domingo, 29 de maio de 2022

Anacondas: Trail of Blood / Anaconda - Rasto de Sangue (2009)

Este é um daqueles filmes que nem se deve ver, muito menos escrever sobre ele. Mas já que vi, decidi partilhar o “horror”. Basta dizer que o título original deste filme era “Anacondas 4: Trail of Blood”, o que é ilustrativo. Isto significa que já há 3 filmes anteriores, não sei se a contar do primeiro, o único que vi.
Como se poderia esperar, este filme é mau, muito mau. Um cientista, a trabalhar para um milionário com um cancro incurável, desenvolveu um soro de imortalidade que regenera os tecidos doentes. Por alguma razão não explicada (talvez os filmes anteriores expliquem melhor), o cientista faz experiências com anacondas, criando uma delas de proporções gigantescas que se auto-regenera quando é ferida e que tem um apetite insaciável (devido ao metabolismo acelerado, ao que parece). Obviamente, a anaconda gigante escapa, come o cientista, come alguns arqueólogos que andavam ali pelo filme só para serem comidos, come o vilão, come os assassinos enviados pelo vilão para matar o cientista quando o vilão pensa que este desapareceu para vender o soro por mais dinheiro, e come mais gente. Como diz a canção, esta cobra come tudo tudo tudo, esta cobra come tudo sem colher.
Não, de facto não come. Ao contrário do que caracteriza a anaconda, que engole uma presa e precisa de tempo para a digerir, esta cobra vai arrancando cabeças e dando dentadas aqui e ali sem nunca consumir a presa toda. Gente que tem medo de cobras: tudo isto é ficção, e mázinha. Como aquela cena em que a cobra consegue perseguir um automóvel a grande velocidade. Pobre bichinho, ficava com a pele toda esfolada pela estrada fora. Até o título original está errado. Não são anacondas, é só uma.
A parte mais estúpida do filme é que a heroína decide destruir o soro da imortalidade. Mas para quê? O soro é válido e podia ser bastante útil à humanidade. Não faz sentido nenhum.
Porque é que a gente continua a ver filmes de cobras gigantes, por muito maus que sejam? É um medo instintivo, primordial, pré-histórico. As serpentes assustam-nos ou fascinam-nos, ninguém lhes fica indiferente. Simplesmente não conseguimos parar de olhar. Não é por nada que Lúcifer aparece no Jardim do Éden em forma de serpente.
Tal como os anteriores, este filme promete sequelas.
Nunca pensei ter de dar negativa a um filme, mas este não merece mais:

9 em 20 (9 pontos pelo CGI da anaconda, a única coisa menos má do filme)

 

domingo, 22 de maio de 2022

A Passagem da Noite (2003)

Embora tenha tido conhecimento deste filme desde que estreou, e que desde logo me interessou, consegui evitar vê-lo até agora no receio de que os temas tocassem demasiado perto. E na verdade tinha razão. Poucos anos me separam da adolescente Mariana que podia ter sido eu se tivesse tido azar.
Todo o ambiente do filme me traz más recordações, como se eu pudesse estar algures lá dentro. Aquele apartamento de classe média, embora já em 2003, cheira todo a anos 80. Até os pais da miúda cheiram a anos 80, se não a anos 70 ou 60.
Era a altura em que os nossos amigos morriam de overdose antes de poderem sequer morrer de SIDA. Num dia estavam no Bairro Alto, no outro dia eram encontrados mortos na mata de Monsanto. Estes jovens não eram violadores. Estavam sempre demasiado mocados para conseguirem fazer alguma coisa a esse nível e só pensavam na dose seguinte. Mas vou dar de barato que certas misturas os “espertavam”. Foi o que aconteceu a Mariana, de 17 anos, violada na praia de Carcavelos num dia de Março. (Isto também desafia a credibilidade, porque mesmo em Março há sempre gente na praia, nem que fosse a fazer surf e a passear o cão. Mas avancemos.)
Eram outros tempos. Reparem como aquela mãe controla a menstruação da filha pelos pensos higiénicos que encontra no lixo. Privacidade era coisa que não havia. (Será que já há?) O horror daqueles pais era a vergonha de uma filha aparecer grávida em casa. Mariana quer esquecer, mas a gravidez não o permite. O aborto, ilegal, está acima das suas posses. Mariana decide então esconder. Conheci dois casos semelhantes. Uma que conseguiu disfarçar sempre a gravidez, para não enfrentar os pais, até ao dia em que deu à luz. A outra não sei se abortou ou se deu para adopção: o bebé nunca apareceu.
Este filme é a história dos obstáculos que Mariana tem de vencer, sempre calada e em segredo, até ao último dia. E a verdade é que conseguiu lixar o gajo bem lixado. Pode não ter servido de muito, mas vingança é vingança.
Para mim, “A Passagem da Noite” é sobretudo o documento de uma época que eu vivi, com “personagens” com que convivi pessoalmente (outros, claro, mas aqui os personagens são tão genéricos que podiam ser os que conheci).
A nível do filme propriamente dito, talvez seja essa a minha maior crítica. Os personagens são estereótipos. Basta dizer que o tema é tratado como um policial, da perspectiva de um polícia cínico e batido, outro enorme cliché. Mariana tem diálogos de boneca telecomandada: sim, não, quero, não quero. A prostituta não precisava de dizer tantas vezes “porque sou puta”. A gente percebe! O drogado/violador não tem qualquer profundidade. O namorado também não. A amiga também não. Os pais podiam ter saído dos Batanetes, mas sem graça nenhuma.
Evitou-se o drama por todos os meios, e evitou-se mal. Acaba-se o filme com a sensação de que tanto podia ter sido explorado e aprofundado, e não foi. Enfim, fica o documento de época.

13 em 20


domingo, 15 de maio de 2022

The Walking Dead: World Beyond (segunda temporada)

Como disse aqui quando fiz a crítica à primeira temporada, quem vir este spin off com expectativas vai ficar desiludido. Era óbvio desde o início.
Acompanhei muitas críticas aos episódios, cada crítica pior do que a anterior, e todos os críticos que eu lia desistiram de as fazer. Expectativas a mais. Nomeadamente, porque aparece a República Cívica, procurou-se descobrir o que aconteceu a Rick Grimes, onde é que ele está e se está vivo. “The Walking Dead: World Beyond” não dá essas respostas, por isso é melhor não ver se o objectivo for só esse.
Este spin off é a versão adolescente de “The Walking Dead”, com tudo o que isso implica. As duas irmãs Iris e Hope, com os dois amigos da mesma idade, Silas e Elton, conseguem chegar aos laboratórios da República Cívica onde o pai de Iris e Hope está mais ou menos “sequestrado” e contam-lhe que a malvada República Cívica destruiu a cidade de Omaha e o Campus Universitário onde os miúdos estavam a estudar.
Porquê? Por um motivo que não se percebe, excepto pela vilania: a República Cívica calculou que estas duas comunidades, a longo prazo, iriam absorver todos os recursos da República Cívica e por isso tinham de ser aniquiladas pelo “bem maior”. A seguir vai ser destruída a cidade de Portland, o terceiro eixo da “Aliança”.
Querem convencer-nos de que as cidades não podiam dedicar-se à agricultura e fornecer bens em vez de simplesmente os consumir? Ora, isto não faz sentido nenhum, mas a série passa-o como verdade. Agora os miúdos têm uma outra missão: avisar Portland do ataque iminente.
Os miúdos até não se safam assim tão mal, graças a alguns aliados conquistados a meio do caminho. Os quatro adolescentes que saíram do Campus sem saber sequer como matar um zombie acabam a série uns lutadores experientes. Bom para eles.
Mas de resto este spin off é criticado pela lentidão. É preciso não perder a perspectiva das coisas. São adolescentes, e de vez em quando param à volta da fogueira a pensar no significado da vida, a descobrir quem eles são como pessoas e o que querem de si e dos outros… e a arranjar namorados/as.
A série só começa a aquecer lá pelos três últimos episódios, quando aparece uma personagem que já nos é familiar: Jadis, também conhecida por Anne, também conhecida por Senhora da Lixeira, também conhecida como aquela que levou Rick Grimes no helicóptero e lhe salvou a vida.
Jadis ingressou na República Cívica, mais propriamente na polícia militar, e está mais impiedosa do que nunca depois de ter perdido a sua comunidade da lixeira na guerra contra Negan. Como ela diz: “Fiz uma aliança com as pessoas erradas”, referindo-se a Alexandria. Agora Jadis não tem escrúpulos. Sempre que Pollyanna McIntosh (Jadis) aparece, a personagem ocupa o écran todo. Grande adição para os últimos episódios. De Rick continuamos sem saber nada.
Se vale a pena ver “The Walking Dead: World Beyond”? Penso que sim, porque daqui vai sair muita informação necessária à compreensão do mundo mais extenso de “The Walking Dead”. Mas, volto a dizer, sem grandes expectativas.


domingo, 8 de maio de 2022

Passengers / Passageiros (2016)

Não sei se existe um género chamado ficção científica romântica, mas, se não há, passa a haver. Este filme não é outra coisa, se bem que o princípio nos remeta para a ficção científica clássica e um espectador incauto pode ser levado a esperar daqui um filme de acção ou de terror tão típicos do género.
A nave de luxo Avalon dirige-se para uma colónia num planeta distante da Terra com 5 mil passageiros a bordo, todos em estase, bem como a própria tripulação, quando embate num meteorito de alguma dimensão. A princípio a nave não parece danificada, mas uma das cápsulas de estase abre-se sozinha. O seu ocupante, Jim, acorda para descobrir que ainda lhe faltam 90 anos para chegar ao fim da viagem que o levaria à colónia distante. Sendo engenheiro mecânico, faz tudo por pedir ajuda e tentar acordar a tripulação, sem sucesso. Ou seja, tem de se resignar de que vai morrer de velhice muito antes de chegar ao destino. A sua única companhia é um andróide bartender que proporciona alguma conversa. (Por falar neste bartender, recordei-me muito das cenas de “The Shinning” em que Jack Torrance conversa com o bartender imaginário/assombrado.) Parece a típica história do náufrago na ilha deserta, do homem privado de companhia humana que quase perde a cabeça e alguns meses depois começa a contemplar o suicídio, mas com uma reviravolta.
Jim apaixona-se por uma passageira ainda em estase, Aurora, bonita e inteligente (ele tem acesso a gravações feitas por ela), e começa a considerar acordá-la. Isto coloca uma questão ética. Jim sabe que por estar condenado (nunca chegará ao destino e morrerá sozinho) não tem o direito de ser egoísta a ponto de sentenciar outra pessoa à mesma solidão, roubando-a também da vida nova que esta almeja na colónia para onde a nave se dirige. Jim resiste o mais que pode, mas acaba mesmo por acordá-la. No momento em que o faz, arrepende-se, envergonha-se e esconde-se. Nunca tem a coragem de lhe confessar que a acordou porque estava sozinho e apaixonado.
Começa aqui a história romântica. Aurora apaixona-se também por Jim, nesta ignorância, e vivem o melhor romance que se pode experimentar nestas circunstâncias. Mas até quando é que Jim vai conseguir manter o segredo? E se contar, não a perderá?
Mas o filme é ficção científica, afinal, e a nave começa a dar problemas. A princípio quase imperceptíveis, depressa se agravam. Tal como no caso do Titanic (que era “insubmergível), a companhia que desenhou a nave cometeu a arrogância de pensar que a inteligência artificial dos sistemas de navegação bastaria e que os tripulantes humanos não seriam necessários à viagem. Acontece, com a degradação progressiva causada pelo embate com o meteorito, que a nave se encontra prestes a explodir.
Mais do que a acção (necessária para que os passageiros salvem as vidas e a nave), o importante no filme continua a ser a vertente romântica: desesperado, arrependido, Jim quer acima de tudo provar que é “merecedor” do sacrifício que impôs a Aurora, arriscando a vida sem pensar duas vezes. Mas será mesmo merecedor? Poderá Aurora perdoá-lo? E deverá?
Não são questões que se esperem de um filme de ficção científica e os amantes do género talvez não apreciem muito esta telenovela espacial. Mas o filme é o que é, quase todos os clichés dos filmes românticos por aqui desfilam, e é preciso ter isto em consideração.
Por causa desta misturada de temas (o náufrago, a nave espacial que precisa de ser salva por amadores, os clichés românticos) eu fiquei com a sensação de não ter visto nada de original. Já vi muito melhor em todos os temas mencionados.


13 em 20

 

domingo, 1 de maio de 2022

A Rainha e a Bastarda

A filha bastarda de um rei, assassinada. Uma corte que guarda um segredo sórdido. Um herói relutante encarregado de descobrir o assassino. O rei e o herdeiro ao trono em guerra um com o outro. Heréticos religiosos. Sexo. Violência. Autoflagelação. Tortura. Sangue. Violação. Guerra dos Tronos? Não, História de Portugal.
Admito que não me lembro de gostar tanto de uma série portuguesa.
Não é nossa tradição misturar História com elementos ficcionais. Na minha opinião, e como todos os leitores já devem saber, também não sou adepta da mistura. Foi para isso que se inventou o género Fantasia, que pode muito bem ser baseado na realidade mas construindo todo um mundo ficcional que não confunde factos com ficção. A série é uma adaptação do livro homónimo de Patrícia Müller (ou terá sido o guião que deu origem ao livro? É confuso). Preferia que os autores portugueses não usassem a História como muleta para vender livros mas que antes embarcassem a 100% no género Fantasia, ainda tão mal visto entre nós. (Mas isto eram outros 300.) É nestas alturas que tenho saudades do Professor José Hermano Saraiva, que sabia estes pormenores todos e era capaz de nos esclarecer onde acaba a realidade e começa a ficção. Lamento, não estudei isto na escola. Só aprendemos que D. Diniz e D. Afonso andaram às turras e que D. Isabel, a Rainha Santa, tentou fazer as pazes entre pai e filho. Aliás, D. Afonso (o príncipe, mais tarde Afonso IV) nunca conseguiu ser simpático aos olhos de ninguém porque foi ele quem mandou matar Inês de Castro.
Mas vamos lá à série. Soror Maria Afonso, filha bastarda e preferida de D. Diniz, é assassinada no convento de Odivelas, onde esta tomara o hábito. Maria Afonso não tinha qualquer vocação para freira e acumulava amantes. D. Diniz encarrega o seu cavaleiro de confiança, Lopo Aires Teles, de descobrir quem a matou. Lopo é o herói relutante, já bastante farto da guerra civil que lhe levou um filho, e só quer afastar-se da corte. Mas não lhe é permitido.
Gostei da técnica estilística, bastante interessante, com que nos mostraram o luto de Lopo Aires Teles. Não se vê muitas vezes e também não é para abusar.
Lopo Aires Teles começa a investigar, quase como um detective moderno, interrogando todos os intervenientes, e é capaz de descobrir demais para seu bem. A Rainha Santa não é tão santa como a História a regista.
Não duvido que nos tempos históricos retratados toda a violência representada tenha sido real e banal, mas confesso que na minha ingenuidade tinha uma ideia diferente de D. Diniz, afinal o rei poeta das “froles de verde piño”, de cognome o Lavrador, que plantou o pinhal de Leiria. Julguei-o um homem mais sensível, delicado, gentil, sedutor, não esta besta autocrática que se julga arbitrariamente senhor da vida e da morte dos seus súbditos. Mea culpa, que o imaginei um homem à frente dos seus tempos, um autêntico romântico do século XIX, enfim, um poeta como o entendemos agora. É curioso, também, que a série não tenha feito grandes esforços para abordar essa faceta do rei como trovador. Não consigo sequer imaginar a personagem a fazer cantigas de amigo. Simplesmente não bate certo com o D. Diniz da série.
Não acredito em nada dos supostos “segredos” e vi “A Rainha e a Bastarda” como uma ficção qualquer. Daí a minha aversão pela “História” fantasiada. Mesmo assim, recomendo vivamente pelo entretenimento. Passou na RTP1 e espero que repitam.

E mais uma vez o problema do som
A série foi relatada em voz off para os invisuais, o que eu acho muito bem. Podiam também ter posto legendas para se perceberem os diálogos perdidos na má dicção e no volume muito baixo – o que já é costume, infelizmente. “Ai Deus y u é” um técnico de som capaz de resolver isto? O que é que se passa com o som nas produções nacionais mais recentes?