terça-feira, 5 de agosto de 2025

Crise, qual crise - habitação

Há muito tempo que não falava de política/sociedade. Ora cá vai um apontamento da actualidade.
Eu devo ser mais lenta do que pensava. Finalmente consegui perceber o que é afinal a Puta da Crise Crónica - Crise, Qual Crise?, sobre a qual ando aqui a escrever há anos.
Tenho ficado muito perplexa com a "crise da habitação". Mas qual crise? As casas estão caras, não se consegue arrendar? E onde é que está a novidade? Qual é a diferença agora? Nos anos 60 e 70 a minha tia arrendava um apartamento de várias assoalhadas em Lisboa com os quartos todos "alugados". Um estivador aqui vizinho "arrendava" uma despensa de pátio onde só cabia uma cama de molas e um fogão de campismo. Outro vizinho vivia num armazém de refugo de madeira (antigo palheiro para animais de manjedoura), exíguo, de uma fábrica quando havia fábricas em Lisboa. Vivia-se assim, sempre foi normal. E havia barracas, sim havia, nos arredores. O palheiro sempre era mais perto do local de trabalho.
De repente, fez-se um clique, um momento EUREKA. Só se chama crise quando afecta a classe média. Quando (ainda só) afecta os pobres não faz mal, é normal, "não estudaram/não querem trabalhar". Mas quando toca nos filhos daqueles que conseguem arrendar e pagar empréstimos, aí já é crise. Percebi.
Isto já aconteceu com a crise do emprego precário, nos últimos 20 anos, quando os filhos da classe média saíram das faculdades e não conseguiam arranjar nada sem ser a recibos verdes (hoje recebem o ordenado mínimo). Pensei que, sei lá, as pessoas tivessem aberto a pestana. Afinal não.
Não é crise quando só afecta os filhos dos pobres. Está esclarecido.
 

domingo, 3 de agosto de 2025

Finisterra (2025)

No barlavento algarvio, em 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, um avião aliado despenha-se e a neutralidade de Portugal é questionada.
Isto é muito interessante, mas, lamento, isto não tem quase relevância nenhuma para o enredo. O aviador inglês (ou seria americano, já não sei) é devolvido, fim da história da guerra. Tirando alguém que é espião, mas isto também não tem relevância nenhuma, é só pano de fundo.
"Finisterra" é a história de Celeste, que é considerada bruxa pela superstição local, a ponto de ela própria se questionar se tem o "mal". Isto também é interessante, mas a série foi-me vendida como sobrenatural. Ora, lamento, de sobrenatural isto não tem nada. O que se passa aqui é uma bruxa/vidente de província, aparentemente com um livro de São Cipriano e veneno de formigas, a liderar um culto daquilo que na altura se apelidava de satânico, com orgias e bebidas perigosas, mas de verdadeiro satânico também não tem nada. O problema das pessoas deste tempo é que não tinham televisão, nem sequer rádio, nem sabiam ler, e inventavam estas coisas para se entreterem, e quem os pode censurar.
Não estou a dizer que não gostei da série. "Finisterra" criou toda uma atmosfera do que a representação da realidade podia ter sido, sem ser exactamente realista. O fim também foi inesperado, não estava nada à espera daquilo. As cenas da gruta foram um bocadinho "isto deve ter caído aqui de outro filme", mas aceito. No final de cada episódio temos um testemunho verdadeiro de pessoas que viveram na época. Penso que os criadores tentaram inventar uma história que englobasse esses testemunhos.
Os meus problemas com a série não têm a ver com o enredo mas com a execução. Aconteceu-me muitas vezes não perceber o que estava a acontecer. Antes que me venham com desculpas, ter clareza de narrativa não é "guiar o espectador pela mão", é mesmo clareza de narrativa. Por exemplo, ouvimos bombas a cair mas não as vemos, e custou-me perceber que a casa do monte tinha sido atingida. Também não parecia uma casa atingida por uma bomba, para ser franca. Parecia mais chamuscada pela queima de lenha ou algo assim. Isto pode ser por questões de orçamento, e compreendo, mas nesse caso talvez fosse boa ideia ter alguém a verbalizar que a casa foi atingida. Como isso me escapou completamente, perdi partes importantes da lógica das consequências e tive de voltar atrás para ver de novo. Outras coisas não percebi mesmo. Por exemplo, naquele monte algarvio não crescia nada e Celeste era acusada de ser a causadora disso, por ser bruxa. Mas a certa altura vemos a madrinha dela a pôr qualquer coisa no chão, seria sal? Ou seria apenas a viúva a demonstrar o seu ódio pela terra? Sinceramente, não percebi e desisti de perceber. A relação de parentesco também é esquisita. Há aqui muitos pais e muitas mães desaparecidos, e quem era mesmo o pai da outra e do outro afinal, etc.
Mas o que me chateou a sério foram os diálogos que não consegui perceber. Depois de ponderar muito se seria problema de som ou de dicção, uma vez que consegui perceber perfeitamente as palavras de Salazar na rádio, e que até consegui perceber melhor os testemunhos com sotaque e com mau português, e que percebi tudo o que diziam alguns actores, como Miguel Guilherme, tenho de concluir que o problema é mesmo a dicção dos outros actores. Estou a dizer isto como crítica construtiva, a dicção é importante. A naturalidade das falas não as pode tornar incompreensíveis. Já não é a primeira vez que bato nesta tecla, mas faço isto com boas intenções. Afinal, quem beneficia de boas séries sou eu, a espectadora. Custou-me muito acompanhar os diálogos dos actores principais e tenho a certeza de que isto contribuiu para perder o fio à meada da narrativa (isto, e as deficiências da narrativa).
Outro exemplo foi quando os homens andavam a fazer a mó. Desculpem a ignorância, mas só percebi o que eles estavam a fazer no testemunho do final. Durante a cena, porque nunca tinha visto nada semelhante, passou-me pela cabeça se andavam a colocar ou a tirar uma mina (por causa da guerra) ou se estavam a fazer um altar ritual (por causa da bruxaria). Enquanto tentava decifrar o que eles andavam a fazer, e porquê, e como é que se relacionava com o resto, entretanto já tinham passado 10 minutos e mais enredo a que não consegui prestar a atenção devida. Uma vez que isto é uma coisa antiga, talvez pudesse ter sido explicada a espectadores mais novos e citadinos. Por falar nisso, também me custou perceber o que é que o padrinho de Celeste lá andava a fazer com eles, porque não era o trabalho dele. Se bem compreendi, ele andava a tentar ganhar dinheiro em biscates porque o campo dele não produzia. Ora, juntando a minha ignorância quanto à mó, os diálogos que não percebi, à tentativa de estabelecer ligações entre o enredo da guerra e das bruxas, fiquei ali à nora.
Até aconteceu uma coisa um pouco cómica. Existe um personagem, penso que chamado o Parvo (lá está, custou-me perceber o que lhe chamavam), que vive como maluco selvagem nas grutas da praia. Quando ele apareceu, logo de início, pensei que era outro aviador naufragado antes e afectado das ideias. Quando Celeste o manda ir embora, pensei que estava a mandá-lo esconder-se de alguém que andasse à procura dele para o entregar aos alemães. Inventei isto tudo, admito, porque estava a tentar encontrar um fio condutor entre a história da guerra e a história da protagonista (mas não há fio condutor). Este personagem desaparece completamente e volta a aparecer no fim, quando já não me lembrava dele. Mas ainda estava convencida de que era um aviador naufragado. O Parvo é o único que tem desculpa para não falar como deve ser, mas a parte engraçada é que pensei que ele estava a falar inglês (e eu também não compreendia). Na realidade ele estava a dizer "o mar bate na terra". Mas isto fez-me rir. Esta coisa do aviador escondido também pode ter vindo do "Alô Alô" e de filmes de náufragos, confesso.
A série podia ter sido mais agradável de ver se não fosse isto tudo. Vou ser muito honesta, "Finisterra" pareceu-me, para o bem e para o mal, um daqueles filmes experimentais do cinema português em que o valor artístico é mais importante do que a lógica. Mesmo assim, gostei dos temas principais, da ambiência da época, das partes bem feitas, e acho que vale muito a pena.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: drama, bruxas, séries de época

 

terça-feira, 29 de julho de 2025

Furry Vengeance / A Bicharada Contra-ataca (2010)

Isto é embaraçoso. Vi o filme e fartei-me de rir. Vi outra vez e ainda me ri mais. Este é daqueles filmes para toda a família que têm piadas subtis que só um adulto entende, mas as crianças vão gostar do humor mais imediato.
Uma empresa de empreendimentos que se diz ecológica quer destruir a floresta para construir uma urbanização. Dan Sanders é enviado para lá para supervisionar os trabalhos. Antes dele houve outro responsável que se demitiu depois de uma tentativa de assassinato.
Esta tentativa de assassinato veio dos animais da floresta, liderados pelo guaxinim, que vão fazer de tudo para proteger o seu habitat. O guaxinim consegue infiltrar-se numa reunião entre Dan e o patrão (um milionário chinês, associado de um indiano) em que este apresenta os planos para arrasar a floresta. A primeira coisa que acontece a Dan é a mesma tentativa de assassinato, mas Dan safa-se. Os animais não desistem de lhe fazer a vida negra. Um corvo bica-lhe na janela para não o deixar dormir, levando-o quase à loucura. No dia seguinte, enchem-lhe o carro de doninhas. E a perseguição continua, até que Dan se apercebe do que se está a passar. Tresloucado, diz à mulher (Brooke Shields) que os animais o querem apanhar, que o guaxinim é o cérebro da operação e que o corvo e a doninha são os capangas. A mulher manda-o ao psiquiatra. Mas Dan tem razão, há toda uma máfia organizada de animais que lhe querem fazer a folha e nada os travará.
“Furry Vengeance” é mais engraçado do que devia ser. Surpreende-nos e faz-nos rir com as referências que vai buscar. Até tem um momento Stephen King, quando o filho adolescente revela a Dan que há séculos que as pessoas estão a tentar urbanizar aquela floresta mas que, por alguma razão misteriosa, não conseguem (a razão misteriosa fez-me rir às bandeiradas) e no momento seguinte Dan é de tal modo levado para lá do limite da sanidade que se transforma num autêntico Jack Torrance. Os animais continuam a ganhar até que Dan decide tomar medidas extremas. Será o fim para o habitat da floresta?
Este filme conta igualmente com Angela Kinsey, a Angela de “The Office”. Para quem não se lembra, a Angela do Dwight Schrute. (Para quem viu “The Office” e não se lembra de Dwight Schrute não sei o que vos diga, são um caso perdido.)
O final de “Furry Vengeance” é infantil, mas depois de tantas piadas perversas era altura de dar um chupa-chupa às criancinhas.

16 em 20 (dentro do género) 


domingo, 27 de julho de 2025

Yellowjackets (2021 - ?) [primeira e segunda temporada]


− Porque é que o Travis está a gritar?
− Porque vamos comer o irmão dele.


Uma equipa de raparigas, campeãs de futebol, sobrevive a um acidente de avião que se despenha numa floresta remota. Durante quase dois anos, têm de sobreviver sozinhas na natureza.
Não costumo dizer isto muitas vezes, mas esta série não é mesmo para todos. Logo nos primeiros minutos percebemos que vai haver canibalismo. O interessante aqui é como as adolescentes chegam a esse ponto.
As raparigas passam 19 meses numa região montanhosa, incluindo dois invernos muito frios, em que têm de aprender a caçar e a aproveitar qualquer alimento que consigam encontrar. Mas este não é um grupo de raparigas vulgares. Como se não bastasse a insegurança e o drama dos 17 anos, há duas sociopatas entre elas. Para começar, as sobreviventes nunca estariam desaparecidas se uma das sociopatas não tivesse sabotado a caixa negra do avião, que tinha um localizador a funcionar. Porque é que ela fez isso? Porque no mundo normal não era reconhecida, e ali, na floresta, tem competências que a tornam valiosa aos olhos das outras.
A questão da fome é muito premente e presente. Mas as raparigas nunca decidem recorrer aos extremos de forma ponderada, racional e consciente. Pelo contrário, incapazes de lidar directamente com as implicações do que estão a fazer, acabam por criar um culto e deixar a escolha da vítima sorteada à "Entidade da Floresta". A entidade da floresta não existe, e algumas nunca acreditam nela, mas o culto é única maneira de sobreviver. Estas raparigas são combativas, campeãs, não lhes passa pela cabeça outra opção que não a sobrevivência. O único adulto que sobrevive ao acidente, um treinador de vinte e poucos anos, nunca se junta a elas. Pelo contrário, começa logo a perceber a dinâmica perigosa que se está a criar ali e a temê-las (e com razão). Até os lobos aprendem a ter medo delas.
"Yellowjackets" tem sido comparado a "O Senhor das Moscas" ("Lord of the Flies") na versão adolescente e feminina, e muito correctamente. Rapidamente se gera um clima de terror no acampamento, a selvajaria da lei da mais forte, seja por ser útil ou por ser a que está em contacto com a "Entidade". Ninguém quer abdicar do que está a fazer, mas ninguém quer ser a próxima.
A série não é só sobre as adolescentes na floresta. Vinte e cinco anos depois, seguimos as vidas de quatro sobreviventes que foram resgatadas e regressaram à civilização. Existe um pacto de silêncio entre elas, mas subitamente alguém começa a chantageá-las. Tenho lido críticas a dizer que esta parte da série é a mais interessante, mas não posso concordar. Mulheres desequilibradas e perigosas é sempre um tema fascinante (e já muito explorado), mas adolescentes desequilibradas e perigosas (e canibais) não é uma coisa que se veja todos os dias.
Aproveito para falar das sobreviventes, na versão adulta, que regressaram à civilização.

Taissa
Taissa é a minha personagem preferida. Só não percebo porque é que não era ela a capitã da equipa de futebol, porque Taissa é uma líder nata. (Por acaso é explicado porque é que a capitã era outra, mas não me convence.) Foi uma líder na floresta e é candidata a senadora na actualidade. Isto não é coisa pouca para uma mulher negra, casada com outra mulher negra, nos Estados Unidos. Taissa sempre foi a mais racional e madura do grupo, a que não fechava os olhos à realidade do que se estava a passar, com a perfeita noção de que era uma escolha pela sobrevivência que tinha de ser feita. Talvez por isso, por encarar a realidade de frente, a realidade a tenha sobrepujado. Taissa começou a ter episódios psicóticos e dissociativos em que a "outra Taissa" toma as rédeas. A chantagem traz a "outra Taissa" de volta, o que não é bom para uma candidata a senadora.

Shauna
Shauna é uma sociopata funcional do piorio, daquelas que não o parecem, sonsa e manipuladora. Na floresta, foi ela quem se encarregou de cortar a carne. Na actualidade, é uma dona-de-casa chata, e aborrecida, a precisar de ter um affair para se sentir viva.
As personagens são interpretadas por actrizes diferentes quando adolescentes e adultas, e devo dizer que algumas não me convenceram. Isto não é culpa das actrizes, que são excelentes, e adoro vê-las contracenar umas com as outras na versão adulta e adolescente, mas esta não é a mesma Shauna. Na adolescência, Shauna era brutal e tirânica, uma assassina capaz de matar pessoas só porque não gostava delas, mas na versão adulta finge-se sonsa e inofensiva? É que são tipos de personalidade antagónicos. Não estou mesmo a ver a evolução de uma coisa para a outra.
Se alguma vez conhecerem uma Shauna, fujam.

Misty
Misty é uma sociopata menos funcional, daquelas de quem o próprio Dexter tinha medo (e com quem acabou por casar). Interpretada por Christina Ricci (a Wednesday de "A Família Addams") na versão adulta, Misty é um terror na floresta e é um terror na civilização. Não quero contar o que ela faz, mas li uma sondagem em que as pessoas disseram que Misty era a sua personagem preferida. Quero acreditar que se estão a referir à actriz Christina Ricci, que realmente é extraordinária aqui.
Se alguma vez conhecerem uma Misty, fujam, se forem a tempo.

Natalie

Natalie é outra das personagens que não batem certo na versão adolescente e adulta. A versão adulta, uma ex-toxicodependente, é interpretada por Juliette Lewis. Mais uma vez, não me parece que seja culpa da actriz. Parece-me que a personagem estava sincronizada no primeiro episódio, mas a partir daí as personalidades divergiram e já não são a mesma pessoa. É curioso que as críticas que leio têm dito o contrário, não percebo porquê. Juliette Lewis interpretou Natalie como uma mulher destravada, histriónica, que não pensa nas consequências, que parece que está sempre bêbeda mesmo quando está sóbria, que parece, em suma, uma personagem de "Pulp Fiction", quando a versão Natalie adolescente é uma das pessoas mais sensatas e responsáveis do grupo. Pode-se argumentar que as drogas a transformaram, mas, como no caso de Shauna, não estou mesmo a ver. A Natalie adolescente depois de adulta, como drogada, já teria organizado um negócio em que era ela a traficante. A Natalie adulta é menos adulta do que a Natalie adolescente.

O monstro entre elas
Para quem tiver estômago para tal, "Yellowjackets" é uma série a não perder. O trocadilho não é inocente, há cenas muito perturbadoras com carne, sangue e ossos, e pior. Só há duas maneiras de ver esta série: com repulsa, ou com um desejo súbito de comer carne. Não preciso de saber, não me contem.
O tempo em que o terror não era levado a sério já passou. "Yellowjackets" tem um elenco de luxo. Apesar do tema, tanto a parte da floresta como a parte da actualidade são acima de tudo abordadas como drama. Para mim, a parte da actualidade funcionou como um alívio momentâneo do que se passava na floresta, com influências flagrantes de "Breaking Bad", "Better Call Saul" (com duas homenagens descaradas) e até de "Twin Peaks", mas por esta altura é mais correcto perguntar qual é a série de qualidade que não tenha sido influenciada por estas. Não consegui achar graça às tentativas de humor. Se fosse só sobre mulheres malucas e perigosas, sim, tinha achado graça, mas a tensão de saber o que ia ver no regresso à floresta (e que efectivamente vi) tirou-me a vontade de rir. Adorei a banda sonora dos anos 90, apesar de não ser o meu tipo de música preferido. Desde Smashing Pumpkins a Massive Attack a Nirvana, está lá tudo. Bom para a nostalgia.
Por último, "Yellowjackets" não é só uma série de terror, é também uma análise, de uma perspectiva forçosamente feminina, de uma história de sobrevivência de adolescentes ainda em maturação, ainda a explorarem a sua identidade e sexualidade, ainda não plenamente conscientes das consequências dos seus actos, não apenas para o mundo exterior, mas, sobretudo, as consequências do trauma com que teriam de viver o resto da vida. Estas raparigas não são monstros, mas há monstros entre elas, e há um monstro dentro de cada uma delas.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: drama, terror, canibais, O Senhor das Moscas/Lord of the Flies, Better Call Saul

terça-feira, 22 de julho de 2025

Black Water (2007)

 

“Black Water” é um filme aterrador com um crocodilo.
O casal Grace e Adam, e a irmã de Grace, Lee, estão a passar as férias de Natal na Austrália. Como turistas normais, decidem alugar um barco para pescar e passear no rio numa área de mangal. Estava tudo a correr pacatamente até que um enorme crocodilo de água salgada faz virar o barco e começa por comer o guia turístico. Grace, Adam e Lee conseguem subir a uma das árvores meio-submersas e ficar em segurança, mas quantas horas se podem aguentar lá sem tentar fugir?
O filme é baseado numa história real e é efectivamente muito realista. Aqui não há pessoas a cometerem erros estúpidos e asneiras irresponsáveis. Pode-se argumentar que o guia turístico que se ofereceu para os levar não era tão experiente como o patrão, mas percebe-se que é alguém que conhece o rio e sabe o que está a fazer. O único equívoco é que ele pensa que já não existem crocodilos naquela área, e tudo indica que a presença do réptil se deve à maré mais alta. Depois do incidente, os sobreviventes apercebem-se de que ninguém foi avisado de que tinham saído e para onde iam, mas um dia depois, na ausência do barco e do empregado, o patrão podia ter deduzido isso sozinho. Aliás, a certa altura um barco passa junto deles mas não suficientemente perto. Entretanto estas três pessoas têm de decidir o que fazer. Esperar por um salvamento que pode nunca chegar ou arriscar o rio? Seja como for, a sobrevivência depende de conseguirem sair dali.
Como disse, o filme é muito realista, excepto por um toque quase imperceptível de personificação do crocodilo que parece gostar de olhar as vítimas nos olhos antes de as atacar. Os crocodilos são traiçoeiros, escondem-se e atacam sem que a presa os veja, mas este gosta de provocar. Também gosta de acumular presas antes de as comer, mas, por outro lado, não me apercebi de nenhuma caça grossa no mangal e talvez o crocodilo esteja a apanhar as presas “para a despensa” antes que elas fujam, o que faz sentido. Pessoalmente, gostei desta personificação subtil do crocodilo. Transformá-lo num serial killer incansável torna tudo mais tenso.
A água não é negra mas é turva, e existe aqui muita coisa que pode perturbar as pessoas mais susceptíveis. Eu sei quem é que nunca irá passear num mangal depois de ver isto.

16 em 20


domingo, 20 de julho de 2025

The Babadook (2014)

[contém spoilers]

Os melhores filmes de terror são aqueles que nos fazem perguntar “será que isto podia acontecer comigo?”. Penso que “The Babadook” é um desses.
Amelia é a mãe viúva de Samuel, trabalha a tempo inteiro num lar de idosos, mal ganha para pagar as contas, tem uma dor de dentes que se calhar não pode tratar, anda sempre cansada e privada de sono, e é assombrada por uma tragédia: o pai de Samuel morreu num acidente de viação enquanto a levava para a maternidade. O aniversário de Samuel, que vai fazer sete anos, é também o aniversário da morte do seu pai.
Samuel é uma criança com grandes problemas de comportamento. Quando não se dedica ao ilusionismo, faz birras tremendas e constrói armas improvisadas que leva para a escola. Além disso, insiste que existe um monstro debaixo da cama ou dentro do armário, e passa a noite a acordar a mãe por causa do monstro. É também por isso que constrói as armas, para matar o monstro. Amelia não consegue tirar-lhe a ideia da cabeça, nem fazer com que Samuel obedeça e não leve as armas para a escola. Devido a isso, a escola acaba por expulsá-lo. Amelia fica por sua conta, sem o apoio da irmã que não suporta o comportamento de Samuel, em risco de perder o emprego porque não consegue acordar a horas, sozinha em casa com o filho.
Um dia, Samuel pede-lhe que leia um estranho livro infantil que, segundo ele, apareceu na estante sozinho, sobre um senhor Babadook. Amelia ainda começa a ler quando se apercebe de que não é um livro infantil mas uma história de terror. O Babadook ameaça aparecer e apossar-se de mãe e filho. A princípio Amelia não acredita e tenta livrar-se do livro, até à noite em que o Babadook aparece mesmo.

Spoilers
Não são exactamente spoilers, e eu não costumo fazer isto, mas vou interpretar. Na minha opinião não existe Babadook nenhum, esta é a história de uma mulher levada à loucura que mata o cão, o filho e até a vizinha. Isto não está no filme e alguém mais optimista pode ser levado a acreditar no final feliz, mas, pensando duas vezes, não é um final demasiado feliz para ser verdade? O que me alertou, confesso, foi aquela rosa negra que ela estava a plantar. Rosas negras existem mas são raras. Aliás, todo o esquema cromático do filme é de desconfiar. O negro está presente em todo o lado, até no lar de idosos e no parque infantil. De início não notamos muito, mas eu comecei a estranhar na festa de aniversário que mais parecia um velório. Quando vi o filme outra vez descobri coisas negras em todo o lado: nos armários, no baloiço do parque, até nas roupas e lençóis das crianças e nas pedras do jardim. E depois há o Babadook, que é a versão monstruosa de um ilusionista de capa e cartola. Será que o livro sequer existe?
Passamos o começo do filme a pensar que o problema é o miúdo, mas até que ponto não estamos a ver o mundo pela perspectiva negra e cada vez mais alucinada da mãe? Até que ponto Samuel diz que existe um monstro e começa a fabricar armas para se defender porque pressente que a mãe se está a transformar noutra coisa? Eu tirei as minhas conclusões. Li outras críticas que acreditam que o Babadook é uma metáfora para a dor mas que Amelia nunca chega tão longe. Todavia, se tudo se passou na cabeça da mãe, nada nos diz que o final não possa igualmente ser um delírio. Se a realizadora não gostar de interpretações ambíguas não devia ter introduzido a ambiguidade.
Um especial destaque para as interpretações de Essie Davis como Amelia e do jovem Noah Wiseman como Samuel. São completamente impressionantes e quase chegam para contar a história.
Ou o espectador pode preferir acreditar em contos de fadas e finais felizes.

15 em 20 (da maneira em que eu interpreto, menos um ponto pela ambiguidade)

 

terça-feira, 8 de julho de 2025

Exorcist II: The Heretic / Exorcista II: O Herege (1977)

Encontrei este filme num canal de cinema e fiquei em choque. Não me lembrava mesmo nada de o ver, o que só pode querer dizer uma de duas coisas: ou tinha perdido a sequela de “O Exorcista” com Linda Blair e Richard Burton, ou vi e é uma porcaria. Infelizmente, é a segunda opção.
Começa com o padre Lamont (Burton), um exorcista, a ser incumbido da investigação da morte do padre Merrin, que morreu durante o exorcismo de Regan MacNeil. As autoridades da igreja estão motivadas a dizer que Merrin morreu porque era um herege, que se lançou voluntariamente para as mãos de um demónio, se ninguém limpar o seu nome.
Regan é agora uma adolescente feliz e normal (e uma Linda Blair muito mais crescida e rechonchuda) que alega não se lembrar de nada do que se passou na altura, embora a mãe a obrigue a fazer psicoterapia. É exactamente nesta psicoterapia que Lamont e Regan decidem ser submetidos a hipnose, o momento mais aterrador do filme porque eu já não suportava aqueles holofotes a apagar e a acender e acho que se me forçassem a olhar para eles também começava a ver demónios. Mas avancemos. 

  

Sim, esta cena aconteceu. Não me perguntem, eu também não sei o que se passa aqui.

Nesta hipnose, Lamont desconfia que Regan já não está possuída mas que ainda tem uma ligação inconsciente com Pazuzu. Através desta ligação, Lamont descobre que Merrin exorcizou um outro jovem, Kokumo, em África. O que é que Kokumo tem em comum com Regan? Ambos aparentam ter poderes de cura. Assim, foram possuídos porque são “do Bem” e Pazuzu fez deles um alvo. Lamont vai para África à procura de Kokumo e comete a tremenda estupidez de dizer aos nativos que ouviu falar dele através de Pazuzu. Quase é apedrejado e tem de fugir. Por alguma razão, Lamont decide então invocar Pazuzu para encontrar Kokumo, agora um cientista que estuda pragas de gafanhotos, um símbolo de Pazuzu que, ficamos a saber, é um Espírito do Ar.
Depois disto tudo, Lamont regressa à América e decide levar Regan à casa onde o exorcismo se passou. Lá, Pazuzu aparece na cama em forma de Regan, tentando Lamont sexualmente, e a certa altura temos uma cena em que Burton está a beijar a falsa Regan enquanto a verdadeira Regan olha com repulsa. E não é preciso contar mais nada porque já é suficientemente mau.
“Exorcist II: The Heretic” é um filme confuso e rebuscado que só foi feito para lucrar com o original e, digo eu, explorar a natureza sensual de uma Linda Blair adulta e bem desenhada (daí o beijo, e os vestidos de Blair a mostrar-lhe perfeitamente as formas, etc). Em suma, este filme é um verdadeiro horror no pior sentido. Sim, acho que afinal até o vi, mas recalquei a memória traumatizante para não manchar “O Exorcista” no meu inconsciente. Ainda por cima é um filme chato em que não acontece nada apesar das voltas todas que dá. As únicas cenas que nos conseguem assustar foram “fabricadas” a partir do original, e a única parte que nos impressiona é o regresso à casa, porque é lá que está o que nos aterrorizou e o filme sabe disso e quer explorar-nos também. Não há nada que aconteça aqui que tenha pés e cabeça. Porque é que Regan aceitaria voltar à casa depois de se lembrar de tudo? Como é que Lamont, um exorcista, se põe a invocar o demónio que matou o homem cujo nome quer limpar (tornando-o no verdadeiro “herege” da história)? Porque é que Pazuzu se manifestou em forma de Regan em vez de possuir a Regan de carne e osso que estava ali mesmo ao lado? Porque nem Pazuzu quer ter nada a ver com este enredo.
O pecado mortal do filme, no entanto, o que o tornou blasfemo para mim, foi ter tentado explicar que Regan foi possuída por ser tão boazinha. Ora, o que torna o “O Exorcista” um filme aterrador é que não há razão. Um demónio consegue apossar-se de uma criança porque pode, ponto final. A ser levado a sério, este filme destruiria tudo o que o original representou. Por esta razão, declaro que “Exorcist II: The Heretic” é uma heresia que nunca devia ter visto a luz do dia.
A única virtude desta monstruosidade foi ter fornecido informação sobre a natureza de Pazuzu, que acabou por ser melhor aproveitada em filmes posteriores. As cenas em África têm uma beleza e uma atmosfera inquietante, concedo-lhe esse mérito. Tirando isso, se não viram, ou esqueceram, também não vale a pena ir ver excepto por uma questão de arqueologia cinematográfica.
Falando em arqueologia, se calhar o filme até merece ser visto só por causa da moda dos anos 70. Os vestidos de Regan parecem camisas de dormir e a certa altura ela usa um macacão de calções em cetim brilhante que parece um pijama. Tendo em conta o contexto, eu acreditei mesmo que a miúda tinha saído para a rua de pijama porque estava perturbada, mas não, é mesmo a moda da época. Apavorante.

10 em 20 (para ser boazinha como Regan)

 

domingo, 6 de julho de 2025

The Conjuring 3: The Devil Made Me Do It / The Conjuring 3: A Obra do Diabo

Actualmente, em todos os filmes que tenham a mão de James Wan, fico à espera de ver o diabo chifrudo ou outro semelhante. “The Conjuring 3” surpreendeu-me por ser tão contido nesse aspecto. Por outro lado, o enredo é longo e complicado e confesso que tive de ver o filme duas vezes porque da primeira acabei por perder o fio à meada.
Seguimos mais uma vez as aventuras do casal real/ficcional Ed e Lorraine Warren no que o filme promete “um dos casos mais chocantes das suas carreiras”, mas até disso tenho dúvidas. A história começa com o exorcismo de um miúdo de oito anos, possuído. A certa altura durante o exorcismo, o namorado da irmã do miúdo, Arne, pede ao demónio que deixe o miúdo e o possua a ele. O demónio faz-lhe a vontade. Dias depois, possuído, Arne mata o senhorio à facada. No momento seguinte Arne volta a ficar normal. Depois de ser examinado pelos Warren, estes concluem que Arne já não está possuído. Então, para onde foi o demónio? Entretanto, a advogada de Arne, com a ajuda dos Warren, monta uma defesa baseada no argumento “inocente por possessão demoníaca”, que segundo li aconteceu mesmo. A defesa não pegou mas Arne foi condenado a uma pena mais leve do que teria sido de outra maneira. Esta é a parte histórica do filme, mas há mais.
Voltando ao demónio. Os Warren descobrem que houve uma “possessão por encomenda”, isto é, que a possessão aconteceu por ordem de um ocultista de uma seita satânica. Começa aqui a parte do filme que é quase um policial, em que os Warren têm de seguir pistas para chegar à seita. Inclusivamente, juntam-se à polícia na investigação de duas raparigas desaparecidas que envolvia contornos semelhantes. É aqui que o filme se torna longo e complicado, porque enquanto andamos à procura das raparigas e atrás do ocultista quase nos esquecemos de Arne, e quando finalmente voltamos ao início quase nem nos lembramos de quem ele é. Foi por esta altura que perdi o fio à meada mas admito que a culpa possa ter sido minha.
“The Conjuring 3” introduz esta faceta de “policial” nos filmes “Conjuring” de que não desgostei, especialmente das passagens em que os poderes psíquicos de Lorraine ajudaram a desvendar o crime. A nível de terror propriamente dito, tirando as cenas de exorcismos que são sempre aquilo que são (mais ou menos efeito especial), pode haver este ou aquele pormenor que nos fique na cabeça, como a mão na cortina da banheira ou o colchão de água, mas não encontrei nada de particularmente assustador (a culpa também pode ser minha).
O que é certo é que o casal fictício Ed e Lorraine Warren (ou melhor, a química entre os actores Patrick Wilson e Vera Farmiga) funciona muito bem. Se isto fosse uma série eu era capaz de assistir a episódio após episódio só para os ver a resolver crimes e mistérios sobrenaturais, essa é que é essa.

13 em 20

 

terça-feira, 1 de julho de 2025

Black Water: Abyss / Black Water: Abismo (2020)

Este é mais um filme sobre o que nunca fazer quando se vai em aventuras. Dois casais e um amigo decidem ir explorar um sistema de caves remoto e desconhecido no norte da Austrália. Para tal, têm de descer um poço inexplorado. Como eu já tinha dito AQUI, quando se desce por um buraco perigoso é conveniente que uma das pessoas fique à superfície não vá o diabo tecê-las, de preferência com um rádio de longo alcance para chamar ajuda se for preciso e se ficarem sem rede de telemóvel, e especialmente quando se aproxima uma tempestade tropical, o que é mesmo o caso. Mas os nossos amiguinhos acham que não vai ser nada e enfiam-se todos pelo buraco abaixo. Entretanto a tempestade abate-se sobre a superfície e as paredes da gruta subterrânea começam a verter água aqui e ali, mas Cash, o solteiro e guia turístico, diz que são só infiltrações sem importância.
Na verdade os amigos atravessam grutas muito húmidas e apertadas até chegarem a uma grande galeria com um lago subterrâneo deslumbrante. Cash já está a pensar em fazer muito dinheiro com a descoberta quando percebem que não estão sozinhos: um crocodilo monumental patrulha o lago, e os amigos encontram restos de turistas a boiar. (Aqui pode-se perguntar como é que o crocodilo foi lá parar, mas há uma explicação.) Quando tentam sair por onde entraram, uma grande enxurrada (resultado da tempestade) entra pela caverna adentro e cobre a saída. Agora alguém tem de nadar debaixo de água pela gruta inundada e tentar sair da caverna para pedir ajuda, sem ser apanhado pelo crocodilo. Pior ainda, a água não pára de subir, o que significa que em breve o crocodilo vai conseguir chegar às rochas mais altas onde os amigos procuraram abrigo. É uma corrida contra o tempo.
O filme ainda mistura um bocadinho de drama: a mulher de um casal está grávida do homem do outro, e há algumas discussões a três quando a namorada traída descobre, mas, sinceramente, o que é que isto interessa quando estão a minutos de morrerem afogados ou de serem comidos por um crocodilo?
O que gostei neste filme é que não envolve criaturas subterrâneas desconhecidas, ou alienígenas, ou empresas científicas à procura de recursos milagrosos, ou missões militares com propósitos obscuros, etc. É tudo muito simples: pessoas normais, um crocodilo normal, uma tempestade normal, e já faz dano que chegue.
Como em todos estes filmes de grutas não faltam as passagens claustrofóbicas e os momentos debaixo de água de suster a respiração, e como em todos os filmes de crocodilos não faltam as cenas arrepiantes em que… sabem o quê.
Simplesmente preferia que os personagens, apesar de não serem espeleólogos profissionais (tirando um), tivessem demonstrado mais bom senso, e já não ficariam fechados numa caverna inundada com um crocodilo, e nós já conseguiríamos importar-nos com o que lhes acontece.

13 em 20


domingo, 29 de junho de 2025

The Chameleons + Decline And Fall - RCA, Lisboa,18.Jun.2025 - Uma noite muito calorosa / A night of warmth

Publicado no Pórtico:

Decline And Fall
Confesso que não consegui preparar este concerto. Geralmente tento procurar a música das bandas que não conheço, mas meteu-se uma coisa e outra coisa, e esqueci-me. Ainda por cima sou daquelas pessoas que não conseguem avaliar música nova à primeira audição, que foi efectivamente o que aconteceu no concerto. O que consigo perceber imediatamente é se o tipo de som me interessa, e de facto interessou.
Por isso fiz batota. Cheguei a casa e fui ouvir o Bandcamp desta banda de Lisboa. Os Decline And Fall fazem um post-punk/darkwave contido, sombrio e melancólico, por vezes algo ambiental, não exactamente dirigido às pistas de dança. A sonoridade merece ser descoberta aqui:
https://declineandfallmusic.bandcamp.com

Decline And Fall, RCA, Lisboa, 18.Jun.2025 - Foto de DJ Asura Sunil / Photo by DJ Asura Sunil


The Chameleons
Os Chameleons arrancaram às 21h30 com o poderoso "Mad Jack". Estava uma noite quente, daquele calor húmido e abafado que se pega à pele. O concerto estava esgotado e o RCA estava cheio. Mark Burgess apresentou-se só com um colete, e pela segunda canção já todos em palco transpiravam, e nós também. A esta hora ainda deviam estar mais de 20 graus na rua depois de um dia que chegou quase aos 40. Mais tarde, de madrugada, haveria chuva e trovoada. Apesar do ambiente tropical, ninguém esmoreceu, na medida do possível.
O público sabia ao que vinha e foi sempre entusiástico. Os Chameleons não desapontaram. Mark Burgess está em forma e a voz continua excelente. Tivemos hits atrás de hits como "The Fan And The Bellows", "Up The Down Escalator", "Soul In Isolation", "Swamp Thing" (a canção que teve mais coro do público), "In Shreds", "Monkeyland", "Second Skin", "Don't Fall", todos clássicos tocados com arranjos diferentes, como se espera ao vivo. A canção mais recente, "Saviours Are A Dangerous Thing", do novo álbum a ser lançado em Setembro, chegou no encore.
Ainda bem que não preparei este concerto, por exemplo, assistindo a YouTubes de concertos recentes. Durante "Soul In Isolation", Mark Burgess incluiu letras de outras canções, numa espécie de medley, como "For What It's Worth" de Buffalo Springfield, "Eleanor Rigby" dos Beatles e "There Is a Light That Never Goes Out" dos Smiths. Foi uma surpresa, como eu gosto, sem spoilers!
Mark Burgress esteve igual a si próprio, carismático, simpático, efusivo e brincalhão, sempre a manifestar apreço pelo público, mas o fim eu não esperava. Ser simpático e agradecer é uma coisa, vir para o meio do maralhal, com aquele calor, toda a gente a transpirar, cantar "Rebel Rebel" de David Bowie como recheio de "Don't Fall", é mesmo de punk à antiga. Ninguém pode ter saído do RCA desiludido.
Da primeira vez que vi os Chameleons, versão Chameleons Vox, no Santiago Alquimista em 2010, fui para lá "arrastada" por amigos sem saber que gostava tanto dos Chameleons como de facto gostava. Saí de lá uma fã. Desta vez já entrei fã e saí ainda mais fã. Quanto mais conheço, mais gosto. Tem sido uma relação saudável de apreço e confiança construída ao longo dos anos, ao contrário da minha relação tóxica com determinada banda que não vai ser mencionada.
Deixo apenas uma pergunta: temos mesmo a certeza de que os Chameleons não conseguiriam encher os Coliseus? Tanto o RCA como o Santiago Alquimista são salas para uma banda de menor dimensão, já para não contar com o Rock Rendez Vous em 1983 onde iam as bandas novas e desconhecidas. Mas actualmente os Chameleons são uma banda de culto. Não mereciam os Coliseus? Ou será que hoje em dia os preços dos bilhetes num Coliseu o tornam proibitivo? Sinceramente, não sei. Custa-me não ver os Chameleons no Coliseu.


A night of warmth

 
Decline And Fall
I confess that I wasn't able to prepare this concert. Usually I try to look up the bands I don't know, but there came one thing after another, and I forgot. On top of that, I'm the kind of person that is incapable of properly evaluating new music on a first listen, which was the case. What I can tell immediately is whether the music interests me, and in fact it did.
So I cheated. I came home and listened to their Bandcamp. Decline And Fall, a band from Lisbon, make a restrained, sombre and melancholy post-punk/darkwave, somewhat into ambient at times, not exactly directed at the dance floor. Their sound deserves to be discovered here:
https://declineandfallmusic.bandcamp.com


The Chameleons
The Chameleons started at 9.30pm with the powerful "Mad Jack". It was a hot night, with that kind of humid and stifled heat that sticks to one's skin. The concert was sold out and the RCA was full. Mark Burgess came on stage wearing only a vest, and by the time of the second song everyone on stage was sweating, and so were we. At this hour the temperature was still over 20ºC outside after reaching almost 40ºC during the day. Later, at dawn, there would be rain and thunder. Despite the tropical conditions, everyone stood firm, as much as possible.
The audience knew what they had come for and was enthusiastic from the first moment. The Chameleons did not disappoint. Mark Burgess is in shape and his voice remains excellent. We had hits after hits like "The Fan And The Bellows", "Up The Down Escalator", "Soul In Isolation", "Swamp Thing" (the moment the audience sang louder),"In Shreds", "Monkeyland", "Second Skin", "Don't Fall", all classics played with different arrangements, as expected. The most recent song, "Saviours Are A Dangerous Thing", from the new album due in September, was played during the encore.
I'm glad I did not prepare this concert, as in watching YouTubes of recent gigs. During "Soul In Isolation", Mark Burgess included lyrics from other songs, in a kind of medley, "For What It's Worth" by Buffalo Springfield, "Eleanor Rigby" by The Beatles and "There Is a Light That Never Goes Out" by The Smiths. It was a surprise, just the way I like it, no spoilers!
Mark Burgess was his usual self, charismatic, friendly, effusive and playful, always expressing his appreciation for the audience, but I had not foreseen the ending. Being nice and appreciative is one ting, stepping into the midst of the crowd, in that heat, everybody dripping, to sing David Bowie's "Rebel Rebel" in the middle of "Don't Fall", that's old school punk. No one could have felt disappointed as they left the RCA.
The first time I saw The Chameleons, as Chameleons Vox, at Santiago Alquimista in 2010, I was "dragged" there by friends, not knowing I liked The Chameleons as much as I actually did. I left there a fan. This time I arrived a fan and left a bigger fan. The more I know them the more I like them. It's been a healthy relationship of appreciation and trust built over the years, unlike my toxic relationship with a certain band that shall not be named.
I end with a question: are we really sure The Chameleons would not fill the Coliseus? Both RCA and Santiago Alquimista are smaller band venues, not counting Rock Rendez Vous in 1983, where new and unknown bands came to play. But nowadays The Chameleons are a cult band. Wouldn't they deserve the Coliseus? Or is it that nowadays the ticket prices in Coliseu make it undoable? Honestly, I don't know. I regret that The Chameleons don't play at the Coliseu.

sábado, 21 de junho de 2025

“Lethes”, novo livro de D. D. Maio – PUBLICADO!


“Lethes”, um livro de D. D. Maio, encontra-se disponível em papel e ebook (formato epub).

Link: www.bubok.pt/livros/268378/lethes

Sinopse

Reena dá o último passo em direcção ao abismo. Etha faria tudo para conseguir segui-la, se lhe fosse permitido. Duas mulheres tão opostas, ambas anseiam por beber das águas do esquecimento.

Mil anos antes
Um rapaz órfão cria três águias que salvou de um penhasco. Alvo de admiração pelo feito improvável, a sua lenda não termina aqui. Já homem maduro e mercador experiente, decide expandir o comércio às tribos bravias a norte do Antigo Império. Todos o consideram insensato mas nada demove a ambição de quem escalou falésias. Em terras pagãs, conhece uma jovem sacerdotisa caída em desgraça. O novo reino que emerge dos escombros do passado nunca mais será igual.


“Lethes”, um drama em Low Fantasy com grande componente sobrenatural, continua a série iniciada em "Nepenthos", "Miasma", "Solstício" e "Elysion".

LETHES
© 2025 D. D. Maio
Formato papel: 150 x 210 mm
Nº de páginas: 244
Bubok, print on demand
*
Formato ebook em epub

 Disponível em www.bubok.pt
www.bubok.pt/livros/268378/lethes


Contacto: d.d.maio.email@gmail.com
Página: ddmaio.blogspot.com


A autora agradece desde já toda a divulgação, resenhas/reviews e avaliações no Goodreads.
www.goodreads.com/author/show/19718238.D_D_Maio


terça-feira, 17 de junho de 2025

The Row / Irmandade Fatal (2018)

Riley é uma caloira na universidade a quem uma colega convence a juntar-se à sorority mais popular do campus (uma república para raparigas). A princípio Riley não está muito interessada na sorority, até que descobre que a sua mãe, já falecida, foi presidente desta mesma república de estudantes e que Riley nunca soube disso, pelo contrário, sempre pensou que a mãe não gostava de sororities.
Torna-se claro que a república guarda um segredo terrível do passado quando as estudantes começam a ser alvo de um serial killer que, depois de as matar, lhes retira membros e os substitui por braços e pernas de bonecas.
Confesso que quando li a sinopse esperava um segredo muito mais sinistro ou sobrenatural, algo relacionado com cultos satânicos, no mínimo, ou pior ainda. Um serial killer também não é mau e a imagem das vítimas cosidas a membros de bonecas é suficientemente perturbador. De resto, o enredo é muito simples: serial killer ataca, a polícia tenta apanhá-lo, nada mais a dizer. “The Row” é só um filmezinho pouco original (até a cena das facadas no duche lá está) para entreter.

12 em 20


domingo, 15 de junho de 2025

From (2022 - ?) [terceira temporada]

Scott McCord ("Victor") e Simon Webster ("Ethan") no restaurante

Já que esta temporada se tem baseado em visões e pressentimentos a cair do céu aos trambolhões, eu também tenho o mau pressentimento de que esta série vai ser cancelada.
"From" é aquele enredo da vila cheia de monstros que aparecem à noite e de onde as pessoas não conseguem escapar. Uma vez que a história assenta no mistério e no suspense, não posso revelar mais nada porque quase tudo é um spoiler. Ainda assim, esta terceira temporada deixou-me muito preocupada com o futuro da série. "From" tem criado mistérios atrás de mistérios, à semelhança de "Lost", e agora parece-me que começaram a tentar dar respostas que não estão a fazer grande sentido. Em suma, como em "Lost", tenho o pressentimento de que estão a improvisar de episódio para episódio e de que isto não vai acabar bem (se acabar, isto é). *
A qualidade da série também decaiu imenso, a começar pelo ritmo. O primeiro episódio é uma porcaria evitável. Na sequência de um nevão imprevisto, a vila fica em risco de passar fome. Aqui descobrimos que a comida que eles têm são duas vacas e uma dúzia de ovelhas e cabras e galinhas, e que as "colheitas" são uma horta. Considerando que eles têm um restaurante (!) e que comem bem todos os dias, como é que estes animais e esta horta alimentam uma centena de habitantes, com restaurante e tudo? Onde é que está o trigo/milho/centeio para fazer as empadas que eles servem no restaurante? Isto era algo em que um espectador nem pensava se não tivessem feito disto um caso tão grave, até porque naquele sítio as coisas aparecem um bocado por magia. Esta falta de alimentos, que se resolveu com a descoberta de batatas e vegetais a nascerem em estado selvagem perto da vila, lembrou-me os piores momentos de "Under The Dome". "From" não precisava disto.
O segundo episódio é quase completamente dedicado ao funeral de uma só pessoa que até nem era assim tão importante. Daqui depreendi que estavam a encher chouriços porque tinham muito tempo para desenvolver a história. Mas de repente parece que isto mudou porque os últimos episódios da temporada são apressados, com personagens a terem visões e revelações a torto e a direito para tentar explicar os tais mistérios (mas sem explicar nada).
A série também começou a recorrer a truques baixos de filme de terror mal feito e ignorante, do qual destaco a inclusão do Tarot. Quero deixar aqui muito claro que não é assim que se consulta o Tarot e que o Tarot não é uma ouija board para invocar espíritos maléficos, não é assim que funciona. Isto é tão ignorante como dizer que "as bruxas são más". Por falar em ignorância, também me parece que a pseudo-ciência em que eles se baseiam não deve ter ponta por onde se pegue e que por isso nunca vai ser explicada.
Mas não quero ser demasiado dura com a série. Como produto, no todo, serve de entretenimento e continua a ter momentos bastante arrepiantes. Saliento dois actores, um deles o jovem Simon Webster e o mais crescido Scott McCord como "criança grande", que se calhar têm feito um papelão melhor do que a série merece, aliás, como quase todos os actores. Se falhar, a culpa não é deles. É um prazer ver "From" só por causa dos personagens.
O problema aqui é que isto começa a parecer uma salada de momentos arrepiantes sem que nada dê sinais de encaixar, e, pior, que as próprias respostas também não encaixem. Eu ficaria muito desapontada se a série fosse cancelada porque detesto histórias incompletas. Prefiro um mau fim a não ter fim nenhum. Mas começo a ter o pressentimento de que isto não vai longe, quer acabe ou continue.

"Spoiler"
A minha parte preferida foi o leão. Toda a gente conhece o leão da Metro Goldwyn Mayer, mas se calhar nunca o tínhamos visto em 3D e de perfil. Tendo em conta que esta é uma série em que pessoas são literalmente comidas, fiquei muito sobressaltada, logo no crédito de abertura, quando a "câmara" avançou para o leão, e nós com ela. Obviamente que o leão foi animado por Inteligência Artificial, mas confesso que me causou um pequeno susto a abrir uma série deste tipo. Se fosse uma série levezinha não me tinha assustado, e de facto passei a adorar o leão em 3D. Se nunca viram, sei que vão adorar também.

* Já depois de escrever este artigo, li por aí que a quarta e última temporada já foi renovada. Ao menos isso.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: Lost, mistério, terror, sobrenatural


terça-feira, 10 de junho de 2025

Triangle / Triângulo (2009)

“Triangle” não é um filme de terror como os outros. Do princípio ao fim surpreende-nos e intriga-nos, não é apenas uma sequência de mortes horrendas mas uma história complexa que nos faz pensar. Também por este motivo não há quase nada que se possa dizer que não seja um spoiler, pelo que vou limitar-me aos aspectos que tornam “Triangle” tão interessante.
Jess, uma empregada de restaurante e mãe sozinha de um filho autista, aceita o convite do seu amigo Greg para um passeio relaxante no iate dele com mais quatro amigos. O título leva-nos a crer que a história é sobre o Triângulo das Bermudas, a acção passa-se efectivamente na Flórida e o veleiro de Greg chama-se Triangle, mas nunca é dito claramente se estão em águas do Triângulo ou não. E talvez não estejam, muito embora…
Levantam âncora num sábado de sol e bom tempo. Tudo corre bem até que abruptamente o vento pára de soprar enquanto nuvens de tempestade se formam à frente deles. Antes que possam descer a vela já estão no meio de ondas alterosas que viram o barco. Aqui pensamos que vai ser um filme sobre náufragos sobreviventes, mas…
Tão depressa como veio, a tempestade desaparece, e pouco depois os náufragos avistam um cruzeiro aproximar-se. Sobem a bordo e encontram um navio fantasma sem tripulação, aparentemente saído dos anos 30, embora em excelentes condições e com um buffet de fruta fresca como se estivesse à espera deles. Aqui pensamos que vai ser um filme sobre o navio fantasma, quando… Uma personagem encapuçada os começa a perseguir e matar. Não digo “matar um a um” porque a certa altura esta personagem misteriosa mata logo dois ou três em menos de um minuto, o que é estranho num filme de terror do género slasher. Mas será mesmo um slasher?
Jess é a última sobrevivente e consegue sobrepujar o atacante com um machado, mas, no momento em que está prestes a cair borda fora, este diz-lhe as estranhas palavras: “Tens de matá-los! Mata-os todos!”
Jess acaba por perceber que está presa num loop temporal e que a única maneira de se libertar dele é alterar a sequência de acontecimentos, mas será que vai conseguir?
A pergunta é pertinente, uma vez que o navio se chama Aeolus (Éolo, pai de Sísifo). Por enganar a Morte, Sísifo foi condenado a carregar um pedregulho até ao alto de uma montanha só para o ver rolar encosta abaixo outra vez… eternamente. Estará Jess reservada ao mesmo destino de pesadelo? E porquê ela? E eu até pergunto: e porquê eles?
“Triangle” é um filme sobre redenção e segundas oportunidades. É preciso ver o fim para compreender o princípio. Aliás, o filme está cheio de pequenas pistas que só se percebem ao segundo visionamento. Aconselho vivamente que se veja duas vezes.

14 em 20

domingo, 8 de junho de 2025

Orphan Black: Echoes (2023)

Num futuro próximo, Lucy acorda sem recordar nada do seu passado e depressa descobre que foi imprimida (por uma impressora) numa empresa que imprime órgãos humanos para transplante. Lucy foge mas é perseguida por forças que não a querem à solta porque ela é o resultado de uma experiência ilegal e sem ética. Tentando perceber quem a persegue, Lucy encontra outras "impressões" como ela, pessoas que não sabem que foram manufacturadas numa impressora.
"Orphan Black: Echoes" é baseada na série original "Orphan Black" (2013-2017), que eu não vi mas que teve boas críticas. Basicamente, é uma história de clones à procura de identidade própria.
Não quero contar mais nada porque este é daqueles enredos que vivem do suspense, mas vou adiantar isto: tal como em "Pet Sematary", quem é que, podendo, não traria de volta os entes queridos que morreram, seja de que forma for? "Orphan Black: Echoes" é uma série mediana, nada de espectacular, mas tem momentos em que aborda grandes conceitos filosóficos como este. Por muitas réplicas que sejam feitas da mesma pessoa, nenhuma é igual.
Não fiquei maravilhada, mas gostei da maneira com que o enredo me surpreendeu. No início pensava que ia ver uma coisa e afinal vi algo de diferente. Se calhar este efeito não teria acontecido se tivesse visto a série original, mas não faço ideia.
Mesmo assim, "Orphan Black: Echoes" foi cancelada embora acabe num cliffhanger. Não posso dizer que não percebo porque é que foi cancelada sem revelar mais sobre o enredo, mas, em suma, já era esgravatar demais no esgravatado. Também me pareceu que houve plot holes demasiado óbvios para considerar a série bem escrita. Vou dar apenas o exemplo que me aborreceu mais. Este é um mundo em que é possível imprimir órgãos. Existe um génio milionário (o vilão) que até patrocina a clonagem de seres humanos. A certa altura os "bons da fita" decidem fingir a morte de uma pessoa num carro incendiado colocando lá uma mandíbula da "pessoa" em causa, e o vilão nem sequer desconfia de que é um órgão imprimido? Eu penso que por esta altura já nem a polícia deveria confiar em registos dentários para provar um óbito. Achei mal escrito, e foi pena porque de resto a série tem muitas qualidades. Nada de extraordinário, mas interessante.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: ficção científica, clones, thriller, suspense, filosofia


terça-feira, 3 de junho de 2025

Methgator (2023)

A única justificação para um filme mau é que nos faça rir e, confesso, este fez-me rir mais do que eu esperava. “Methgator” é a história de um jacaré que comeu um saco de anfetaminas e ficou doidinho.
Nos pântanos da Flórida, um traficante teve o azar de ser comido por um jacaré, que engoliu também a mochila cheia de produto. Viciado, a partir daqui o jacaré só quer droga, o que não significa que não coma também quem apanha pelo caminho. Mas há uma razão porque se chama speeds às anfetaminas: o jacaré está completamente speedado e, em vez de andar na sua forma característica e pachorrenta, agora ele galopa a todo o vapor assim que lhe dá o cheiro da anfa. Mais engraçado ainda, o jacaré começa a perder os dentes, sintoma deste tipo de droga. Dante, um enviado especial da DEA com ligações à terrinha na ilha pantanosa, é enviado ao local para investigar os traficantes e é envolvido no caso do jacaré speedado.
O enredo começa com lógica. Dante salienta que se um animal comer tanta quantidade de anfetaminas tem uma overdose e morre, mas todos lhe dizem que este é um jacaré muito especial, uma besta de 9 metros de comprimento. Aqui a lógica desaparece e entra a fantasia. O jacaré fica cada vez maior e mais forte à medida que come mais anfetaminas, a ponto de já não parecer um jacaré mas um crocodilo, maior do que a vida, e mais tarde ainda quase um Croczilla imune a balas e explosões.
O grande perigo é que o crocodilo encontre o super-laboratório que a polícia procura há muito tempo, o grande supermercado da droga da ilha, que, semelhante a “Breaking Bad”, está construído num subterrâneo. E claro que o super-crocodilo descobre o super-laboratório.
Apesar do enredo estapafúrdio, o filme vê-se bem e, pelo menos a mim, provocou algumas gargalhadas (mas admito que possa ter sido por ter imaginado Walter White vs Croczilla, e pobre crocodilo nesse caso). Aliás, tive muita pena do crocodilo. O bichinho só queria droga prá cabeça, quem é que o pode censurar?
Apesar dos péssimos efeitos especiais há uma cena um pouco perturbadora, quando o crocodilo come um traficante que já se julgava safo. E ainda dá para aprender alguma coisa, uma espécie de luta à chapada que parece ser típica da zona. Não é boxe, é mesmo chapada, e ganha quem puser o outro KO. Onde mais é que se podia aprender uma coisa destas?

12 em 20 (pelas gargalhadas)


segunda-feira, 2 de junho de 2025

“Lethes”, novo livro de D. D. Maio – BREVEMENTE!

LETHES
Sinopse

Reena dá o último passo em direcção ao abismo. Etha faria tudo para conseguir segui-la, se lhe fosse permitido. Duas mulheres tão opostas, ambas anseiam por beber das águas do esquecimento.

Mil anos antes

Um rapaz órfão cria três águias que salvou de um penhasco. Alvo de admiração pelo feito improvável, a sua lenda não termina aqui. Já homem maduro e mercador experiente, decide expandir o comércio às tribos bravias a norte do Antigo Império. Todos o consideram insensato mas nada demove a ambição de quem escalou falésias. Em terras pagãs, conhece uma jovem sacerdotisa caída em desgraça. O novo reino que emerge dos escombros do passado nunca mais será igual.

“Lethes”, um drama em Low Fantasy com grande componente sobrenatural, continua a série iniciada em "Nepenthos", "Miasma", "Solstício" e "Elysion".

domingo, 1 de junho de 2025

The Outsider (2020)

O que parecia ser um crime de pedofilia... não é o que parece.
Como já disse aqui muitas vezes, gosto de ver filmes e séries sem saber nada sobre eles. Comecei a ver "The Outsider" e pensei: "Olha, parece uma história de Stephen King." Imaginem a minha surpresa quando, nos créditos, apareceu "baseado num romance de Stephen King". Estou a ficar uma perita em Stephen King.
Não posso dizer muito sobre a história por causa dos spoilers, mas é sobre o Papão. E também não revelei nada porque todas as histórias de terror são sobre o Papão, como o próprio autor nos ensinou. O enredo desenrola-se mais como um policial (muitas impressões digitais, muito ADN, muitas entrevistas a suspeitos) do que como um filme de terror. Não há aqui criaturas assustadoras nem grandes efeitos especiais, é tudo muito contido.
Às vezes foi difícil acompanhar a série porque tem demasiados personagens, o que é típico de Stephen King. Como estas personagens só lá estão para desempenhar um papel, sem serem desenvolvidas, ninguém quer saber delas para nada. Foi por isso que não percebi qual foi o atirador que matou um suspeito num momento crucial: não tive tempo de lhe conhecer a cara, muito menos o nome. Há outra passagem igualmente frustrante, quando morre a mãe da primeira vítima. Tive de fazer batota e ir à internet pesquisar o que é que aconteceu à mulher. Parece que teve um ataque cardíaco. O que eu vi foi a mulher a prantear e cair de joelhos no chão, como faz uma pessoa que pranteia, não vi ataque cardíaco nenhum. Esta perplexidade, e outras do género que se repetem durante a série, não me deixou apreciar o enredo sem voltar atrás e ver de novo. Aliás, só percebi tudo ao segundo visionamento.
Outro momento de grande perplexidade foi quando está um personagem na prisão e os outros reclusos querem fazer-lhe a folha porque é um "assassino de crianças", mas depois este personagem desaparece e voltamos à prisão com outro personagem que caiu ali de pára-quedas e que eu julguei um membro do gangue que queria fazer a folha ao primeiro, mas afinal não tinha nada a ver com a cena anterior e fiquei muito confusa.
Noutra passagem, e isto vai soar um bocadinho cómico, a entidade malévola faz um escravo que vai a uma loja de ferragens e electricidade comprar candeeiros. Este escravo também tem de ir caçar veados para a entidade e deixa os veados e os candeeiros no meio da floresta. Confesso que este foi o momento de maior perplexidade de todos. Candeeiros no meio da floresta, sem estarem ligados a nada?!.. Tive de ver segunda vez para perceber que o escravo também estava a comprar geradores e gasóleo. Mas que raio de monstro tem medo do escuro? Só entendi isto no último episódio, e mesmo assim estou convencida de que o monstro podia ter arranjado sítio melhor onde morar.
Não faço ideia se eles estavam a seguir a estrutura do livro, mas se estavam deviam ter adaptado melhor. Foi por isso que em "Pet Sematary" tiveram de eliminar a mulher de Judd, que não estava ali a fazer nada. Stephen King, às vezes, não se lembra que as personagens só interessam se causarem impacto, e esta adaptação esqueceu-se de nos dar tempo de chegar a conhecê-las. Se é do livro ou da série, não faço ideia, mas às vezes não percebi exactamente o que estava a acontecer e como é que as personagens tinham chegado do ponto A ao ponto B.
Apesar disto tudo, "The Outsider" é uma boa série, melhor do que "It", e devo dizer que o final me recordou muito de "It" na versão adulta (isto é, com adultos em vez de miúdos). Confesso que não gostei de "It", mas "The Outsider" pareceu-me a versão melhorada, mais realista, muito mais credível do que "It". Recomendo.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 2 vezes (quem perceber tudo à primeira tem os meus parabéns)

PARA QUEM GOSTA DE: Stephen King, terror, It, policial


terça-feira, 27 de maio de 2025

Escape Room (2017)

[contém alguns spoilers]

Para prevenir os mais sensíveis, “Escape Room” é um filme do tipo “Saw”. No entanto, a moda dos Escape Rooms é uma coisa real, em que um grupo de pessoas, por diversão, tem de descobrir pistas e resolver enigmas para “escapar” de um lugar fechado. (Sinceramente, acho que não ia gostar, especialmente se houvesse um deadline. Para stress já me chega o trabalho, obrigadinha.) Mas vamos lá ao filme.
Christen e Tyler são namorados a pensar em tornar a relação mais séria, mas não está tudo bem entre eles. Tyler tem um affair com Natasha, casada com Anderson, ambos amigos do casal. Nunca se sabe exactamente se Christen está a par do affair, mas tudo indica que sim, uma vez que no aniversário de Tyler é ela que oferece convites aos participantes no jantar para uma aventura num Escape Room. A irmã de Tyler e o namorado dela também são convidados, mas uma rapariga sem namorado não é incluída no convite… e safou-se.
Os três casais são levados numa limusine para parte incerta, onde são vendados e drogados e separados em três quartos diferentes. Num écran de televisão, vêem que Christen está presa numa jaula e deduzem que o objectivo final do jogo é “salvá-la”. Para isso têm uma hora para resolver as pistas e enigmas de modo a abrir as portas e chegar até ela. Por esta altura ainda estão todos convencidos de que é tudo um jogo e uma aventura, até que a irmã de Tyler e o namorado têm uma morte horrenda sem causa aparente. É então que as tensões dentro do grupo entram em ebulição. Natasha, que já tratava o marido abaixo de cão antes de tudo acontecer, torna-se verdadeiramente ofensiva, e Tyler, considerado por todos como arrogante e egoísta, começa igualmente a tratá-la com grande desprezo. É impossível que o pobre Anderson não se tenha apercebido também do affair.
Na verdade entram todos em pânico e decidem safar-se cada um por si, excepto o desgraçado Anderson que não tem melhor sorte. A aventura torna-se um pesadelo. Alguém desconhecido (?) controla o “jogo”, como em “Saw”, e nunca tencionou deixá-los escapar.
A grande questão é porquê, que nunca é respondida, tornando o fim bastante frustrante. Talvez o objectivo fosse uma sequela. Algo realmente a lamentar, especialmente porque o filme apostou tanto na dinâmica tensa e vingativa entre os casais, são as más interpretações de todos os actores (e eu raramente me queixo disto). Na vida real toda aquela gente saberia do affair, tal é a falta de subtileza dos olhares trocados entre Tyler e Natasha, e os diálogos (e outros grandes “pormenores”) no Escape Room propriamente dito nem parecem de pessoas naquela situação.
Existem mais filmes em torno desta premissa, talvez para a próxima me calhe melhor.

13 em 20

 

domingo, 25 de maio de 2025

A Travessia (2025)

Esta é uma série de grande qualidade sobre a primeira travessia aérea do Atlântico Sul por Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Demorei um bocadinho a "entrar" na história porque conheço muito pouco sobre o período histórico (1922) e quase zero sobre aviação (sobre a exactidão técnica da travessia têm de ir ler outra pessoa). Na minha ignorância, confesso, e também falta de interesse, sem desmerecimento dos aviadores, tinha a ideia de que Gago Coutinho e Sacadura Cabral tinham voado para o Brasil numa questão de horas, como hoje. A ignorância é minha, mas é mais uma grande razão para fazer e ver esta série.
Disse que conhecia muito pouco sobre o período histórico, mas mais correctamente devia ter dito que conheço muito pouco sobre este Portugal da alta sociedade dos anos 20, com jornalistas, ministros, aviadores, clubes de Charleston. O que me chegou do Portugal deste tempo, via família, foi miséria, analfabetismo, ignorância, pés descalços, fome e obscurantismo. Este é um Portugal que os meus avós nunca conheceram e nunca puderam transmitir-me.
Sacadura Cabral queria ir mais longe e empreender uma circum-navegação mas não teve financiamento do Governo porque se estava em crise e "o povo tinha fome". Este já é um Portugal que eu reconheço, com a puta da crise crónica e os concursos públicos feitos "à medida", os muito pobres que mal podiam comprar um burro e os muito ricos que queriam comprar hidroaviões. No fim das contas, não foi feita circum-navegação nenhuma e o povo continuou com fome. Há qualquer coisa de muito errado com este país.
Regressando à ficção, adorei a atenção aos pormenores nesta série, desde o guarda-roupa à mobília e à loiça. Muitas peças desta loiça, aliás, que não era loiça cara, era o equivalente da loiça do Continente hoje em dia, ainda me chegou como "antiguidade" a preservar porque ainda era da "mãe da avó". O guarda-roupa lembra-me as fotos de família, e respectivos amigos e colegas, em dias de "tirar fotografia", todos no melhor traje e nos uniformes bem aprumados. Ainda tive um professor de liceu que se vestia assim.
Vou só apontar uma criticazinha picuinhas. Pareceu-me que as cenas no avião precisavam de mais vento. Sei que em Hollywood têm umas máquinas de vento que fazem voar os cabelos, mas imagino que isso deva ser muito caro. Também presumo que a barulheira no avião devia obrigar os aviadores a gritar uns para os outros para serem ouvidos, o que deveria implicar legendas. Não sei, digo eu.
"A Travessia" é uma série imperdível para quem gosta de História recente e deixa-me muito optimista quanto ao futuro da produção portuguesa de ficção. Se calhar ainda vou ver uma série de terror de jeito feita por cá, falando muito a sério.
Última nota: então a festa do Neptuno, que eu vi em "Das Boot", existia mesmo! Será que ainda existe? Alguém me esclarece nos comentários, por favor?

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: História, aviação, séries de época

 

terça-feira, 20 de maio de 2025

Megalodon: The Frenzy / Megalodonte: O Tormento (2023)

Quando se vê um filme chamado “Megalodonte: O Tormento”, o título não engana: vai ser um tormento. No meu caso foi mesmo uma tortura, porque demorei umas 4 ou 5 vezes até conseguir vê-lo até ao fim e só por uma questão de curiosidade mórbida em perceber até que ponto a qualidade podia descer. Este é, a todos os níveis, um dos piores filmes a que já assisti na vida: tão mau, mas tão mau, que merece que se escreva sobre ele.
Para “publicitar” este filme e outros do género, o SyFy tinha um anúncio hilariante que seguia mais ou menos assim: “Gostas dos melhores, dos maiores, dos mais épicos, dos mais espectaculares filmes de Hollywood? Não estavam disponíveis. Isto é o que sobrou.” Adorei a honestidade. Pelo menos o Syfy não quer vender gato por lebre, diz logo que os filmes não valem um chavo.
O “enredo” é mais ou menos este: ao mesmo tempo que um megalodonte (tubarão extinto que pode chegar aos 60 metros) anda a atacar o navio militar King (não há contexto anterior), uma instalação científica que pretende aproveitar a energia de vulcões submarinos, o Cratus, começa igualmente a ser abalroada por um megalodonte que mais tarde se descobre ser uma fêmea grávida. À medida que os cientistas se apercebem, pelas notícias, que andam uns cinco megalodontes à solta a causar carnificina, decidem prender a fêmea nas instalações submarinas e pedir ajuda ao King, que já está em más condições com falta de pessoal e sem munições. Por este motivo, o King recorre ao navio militar mais próximo, o Fragasso, que se dirige também em auxílio do Cratus.
Entretanto, a megalodonte presa no Cratus começa a ficar muito irritada e a atirar-se contra as instalações, ameaçando destruí-las, o que pode causar um tsunami no Havai porque (acho eu) isso rebentaria a ligação do Cratus ao vulcão. Deste modo, os cientistas decidem antes atrair os megalodontes à Cratus e fazer explodir as instalações, fugindo no submersível. Juro que os cientistas explicaram todas estas reviravoltas de planos umas 4 ou 5 vezes e mesmo assim não consegui acompanhar o que raio é que iam fazer.
Este é mais um filme feito com 10 euros e roupa emprestada. As actuações são piores do que más, do piorio mesmo. O comandante do King tem mais pinta de realizador de cinema do que de alguém que alguma vez tenha pertencido ao exército. Se quiser ser mazinha diria que o comandante do navio é o realizador do filme, a cientista é a mulher dele, a cientista-estagiária é a filha dos dois, e os muitos figurantes são colegas da faculdade que esta convenceu a aparecer no filme de graça, muitos deles com o sorriso estampado no rosto de quem diz “olá mãe, estou num filme” apesar de naquele momento correrem o risco de ser comidos por tubarões de 60 metros. É ver para crer. Logo na primeira cena estão uns marines deitados no chão a fingir que estão mortos e, palavra de honra, percebe-se logo que estão vivinhos da silva. Pelo menos espalhavam uns baldes de ketchup a fazer de sangue para mais realismo, mas nem isso. “Megalodon: The Frenzy” deve ser daqueles que andam a competir pelo título de Pior Filme de Sempre para destronar “Plan 9 From Outer Space”. Por falar nisso, os efeitos especiais são verdadeiramente… especiais. Tão especiais que parecem desenhos animados.
Há uma cena paradigmática de má representação, quando a cientista-chefe, num submersível, é perseguida pelo primeiro megalodonte que aparece no filme, e que conseguiria engolir o submersível e tudo. Quando ela se apercebe de que não consegue acelerar mais pede ajuda à central de comando: “O que é que eu faço?”, pergunta, como se nem fosse nada com ela. Sei lá filha, que tal gritar histericamente, desatar a transpirar, entrar em pânico como qualquer ser humano prestes a ser comido vivo?
Mas no meio desta desgraça toda encontrei dois actores que sabem o que é representar num filme. Sem ironia, são eles os ilustres desconhecidos:
Jeffery Daniels, como cientista Kurt Holt, que se manteve sempre no papel com toda a seriedade enquanto a cientista-chefe ia debitando barbaridades atrás de barbaridades sem tirar os olhos do monitor (se calhar estava a ler as deixas porque não teve tempo de as decorar);
Jordan Hubbard, como Kacey Keele, capitão do Fragasso, a única tentativa de inserir algum drama nisto tudo uma vez que Keele já não era o comandante do navio mas na ausência deste toma a responsabilidade de salvar os civis. Quando o actor olhava para a água fazia-nos acreditar que estava mesmo a ver os megalodontes.
Nesta tragédia de filme, ambos os actores podiam ter-se abandalhado, mas não, continuaram a representar estóica e profissionalmente como se estivessem a concorrer para os Óscares.
UMA GRANDE SALVA DE PALMAS PARA ELES!
“Megalodon: The Frenzy” podia ter recorrido ao humor (como a série de “Sharknados”) mas insistiu em levar-se muito a sério. Eis um filme que devia ser visto em todos os cursos de futuros profissionais de cinema como exemplo do que não fazer num filme.
Novamente sem ironia, salvam-se umas imagens subaquáticas de um recife que não têm nada a ver com o filme (que se passa nas profundezas): alguinhas, peixinhos coloridos, muito bonito.

5 em 20 (pelos peixinhos)

 

domingo, 18 de maio de 2025

Solum (2019)

Realizado por Diogo Morgado, “Solum” é um filme português que se aventura por um género pouco (ou nada?) explorado entre nós, a ficção científica. Os actores são portugueses mas o filme é falado em inglês (se não os consegues vencer junta-te a eles…), o que me leva a concluir que havia ambições de singrar no estrangeiro. Li algumas críticas de “cá” que não são muito favoráveis, mas eu não achei o filme assim tão mau, se calhar porque estou habituada a muito pior no canal Syfy e “Solum”, apesar do orçamento reduzido, até não se safa muito mal.
Mas vamos ao enredo, que é o que interessa. Oito concorrentes participam num reality show numa ilha deserta (as paisagens são dos Açores). O último a desistir é o vencedor do concurso. (Muita gente comparou esta premissa aos “Hunger Games”, mas eu ainda me lembro de um concurso semelhante chamado “Survivor” nos anos 90 e acho que os “Hunger Games” não são para aqui chamados.) Depressa os concorrentes percebem que de facto estão ali para sobreviver, e com mais gravidade do que pensavam. Entretanto, dois deles parecem saber mais do que os outros, e um deles decide mesmo eliminar a competição com um arco e flechas. Este pode parecer tresloucado, mas no fim acaba por dar uma explicação plausível, concorde-se ou não.
A parte que os concorrentes não sabem (e que nós também não compreendemos muito bem) é que o planeta Terra foi destruído (vemos muito ao de longe uma bomba nuclear (?) cair na Europa) e que o jogo está a ser organizado por extraterrestres que estão a “seleccionar” os melhores espécimes para… levar para o planeta deles?…
Aqui é que o filme se torna realmente confuso. Este “reality show” está mesmo a acontecer na realidade, numa ilha deserta, ou é completamente virtual e os concorrentes estão metidos em pods algures numa nave espacial e não sabem?
“Solum” acaba por resumir-se a uma “moral da história” muito batida, isto é, será que os seres humanos merecem uma segunda oportunidade depois de destruírem o seu próprio planeta? Nesse caso direi que o filme é demasiado optimista. Não vai haver nenhuns extraterrestres para nos salvar. Teria sido uma melhor premissa.

12 em 20


terça-feira, 13 de maio de 2025

Lights Out / Terror na Escuridão (2016)

Eis um filme excelente para quem tem medo do escuro. Estou a brincar. É mesmo um filme para NÃO ver por quem tem medo do escuro.
Martin é um miúdo que vive aterrorizado pelo escuro e com boa razão. Sophie, a mãe, para além de psicótica é perseguida pelo fantasma de uma amiga de infância que só se manifesta no escuro. Mas esta não é uma assombração vulgar. Sophie e Diana (o nome da amiga) estiveram internadas juntas num hospital psiquiátrico quando eram crianças. Diana sofria de uma sensibilidade extrema ao sol. Numa tentativa de “cura”, os médicos submeteram-na a intensa radiação solar… e a miúda morreu. Sophie conseguiu controlar a psicose com medicação e viver uma vida mais ou menos normal, mas sem os remédios começa imediatamente a receber a visita do fantasma da amiga. Na verdade, Sophie sente-se imensamente culpada por ter esquecido Diana, não quer mandá-la embora e está convencida de que a amiga jamais faria mal à sua família.
Martin sabe que não é verdade e desiste de dormir de noite, o que faz com que adormeça durante as aulas. A escola tenta contactar a mãe, que não está disponível devido ao surto de psicose mais recente, e tem de recorrer a Rebecca, meia-irmã de Martin, uma jovem adulta e independente que não quer compromissos nem com o namorado.
Martin não julga que a irmã acredite nele mas mesmo assim fala-lhe de Diana e, para sua grande surpresa, Rebecca não apenas acredita nele como se recorda de Diana da sua própria infância e foi mesmo por isso que se afastou da mãe e do irmão. Rebecca também sabe que Diana ataca toda a gente que considera uma ameaça que a afaste de Sophie e a partir daí decide fazer tudo para salvar Martin, nem que tenha de o retirar à mãe.
Como filme de terror, penso que “Lights Out” peca em relação à vilã. Afinal, a miúda foi assassinada na infância. É-nos dito que mesmo antes disso Diana era “agressiva” mas esta agressividade nunca é explicada. Todavia, uma miúda que sofre de uma doença rara, que certamente é ostracizada pelas outras crianças a ponto de só ter uma única amiga, e que foi enfiada num hospital psiquiátrico, não é apenas normal que tenha ataques de raiva? E não é normal, como fantasma, que permaneça agarrada a essa única amiga e que se considere ameaçada por toda a gente que as tente separar? Diana só existe ainda, afinal, porque Sophie se lembra dela, e Diana quer sobreviver. É impossível não simpatizar. Logo, para mim o filme perdeu muito do elemento de terror porque tive pena da vilã. Uma vilã mais malvada teria tido mais impacto, pelo menos para mim. Desta forma, acabei por focar-me mais no drama do que no terror propriamente dito.
Mesmo assim, é um filme interessante com alguns momentos de tensão, se bem que me pareça dirigido a um público muito jovem.

12 em 20