Nota para os mais distraídos: clicar na imagem para uma surpresa!
Deste não há fotos porque me esqueci do telemóvel em casa.
Não é que adiantasse muito pois, para não variar, o meu atraso fez-me perder o direito ao lugar na primeira fila e umas senhoras muito profissionais lá trataram de me enfiar quase no tecto onde não se via a ponta de um corno para não perturbar o espectáculo quanto mais tirar fotografias. Isto gente fina é outra coisa. Uma pessoa entra na Culturgest e sente-se logo como se lhe tivessem metido um espeto no cu.
Uma hora e tal de concerto e não se ouvia uma mosca zumbir. A acústica é excelente, certo, mas o ambiente é de cortar à faca. A culpa não é dos Mão Morta mas o que é verdade é para ser dito, isto é lá sítio para este público e este espectáculo?! Não me parece.
(Da Culturgest guardo uma boa memória: os espelhos da casa de banho fazem uma pessoa parecer mais alta e mais magra. Se pudesse ainda lá estava às voltinhas a apreciar-ME. Gente fina, mesmo distorcida, é outra coisa. Havia uns espelhos assim na Feira Popular, ali perto do Campo Pequeno, no Campo Grande, antes de acabarem com ela. Agora já sei para onde eles foram.)
E eu já não tenho paciência para estas coisas. Mais de uma hora sentada a olhar para o palco? Não funciona. Sou nervosa. Ou comigo aconteceu ao contrário. Quanto mais crescida menos capacidade de concentração.
Dez minutos depois de entrar já estava furiosa por ter perdido o último episódio do "Dexter". Nem sequer me lembrei de pôr a gravar. E ali estava eu, a enrolar e desenrolar o livrinho com a biografia dos Mão Morta, a apanhar valente seca, como no cinema mas pior, e a perder o último episódio do "Dexter"...
Foi então que me ocorreu para que é que o espaço serve. Serve para gravar o espectáculo e passá-lo na RTP2, onde deve ser visto depois do "Dexter", preferencialmente gravado para parar, andar para a frente e para trás para ouvir de novo, fumar um cigarro, beber um copo, esticar as pernas, rir às gargalhadas com aquela do caranguejo no ânus. Enfim, respirar, mexer, viver. Para isso sim, a sala serve sim senhor. Espero que alguém o faça ou tenha feito, e o passe na televisão onde deve estar.
Este espectáculo é bom demais para se perder! Mesmo num espaço tão pouco propício a interacção fui sugada pelo Adolfo para as palavras e a música que, afinal, foram o que me levaram até ali disposta a suportar de livre vontade uma imobilidade imprópria. "Os Cantos de Maldoror" de Lautréamont (Isadore Ducasse) é, como o nome indica, uma série de histórias mais ou menos terminadas que compõem o livro mais herético que já li na vida. Prostitutas, crimes, cópulas com animais, morte, podridão, sacrilégio, doença, fedor, são estes os cantos que Aldolfo Luxúria Canibal declama e interpreta com soberba genialidade como se tivessem sido escritos para os Mão Morta (e, para os mais místicos, se calhar até foram) numa performance de música e teatro que hei-de lembrar até morrer.
Até morrer. Se isto não vale a pena não sei o que valha.
Só lamento não terem aproveitado aquela do pintelho de Deus. Não, não é uma anedota. Está mesmo no livro. Confesso que estava à espera do pintelho de Deus a todo o instante mas a do caranguejo também é cinco estrelas. E não, não estou a ironizar. Para mais pormenores ide ler o livro que vale bem a pena.
Estar com os Mão Morta na mesma sala, partilhar com os Mão Morta mais este momento único, foi emocionalmente tão confortável como estar com a família, mesmo em silêncio sepulcral num restaurante demasiado caro. Entre os Mão Morta e o seu público já não são precisas palavras. E agora elas também me faltam porque está tudo dito. "Está dito."
Quem puder ir ao Theatro Circo que aproveite.