusta?
Publicado por _gotika_ em 07:20 AM | Comentários: (0)
Que noite!
(Yupiiiii!, já tenho internet outra vez!!! Já nem sei como era a vida antes da internet!)
Este fim de ano não foi divertido. Mas foi uma noite para pensar, para pensar muito. Aqui estão algumas reflexões.
Primeiro que tudo, achei as pessoas tristes. Não falo dos góticos mas das pessoas em geral. Não notei verdadeira alegria nos rostos. Estive a ver o fogo de artifício na Praça do Comércio onde, segundo a televisão, estiveram 60 mil pessoas, e notei que a “alegria” era forçada, e alimentada a cerveja. Anda tudo deprimido. Eu, bem, como devem calcular, não tinha (tenho) grandes razões para exultar de alegria. Parece que muita gente está na mesma. Não vamos tapar o sol com a peneira. Há crise e é bem grande.
O fogo de artifício, coitadinho... Vi melhor no Algarve, quando tinha dinheiro para ir para lá, numa daquelas noites quentes na praia... Enfim, acho que já fiz vida de princesinha e aproveitei todos os momentos. (Isto de ir para o Algarve não é de todo gótico, muito menos gostar de praia como eu gosto, mas tecerei mais considerações sobre o assunto lá para o Verão, se ainda andar por cá.)
Deixemos a gente normal e voltemos aos góticos. Vi muita gente que já não via há muito tempo. Inclusive uma senhora muito gótica que, reparei eu, já deve andar nos seus trintas e muitos, quarentas, ali na pista de dança a curtir o som, sem perder a majestade.
O meu primeiro pensamento foi preconceituoso até dizer chega. “Coiso e tal, tão velha, coiso e tal...” Mas isto de sermos cultos obriga-nos, não só a sermos politicamente correctos, como também a sabermos porque o somos. Lembrei-me do que li n’”As Brumas de Avalon” e de repente tudo fez sentido. A Deusa pagã tem três faces: a Virgem, a Mãe, a Velha. As três faces da Mulher. Ou as três fases da vida. Cada fase tem o seu encanto e o seu encanto é diferente. A sociedade que nos rodeia concentra toda a importância na primeira fase, a da mulher jovem, adolescente, viçosa, bonita. Desde há alguns anos, começou-se a dar importância também à segunda fase, a da Mulher-Mãe. Eu ainda sou do tempo em que era uma vergonha uma mulher grávida exibir a barriga nua em público, como agora se vê na praia ou na capa das revistas. No tempo em que a minha mãe andava grávida de mim, por exemplo, as mulheres grávidas usavam uns fatos de banho com folhinho à volta da barriga, mesmo as que andavam de biquini antes da gravidez. Mostrar a barriga grávida era feio. Hoje não. Hoje achamos bonito, terno, respeitável. Vejam como muda a mentalidade e a noção do que é estético num espaço relativo de poucos anos.
Isto tudo a propósito da senhora gótica. Não vou pegar no cliché do que o que importa é ser jovem de espírito porque já todos sabemos isso (ou devíamos saber). Está na hora da sociedade redescobrir o valor dos mais velhos, dos anciãos, como aqueles que podem aconselhar e ajudar os mais novos. Também admito que os mais velhos, a certa altura, deixaram de ser respeitados porque ficaram agarrados a uma moral decrépita que já não fazia sentido, se é que alguma vez fez. Falo da grande década dos conflitos geracionais, os anos 60. Os jovens foram longe demais (e a prova disso é que acabaram por voltar atrás) e os velhos não cederam um milímetro. Espero que tenhamos aprendido alguma coisa dessa experiência e que saibamos aproveitá-la para nosso benefício. Que tentemos aprender com as gerações mais velhas e as gerações mais novas. Que nos esforcemos por tirar partido da sabedoria de uns e da rebeldia de outros.
A senhora muito gótica impõe respeito. Não vos dizia que há uma espécie de hierarquia à vampiro em que os mais velhos não se afrontam? Afinal, não esteve ela no princípio de tudo, não foi uma pioneira, talvez até punk? Não tem uma história muito mais intensa e preenchida que a minha?
Lembrei-me de Viviane, d’”As Brumas de Avalon”, a velha senhora do lago a quem Morgaine está destinada a suceder. Esta anónima é uma espécie de Viviane para mim. Não um modelo, porque gótico que é gótico é suficientemente arrogante para usar os modelos em vez de os seguir, para tirar deles o que acha aproveitável e desprezar o resto, mas uma figura de referência incontornável.
Gostei de a ver. Gostava de a ver mais vezes por lá. Gosto tanto de a ver como aos miúdos que lá aparecem pela primeira vez, demasiado pintados, inseguros, excessivos. Entre a Virgem e a Velha, acho que isso me torna a Mãe. Hmmmm... Acho que temos de readaptar a Deusa pagã para o século XXI. Até porque nos tempos de Viviane e Morgaine toda a gente morria aos 40, 50 anos. Actualmente, aos 30 somos uns jovens com 60 anos (no mínimo) pela frente. O que transtorna, e muito, a nossa velha noção do que é um “ancião”... Naquele tempo, eu já deveria ter uma dúzia de filhos e estar de pés para a cova. Olhem como as coisas mudam.
Há uma particularidade gótica que é não falarmos uns com os outros. Muito menos com estranhos. Por falar em estranhos, aqui fica um encarecido apelo: só porque gostam de me ler, só porque eu tenho ideias estranhas e uma perspectiva diferente, não apareçam por lá! A sério! Nós não gostamos de estranhos. Só porque não vos tratamos mal e vos toleramos não quer dizer que gostemos de vos ver no meio de nós. São um dó de alma! Eu gosto de sair para ver a minha “beautiful people”. Camisas às risquinhas e ténis, poupem-me! O que vão fazer para lá, gente de Deus? Há música muito melhor nas Docas, na 24 de Julho, na casa dos amigos. Olhem, já experimentaram bares de karaoke? Dizem-me que é muito giro. Mas não vão lá para nos ver. Não somos nós a atracção zoológica, é mais ao contrário... Também escusam de se vestir de preto. Não conseguem. A sério, não conseguem. Não é assim tão simples. Mas se tiverem que ir, não se queixem que os góticos são frios. São frios sim senhor, digo-vos eu. Nós nem falamos uns com os outros, porque havemos de falar convosco?
Mas, acima de tudo, não se ponham na pista de dança, parados, feitos semáforos de trânsito. Podem não perceber mas os góticos gostam de facto de música, vão ali por causa da música e gostam mesmo de dançar. Não se limitam a ir abanar a careca para o meio da pista para engatar a boazona da cruz invertida. A boazona da cruz invertida é um extra, a música é que é importante. Vejam se metem isso na cabeça por amor de Deus! Estão a empatar, não percebem? A malta quer dançar e vocês não deixam! A malta precisa de espaço. Vocês estragam o ambiente! Se a malta não dança deixa de ir lá, se deixa de ir lá começam a entrar mais estorvos e a malta ainda deixa de ir mais!... Enfim, perceberam.
Há pessoas que conheço há quase vinte anos e com quem nunca troquei uma palavra. Sinto por eles e elas um carinho estranho, e sei que o sentem também por mim, mas nunca trocámos uma palavra. Acho que é de propósito. Para quê estragar uma bela amizade cúmplice com as palavras que nos podem magoar? Digam o que disserem, os góticos percebem de psicologia. Somos poucos, temos de saber viver uns com os outros e sabemos que as palavras podem magoar muito. (“Words are very unnecessary, they can only do harm”, Depeche Mode) O silêncio, os olhares, dizem tudo. Palavras para quê?
Lembro-me de situações em que encontrei algumas dessas pessoas fora do nosso ambiente natural. Fingimos que não nos conhecemos de lado nenhum. É interessante. Não sei explicar porquê. Procurem a resposta nos livros da Anne Rice. (Será que ela se inspirou nos góticos para criar os vampiros ou foram os góticos que se inspiraram nos vampiros?... Boa questão. Talvez nenhuma das respostas. Nem nenhuma das perguntas. Talvez seja coincidência.) Por outro lado, fora do nosso ambiente natural, e quando houve problema, aí sim nós falámos pela primeira vez, pessoas que se conheciam há anos sem trocar uma palavra, como se fôssemos amigos íntimos, talvez para nunca mais voltar a falar.
Digam lá que não têm inveja? Ah, pois, eu sei que têm. Mas, como eu disse, nós somos poucos e damos valor ao pouco que nos une. Às vezes é mesmo bem pouco, acreditem.
Publicado por _gotika_ em 07:19 AM | Comentários: (3)
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sexta-feira, 2 de novembro de 2012
comentários a lápis na contracapa
Em 1994 deixei os seguintes comentários, escritos a lápis, nas contracapas de algumas histórias que tinha escrito antes. Foi curioso descobri-los porque já não me lembrava de tê-los apontado.
Ficou. Porque entretanto foi "substituída".
As histórias eram boas, e fortes, mas tantos anos depois não as poderia escrever da mesma maneira. A técnica evoluiu, a abordagem deslocou-se. Em termos mais simples, tal como já não escrevo assim, também já não vejo as coisas como via. Não seria bastante corrigir mas escrever de novo. Entretanto, perdi o interesse nessas histórias iniciais, que eram comparativamente curtas em número de páginas, como se tivessem cumprido o seu papel como ensaio do que havia de vir.
Mas de vez em quando gosto de ler estas primeiras histórias, literariamente imperfeitas como estão, e recheá-las do que falta e senti-las como se estivessem perfeitas. Foram-me "mostradas" como um filme, um filme que falhei em transcrever em palavras, mas o filme continua o mesmo.
O hiato entre a última história e a seguinte durou dez anos. Por variados motivos, acabei uma tentativa de romance em 1996 e só consegui voltar a escrever (o mesmo romance, curiosamente) em 2006. Ao fazê-lo, foi quando compreendi que tinha de virar a história do avesso e contá-la de outra maneira. Mas, nesse momento, as Musas bisparam que os canais estavam abertos e inundaram-me. Como marioneta nas mãos delas fui compelida a não pegar naquilo mas a pegar noutra coisa. No que as Musas mandam. As Musas não se importam muito com o estilo.
Fiquei impressionada com as palavras destes comentários, não pela sua dureza, porque não há crítica mais dura do que eu própria (e isso eu já sabia), mas porque continuo, ainda e sempre, a lutar com estes mesmos conceitos: ambiente, abordagem, subtileza, intensidade, clareza, estrutura, frase, palavra, estética.
Ultimamente, passa-me mesmo pela cabeça a pretensão de tentar "escrever isto como nunca foi escrito antes". Mas não é para mim, ainda, e não sei se alguma vez será ou se a idade e a prática terão significativa influência. Contento-me em "escrever isto como eu nunca consegui antes" e já não é mau.
Li e gostei, mas: o fim "cai" subitamente. Falta qualquer espécie de moral, de explicação moralizadora: o sentido da vida é apenas viver (não importa em que condições).
10.9.94
Falta ainda mais “ambiente”: tem que ser mais sinistro e opressivo; aproveitar a velha mitologia do lobo com uma abordagem diferente. Será que T. deixou de ser pessoa para se tornar “mais animal”? Afinal, vivia numa sociedade de lobos. Começar os capítulos e os parágrafos ao estilo do 1º parágrafo da história. Subtileza e ironia em relação à crueldade têm que ser mais carregadas.
1994
Pág. 26 -> Situação mal explicada, susceptível de não ser imediatamente e claramente compreendida.
Li e gostei. Chorei com a morte de M. Achei o fim feliz. Penso que as personalidades de D. e de N. deviam ser um pouco mais aprofundadas. Algumas frases precisam de ser aperfeiçoadas estruturalmente e algumas palavras substituídas.
2.11.1994
Falta maior síntese e mais intensidade. A escrita tem que ser mais atractiva. Uma história tão boa não pode ficar tão mal escrita.
10.9.94
Ficou. Porque entretanto foi "substituída".
As histórias eram boas, e fortes, mas tantos anos depois não as poderia escrever da mesma maneira. A técnica evoluiu, a abordagem deslocou-se. Em termos mais simples, tal como já não escrevo assim, também já não vejo as coisas como via. Não seria bastante corrigir mas escrever de novo. Entretanto, perdi o interesse nessas histórias iniciais, que eram comparativamente curtas em número de páginas, como se tivessem cumprido o seu papel como ensaio do que havia de vir.
Mas de vez em quando gosto de ler estas primeiras histórias, literariamente imperfeitas como estão, e recheá-las do que falta e senti-las como se estivessem perfeitas. Foram-me "mostradas" como um filme, um filme que falhei em transcrever em palavras, mas o filme continua o mesmo.
O hiato entre a última história e a seguinte durou dez anos. Por variados motivos, acabei uma tentativa de romance em 1996 e só consegui voltar a escrever (o mesmo romance, curiosamente) em 2006. Ao fazê-lo, foi quando compreendi que tinha de virar a história do avesso e contá-la de outra maneira. Mas, nesse momento, as Musas bisparam que os canais estavam abertos e inundaram-me. Como marioneta nas mãos delas fui compelida a não pegar naquilo mas a pegar noutra coisa. No que as Musas mandam. As Musas não se importam muito com o estilo.
Fiquei impressionada com as palavras destes comentários, não pela sua dureza, porque não há crítica mais dura do que eu própria (e isso eu já sabia), mas porque continuo, ainda e sempre, a lutar com estes mesmos conceitos: ambiente, abordagem, subtileza, intensidade, clareza, estrutura, frase, palavra, estética.
Ultimamente, passa-me mesmo pela cabeça a pretensão de tentar "escrever isto como nunca foi escrito antes". Mas não é para mim, ainda, e não sei se alguma vez será ou se a idade e a prática terão significativa influência. Contento-me em "escrever isto como eu nunca consegui antes" e já não é mau.
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