quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

Não sou a única a apontar a PREGUIÇA


A prova do cansaço

Fala-se muito outra vez da necessidade imperiosa de se «dizer a verdade» aos portugueses. Esse foi sempre um substancioso tópico eleitoral.

Mas agora considera-se a questão ainda mais premente, como se os portugueses quisessem saber da verdade para alguma coisa. Na verdade... não querem!

Basta, para o comprovar, o longo catálogo das vezes em que se falou verdade. Já se terá esquecido a sequência de intervenções essenciais de Cavaco Silva ao longo dos últimos anos? Ou o que se fartou de dizer Manuela Ferreira Leite? Ou o que, concomitantemente, tem sido dito por inúmeros especialistas, de todos os quadrantes, de António Borges a Silva Lopes, de Vítor Constâncio a Saldanha Sanches?

Não é por falta de verdade que o gato vai às filhoses ou que os portugueses desacertam no caminho. É mesmo por excesso de verdade todos sabem que «isto» assim não se aguenta, mas reluz no canto do olho de cada um a certeza infalível de que, entre mortos e vivos, ele, pelo menos ele, se há-de salvar. Ora, se se há-de salvar, para quê aceitar rigor, disciplina, sacrifícios, contenções, austeridades, ninharias que afinal só serviriam para exacerbar irritações? Antes viver do reforço insolente dos corporativismos, enquanto a bola saltita de um campo político para outro.

Acresce que os portugueses cultivam a propensão fatal de se interrogarem sobre o que é que se passa com eles, para logo mergulharem nos refegos da ontologia barata. E põem-se a debater longamente porque é que «nós» somos «assim». A enfadonha conclusão é sempre a mesma somos «assim» porque nunca nos dispusemos a ser de outra maneira. Quando alguma vez o fomos, foi porque nos obrigaram a isso.

Mas já não há figuras nem mecanismos que obriguem seja quem for a seja o que for. Nem sequer no tocante às eleições geme-se deveras perante a abstenção, mas o voto nunca foi obrigatório.

De resto, a tal «verdade» é muito simples e todos a conhecem anda-se «de tanga» porque se viveu muito tempo «à balda». Para o PS, principal responsável por isso, é preciso dar continuidade à balda, sustentada em anestesias pitorescas, palavreado barato, suspeições acumuladas, desprestígios quanto baste e sinuosos faits-divers.

O PS concilia a nostalgia do despesismo com as referências ambíguas ao pacto, as reivindicações sociais com as impossibilidades práticas de lhes dar satisfação, as refe- rências à Europa com o paleio sem carisma e sem cobertura.

O PS concilia tudo pela «verdade» incontornável da promessa. É o seu dicionário dos milagres. Sabe que, entre a promessa e a realidade, a primeira é a que acena aos portugueses com a lei do menor esforço. E enquanto o Estado for pagando umas coisinhas, os jornais relatarem umas coscuvilhices suculentas, houver reality-shows a correr na televisão e os habituais psicodramas do futebol forem traumatizando ansiosamente as almas, ninguém perderá tempo a pensar em dificuldades.

Nada de falar em minudências desagradáveis, como subidas de impostos, adiamento de aumentos salariais, diminuição de férias e regalias, flexibilização de leis laborais, aproveitamento escolar exigente, autoridade das forças da ordem, respeito das leis, crescimento da produtividade, reformas de fundo, como condição para se sair da cepa torta.

Dá muito menos trabalho e só interessa afinal proclamar uma «verdade» mandriona como alguém disse há muito tempo, o homem não foi feito para trabalhar e a prova é que se cansa.


Vasco Graça Moura
Diário de Notícias, 12/10/2004

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