segunda-feira, 9 de setembro de 2019

O Cadáver, de Beldemónio

http://projectoadamastor.org/antologia-dentro-da-noute-contos-goticos

Este é um conto cómico que conseguiu fazer-me rir. Trata da história de um homem que vinha de um baile, “Fernando de Morais, um valsista infatigável de todos os bailes do campo”, pelas bandas do Campo Grande, que nessa altura era mesmo campo e arredores de Lisboa. (Primeira gargalhada.) “De repente, distraído, tropeçando em qualquer coisa de mole, caiu de bruços para a frente, com as mãos estendidas. As suas mãos bateram numa superfície fria e molhada; e quando ele rapidamente se quis firmar para se pôr em pé, encontrou cabelos; o seu olhar já habituado ao escuro reconheceu um cadáver ali estatelado, de ventre para o ar, com a cabeça um pouco de lado, lívida e horrorosa sob o luar alvacento.” Era um homem que tinha sido assassinado. Mas este Fernando, e justificadamente, tem medo de ser acusado do crime se for encontrado junto ao cadáver e desata a fugir espavorido. É muito interessante como ele toma medidas forenses para eliminar todos os vestígios do cadáver, queimando a roupa manchada de sangue, fingindo um semblante calmo e sereno enquanto, intimamente, a paranóia de ser acusado do crime vai aumentando a níveis insuportáveis. Bem diz o conto:
«Se se lembrarem de propalar que furtei sub-repticiamente o zimbório da Estrela, a primeira coisa que tenho a fazer é fugir para o estrangeiro, e justificar-me de lá...»
Segunda gargalhada. E não é que ainda é verdade nos nossos dias? Especialmente para o desgraçado do pobre, que não tem uma firma de advogados que o defendam se for injustamente acusado. Mas se é rico e corrupto, não só não o conseguem prender como ainda se “arrisca” a ser reeleito Presidente de Câmara…
Não vou contar o que acontece a Fernando porque ia estragar a piada. Na verdade, esta história nada mais é do que uma piada desenvolvida em forma de conto. O mais surpreendente é que ainda nos faz rir hoje em dia, duzentos anos depois.
Beldemónio é o pseudónimo de Eduardo Lobo Correia de Barros, cronista, contista, jornalista e tradutor.


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Este conto encontra-se na compilação “Dentro da Noute – Contos Góticos”, do Projecto Adamastor. O download gratuito pode ser feito AQUI.


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