Os Siglo XX são uma banda belga formada em 1978. Uma banda que só descobri graças, mais uma vez, ao festival Extramuralhas do ano passado. Não posso dizer que nunca tinha ouvido falar deles, porque afinal até tenho um tema dos Siglo XX na compilação “Fuck Yeah Goths Mix One” (2010), mas simplesmente não lhes tinha prestado a atenção que merecem. Desde o Extramuralhas 2019, que lhes descreve o género musical como Coldwave, Gothic Rock, Darkwave e Post-Punk, fui finalmente aprofundar a discografia desta excelente banda. E fiquei perplexa de como é que me passaram ao lado este tempo todo. Mas mais vale tarde do que nunca.
Um dos motivos para isto, suspeito, é que a música dos Siglo XX não é exactamente dançável (pode ser, mas é mais para ouvir do que para dançar, no meu gosto pessoal) e passa muito discretamente no meio de outras bandas do mesmo género. Não é banda em que se repare numa disco ou bar, por exemplo, enquanto se conversa com amigos.
Às vezes os temas lembram-me Joy Division, outras Bauhaus, outras ainda Siouxie and The Banshees, e Sisters of Mercy e Nick Cave do início, e até Dead Can Dance do primeiro álbum. Como é que é possível perdê-los?
Os Siglo XX fazem um som subtil e envolvente, com letras fortes e sombrias, que merecia ser mais conhecido. Recomendo que os vão já descobrir se eles também vos passaram ao lado.
domingo, 27 de dezembro de 2020
Siglo XX, ilustres desconhecidos
domingo, 20 de dezembro de 2020
O fantástico som Pioneer
Deixem-me contar-vos a história de como me apaixonei pelo som Pioneer.
Mas antes, deixem-me dizer-vos que este post não foi de forma alguma patrocinado pela marca. Este é um post de amor. E um post que já devia ter escrito há muito tempo, mas que foi ficando para “depois”.
Nos anos 80 e 90, quando eu despertei para a música, comprar Pioneer era impensável. Era uma marca cara, inacessível a gente que ainda andava na escola. Habituei-me a comprar Sony, que naquele tempo era a marca que oferecia melhor relação preço/qualidade.
Aqui há uns anos valentes, o meu amplificador Sony deu o berro e dirigi-me a uma loja para comprar outro. Foi aí que tive a sorte de os Sony estarem esgotados e de ver um amplificador Pioneer ao mesmo preço. Como tinha pressa (viver sem música não é uma opção), comprei o Pioneer. Mas não estava convencida. Achei que era um produto abaixo do Sony, para bolsas pobres.
Quando cheguei a casa e experimentei, foi como pela primeira vez ter ouvido o som do paraíso. Límpido, cristalino, um som em que se percebem todas as palavras cantadas e todas as subtilezas instrumentais, mas ao mesmo tempo potente, forte, com uma batida de nos fazer estremecer. Eu nunca julguei que as duas coisas fossem possíveis. Em amplificadores deste preço, tudo isto é uma amálgama de ruído. Sei-o agora porque já ouvi o som como ele devia ter sido sempre ouvido, a preço acessível.
Fiquei completamente apaixonada pelo som Pioneer e grata por a marca ter finalmente decidido competir com a concorrência preço/qualidade. E o amplificador tem durado tanto que já nem sei quando o comprei. Nunca os meus aparelhos anteriores duraram tanto.
Quando foi a altura de substituir os meus auscultadores, experimentei uns Pioneer também, não muito mais caros do que uns Sony. E como é que eu posso descrever esta experiência? O som límpido e forte do amplificador ficou ainda mais forte e límpido com os headphones. É de viciar um melómano.
Desde aí tenho comprado auscultadores da gama SE-MJ500, destes que mostro na imagem, que são leves e cómodos e dobráveis (mas eu não os dobro para não desgastar), e com uma potência e sensibilidade superior a todos os outros que experimentei antes. Recentemente tive de comprar novos headphones e apercebi-me que muitos destes modelos foram descontinuados, o que é pena. E se calhar é isso que me faz agora escrever este post atrasado.
Consegui mandar vir (de Espanha!) o modelo SE-MJ512, On Ear (mas como tenho orelhas pequenas faz o efeito de Over Ear e são muito mais leves), um modelo com uma qualidade de som superior a alguns da mesma gama que se lhe seguiram e que também experimentei. E mesmo assim os de qualidade inferior superavam, largamente, qualquer outro headphone em preço/qualidade.
Vou ficar fiel à marca até esgotar todos os exemplares disponíveis. Foi bom, mas não sei se vai continuar. O único defeito destes auscultadores são os fios, finos e pouco resistentes, que se enrolam facilmente e começam a fazer mau contacto. Se não fosse isso não seria preciso substituir os headphones tão frequentemente. Assim, para uma utilizadora intensiva como eu que os usa umas 12 horas por dia, só duram dois anos com sorte. Mas como não são caros, nem considero um problema. Valem muito bem o preço. Ainda fica mais barato do que muitos auscultadores de 100 euros e mais que se calhar duram o mesmo tempo.
Como disse, este post não foi patrocinado, mas se a Pioneer passar por aqui e me quiser oferecer uns headphones como agradecimento pela publicidade gratuita, o meu email está ali ao lado. E quem diz headphones diz outros aparelhos ao critério da marca. Meus amigos, aceito tudo e ainda faço crítica!
Link para os Pionner SE-MJ512 aqui, com todas as especificações e modelos.
domingo, 13 de dezembro de 2020
Perdidos (2017)
“Perdidos” é a versão portuguesa do filme “Open Water 2: Adrift” (2006). Seis amigos embarcam num iate e decidem dar um mergulho no oceano. Mas o dono do barco, irresponsável, esquece-se de descer a escada. Agora as pessoas na água não conseguem escalar o barco. A escapadinha entre amigos transforma-se em tragédia.
“Perdidos” é de tal modo a “tradução” do filme original que, tendo gostado do segundo, também tenho de gostar da primeira. É quase tudo igual. As únicas referências à cultura portuguesa são Porto Santo (de onde partem) e a canção de Sérgio Godinho “O Primeiro Dia”. De facto, logo ao chegar, um dos personagens vai trauteando a canção, com o conhecido refrão “Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”. Achei esta utilização do clássico demasiado óbvia (dentro de um dia ou dois o personagem está morto) e não vejo nada de literal na canção de Godinho para a trivializar assim, apenas como presságio num filme de terror. Ainda por cima um filme de terror que já toda a gente viu. Sinceramente, não gostei.
Tem-se colocado em questão a própria necessidade de filmar este mesmo enredo em português, tendo em conta que “Open Water 2: Adrift” é bastante recente, e este filme já é o aproveitamento do sucesso de ainda outro filme, igualmente uma tragédia no mar, “Open Water” de 2003. (Ora aqui está algo que eu só descobri a pesquisar para este artigo. Os dois filmes originais são perfeitamente autónomos, também não percebo porque é que quiseram relacionar os títulos.) A melhor explicação é que a costa portuguesa tem o cenário perfeito para o filme (fica barato nesse aspecto), e somos um povo de velejadores. Tudo bem. Mas podiam ter inserido algo mais original, ou da nossa cultura ou a nível das personagens ou do próprio enredo. Eu, pelo menos, esperava esse toque de originalidade.
Por falar nas personagens, confesso que estas vão ser menos esquecíveis para mim do que as do filme original, que ainda eram mais bidimensionais. O jovem casal com o bebé em plena crise conjugal, o ex-namorado que tem dinheiro e é um “merdas” (epíteto que lhe dão no filme e que não podia ser melhor escolhido), a namorada deste (que não tem nada a ver com os amigos dele), e os dois amigos “fixes” que podem ou não estar num relacionamento. Não falta aqui conflito e o filme sabe explorá-lo como deve ser. Tal como no original, o que aconteceu a estes “portugueses” é perfeitamente realista, principalmente com o conflito à mistura. Logo, tenho de gostar.
Há um problema técnico com este filme, que é o som. Não preciso de ser grande especialista para o identificar. Não percebi a maior parte do que eles diziam, especialmente o personagem Vasco (mas os outros também), e muitas vezes dei por mim a olhar para o rodapé da televisão à procura das legendas. Isto tornou-se mais frustrante nas partes mais tensas. Por exemplo, quando o merdas pega na mulher que tem fobia à água e se atira com ela para o mar. Ele diz-lhe alguma coisa, mas escapou-me. Era interessante saber que justificação é que ele lhe está a dar. Assim foi como ver uma cena de filme mudo.
Outra coisa mal explicada é a presença da faca dentro de água. No filme original esta questão não se me pôs, o que significa que a presença da faca foi explicada ou mostrada de forma tão natural que eu não achei estranho. Aqui não, e perguntei-me “de onde raio saiu a faca”?
Também há uma cena de micro-segundo, no fim do filme, em que se vê que a escada é accionada, mas isto foi tão rápido que já li algumas críticas a dizerem que perderam este pormenor. Confesso que tive de voltar atrás e rever, e se não tivesse visto o filme original se calhar também não percebia.
Gostei da última cena, longa e focada nas reacções faciais da sobrevivente, um bocado mais na linha da tradição cinematográfica portuguesa. Nunca ninguém me vai ouvir elogiar cenas demasiado longas, mas acho que aqui fez todo o sentido. Foi um toquezinho de classe à filme europeu que me agradou bastante neste contexto. Pena ter sido o único.
14 em 20 (não posso dar mais porque o filme é uma cópia)
domingo, 6 de dezembro de 2020
Silence / Silêncio (2016)
Que grande filme! 20 em 20.
“Silêncio”, a adaptação do romance homónimo do autor católico Endō Shūsaku, é um regresso de Martin Scorcese ao tema de Deus e da fé que tornaram “A última tentação de Cristo” um filme tão controverso.
Dois padres jesuítas portugueses, Rodrigues e Garupe, partem para o Japão do século XVII onde se trava uma cruel perseguição aos cristãos. Rodrigues e Garupe são informados de que o seu mentor, o padre Ferreira, missionário no Japão, tinha cedido à tortura e apostatado contra a fé cristã, mas não conseguem acreditar e pretendem encontrá-lo nem que para isso tenham de arriscar as suas vidas.
O perigo é muito real assim que põem o pé no Japão. Guiados por um japonês duvidoso, Kichijiro, ele próprio um cristão obrigado a renegar a fé, são acolhidos numa aldeia de pescadores tão devotos como miseráveis, que querem acima de tudo a presença dos padres para se poderem confessar e baptizar as crianças, que dão mais valor do que deviam aos símbolos tangíveis da fé: um crucifixo verdadeiro (em vez das cruzes de palha improvisadas), as contas dos rosários que os padres trazem com eles. O próprio Rodrigues faz esse comentário, é como se para os nativos a fé não fosse algo de abstracto, mas sim algo que podem praticar todos os dias e segurar nas mãos.
As autoridades japonesas consideram a religião cristã perigosa (nunca é explicado directamente porquê, mas fiquei com a ideia de que na sociedade feudal do Japão a religião oficial era mais uma maneira de controlar as pessoas e que uma seita diferente poderia potencialmente acarretar o risco de rebelião) e querem esmagá-la por todos os meios necessários. Conhecedores do seu povo, pedem aos suspeitos que pisem uma imagem de madeira com a representação de Cristo ou de uma cena cristã. Não o fazer significa uma morte atroz para os cristãos: escaldados com água a ferver, queimados vivos, afogados. Uma verdadeira reprodução do que significava ser cristão nos primeiros séculos depois de Cristo, os dias dos apóstolos e dos mártires. Pelo menos é assim que a fé ardente dos jovens padres encara a provação que os espera, como se fossem eles próprios uma espécie de apóstolos, em que o martírio é a maior “honra” concedida a um missionário.
Isto é na ingenuidade inicial, mas após verem a realidade das mortes e das torturas dos pobres pescadores que os tinham acolhido, os dois padres começam a vacilar. “Eles querem que a gente pise”, queixavam-se os pescadores, voltados para os padres como se esperassem deles a absolvição pelo que tinham de fazer. “Pisem! Pisem!”, diz-lhes Rodrigues, o primeiro a adoptar o pragmatismo, mas Garupe contradiz: “Que dizes? Não podem!”
Mais tarde Rodrigues e Garupe são separados, e quando Rodrigues o torna a encontrar (embora nunca cheguem a ter oportunidade de falar) tudo leva a crer que Garupe se tornou um pragmático também.
Este filme está carregado de cenas de tortura muito perturbadoras e é necessária preparação mental para o ver. Mesmo assim, a câmara mantém sempre uma certa distância do que está a acontecer, como se Scorcese nos estivesse a dizer que o importante não é a brutalidade e a repressão, o importante vem depois.
Depois de ver tanta crueldade, o padre Rodrigues começa a ter dúvidas. Deus, que devia amar os seus fiéis, não responde aos seus gritos de agonia. Tudo é silêncio. Será que Deus se importa? Será que Deus sequer existe? Nada responde ao padre Rodrigues senão mais gritos, seguidos do silêncio ensurdecedor de Deus.
“Silêncio” é um filme que levanta mais perguntas do que respostas. Da mesma maneira que os cristãos acreditam sinceramente que o Cristianismo é o único caminho para a salvação, também as autoridades japonesas acreditam que deixar propagar uma religião tão intransigente é uma ameaça à estabilidade social do país. Se há uma maneira aconselhável de ver este filme, eu diria que não é pelo prisma dos japoneses malvados que matam cristãos, mas pelos resultados da intolerância de parte a parte. Rodrigues acaba por perceber que o mundo não é tão a preto e branco como a fé o fazia crer, que é nas zonas cinzentas que o homem mais se confronta com Deus e com a sua própria natureza.
Não tenho nada de negativo a dizer sobre este filme, mas fiquei surpreendida que a identidade portuguesa dos protagonistas não tivesse sido mais explorada. Não que seja o importante, e é por isso que não é exactamente uma crítica, apenas uma observação. Nunca vemos nada que identifique Rodrigues e Garupe (e Ferreira) como portugueses, apesar de o serem. Podiam ter sido espanhóis ou italianos que não tinha relevância nenhuma. Os únicos vestígios de português que aparecem no filme estão na linguagem dos nativos, que adoptaram palavras portuguesas para expressar a fé cristã, como “paraíso” (mal pronunciado) e Deus-u. Gostaria de ter visto isto muito mais explorado, até porque nos interessa.
Por exemplo, porque é que os jesuítas portugueses parecem tão chocados com as torturas japonesas? Acaso nunca tinham visto um Auto de Fé da Inquisição? Não deviam já estar habituados ao horror? Ou, para eles, se fossem heréticos a sofrer não fazia mal nenhum, porque o fogo até lhes poupava as penas no Inferno? Isto nunca é abordado, mas basta ir às caixas de comentários das críticas a “Silêncio” para se perceber que filmes destes ainda fazem todo o sentido. É tanto o ódio, hoje no século XXI, entre ateus e cristãos fundamentalistas, que só falta mesmo acenderem as fogueiras.
Quanto a algumas críticas de que o filme é demasiado longo (e é um filme comprido), só tenho isto a dizer: por mim, via três temporadas desta história. Houve ali muitos personagens que não puderam ser mais desenvolvidos, muitos aspectos culturais a aprofundar, muita política a explicar. Era bem caso para fazerem uma série onde tudo isto pudesse ser detalhado, incluindo a identidade portuguesa dos protagonistas.
20 em 20