quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

De volta à vaca fria

As apaixonadas discussões que se travam sobre o que é ser gótico ou não! Como se ainda houvesse dúvidas.

Hoje, estava eu à espera do autocarro com aqueles olhos perdidos de quem espera e não vê nada embora observe tudo com um tédio infinito, fez-se tudo muito claro.

Obviamente, ser gótico implica gostar de música gótica mais do que toda a outra música. Não é obrigatório que se vista de preto mas ainda estou para conhecer a excepção que confirma a regra. Depois de quase vinte anos nisto, acho que é muito científico afirmar que em 99,9% dos casos o gosto pela música gótica anda a par com a roupa preta.

Há quem diga que isto chega mas na minha opinião não chega. É indispensável ter uma alma melancólica, como já abordei aqui: Não há coisa que seja um "gótico alegre". O tempo também mostra que os "góticos alegres" acabam todos por desertar para costas mais coloridas assim que lhes passa o acne e arranjam namorado e mudam de roupa. Poseurs!

Obviamente, também, nem todas as pessoas melancólicas e deprimidas são góticas. A maioria, a maioria mesmo, não tem culpa de ter mau gosto musical e vestir-se mal. Se a depressão fosse sinónimo de gótico os hospitais psiquiátricos estavam cheios deles. Tenhamos juízo.

Não estou a simplificar demais. É mesmo assim. Música mais alma. Alma mais música. Os góticos já nascem góticos. Não se fazem góticos pela embalagem. Demos graças pela música que embala o nosso berço.

The Skeleton Key / A Chave (2005)



Em New Orleans, essa mítica e mística cidade, uma assistente de geriatria vai trabalhar para um casal de idosos cujo marido, vítima de trombose, se encontra incapacitado de andar ou falar. Depressa a bem intencionada jovem percebe que algo de errado se passa e que o grande casarão senhorial junto aos pântanos da Louisana guarda muitos segredos. Apesar de ter em seu poder a chave mestra que supostamente abre todas as portas, entregue pela própria dona da casa, tem razões para desconfiar de um misterioso quarto no sotão que permanece fechado. Ao mesmo tempo, começa a perceber que o seu paciente tenta por todos os meios pedir ajuda para fugir da casa e da mulher. Suspeitando de crime, a jovem resolve investigar e descobre que a mansão está envolvida numa história antiga de horror à volta de dois criados negros, mestres de "hoodoo" (magia mais negra do que o vudu), e que que há razões para temer a sua vingança do Além... ou de bem mais perto do que se poderia pensar.
Além de abordar um dos temos preferidos de H. P. Lovecraft, o "roubo" de corpos, e de ser igualmente delicioso para todos os leitores de Anne Rice, o grande trunfo deste filme é algo tão bom que já nem se faz: manter o suspense até ao último minuto e terminar daquela forma imprevisível que nunca mais nos sai da cabeça.
De salientar, também, mais uma grande interpretação do veterano John Hurt que com o maior dos profissionalismos e talento não descura a qualidade a que nos habituou seja num filme dito "sério" e candidato aos óscares ou no mal amado cinema de terror.


15 em 20

1408 (2007)



O ponto de partida é magnífico: um certo quarto, num certo hotel, onde ninguém conseguiu sobreviver por mais de 60 minutos. É o perfeito desafio para um especialista no tema que vive da publicação de livros sobre "hotéis assombrados" mas não acredita no sobrenatural. Todos os dados que lhe são fornecidos pelo gerente, que o tenta dissuadir de alugar o quarto 1408, são por ele descartados como histórias da carochinha para alimentar a lenda e garantir clientela.
Até ao momento em que o intrépido escritor entra no quarto, ou mesmo até à visita amedrontada do homem do ar condicionado, o filme corre bem, a recordar a atmosfera de "Shining" (ou não fosse "1408" também a adaptação de uma história de Stephen King), mais uma vez à volta dos mistérios da sanidade mental de um ser humano (ou falta dela) posto num ambiente fechado e isolado do resto do mundo. Não sei porque carga de água, a partir deste ponto salta para ali uma catrefada de sustos mal engendrados e o filme torna-se histérico. Não encontro melhor palavra para descrever a coisa. Se não fosse por isso, e pela falta de fundamentação em que se baseia a parte supostamente assustadora, até poderia entrar no subconsciente e meter algum medo. Sendo assim, o poster acima é mais susceptível de sugestionar monstros escondidos debaixo da cama do que o próprio filme que quer vender, e por isso o escolhi.
É preciso um remake de muitas boas ideias que se estão a desperdiçar em filmes sem inteligência, e este é um excelente exemplo.


12 em 20

Memórias dolorosas

In Blitz:

Dave Grohl diz que não consegue ouvir música dos Nirvana
Porque as memórias são dolorosas.
Dave Grohl, líder dos Foo Fighters e antigo baterista dos Nirvana, assumiu que não consegue ouvir música da banda que desapareceu com a morte do vocalista Kurt Cobain. O músico diz que ainda é muito dolorosa a morte de Cobain e que sempre que uma música dos Nirvana passa na rádio se sente transportado para o tempo em que a banda estava em estúdio.


Já não sou só eu, e nem sequer é por causa do Kurt Cobain.
É possível que a música dos Nirvana seja de facto insustentavelmente depressiva porque lhe falta aquela "almofada" estética, etérea, espiritual, subjacente à temática gótica que observa este mundo frio de longe, como uma entidade fantasmagórica que não lhe pertence.
A música dos Nirvana está no meio do mundo, e vive-o, e não se pode sofrer o mundo todo sem desesperar.

domingo, 23 de dezembro de 2007

O fim do Natal

É oficial. A partir deste ano não vou desejar bom natal a ninguém, acabaram-se os postais e as prendinhas simbólicas, puta que os pariu.
Agradeço que não me desejem feliz natal e que, se não souberem a razão do meu rompimento com esta geral quadra festiva que não celebro, se abstenham de perguntar porque não é da vossa conta.
Mas posso dizer, na generalidade e caindo no lugar comum, que o natal se tornou tamanha febre de protocolos e consumismo que me dá simplesmente vómitos. Já basta ter de "participar" nesta estupidez a nível profissional, quanto mais a nível pessoal.
O natal é para a família e eu não tenho família. Estou fora. Brinquem vocês.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

O cancro

«A justiça é de longe o maior problema de Portugal. Penso isso há muito tempo»

Rui Rio


Só discordo da magnitude. Não é um "problema", é um cancro. Muitos ainda se iludem com sintomas como a educação ou a economia.
Mas todos os dias acorda um.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Queres ser fussoreira?

Tou fula da vida. Metade dos meus auscultadores acabou de morrer. Ela já andava colada com fita cola daquela grossa, castanha, para não se separar da outra parte, e não posso dizer que tenha sido apanhada de surpresa. Há muito que definhava e ameaçava deixar-me para sempre a ouvir música apenas por uma orelha. Hoje morreu e aqui estou eu a ouvir música em mono no verdadeiro termo do mono. Uma orelha.
Isto deixa-me furiosa, à beira de um ataque de nervos, com vontade de partir a metade restante. Para terem uma ideia do que falo, só conheço duas situações comparáveis. No caso das mulheres é a Tensão Pré Menstrual. No caso dos homens, é a nega das mulheres por causa da Tensão Pré Menstrual. No meu caso, é ouvir música por uma orelha. É que eu gosto mesmo muito, muito de música. Em quantidade e qualidade.

É por isso que venho aqui para o blog com o intuito de me divertir (e porque não a vós?) com uma história trazida à lembrança pelo Arrebenta e que não tem mesmo nada a ver com os auscultadores.

"so you are a panelas' maker", disse ele,


Como eu ando numa fase de escrever as memórias, lembrei-me logo de que durante muito tempo, na infância, de facto acreditei piamente que paneleiro era mesmo a profissão de fazer panelas e que as pessoas é que lhe davam uma conotação pejorativa. Tipo "bicha" e "fila", que em Lisboa quer dizer exactamente a mesma coisa. Só mais tarde vim a saber que a profissão de fazer panelas e outros artigos em lata se chama "funileiro", se é que não estou completamente enganada, e se estou o leitor fique à vontade de me corrigir. Há de facto um funileiro na minha rua que se deixou de fabricar utensílios de cozinha e se dedicou à arte. Agora muito a sério, faz candelabros, espelhos, molduras e outros artigos de decoração que são verdadeiro artesanato e do mais sóbrio que se pode ter em casa.
Mas voltemos à história engraçada.
Tinha eu por volta de 6 ou 7 anos quando a minha mãe me apanhou a assediar uma colega da minha idade. Com essa colega nada se passou (excepto mais tarde porque a miúda era um bocado não-precoce e tive de esperar até à nossa puberdade), por isso a minha mãe não viu nada de nada, porque o que se tinha passado antes com raparigas nem ela sonha, pelo que só posso depreender que era eu que estava a provocar. Tudo isto começou com a mania de brincar às casinhas debaixo da mesa, tapadas por um cobertor, mania que aliás é universal e que parece fazer parte dos genes femininos. Que conversa lúbrica eu mantive com a minha amiga (e até que ponto eu queria fazer de marido) nunca saberei (ou nunca terei a lata de perguntar à minha mãe). Sei que ela ouviu mais do que devia e, nesse mesmo dia, antes ou depois de a minha colega ter ido para casa, me chamou à parte e me perguntou, muito séria e verdadeiramente perturbada como nunca a tinha visto:

"Ouve lá, tu queres ser fussoreira quando fores grande? É isso que queres ser, uma fussoreira? Eu ouvi a conversa com a S(...)! És uma fussoreira, é?!"

Não sei se fiquei vermelha que nem um tomate se pálida como a morte. Provavelmente, a segunda opção. Sei é que tive medo de levar uma tareia! Ora, isto é daquelas coisas que podem castrar uma criança para a vida toda se entretanto não houvessem outros males a virem por bem e a tornarem este episódio numa anedota que se conta num blog com uma gargalhada geral. Naquele momento, porém, só me lembro que tive medo de apanhar e tentei fazer-me o mais inocente possível.

"Eu? Eu não.", jurei. E como não sabia, perguntei: "O que é isso, uma fussoreira?"

Respondeu a minha mãe: "Uma fussoreira é uma mulher que fussa nas outras, como os porcos, e esfregam-se umas nas outras e lambem-se todas umas às outras, as porcas!"

Ok, não se venham já nas calças. Eu sei que não era intenção da minha mãe que hoje me lembrasse disto desta maneira, mas não fica por aqui.

"Esfregam-se como?", insisti.

"Os pipis. Esfregam os pipis umas nas outras e lambem os pipis umas às outras". A minha mãe queria ter a certeza que eu ficava curada com aquela conversa e não se poupou a pormenores.

Ser homofóbico é fodido. A minha brincadeira seguinte com as minhas amiguinhas foi brincar às fussoreiras. Até brinquei às fussoreiras e aos paneleiros com os coleguinhas do sexo masculino. Era à vez. Gostávamos igualmente de brincar às prostitutas e às violações. Brincar aos médicos já não estava a dar. Também brinquei com o meu priminho da minha idade (já não sei se às fussoreiras se aos paneleiros mas ia tudo dar ao mesmo) até me dizerem tantas vezes que "primos com primos dão filhos malucos" que acabei por desenvolver o horror ao incesto que de outra forma nunca conheceria (ser filho único dá nisto).

Gostava de ver a minha mãe a ler este blog e a questionar, como se questionam muitos homossexuais que se dizem esclarecidos mas no fundo têm aos bissexuais uma aversão ainda maior do que aos heterossexuais, "Mas afinal tu gostas de homens ou de mulheres?"

Ò meus amiguinhos, depende do cheiro. Se cheira bem, marcha. É tudo uma questão de feronomas. Juro que o meu priminho nunca me cheirou a incesto e ainda hoje marchava. E o outro, e a outra, e aquele outro e aquela outra... Já era altura de perceberem que alguns de nós não amam corpos mas pessoas. O sexo dos anjos é irrelevante quando todos formos anjos.



Este foi um post trazido até vós pela inoperância de uma orelha e a sobrecarga da outra. Queira Deus e segunda feira quando abrir a loja este pequeno problema técnico estará corrigido. Até lá, espero que se tenham divertido tanto como eu.


Post post

Imagino a minha mãe a comunicar as suas preocupações ao meu pai quando eu estava na escola, toda a aflita, como se o mundo fosse acabar: "Ai, que eu acho que a nossa filha é fussoreira!"
Imagino o meu pai a ouvir a cem e a esquecer a mil e a perguntar de seguida: "O que é o almoço?"

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

O fogo das cinzas

Christian Death 1334, Caixa Económica Operária, 1.12.07

Confesso que fui para este concerto sem grandes expectativas e apenas para satisfazer uma certa curiosidade. Sempre apreciei mais a fase de Christian Death com Valor Kand, enquanto os primeiros álbuns, com o fundador Rozz Williams, ao fim de um certo número de anos e audições intermináveis, se tornaram demasiado depressivos (até para mim) a ponto de actualmente já não os ouvir de todo. Isto não quer dizer que não os tenha todos "gravados" na cabeça, do princípio ao fim, como acontece com toda a música que ouvimos muito e gostámos muito.
Mas verdade seja dita, Rozz morreu e não me dei ao trabalho de sequer ir à internet ouvir a banda que se batizou Christian Death 1334, com três dos muitos membros que passaram pela banda: Eva O (vocalista), Rikk Agnew e James McGearty. (Para pormenores sobre a história atribulada da banda Christian Death, que ironicamente insiste em manter-se muito viva contra ventos e marés, favor consultar a Wikipedia que eu não tenho paciência.)
Foi de facto um mergulho no escuro, daqueles a que gosto de me dar ao luxo de vez em quando. Sem rede. Como se fosse uma banda totalmente nova. Como começar do início. Às vezes corre mal, principalmente com reuniões de bandas antigas. Por muito que se tente, não se consegue sair de lá sem uma enorme desilusão.
O que tenho para dizer sobre este concerto, no entanto, é apenas isto: quem não esteve lá devia ter estado e não sabe o que perdeu! A única coisa lamentável foi a falta de público, uma audiência que nem encheu a pequena sala da Caixa. Temo que tenha sido por falta de fé nesta encarnação da banda que muitos preferiram não pagar os 15 euros.
Assim que abriu o concerto, já lá para a meia noite, também fiquei de pé atrás. A vocalista, toda vestida de negro com um véu de tule negro e uma tiara de brilhantes, a lembrar uma noiva já viúva, recordou-me a voz de Gitane Demone e Diamanda Galas: grave, envolvente, possante. Mas que raio era aquela roupa?, pensava eu, quando já ninguém se veste assim nem para concertos? Confesso que me causou um certo choque. Mas à medida que as músicas decorriam, não iguais mas fiéis aos originais, exemplarmente interpretadas, o público começou a dançar, a aplaudir, e a certa altura todo o velho chão tremia de forma não muito tranquilizante... Não foi a nostalgia, foi mesmo a energia do "aqui e agora" e o carisma de quem acredita no que está a fazer que elevou este concerto da previsível apresentação de covers e remakes ao nível de banda que vale por si própria e nos proporcionou uma noite inesquecível.
Por mim, voltem sempre e voltem assim e que haja mais público para a próxima porque bem merecem.
Foi simplesmente o melhor concerto a que assisti em muitos anos: as profundas minhas vénias.

Favor visitar a banda aqui para fotos e vídeos.