Para quem não sabe, "O Livro Dos Espíritos", de Allan Kardec, é um livro religioso, o livro doutrinário da religião espírita, que como todos os livros religiosos exige um respeito particular. Citando a contra-capa do meu exemplar, "é a compilação dos ensinamentos dessa doutrina renovadora e em expansão, que nos faz entender tudo o que antes parecia incompreensível. Eis uma obra que, mais do que um livro para ser lido, é um manual de conduta para a vida". Que ninguém tenha dúvidas, é um livro religioso e doutrinário e é assim que o vou encarar nos posts que pretendo publicar sobre ele.
Muitas vezes as pessoas começam este tipo de "revelações" religiosas com o típico "entrei em contacto com este livro numa época vulnerável da minha vida". Não é o caso. O meu é o outro caso: "o mestre aparece quando o aluno está pronto". Mas não me lembro de como este livro veio parar às minhas mãos, nem de como o adquiri, nem de como ouvi falar dele. Um dia, o livro estava aqui, e o livro eclipsou todas as circunstâncias que o rodearam.
Isto talvez seja uma surpresa para quem lê este blog, porque não é tema de que fale muito porque simplesmente não tenho necessidade de falar dele, mas existe uma minha faceta que é muito espiritual. Não direi "religiosa" porque tentei a religião organizada (várias, até) e cheguei à conclusão de que comigo não funciona. Não é por isto nem por aquilo, simplesmente não funciona. Talvez seja eu que tenha uma espiritualidade demasiado desorganizada. Mas a espiritualidade existe.
Se é para me classificar da maneira convencional, sou cristã. Embora eu prefira dizer de mim que "tento ser cristã" porque ser cristão é muito difícil e, na minha visão da espiritualidade, não é apenas acreditar nisto ou naquilo. Daí o ser muito difícil ser cristão.
Já pensava assim, quando pela primeira vez li "O Livro dos Espíritos", depois dos vinte e cinco anos, antes dos trinta, algures por aí. Isto também pode ser confuso para algumas pessoas mas fundamentalmente sou uma pessoa racional. Até a fé, para mim, tem de ser racional. E agora é que muita gente se vai insurgir, dizendo que a fé é o contrário do racional. Podem ficar na vossa que eu fico na minha. Talvez os comentários que vou fazer às passagens deste livro tragam novamente o tema, talvez não. Não é importante para mim explicar porque é que a fé é racional. Para mim, tinha de ser. (Com as devidas distâncias, "ver para crer como São Tomé", e não digo mais nada.)
O "Livro dos Espíritos", através da reencarnação compreendida sob uma perspectiva cristã, fez para mim sentido de muitas coisas que até aí eram nebulosas. Essa é que é a parte que me interessa.
"O Livro Dos Espíritos" é uma compilação de perguntas e respostas feitas em sessões espíritas aos espíritos desencarnados. (Sim, aos mortos.) Cheguei a pensar, durante uns tempos, em experimentar o espiritismo eu própria, mas desisti da ideia. Algo me diz, não sei ao certo se completamente ao contrário da doutrina espírita, que a vida não é apenas uma preparação para a morte. Algo me diz que a vida, ou melhor,
a experiência da vida, ou de todas as vidas aqui e noutros lugares,
faz parte do desígnio do Criador para as criaturas. Isto é, Deus não nos fez só para nos purificarmos para uma nova existência, mas para experimentar a vida. (O que não quer dizer que seja bom, mas lá iremos, talvez.) Nesta perspectiva, não me parece que, pelo menos para alguns de nós, seja benéfico fazer hábito de falar com os mortos. Com toda a franqueza! Vou ter muito tempo de falar com os mortos... também. Quando for um deles. Qual é a pressa?...
Mas compreendo, por outro lado, que aqueles que perderam um ser querido para a morte já não se consigam desligar do outro lado. Não só compreendo, partilho. Acontece comigo, porém, que a minha maldição é ao mesmo tempo uma bênção: não me morreu ninguém a quem eu ame ou que me amasse com quem
eu queira voltar a falar, e aqueles que partiram e a quem eu amo
não falam. Ficamos assim, então.
O meu interesse em falar com os mortos é igual ao meu interesse em falar com os vivos. Nunca fui falar com os mortos. Mas não ponho de parte. Como disse, qual é a pressa? Lá os hei-de encontrar também.
Vou começar aqui uma série de posts em comentário às ideias de alguns espíritos. Advirto que
pode ferir susceptibilidades e a partir daqui fica o aviso.
Saliento também que este foi um livro escrito por Allan Kardec em 1857 (embora às vezes, pela actualidade, não pareça), e que considero a data importante porque os espíritos estavam a falar para pessoas do século XIX. Muitas das coisas que disseram são, do ponto de vista científico, extraordinárias para a época. Não é tema que me interesse particularmente, mas não deixo de o salientar.
Quanto ao resto, continua.