sexta-feira, 31 de outubro de 2008
Bauhaus "Go Away White" (2008)
É sempre com muito respeitinho que se toca no primeiro álbum de estúdio desde há 25 anos de uma banda que influenciou toda a música alternativa desde os anos 80 e que com todo o mérito alcançou (porque não dizê-lo assim?...) um lugar no panteão de verdadeiros Deuses do gótico.
E como a reverência acarreta medo, e as experiências de reencontros muitas vezes trazem consigo a mais profunda desilusão, foi com receio que me pus a ouvir "Go Away White", álbum lançado este ano pela formação original dos Bauhaus. Depois da já longa e frutífera carreira a solo de Peter Murphy e das diversas aventuras dos restantes, mais ou menos bem sucedidas, desta reunião era de esperar tudo.
Vou ser franca, curta e incisiva. Fomos muito mimados com os discos precedentes. A originalidade já não mora aqui como nos anos 80. Mas a alma dos Bauhaus renasce das cinzas (afinal mais viva do que "undead") e relembra-nos nitidamente porque é que os Bauhaus são os Bauhaus e nenhuma banda, nem os os seus membros a solo, a conseguiram jamais suplantar. Ouvir este disco dá arrepios, como se tivéssemos acabado de descobrir um álbum inédito dos tempos áureos, uma gravação perdida no sotão e publicada apenas a título póstumo. Nada disso. É mesmo o aqui e o agora.
Ao contrário do que possa parecer pelo título da faixa de abertura, "Too Much 21st Century", nota-se bem o passar dos anos e a sua influência musical em Peter Murphy, Daniel Ash, David J e Kevin Haskins. Às vezes nota-se até demasiado. (Peter Murphy tem-se virado cada vez mais para o mainstream. Devia tê-lo deixado à porta mas deixou-o entrar. À esquina de cada tema encontramos uma suavidade, um acorde, um cliché que não devia lá estar.) O que era uma sonoridade original e desarmante nos anos 80 é agora um fantasma reflectido no espelho das suas próprias singularidades. Bauhaus iguais a eles próprios. Quem esperava que este álbum fosse tão vanguardista como os Bauhaus que conhecemos em "In the Fat Field" não vai encontrar aqui o salto sobre a fasquia que se esperava deles: que fossem de novo a "vanguarda" (e não é inocentemente que escolho esta palavra), 30 anos ou um século à frente. Não, isso não está em "Go Away White". O que está é um conjunto de temas que vai deliciar qualquer verdadeiro amante de Bauhaus, seja da velha guarda ou da nova geração. Este é mesmo um álbum para açambarcar.
Sim, os Bauhaus não foram uma alucinação da nossa desidratação musical. Sim, eles juntos são mesmo geniais. Sim, é pena que tenham anunciado que não vai haver mais nenhum disco nem digressão promocional. Sim, eles vivem! Sim, os Bauhaus estão de volta e estão aqui.
Lista de temas:
1. Too Much 21st Century
2. Adrenalin
3. Undone
4. International Bulletproof Talent
5. Endless Summer of the Damned
6. Saved
7. Mirror Remains
8. Black Stone Heart
9. The Dog's a Vapour
10. Zikir
quinta-feira, 30 de outubro de 2008
Histórias da minha avó
A princesa séria
Era uma vez, havia um senhor e seu criado que andavam a correr mundo. O amo era uma pessoa culta, bem educada e virtuosa, mas o seu criado tinha um vício bizarro e incorrigível: por onde quer que passava, roubava tudo, tudo, tudo!
Sabendo disto, o senhor avisava todos os donos das casas por onde passavam, sublinhando: "Tenham cuidado onde o põem a dormir porque este rapaz rouba tudo, tudo, tudo!"
Um noite, tendo o amo dito, no local onde iam pernoitar, que o criado roubava tudo o que via, decidiram fechá-lo num galinheiro vazio de onde não podia levar nada. Mesmo assim, o rapaz lá deu volta aos cantos todos até encontrar um ovo... e enfiou-o imediatamente no bolso da casaca.
No outro dia de manhã, já iam o amo e criado longe da casa, este mostrou logo o que havia roubado: "Olhe, arranjei este ovo!"
"Ò rapaz, não tens emenda! Para que queres tu isso?"
"Não se preocupe, meu divino mestre, que tudo serve para alguma coisa!"
Isto passou-se, e lá foram à sua vida.
Noutra noite, chegada a hora de pernoitar, disse o amo ao dono da casa: "Tenham cuidado com este rapaz porque onde quer que fica rouba tudo, tudo, tudo! Há pouco tempo dormiu num galinheiro vazio e mesmo assim roubou um ovo!". "Não se preocupe, senhor", respondeu o dono da casa, "porque onde ele vai dormir não há nada para roubar!". Foram então trancá-lo no barracão onde trabalhavam os carpinteiros e no chão só havia lascas de madeira. Não foi de modas, o nosso rapaz, e tratou logo de encher delas os bolsos das calças.
No outro dia de manhã, iam já longe da casa o senhor e o criado, quando este mostra ao amo a "colheita" da noite. "Olhe mestre, arranjei estas palhinhas!"
"Ò meu grande parvo, para que queres tu isso?"
"Não se aflija, meu divino mestre, que tudo tem serventia!"
Isto passou-se, e continuaram caminho.
Foram noutra ocasião pernoitar a outra casa, onde o amo prontamente esclareceu o anfitrião: "Tenham cuidado onde metem este rapaz, porque ele rouba tudo, tudo, tudo! No outro dia, até cavacas de madeira ele meteu nos bolsos!". "Ah sim?", pergunta o dono da casa, com um sorriso malvado, "Então já sei onde o vou pôr!". Nessa noite, o rapaz foi deixado no palheiro onde as galinhas andavam de dia, e só havia caca no chão. Mesmo assim, foi de caca de galinha que ele encheu o chapéu.
No dia seguinte, já a distância da casa, vai o criado mostrar o chapéu ao amo, que ainda gritou mais alto:
"Ò meu grande porco! Deita isso fora!"
"Não se preocupe, meu divino mestre, que tudo tem a sua utilidade!"
Isto passou-se, e seguiram caminho.
Chegaram então a um reino em que a princesa mais nova sofria de estranha doença: nada a fazia rir. O rei tinha um grande desgosto, e era tão grande o seu sofrimento que prometeu casá-la com o primeiro homem que conseguisse quebrar este "feitiço". De quando em vez, a princesa era presente ao público, e vinham pretendentes de todos os cantos do reino para a tentarem fazer rir, mas por mais palhaços, ilusionistas e humoristas de maior ou menor erudição, nobreza ou fortuna, que lá aparecessem, de nada valiam para a divertir. Estava na altura do ano em que esta peregrinação se fazia quando os dois viajantes por lá passavam. Assim que soube disto, o bom do amo, ainda em idade casadoira e não tendo nada a perder, foi tentar a sua sorte. Aos pés da princesa, que olhava sobranceira do seu trono, contou-lhe as melhores anedotas que conhecia e, como não nutrissem efeito, em desespero de causa contou-lhe a seguir todas as outras até se esgotar a memória. Nada. A princesa séria continuava aborrecida. Nada lhe arrancava uma gargalhada.
Chegando ao pé do criado, acabrunhado e abatido, o senhor mal começa a dizer que deviam seguir caminho quando o rapaz o interrompe: "Agora vou lá eu!"
"Tu?! Um parvalhão como tu, deves fazer uma rica figura!"
Mas o criado lá foi, e mal a princesa se vira para ele tira o ovo da casaca e pede:
"Asse-me este ovo!"
"Não tenho lenha!", diz ela, rispidamente, para despachar aquele vagabundo coberto de trapos.
Então ele despeja os bolsos das calças e saem de lá as lascas de madeira: "Tenho aqui estas cavaquinhas!"
Já farta e enjoada daquela insistência, a princesa perde a compostura e desabafa: "Tal não é esta merda!"
E prontamente responde o rapaz: "Aqui tem um chapéu cheio!"
Assim que vê o moço tirar o chapéu, cheio de caca de galinha, a princesa séria desata a rir às gargalhadas sem se conter. E foi assim que o pobre criado obteve a sua mão em casamento e viveu feliz para sempre, junto do antigo amo, da nova esposa, a quem conseguia fazer rir, e do rei, que finalmente curou o coração daquele grande desgosto.
E assim reza a moral da história que mais vale cair em graça do que ser engraçado.
Era uma vez, havia um senhor e seu criado que andavam a correr mundo. O amo era uma pessoa culta, bem educada e virtuosa, mas o seu criado tinha um vício bizarro e incorrigível: por onde quer que passava, roubava tudo, tudo, tudo!
Sabendo disto, o senhor avisava todos os donos das casas por onde passavam, sublinhando: "Tenham cuidado onde o põem a dormir porque este rapaz rouba tudo, tudo, tudo!"
Um noite, tendo o amo dito, no local onde iam pernoitar, que o criado roubava tudo o que via, decidiram fechá-lo num galinheiro vazio de onde não podia levar nada. Mesmo assim, o rapaz lá deu volta aos cantos todos até encontrar um ovo... e enfiou-o imediatamente no bolso da casaca.
No outro dia de manhã, já iam o amo e criado longe da casa, este mostrou logo o que havia roubado: "Olhe, arranjei este ovo!"
"Ò rapaz, não tens emenda! Para que queres tu isso?"
"Não se preocupe, meu divino mestre, que tudo serve para alguma coisa!"
Isto passou-se, e lá foram à sua vida.
Noutra noite, chegada a hora de pernoitar, disse o amo ao dono da casa: "Tenham cuidado com este rapaz porque onde quer que fica rouba tudo, tudo, tudo! Há pouco tempo dormiu num galinheiro vazio e mesmo assim roubou um ovo!". "Não se preocupe, senhor", respondeu o dono da casa, "porque onde ele vai dormir não há nada para roubar!". Foram então trancá-lo no barracão onde trabalhavam os carpinteiros e no chão só havia lascas de madeira. Não foi de modas, o nosso rapaz, e tratou logo de encher delas os bolsos das calças.
No outro dia de manhã, iam já longe da casa o senhor e o criado, quando este mostra ao amo a "colheita" da noite. "Olhe mestre, arranjei estas palhinhas!"
"Ò meu grande parvo, para que queres tu isso?"
"Não se aflija, meu divino mestre, que tudo tem serventia!"
Isto passou-se, e continuaram caminho.
Foram noutra ocasião pernoitar a outra casa, onde o amo prontamente esclareceu o anfitrião: "Tenham cuidado onde metem este rapaz, porque ele rouba tudo, tudo, tudo! No outro dia, até cavacas de madeira ele meteu nos bolsos!". "Ah sim?", pergunta o dono da casa, com um sorriso malvado, "Então já sei onde o vou pôr!". Nessa noite, o rapaz foi deixado no palheiro onde as galinhas andavam de dia, e só havia caca no chão. Mesmo assim, foi de caca de galinha que ele encheu o chapéu.
No dia seguinte, já a distância da casa, vai o criado mostrar o chapéu ao amo, que ainda gritou mais alto:
"Ò meu grande porco! Deita isso fora!"
"Não se preocupe, meu divino mestre, que tudo tem a sua utilidade!"
Isto passou-se, e seguiram caminho.
Chegaram então a um reino em que a princesa mais nova sofria de estranha doença: nada a fazia rir. O rei tinha um grande desgosto, e era tão grande o seu sofrimento que prometeu casá-la com o primeiro homem que conseguisse quebrar este "feitiço". De quando em vez, a princesa era presente ao público, e vinham pretendentes de todos os cantos do reino para a tentarem fazer rir, mas por mais palhaços, ilusionistas e humoristas de maior ou menor erudição, nobreza ou fortuna, que lá aparecessem, de nada valiam para a divertir. Estava na altura do ano em que esta peregrinação se fazia quando os dois viajantes por lá passavam. Assim que soube disto, o bom do amo, ainda em idade casadoira e não tendo nada a perder, foi tentar a sua sorte. Aos pés da princesa, que olhava sobranceira do seu trono, contou-lhe as melhores anedotas que conhecia e, como não nutrissem efeito, em desespero de causa contou-lhe a seguir todas as outras até se esgotar a memória. Nada. A princesa séria continuava aborrecida. Nada lhe arrancava uma gargalhada.
Chegando ao pé do criado, acabrunhado e abatido, o senhor mal começa a dizer que deviam seguir caminho quando o rapaz o interrompe: "Agora vou lá eu!"
"Tu?! Um parvalhão como tu, deves fazer uma rica figura!"
Mas o criado lá foi, e mal a princesa se vira para ele tira o ovo da casaca e pede:
"Asse-me este ovo!"
"Não tenho lenha!", diz ela, rispidamente, para despachar aquele vagabundo coberto de trapos.
Então ele despeja os bolsos das calças e saem de lá as lascas de madeira: "Tenho aqui estas cavaquinhas!"
Já farta e enjoada daquela insistência, a princesa perde a compostura e desabafa: "Tal não é esta merda!"
E prontamente responde o rapaz: "Aqui tem um chapéu cheio!"
Assim que vê o moço tirar o chapéu, cheio de caca de galinha, a princesa séria desata a rir às gargalhadas sem se conter. E foi assim que o pobre criado obteve a sua mão em casamento e viveu feliz para sempre, junto do antigo amo, da nova esposa, a quem conseguia fazer rir, e do rei, que finalmente curou o coração daquele grande desgosto.
E assim reza a moral da história que mais vale cair em graça do que ser engraçado.
quarta-feira, 29 de outubro de 2008
A expansão da alma
What happened next changed my life -- changed me, anyhow. It was like descovering that some vital, even necessary substance had all along been missing from my life. Anyone who hears a great musician for the first time knows the feeling that the universe has just expanded.
in "Pork Pie Hat", de Peter Straub
Todos nós que gostamos de música tivemos já esta sensação. Podia citar Sisters of Mercy, Fields of the Nephilim, Dead Can Dance, uma das canções mais inspiradas de Nick Cave, não importa. O que importa é que de facto o universo aumenta. Isto não é nada de novo ou incomum. O mais estranho e para muitos desconhecido é quando a alma cresce tanto que já não cabe dentro das quatro paredes que antes não pareciam aprisioná-la.
terça-feira, 28 de outubro de 2008
Universos paralelos
If you don't know the music, his name doesn't matter. I'll call him Hat. I don't mean what he meant to people who were touched by what he said through his horn. (...) I'm talking about the whole long curve of his life, and the way that what appeared to be a long slide from joyous mastery to outright exhaustion can be seen in another way altogether.
Hat did slide into alcoholism and depression. The last ten years of his life amounted to suicide by malnutrition, and he was almost transparent by the time he died in the hotel room where I met him. Yet he was able to play until nearly the end. When he was working, he would wake up around seven in the evening, listen to Frank Sinatra or Billie Holiday records while he dressed, get to the club by nine, play three sets, come back to his room sometime after three, drink and listen to more records (he was on a lot of those records), and finally go back to bed around the time day people begin thinking about lunch. When he wasn't working, he got into bed about an hour earlier, woke up about five or six, and listened to records and drank through his long upside-down day.
It sounds like a miserable life, but it was just an unhappy one. The unhappiness came from a deep, irreversible sadness. Sadness is different from misery, at least Hat's was. His sadness seemed impersonal -- it did not disfigure him, as misery can do. Hat's sadness seemed to be for the universe, or to be a larger than usual personal share of a sadness already existing in the universe. His sadness merely seemed the opposite face of the equally impersonal happiness that shone through his earlier work.
In Hat's later years, his music thickened, and sorrow spoke through the phrases. In his last years, what he played often sounded like heartbreak itself. He was like someone who had passed through a great mystery, who was passing through a great mystery, and had to speak of what had seen, what he was seeing.
in "Pork Pie Hat", de Peter Straub
A vida deste homem parece a minha, mas sem o jazz. É sempre curioso ler estas coisas.
domingo, 26 de outubro de 2008
Falta de mim
Now in the black black behind your sleep I am trying to hold your oceans, I am struggling to sparkle in your sky, I will collect your snowflakes in my arms and watch them unfold. In the North, you ache with loss and wish for a sick day to curl yourself away and cry. The warmth of your voice now burnt with loss and everyone knows. Everyone knows you are far too far too transparent to hide away such a wanting. Now whom is needed and whom is needful? You are older than I but hand yourself over a bird nestling into my hand. “I am broken, I am broken” you say as I stroke you to sleep.
"Thirst"
Golden Palominos, álbum "Dead Inside"
Roubaram-me a alma. Sinto-lhe a falta. Sei que a amava e sem ela estou tão sozinha que nada pode preencher este vazio de falta de mim.
Convidaram-me para participar num blogue de renascimento português, blogue esse cujos participantes respeito e aprecio, um novo blogue de nome O Bar do Ossian que desde já aconselho. Ponderei longamente o que teria para dizer num espaço de "renascimento português". A parte triste é não tenho nada para dizer sobre Portugal que não tenha dito já. Mais triste ainda é que já não acredito no "renascimento português". Não estou a dizê-lo por dizer. É que não acredito mesmo. No que eu acredito é que este território se tornará, mais tarde ou mais cedo, de uma forma ou de outra, uma província da Europa, por razões que aqui já expus longamente.
Não tenho razão nenhuma para ter pena. Afinal, esta merda de país deixou que me roubassem a alma. Que se foda Portugal.
Lamento, pelo Bar do Ossian, mas não participo no que não acredito. E quanto à cultura da nação, que essa sobreviverá a qualquer maremoto político, apenas uma sub-franja muito marginal me interessa pessoalmente. O resto faz parte do mesmo cadáver.
Quanto ao mundo, falta pouco, muito pouco, para a guerra. Temo pelos animais. Tudo o resto que se foda.
Detesto repetir-me.
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quarta-feira, 22 de outubro de 2008
El Orfanato (2007)
Uma boa surpresa do cinema espanhol. Se bem que orientado pela mão do experiente Guillermo del Toro (como produtor), "El Orfanato" é um filme que consegue de facto criar uma atmosfera de terror onde as tentativas europeias do género, salvo honrosas excepções, falham redondamente. É por isso que assistir a este filme é o mesmo que ver o melhor de Hollywood e se não fosse a língua nem se perceberia que as personagens são espanholas.
Laura, a protagonista, e o seu marido, médico, compram o velho orfanato onde esta cresceu até ser adoptada. O plano de vida do casal, que entretanto também já adoptou um menino seropositivo que agora tem 7 anos, é transformar o antigo edifício num lar para crianças deficientes. Todas as suas aspirações caem por terra quando, na própria festa de inauguração, o filho desaparece misteriosamente.
Abandonados os planos, os pais lançam-se numa busca de meses em que os esforços da polícia são infrutíferos, como se a criança se tivesse sumido no ar. E é durante esse período terrível que Laura começa a perceber que não estão sozinhos na casa. Sente presenças e experimenta acontecimentos inexplicáveis que a levam a procurar a ajuda de especialistas no paranormal, desconfiada de que os fantasmas das crianças do orfanato têm a ver com o desaparecimento do filho. Os fantasmas, de facto, estão lá, e escondem uma história macabra de vingança e morte, mas para voltar a encontrar o seu filho Laura vai ter de enfrentar o que para qualquer mãe é o pior terror de todos.
16 em 20
domingo, 5 de outubro de 2008
A longa noite
No. Things hadn't been right for some time. October didn't help any. If anything it made things worse. He adjusted his black bow tie. If this were spring, he nodded slowly, quietly, emotionlessly, at his image in the mirror, then there might be a chance. But tonight all the world was burning down into ruin. There was no green spring, none of the freshness, none of the promise.
(...)
He had never liked October. Ever since he first lay in the autumn leaves before his grandmother's house many years ago and heard the wind and saw the empty trees. It has made him cry, without a reason. And a little of that sadness returned each year to him. It always went away with spring.
But, it was different tonight. There was a feeling of autumn coming to last a million years.
There would be no spring.
He had been crying quietly all evening. It did not show, not a vestige of it, on his face. It was all hidden somewhere and it wouldn't stop.
Ray Bradbury, "The October Game"
O Verão atraiçoou-nos. Todo o ano cheirou a frio e agora só porque o odor é mais intenso não se pense que está perdoado. Todo o ano o vento urrou, chiou, enregelou.
Faltam apenas seis meses para a primavera. Mas haverá esperança?
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
The X Files: I Want to Believe (2008)
Ha! Então eles sempre dormem juntos e coiso e tal! Digo isto porque, vítima voluntária e igual a toda uma geração de fãs incondicionais que nunca perderam um episódio (nem um único!!!) e muito menos o primeiro filme, o máximo a que tivemos direito e que nos levou a suspeitar que o estranho inchaço na barriga de Dana Scully não era um implante alienígena mas sim algo mais terráqueo de origem em Fox Mulder, foi aquela célebre cena do quase-beijo, no filme, interrompido por uma abelha verdadeiramente abelhuda (rais'a parta!), e tudo o resto era especulação.
Afinal era mesmo um filho! Afinal eles eram mesmo um casal!
E dito isto, está clarificada toda a novidade que "The X Files: I Want to Believe" traz aos verdadeiros fãs, que nunca perderam um episódio dos "Ficheiros Secretos", e que a consideram uma das melhores séries de sempre.
O argumento é fraco. Isto bem analisado nem sequer é um x-file, daqueles à antiga, com monstros e extraterrestres e cultos desconhecidos. Isto é o quê, então? Um Frankenstein moderno desmascarado por um padre que além de médium é pedófilo. Horroroso, horripilante? Concedo que sim. E depois? Onde está o sobrenatural? Sobrenatural é que durante 10 anos Mulder e Scully tenham andado na brincadeira e nós os fãs convencidos de que aquilo era tudo platónico e extraterrestre. Que ceguinhos nós fomos!
Só por causa das memórias, dou-lhe um 13, porque filmes de serial killers há muitos, e bem melhores.
13 em 20
"O Cocheiro da Morte", de Selma Lagerlöf
«De acordo com a lenda escandinava, o último homem a morrer no último dia do ano torna-se imediatamente o cocheiro predestinado da Morte: agarra numa foice e vai de casa mortuária em casa mortuária, durante trezentos e sessenta e cinco dias, recolher os mortos, até que um outro o substitua no dia de S. Silvestre... Sobre este tema, Selma Lagerlöf (Prémio Nobel de Literatura) escreveu um dos seus mais curiosos e obcecantes romances que deu origem a várias adaptações cinematográficas (...)»
in "O Cocheiro da Morte", de Selma Lagerlöf
Li pela primeira vez esta história numa época mental muito susceptível, devia ter menos de 17 anos, e em mim estas palavras suscitaram não o horror mas um enriquecimento mitológica que antes não tinha (a lenda é escandinava) e nunca mais me abandonou. Com o passar dos anos -- e à medida que os anos passam é forçoso que o ser humano se questione o que fará depois da morte, se alguma coisa... -- surgiu em mim a fantasia do cocheiro do Morte, vinda directamente deste livro. Fantasia? Não. Projecto. Se me fosse dado a escolher, tornar-me-ia o cocheiro da Morte dos animais: recolhendo todos os despojos dos matadouros, todos os pequenos corpinhos destroçados à beira de estradas do ser humano egoísta, todos os animais de estimação perdidos no vazio. Seria a cocheira da Morte dos meus melhores amigos.
"Se uma ideia parecida se apoderasse de vocês, eram capazes de ir também"?...
in "O Cocheiro da Morte", de Selma Lagerlöf
"Já viram com certeza gravuras representando a Morte, e viram-na sempre a andar a pé. Razão porque o cocheiro de que vos falo não é a Morte em pessoa, mas apenas o seu criado. Compreendem que um personagem tão importante só se digna recolher a fina flor da colheita, e é ao seu cocheiro que confia a tarefa de juntar as pobres ervinhas que crescem à borda dos fossos."
(...)
"Mas compreendem agora do que é que o meu camarada tinha medo. Era de morrer precisamente à meia noite, na véspera do Ano Novo, e de se tornar o cocheiro da Morte. Suponho que imaginava ouvir durante todo o dia o coche funerário a chiar e a baloiçar sobre as estradas. E, imaginem, parece que morreu no ano passado, precisamente na noite de S. Silvestre.
- E mesmo à meia-noite?
- Sei, apenas que morreu à noite, mas ignoro a hora. Poderia, aliás, ter-lhe predito que havia de morrer nesse dia, tal era o medo que tinha. Se uma ideia parecida se apoderasse de vocês, eram capazes de ir também."
Li pela primeira vez esta história numa época mental muito susceptível, devia ter menos de 17 anos, e em mim estas palavras suscitaram não o horror mas um enriquecimento mitológica que antes não tinha (a lenda é escandinava) e nunca mais me abandonou. Com o passar dos anos -- e à medida que os anos passam é forçoso que o ser humano se questione o que fará depois da morte, se alguma coisa... -- surgiu em mim a fantasia do cocheiro do Morte, vinda directamente deste livro. Fantasia? Não. Projecto. Se me fosse dado a escolher, tornar-me-ia o cocheiro da Morte dos animais: recolhendo todos os despojos dos matadouros, todos os pequenos corpinhos destroçados à beira de estradas do ser humano egoísta, todos os animais de estimação perdidos no vazio. Seria a cocheira da Morte dos meus melhores amigos.
"Se uma ideia parecida se apoderasse de vocês, eram capazes de ir também"?...
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
"O Retrato de Dorian Gray" (The Picture of Dorian Gray), de Oscar Wilde
A história é sobejamente conhecida. Dorian Gray foi até incluído como personagem do filme "Liga de Cavalheiros Extraordinários", interpretado por não outro que que Stuart Towsend, o Lestat de "A Rainha dos Vampiros" (e não lhe correu nada mal). A história de Dorian Gray é tão interessante pela acérrima crítica social às elites da burguesia e nobreza inglesas do século XIX (com uma ironia, direi mesmo sarcasmo, e sentido de humor que me faz lembrar o muito nosso Eça de Queirós, e cujas citações mais assombrosas publiquei aqui no último mês), como pelo elemento sobrenatural que rege toda a história (e por elementos sobrenaturais os nossos escritores nunca se interessaram, o que é uma pena).
Dorian Gray é um rapaz oco, fútil e vazio. Acima de tudo, influenciável pelo intelecto superior e hedonista de Lord Henry, seu amigo, que o convence da sua beleza e da sua importância e o torna não apenas vaidoso como, ao longo da sua vida, cada vez mais perverso e insensível ao sofrimento dos outros. Lord Henry, neste livro, funciona como o Diabo, o tentador, que incute no jovem o valor verdadeiramente satânico do culto da invidualidade e do prazer, mas sempre através de subtis sugestões e filosofias, sem nunca poder ser acusado pelos crimes que, debaixo da sua influência, Gray acaba por cometer sem um pingo de remorso, incluindo o assassínio a sangue frio de um dos seus melhores amigos. Poder-se-à perguntar se o jovem Dorian Gray, antes de cair nas "garras" do seu luciferino mentor, era efectivamente tão oco e fútil como fazia crer, ou se havia já nele a semente ruim da maldade só à espera de um jardineiro que a fizesse florescer em frutos do Mal. Esta é uma das muitas interrogações morais que Oscar Wilde vai colocando ao longo da obra, cuja grande metáfora é o retrato, um retrato verdadeiro, não simbólico, do jovem Dorian Gray, onde por magia se projecta toda a maldade de Dorian enquanto este permanece belo e jovem para sempre. Uma espécie de pacto com o diabo sem que o diabo seja necessário.
Na sua grande inteligência, o que Oscar Wilde faz é desmascarar todos os outros "retratos escondidos" atrás da hipocrisia de uma sociedade em que a imagem vale mais do que o Ser.
Nunca uma obra foi tão actual.
Dorian Gray é um rapaz oco, fútil e vazio. Acima de tudo, influenciável pelo intelecto superior e hedonista de Lord Henry, seu amigo, que o convence da sua beleza e da sua importância e o torna não apenas vaidoso como, ao longo da sua vida, cada vez mais perverso e insensível ao sofrimento dos outros. Lord Henry, neste livro, funciona como o Diabo, o tentador, que incute no jovem o valor verdadeiramente satânico do culto da invidualidade e do prazer, mas sempre através de subtis sugestões e filosofias, sem nunca poder ser acusado pelos crimes que, debaixo da sua influência, Gray acaba por cometer sem um pingo de remorso, incluindo o assassínio a sangue frio de um dos seus melhores amigos. Poder-se-à perguntar se o jovem Dorian Gray, antes de cair nas "garras" do seu luciferino mentor, era efectivamente tão oco e fútil como fazia crer, ou se havia já nele a semente ruim da maldade só à espera de um jardineiro que a fizesse florescer em frutos do Mal. Esta é uma das muitas interrogações morais que Oscar Wilde vai colocando ao longo da obra, cuja grande metáfora é o retrato, um retrato verdadeiro, não simbólico, do jovem Dorian Gray, onde por magia se projecta toda a maldade de Dorian enquanto este permanece belo e jovem para sempre. Uma espécie de pacto com o diabo sem que o diabo seja necessário.
Na sua grande inteligência, o que Oscar Wilde faz é desmascarar todos os outros "retratos escondidos" atrás da hipocrisia de uma sociedade em que a imagem vale mais do que o Ser.
Nunca uma obra foi tão actual.
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