Admito que conhecia muito pouco da vida pessoal da rainha Vitória, à parte as máculas da era a que se viria a chamar vitoriana.
(E dos vestidos, é claro! Os vestidos! E os decotes! E as capas! E os coletes! E as gravatas! E as cartolas!... Mas vou tentar controlar-me.)
Desde já tenho um grande elogio a fazer a esta série: a precisão histórica que tentou sempre respeitar. Isto não devia ser um elogio, devia ser um requisito obrigatório quando se trata de uma série de ficção que pretende retratar a vida de personagens históricas e reais, mas ultimamente os argumentistas enveredaram pela mania irritante de alterar pessoas e factos ao serviço do que consideram (na cabeça deles) um enredo mais “chocante”. Exemplos: Os Tudors, Os Borgias... Não só não há qualquer necessidade, como há quem deteste estas liberdades, como há outras maneiras de contar uma história diferente da realidade (Fantasia, meus amigos, Fantasia!).
Não é doença que tenha contagiado esta “Victoria”, e nem que fosse só por isso já teria amado a série. Adorei, no fim de cada episódio, ir pesquisar sobre cada uma das personagens que me chamaram a atenção e descobrir que foram efectivamente reais e que a vida desta gente foi muito mais interessante do que eu tinha imaginado. (George III, avô de Vitória, teve 15 filhos legítimos da mesma mártir consorte, dois dos quais foram reis, mas por capricho do destino a descendência feminina de dois dos herdeiros à coroa quase tornava inevitável que fosse uma rainha a chegar ao trono, como aconteceu, como já tinha acontecido antes, como acontece agora. Destino da Inglaterra?...)
Série histórica à antiga
A série segue a vida da jovem Victoria desde o momento em que se torna rainha. Muito do encanto desta personagem se deve à interpretação da bela e talentosa Jenna Coleman, que ajuda a transformar esta história num verdadeiro conto de fadas. Por opção, a realização opta pelo estilo estético da época, o Romantismo em todo o seu esplendor, sem que tal retire qualquer realismo à narrativa histórica. Não podia ter sido uma melhor decisão!
Não contente com isso, a série desenvolve em paralelo algumas das histórias dos criados do palácio. O contraste é brutal. Aqui já temos o Realismo de Dickens (ainda um Realismo muito Romântico, na minha opinião), nas ruas esquálidas, sujas, escuras e nevoentas por onde estes se movimentam fora do ambiente palaciano, ruas onde crianças roubam e pedem esmola e vendem fósforos e mulheres sem escolha se prostituem nos cantos e becos mal iluminados, ruas onde se adivinha a passagem de um Jack Estripador, casas frias e miseráveis e roupas gastas até ao farrapo. Tudo isto era a outra face do Romantismo, a outra face do progresso que arrancou aos campos toda esta massa de indigentes cuja melhor oportunidade na vida seria uma posição como criados da casa real. É esta grande ambição que consegue Ms. Skerrett, personagem mais interessante, talvez, do que a própria Victoria, que confrontada entre a promessa de amor romântico (e incerto) e a independência financeira invejável como camareira da rainha, opta por desconfiar do amor e apostar na carreira, uma opção inteligente mas ainda assim amarga. Ms. Skerrett, e outras como ela, não se podiam dar ao luxo de acreditar no Romantismo.
Como num conto de fadas, a série termina com o nascimento da primeira filha de Vitória e Alberto, esposos amantíssimos e felizes para sempre. Desconheço, de momento, se há intenções de renovar a série, mas seria uma excelente ideia. O reino de Victoria foi longo e cheio de acontecimentos, e eu sempre gostaria de ver se a continuação permite o mesmo Romantismo do início ou se, forçosamente, se lhe sobreporá o iminente Realismo que se segue.
Depois de escrever este texto, descobri que a série foi mesmo renovada. A ver vamos, então.