domingo, 30 de junho de 2013

Máquina Herética: poesia e prosa poética, 6


A QUEDA

Quando eu sinto que as asas se partem
e aterramos em queda livre, risco de vida,
pergunto-me a razão da existência,
porque voamos tão alto e depois caímos,
e ainda que a culpa não seja nossa
e nos culpem pela culpa que não temos,
de que modo podemos fugir?
Como voltar ao voo visando as nuvens
diz-me, meu amor, as alvas asas,
como levantá-las levemente
sem medo de voltar a cair?
Desta vez nada existe lá em baixo
que amortize a nossa queda tenebrosa
a não ser o manto materno da morte.
O amor, para nós, só o amor
ampara a amargura de existir.


3-10-1988

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Máquina Herética: poesia e prosa poética, 5


A ouvir o vento, a dançar ao vento
e tu a meu lado
Loucura, sem remédio...
versos esparsos que se desprendem
dessas luzes encaminhadas na brisa
que os teus lábios murmuram

Como podemos nós ser
mais do que pontos pequenos luminosos
no universo desta toda violência
que o vento incita e desprende
desprende os meus cabelos com força...
Que dança poderia ter sido mais bela
que conhecer-te como a voz do vento
e gritar de pulmões à ventania,
que só quero ser feliz...
E como explicar às ondas que batem
que a sua força não me assusta
o medo, o medo é a morte
e a morte não está aqui...
Que luz, o sangue que eu sei arder
sempre consumiu o meu ser
neste sofrimento que nem tu entendes

e se eu te chamar amor o que responderias?
Deixas-me ser a tua menina?
Se eu fugir, matar-me-ás?
Medo de quê hei-de ter?
Diz-me se dentro dos teus olhos,
o fogo que vejo é real, ou se é apenas uma luz,
uma lâmpada rebelde que te guia,
que me toca e reprime deste modo...
Enquanto lá fora o vento nos diz
que no fundo somos tão pequeninos...
E se não nos temos um ao outro
quem mais teremos para cuidar de nós, meu bem?
Sim, porque sós, tão sós... eu sei como tu.
Não me digas palavras de alívio...
que os teus olhos são doces como a brisa...
Dá-me só a doçura para que eu possa
enfim ter o sono que mereço...
Porque o vento, meu amor, também me embala
quando o medo já não tem razão de ser,
porque o medo também morre quando é demais,
e de ti, amor, não tenho medo...
Então dentro em pouco adormeci,
sei que me vais proteger,
porque temes ficar só
porque o vento também apaga
o fogo que te dá vida... e temes como eu.
Só respira comigo, respira e repousa,
no céu que sei ser o meu seio,
e sossega finalmente.


3 outubro 1988

sábado, 22 de junho de 2013

Máquina Herética: poesia e prosa poética, 4


riders on the storm

riders on the storm
the world belongs to us
the dreams of glory kept us warm
till the day they’ve turned to dust

it doesn’t matter, sweet lips of ice
the thunders still blow in the sky
no doubt to me, it’s the right choice
at least, my love, we’ve learnt to fly

the purple rain still hits the ground
and kills the fire inside my heart
my dead body is deadly proud
not even death can keep us apart

Yes, I’ve seen the sky is blood
but nothing else will challenge me
and as the rain screams from the clouds,
I feel the wind and I feel free!

Nobody knows inside the ice
my beating heart is always strong
and I’ve decided, till I die
to be a rider on the storm.


18-2-1988






Comentário: Assumidamente inspirado no clássico "Riders on the Storm" dos Doors. A referência a "purple rain" vem de "Purple Haze" de Jimi Hendrix e não de "Purple Rain" de Prince (se dúvidas houvesse). Há mais referências musicais e cinematográficas.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Máquina Herética: poesia e prosa poética, 3


Calem-se todos! Calem-se!
Tu voltaste!
Calem-se! Chegou a nossa vez, pois
Tu voltaste!
Calem-se os que fizeram que a chuva falasse.
Tu estás aqui!
Demoraste, meu amor! Oh, calem-se, ouço a tua voz!
Chegaste! Tu chegaste!
Mas será que o tempo não actuou?
Tu voltaste, meu amor, mas eu já parti!

3-9-1987

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Máquina Herética: poesia e prosa poética, 2


Se tu és a rosa eu sou o espinho.
Se tu és a estrada eu sou o atalho.
Se tu és a terra eu sou o verme.
Se tu és o trigo louro eu não sou nada mais que
as folhas que murcharam e que tu escondes abaixo do sol.
Se tu és a pradaria eu sou a erva seca.
Se tu és o sol, podes crer que eu sou uma estrela que já morreu.

3-9-1987

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Máquina Herética: poesia e prosa poética, 1


O primeiro poema que fizer,
será dedicado a ti.
A ti! Alma gémea de corpo sublime
que sorris pelos pelos cantos das avenidas e praças,
escondida entre os malmequeres e cravos que são vendidos por
uma desprezível criança loira de olhos rasgados para quem o
sol é inimigo pois mostra a sujidade dos seus dedos!
Ou serás tu a criança loira que sorri um sorriso rasgado e
até as lágrimas dos olhos rasgados parecem sorrir?

3-9-1987











Comentário: Em 1987 eu tinha 15 anos.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

"Máquina Herética", introdução

Actualmente, eu não gosto de poesia. Aconteceu entre mim e a poesia uma espécie de divórcio por diferenças irreconciliáveis e cada uma seguiu o seu caminho.
Nem sempre foi assim. Na adolescência era uma ávida leitora de poesia. Infelizmente, só da poesia portuguesa, por falta de conhecimento suficientemente profundo de outras línguas para as entender ao nível poético. Não falo de letras de canções, embora algumas mereçam de facto o estatuto de poemas, falo de grande poesia que só se consegue começar a compreender quando se adquire algo mais do que o domínio da língua, mas também as suas insinuações, o que passa também pela compreensão da cultura onde essa poesia se origina. O que é difícil, muito difícil, sem lhe dedicar o estudo de uma vida.
Dos portugueses, na verdade, só posso dizer que gosto verdadeiramente de Florbela Espanca. O que, agora que reflicto no assunto, não é assim tão estranho. Afinal, acontece o mesmo na literatura e na música, estranho seria que não acontecesse na poesia também.
Mas não foi essa cisão cultural que pôs fim à minha relação com a poesia. Foi algo de mais profundo, algo da alma. O que me afasta da poesia é a sua própria definição: é subjectiva. A certa altura começou a irritar-me perder tempo a tentar decifrar o que raio o poeta queria dizer com aquilo, e chegar a uma conclusão, e depois saber que o poeta queria dizer outra coisa, e que todos os leitores viam uma coisa diferente. Essa subjectividade é algo que me irrita a alma como uma forma de duplicidade, de falsidade, de desonestidade. Se queres dizer algo, porque não dizes algo? A partir do momento em que esta desconfiança entrou dentro de mim comecei a torcer o nariz à poesia e a preferir muito mais a prosa, que até pode conter elementos poéticos, mas não tão poéticos que alguma vez o leitor fique na dúvida sobre o que leu. O que tem tudo a ver com a minha personalidade.
A algumas pessoas a quem disse que já não gostava de poesia mas que não podia explicar sem elaborar sobre o assunto, aqui fica a explicação.
Não é que eu não saiba reconhecer o que está bem escrito. Nada disso. Nem que não haja esta ou aquela excepção a contrariar a regra e de vez em quando eu encontre um poema de que realmente gosto. Já aqui publiquei alguns.
É mesmo uma questão de gosto. Como na música. (Tudo é como na música.) Posso apreciar a música clássica e erudita, posso reconhecer-lhe o mérito, posso até gostar do Requiem de Mozart, mas não é por isso que ouço Mozart, e de facto não ouço.
Depois de descoberta esta incompatibilidade desisti da poesia e enveredei por aquilo de que, no fundo, sempre gostei, desde pequena. As histórias. De preferência, as que não tinham rima e permitiam contar-se de maneiras diferentes. Um dia, o Capuchinho Vermelho andava no bosque... Mas também pode ser, Era uma vez um lobo mau... Ou, Naquela aldeia vivia uma avó, que tinha uma menina, que tinha um lobo... A melhor poesia, para mim, está na prosa. Serve a prosa, encanta a prosa.

Mas nem sempre foi assim. Na adolescência, sofri da febre da poesia, que é uma coisa que dá depois da puberdade e passa depressa. (É como o gótico que dá nos miúdos.) A não ser aos poetas, a quem não passa. A mim, que não sou poeta, passou. Antes disso, entre os quinze e os vinte anos, escrevi uma quantidade considerável de poemas. Li algures que os estudantes de Coimbra, nos dias em que ser um estudante de Coimbra significava alguma coisa, sentiam-se intelectualmente obrigados a escrever um livro de poesia. Não sei se é isso, se não será a febre adolescente de que falava antes, mas a verdade é que decidi escolher os que achava melhores e fazer o meu livro de poesia. Chamei-lhe "Máquina Herética: poesia e prosa poética", e na altura achei aquilo muito engraçado.
Há poucos dias, a propósito de umas arrumações cá em casa, descobri que ainda tinha a versão impressa do livro. Pensava que tinha passado os poemas para o computador e que a tinha deitado fora. Foi curioso encontrá-la. Antes de mais, porque é uma relíquia de outros tempos, os tempos antes do computador. Só por isso vos vou mostrar uma página desta relíquia. Naquela altura batia-se à máquina de escrever, corrigiam-se as imperfeições com tinta branca, tiravam-se fotocópias para disfarçar essas imperfeições, encadernava-se com argolas, e estava feito o livro. Era assim, em toda a glória da impressão digital de cada uma das máquinas de escrever, com rasurados e manchas e erros de ortografia e tudo:



É sempre curioso mostrar estas coisas. A quem já não nasceu no tempo de as ver fazer, imagino que isto vos pareça tão antigo como os pergaminhos dos monges medievais. Aos mais velhos, aos que as fizeram também, sei que estas coisas provocam um sorriso e nostalgia e lembranças. Foi há tanto tempo, não foi? Um tempo em que não se imaginava que um dia se pudesse mostrar estas coisas ao mundo inteiro se nos apetecesse.
São por isso ainda mais relíquias, objectos históricos de um passado que acabou.

Depois, peguei naquilo, como se fosse o trabalho de outra pessoa, levei-o para  metro e pus-me a ler. Devo dizer que passei umas boas horas completamente absorvida. Já não me lembrava. Na maioria dos casos, aconteceu-me o que me acontece com a poesia dos outros: se não fosse eu própria que a tivesse escrito não fazia a mínima ideia do que aquilo significava. Não era para se perceber. Continua a não ser para se perceber. Para se perceber, escrevo de outra maneira. Assim.

Mas fiquei admirada por encontrar algumas coisas dignas de mostrar. Não as considero ambiciosas, mas provocam-me qualquer coisa. Escolhi novamente, e é o que vou partilhar aqui a partir de amanhã. Uma selecção tirada da compilação "Máquina Herética: poesia e prosa poética". É possível que não resista sem acrescentar comentários. Não sei. A poesia é muito imprevisível.

domingo, 2 de junho de 2013

Gotika: arquivos Agosto 2004

agosto 31, 2004

(Falta de) Perspectivas
As minhas perspectivas ao longo da vida:

4 anos: bailarina, cabeleireira, veterinária

8 anos: cabeleireira, veterinária, professora

12 anos: escritora, professora, psicóloga, zoóloga

14 anos: psicóloga (mas não dá porque não há dinheiro para as explicações de matemática, vou ter de escolher Humanísticas - FODA-SE!), logo, socióloga

18 anos: Socióloga não tem saída, Professora também não, logo, Relações Públicas

22 anos: Relações Públicas não tem saída, Publicidade não tem saída, Jornalismo não tem saída... Vou ver o que há no jornal.

32 anos: operadora de call center

Publicado por _gotika_ em 02:26 PM | Comentários: (30)