Uma personagem de uma série de televisão descreveu este livro como “uma viagem ao abismo”. Confesso que fiquei surpreendida porque não sabia que Sylvia Plath tivesse escrito um romance (sempre a conheci como poetisa) mas o tema interessou-me imediatamente. Com efeito, “The Bell Jar” é o único romance de Sylvia Plath, publicado originalmente sob o pseudónimo Victoria Lucas, em 1963, tendo em conta que é uma obra autobiográfica com personagens ficcionais.
A história passa-se em 1953. Esther Greenwood, uma aluna excepcional de 19 anos consegue um estágio numa revista de moda, junto com algumas colegas. Esther vem de uma família pobre, e sempre se empenhou com afinco para conseguir prémios e bolsas para financiar os estudos, mas subitamente percebe que não sabe que carreira escolher ou mesmo se prefere casar e ter filhos. Esther é daquelas pessoas que fingem sempre que está tudo bem e não desabafam com ninguém, e do seu relato na primeira pessoa nota-se perfeitamente uma baixa auto-estima.
Na verdade, o que Esther quer ser é poetisa e escritora, e depois do estágio inscreve-se num curso de escrita onde não é aceite. Esta foi a gota de água que provocou o que nós chamaríamos hoje um esgotamento nervoso: Esther mete-se na cama embora alegue que não consegue dormir, deixa de comer, deixa de tomar banho. Estes são sintomas de depressão profunda à mistura com a ansiedade perante o futuro que Esther não consegue enfrentar.
A mãe leva-a ao psiquiatra que, logo de rajada, prescreve choques eléctricos. Esther recusa voltar ao médico, mas começa obsessivamente a planear o suicídio que quase consegue executar com comprimidos. Descoberta a tempo, é internada num hospital psiquiátrico (à altura chamado manicómio/hospício) onde é “tratada” com mais choques eléctricos e insulina (!), a par com alguma psicoterapia. Por esta altura penso que o problema de Esther já não é simplesmente depressão, especialmente quando ela começa a pensar que os médicos “estão todos feitos uns com os outros”. Isto parece-me mais esquizofrenia paranóica. Esther sente-se isolada do mundo, como que dentro de uma redoma de vidro (the bell jar) que não a deixa respirar, e mesmo depois de ter alta do hospital receia que a redoma volte a asfixiá-la no futuro.
O que mais me impressionou nisto tudo (talvez da minha experiência pessoal) foi a falta da raiva que Esther nunca chega a expressar. Isto, confesso, chocou-me. Nada como uns pontapés nas mesas e cadeiras para curar a depressão. Mas Esther deixa-se levar passivamente, quando não em lágrimas. “Electrochoques? Está bem.”, “Sou maluquinha? Está bem.”, “Merecia estar num hospício de maior segurança? Está bem.”
É claro que isto é nos anos 50 em que o lugar de uma mulher era muito diferente. A grande conquista de Esther, à altura, é começar a usar contraceptivos para não ficar grávida e dependente de um homem.
“The Bell Jar” tem sido visto ao longo das décadas como um precursor da literatura feminista e, sinceramente, não sei o que dizer quanto a isto. O feminismo nos anos 60, 70, 80, já não tem nada a ver com o feminismo dos nossos dias. Acredito que este livro, na altura da publicação, tenha sido uma pedrada no charco. Esther fala de dificuldades económicas, ambições, sexo, contracepção, depressão, suicídio, e do seu enorme desejo de ser uma mulher independente que faz o que quer.
O estilo de escrita é muito desequilibrado, na minha opinião. Por um lado, como poetisa que é, Plath é capaz de nos deslumbrar com imagens inesperadas, mas o tom geral da narração é a de alguém que está a escrever um post à pressa no Facebook (ou num diário secreto), sem se importar muito com a linguagem. Talvez seja esta informalidade que ainda capture o interesse de geração após geração, apesar do tema sombrio.
Gostaria que o livro me tivesse tocado mais, mas, muito honestamente, para mim só funcionou como documento histórico dos tratamentos brutais a que submetiam os pacientes psiquiátricos.
domingo, 17 de novembro de 2024
The Bell Jar, de Sylvia Plath
Labels:
crítica livros,
literatura,
livros,
Sylvia Plath,
The Bell Jar
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário