Assim que foi anunciada, esta “sub-série”, versão de “The Walking Dead” passada em Los Angeles no início do apocalipse zombie, sofreu imediatamente as críticas que denunciavam como seu único motivo de existência o objectivo de capitalizar o êxito da série original. Admito que pensei o mesmo. No entanto, há certas ideias que crescem em nós, e comecei a ficar entusiasmada ao ler a sinopse que prometia acompanhar uma família normal à medida que a civilização desmoronava. A série original não fez isto. Quando Rick Grimes acorda no hospital o apocalipse zombie já ia de vento em popa, Lori e Shane e Carl já tinham fugido de Atlanta, e nunca chegámos a ver o caos dos primeiros dias. Era esse caos que eu esperava ver em “Fear the Walking Dead”.
A série até começa bem. Uma família normal de classe média, na sua vida normal e suburbana, num bairro normal em Los Angeles, pai e mãe e ex-mulher e filhos adolescentes de ambos os casamentos com os problemas normais do quotidiano e um problema suplementar porque o filho mais velho (mas já maior de idade) é toxicodependente. Mesmo assim, em termos relativos, a família é muito funcional. O pai é professor de inglês na escola secundária, a mãe trabalha no conselho administrativo da escola, a ex-mulher é auxiliar de enfermagem (parece-me) mas quer estudar medicina, todos os putos andam na escola excepto o mais velho que dá na veia, até o namorado da filha é um rapaz perfeitamente normal. Era mesmo isto que se pretendia, como é que pessoas perfeitamente normais, com vidas perfeitamente normais, sem qualquer ligação às forças policiais ou militares ou tendências “survivalistas”, que se calhar nunca dispararam uma arma na vida, como é que eles se safam, ou não, no apocalipse zombie quando este rebenta no cenário de uma grande cidade como Los Angeles.
Os episódios iniciais acompanham a família enquanto os primeiros relatos começam a chegar aos media. Existe tanta incredulidade quanto secretismo da parte das autoridades para evitar o pânico. As primeiras pessoas a verem os infectados julgam-nos doentes. Pensa-se que é uma epidemia, como é normal que se pense numa primeira fase. Numa segunda fase, as forças da ordem começam a disparar sobre os infectados (já em estado zombie). Como resultado, vê-se um motim seguido de pilhagem, como também seria de esperar. As auto-estradas para fora da cidade ficam entupidas de trânsito parado, como já tínhamos visto em Atlanta.
Até aqui, julguei que ia fazer uma crítica positiva a esta série. Era mesmo isto que queria ver. O princípio, a desorientação, o pânico, a indecisão quanto ao que fazer. Pessoas normais a reagirem como pessoas normais. E até aqui a série mostra isso, e mostra bem.
E depois não mostra mais nada. Não é um spoiler porque não vou estragar nada aos espectadores, porque assim que chega o exército e isola a parte do subúrbio onde a família mora, por segurança e contenção, não se vê mais nada. Nem motins, nem pilhagens, nem o êxodo para fora da cidade, nem a cobertura jornalística, nem a abordagem científica à epidemia, nem as decisões políticas e militares ao mais alto nível, absolutamente nada. Logo, não posso estragar o que não se vê. E é por isto que esta crítica não pode ser positiva, porque quando o mundo se desmorona e a “nossa” família normal abandona o recinto militarizado, o mundo já é aquilo que conhecemos quando Rick Grimes sai do hospital. Do princípio vemos pouco, e não vemos suficiente. O objectivo da série não foi atingido. (Quanto a mostrar o princípio, isto é; quanto a capitalizar o êxito de “The Walking Dead”, atingiu perfeitamente.)
Há teorias que explicam que a AMC não quis gastar uma batelada de dinheiro em cenas da cidade em caos (coisas como helicópteros, viaturas, cenários, figurantes, guarda-roupa, maquilhagem, CGI, etc). Se é o caso, que grandes sovinas. “The Walking Dead” é uma das séries de maior sucesso dos últimos tempos. Se não se meter dinheiro aqui, então onde? (Mas este “apocalipse” vai mal para todos, anda tudo aos tostões, compreendo isso.) Compreendo, mas empobreceu a série, e nota-se a absoluta penúria da produção. Acho que é mesmo o que mais salta à vista: o que falta. É Los Angeles, uma cidade de milhões de habitantes, não é uma quinta na Georgia!
Onde estão as pessoas? Onde estão os carros? Onde estão os efeitos especiais?
Apesar do que falta, não diria que é uma má série para os apreciadores do género. Os seis episódios (apenas seis) lá vão acompanhando a família e explicando como esta acaba por ajudar o apocalipse a propagar-se mais depressa, e não posso contar mais.
Duas notas finais, uma sobre a realização em tons desbotados, quase em sépia, como numa velha fotografia ou num filme muito antigo ou de série B, que nos lembra que estes acontecimentos são o passado, literalmente e simbolicamente. O mundo que vemos no primeiro episódio já não existe no universo de The Walking Dead. Gostei desta falta de cor, tão significativa.
A segunda nota final é sobre este cartaz promocional:
Lamento, mas esta cena nunca acontece. Era interessante, o choque entre o mundo de normalidade dos miúdos a jogar basket e o mundo que se desmorona à volta deles, mas, completamente alheios, os miúdos não percebem que os zombies já vêm a subir a rua. Podia ter acontecido, e o cartaz é fortíssimo no seu simbolismo e só por isso não o considero publicidade enganosa, mas nunca acontece.
A série promete mais do que cumpre, e é pena. Os apreciadores não vão gostar tanto como de “The Walking Dead” e muitos fãs até vão achar os seis episódios aborrecidos. Eu queria ver mais, muito mais. Mais caos, mais pânico, mais tiroteios, mais trânsito, mais centros comerciais, mais edifícios de escritórios, mais hospitais, mais autocarros, mais explosões. Menos cenas filmadas no quintal dos fundos. (Não estou a ser sarcástica. Há mesmo cenas filmadas no quintal dos fundos.) Não vi, e preferia ver.
Por outro lado, tivemos a zombie mais sexy que eu já vi na vida!