1) Michael Myers está há 40 anos internado num hospital psiquiátrico de alta segurança; mas ele não tinha morrido numa das sequelas, ou não era uma entidade sobrenatural que não morria?
2) o filme refere-se sempre “àquela noite” (a primeira noite em que Michael Myers fez a sua aparição e respectivos assassinatos); então e os outros “Halloweens” todos?
Só ao ler as críticas fiquei informada. Este filme simplesmente ignora todas as outras sequelas, intitulando-se a única sequela depois do filme original de 1978.
Portanto esqueçam tudo o que viram na catrefada de sequelas de “Halloween”. Para este filme, nada disso aconteceu.
De acordo com esta narrativa, a seguir aos acontecimentos de 1978 Michael Myers foi internado num hospital psiquiátrico para ser estudado, onde permaneceu durante 40 anos sem dizer uma palavra.
Por outro lado, Laurie Strode utilizou esse tempo para se preparar para o regresso de Myers, tipo Sarah Connor no “Exterminador Implacável”: vive numa casa cercada de vedação e vigilância electrónica, tem uns sete ferrolhos na porta e uma cave a abarrotar de armas e munições. Mas Laurie é uma mulher traumatizada, divorciada duas vezes, com uma má relação com a única filha que a acusa de lhe ter destruído a infância a tentar treiná-la e prepará-la para enfrentar Myers. Actualmente a filha quase não lhe fala, mas a neta Allyson não cortou os laços com a avó.
Entretanto, no hospital psiquiátrico, dois jornalistas/podcasters visitam Michael Myers (completamente acorrentado e isolado) e o seu médico no intuito de escreverem um artigo sobre ele, no que parece um piscar de olho a “O Silêncio dos Inocentes”. O médico informa-os de que o Estado já desistiu de estudar Myers devido à sua falta de cooperação e que o vão transferir para instalações muito piores. Ora, acontece que decidem transferi-lo precisamente no dia de Halloween. Michael Myers consegue escapar durante a transferência e dirige-se direitinho na direcção de Laurie e da sua família.
Fiquei um bocado chocada ao ler críticas a queixar-se de que o filme não é assustador o suficiente. Bem, não se podia esperar o impacto do original, pois não? Mas quanto a violência, não me lembro de um “Halloween” tão gratuitamente violento como este. Myers mata os jornalistas que o visitaram, e depreendo que o faça porque estes o provocaram com a máscara para tentar obter uma reacção. Pelo caminho mata indiscriminadamente e aparentemente sem razão, inclusive uma criança a quem parte o pescoço e a quem não precisava de matar. É difícil ver essa cena, admito. Mesmo que o miúdo fosse uma testemunha, por aquela altura já toda a gente sabia que Myers tinha escapado e que carro tinha usado na fuga porque ele acabara de matar o dono do veículo também. Logo, o miúdo foi uma morte escusada, como muitas outras que se seguirão. Myers está mais perigoso do que nunca. Se é assustador? A nível de surpresa, ou até mesmo a nível de uma hipotética possibilidade sobrenatural, não. Mas a nível de pensarmos que um psicopata qualquer nos pode entrar em casa e matar-nos (sem qualquer motivo) com uma faca da nossa própria cozinha, sim. Mas obviamente que o objectivo último de Myers é Laurie, e de preferência a família dela também, como bónus, e Laurie está à espera dele. Na verdade, esteve à espera dele durante 40 anos, a ponto de se encontrar igualmente bastante neurótica.
Gostei deste aprofundamento da personagem de Laurie como uma mulher marcada e traumatizada que vive em função do que lhe aconteceu e não o consegue ultrapassar, mas admito que não gostei que o mesmo não fosse feito também com Michael Myers. Esta sequela é mais séria a nível psicológico do que todas as outras (incluindo o original), mas Michael Myers continua a não ter personalidade excepto a máscara e a faca. Até o Exterminador Implacável tinha mais personalidade do que Myers. Tal como vimos uma evolução em Laurie, eu gostaria de ter visto uma evolução igual em Myers.
Aliás, o filme continua a não conseguir decidir se Myers é uma entidade sobrenatural ou não. A princípio é-nos apresentado como apenas mais um serial killer, mas ao longo do filme, como já acontecia nas sequelas, Myers sofre ferimentos a que nenhum ser humano sobreviveria, muito menos continuar a andar e a matar, já para não falar da grande força muscular que ele apresenta. Há uma cena em especial, no hospital psiquiátrico, em que um dos jornalistas tenta aliciar Myers a falar mostrando-lhe a máscara, e no momento em que a máscara é exibida os outros pacientes ficam muito agitados e até os cães de guarda desatam a uivar. Ora, isto são reacções que sugerem uma máscara com poderes sobrenaturais, mas todo o filme nos tenta convencer de que Myers é o puro Mal, mas um Mal humano, não sobrenatural. No entanto, uma pessoa má e uma máscara velha não fazem cães uivar de medo. Então, em que é que ficamos? Myers não pode ser apenas humano às 2ªs, 4ªs e sábados e sobrenatural às 3ªs, 5ªs e domingos, conforme dá jeito. O filme anda por ali na corda bamba e muitas vezes, na minha opinião, estatela-se no chão.
Por outro lado, Laurie Strode é muito humana, especialmente nesta sua encarnação como mulher madura, mãe e avó. Como humana que é, e retratada como durona, comete erros. Eu não esperava de uma civil a perícia de uma Clarice Sterling agente do FBI, mas são mesmo erros de palmatória. Quando nos dizem que ela tem uma casa blindada e uma cave segura, pensei mediatamente num bunker de cimento. Mas não. É apenas uma cave com tecto de madeira, e com tais frestas no tecto que se consegue ver o andar acima. Isto não é uma cave segura. Se Michael Myers não fosse tão obcecado por facalhões poderia muito bem incendiar a cave com toda a gente lá dentro (o que vai ser importante mais à frente).
Outro erro crasso de Laurie é andar à procura de Myers dentro de casa com uma espingarda enorme, em espaços apertados e escuros. Se ele lá estivesse poderia subjugá-la facilmente, de surpresa, agarrando-lhe o cano da espingarda. O que se precisava aqui era de uma pistola. Enfim, Laurie Strode não é nenhuma Clarice Sterling e muito menos uma Sarah Connor, excepto pela paranóia.
No geral gostei do filme, mas achei que ficou muita coisa interessante por explorar.
14 em 20
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